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‘Gilmore Girls’ e a melancolia

Dizer que “Gilmore Girls” é uma série super realista seria um exagero. Da mágica Stars Hollow, com seus mil festivais e habitantes malucos a velocidade em que as pessoas falam, passando pela quantidade de besteira que as protagonistas comem sem engordar um grama, há muito de fantasia ali. Mas poucas séries conseguem captar como “Gilmore Girls” as complexidades das relações, principalmente familiares. Quando Lorelai, Rory e Emily brigam, trazem à tona década de ressentimentos e vão direto na jugular. Quando se divertem, é com piadas internas cultivadas ao longo de toda uma vida. As dificuldades, as decepções da vida, estão todas lá.

Quando a série terminou na televisão, com a sétima temporada — a única sem a criadora, Amy Sherman-Palladino, no comando –, seu final foi bem aberto. Rory conseguiu um emprego num site pequeno para cobrir a campanha de Barack Obama, Lorelai deu um beijo em Luke, Emily e Richard foram prestigiar a filha e a neta numa grande festa em Stars Hollow. A partir disso, cada um podia imaginar o final que queria. O site de Rory podia ter estourado, ela podia ter conseguido emprego num jornal, poderia estar morando em Nova York ou na Europa, poderia ter voltado com um dos ex-namorados, ou ter conhecido alguém novo, ou estar sozinha. Poderia ter casado, poderia ter tido filhos, ou nada disso. Lorelai podia ter se reconciliado com Luke, casado com ele, tido mais filhos. Ou o beijo poderia ser só uma recaída. Havia uma série de finais felizes possíveis.

Mas não seria “Gilmore Girls” se houvesse um final feliz. Então nos quatro novos episódios, lançados no Netflix, vemos que para Rory, Lorelai e Emily tudo continua complicado como sempre. (Atenção, spoilers a partir daqui!) Não, Rory não voltou com Jess nem estourou como jornalista — nem com um currículo como o de Rory está fácil. Quando a temporada começa, ela acaba de publicar um artigo na New Yorker e acha que com isso muitas portas irão se abrir. Desdenha de uma vaga num site menor e vive viajando o mundo com seus três celulares atrás de frilas, até que termina sem emprego, sem dinheiro e sem perspectivas na casa da mãe, no quarto onde cresceu. Na vida amorosa, também é um desastre: tem um namorado há dois anos, mas vive se esquecendo dele, e o trai com desconhecidos e com Logan, que está noivo de outra.

Lorelai parece mais estável, mas também está desmoronando. Sookie abandonou a pousada que abriram juntas, Michel também quer partir, Luke nunca a pediu em casamento e a ausência do papel assinado começa a incomodar. A relação com a mãe, Emily, também não vai muito bem desde a morte do pai, Richard. Emily, então, perde completamente o chão depois que o companheiro de 50 anos morre. Como viver sozinha depois de tanto tempo? O resto dos personagens também não vai muito bem: Paris e Doyle estão se divorciando, Zack tem um emprego que odeia, Michel se sente sem perspectivas de crescimento, Jess continua apaixonado por Rory, e Lane agora toma conta do antiquário da mãe e não realizou seu sonho de ser roqueira. Dean vai bem, finalmente realizando o sonho de formar uma família cheia de filhos.

Do ponto de vista de fã, é frustrante ver Rory seguir o caminho que segue. A piada sobre Paul, o namorado de quem ela não se lembra apesar do relacionamento ter dois anos, perde a graça logo e se torna cruel — embarcar num namoro desses não parece algo que Rory faria. Apesar de sua relação com a monogamia não ser das mais sólidas desde o início (ela beija Jess quando está com Dean e transa com Dean quando ele está casado), também irrita o fato de ela ser amante do ex-namorado e de trair Paul com Logan e com um cara avulso que ela conhece na rua sem sentir nenhum tipo de culpa. Dá pena dela também pensar que dez anos depois ela ainda está apaixonada por Logan, um namorado que só fazia sentido quando ela tinha acabado de sair da adolescência perfeita e que lembrava seu pai, com quem ela tem questões para resolver.

Rory, Luke, Emily e Lorelai em episódio novo de 'Gilmore Girls'. Crédito: Saeed Adyani/Netflix
Rory, Luke, Emily e Lorelai em episódio novo de ‘Gilmore Girls’. Crédito: Saeed Adyani/Netflix

Mas “Gilmore Girls” nunca quis que Rory e Lorelai fossem perfeitas e esperar que Rory fosse ter a vida resolvida aos 32 anos era uma aposta arriscada de qualquer forma. Podemos não gostar do desenrolar das coisas, mas essa parte é coerente com aquilo que a série construiu ao longo de sete temporadas — “Gilmore Girls” nunca fez questão de que suas personagens fossem perfeitas.

Perfeição, aliás, passa longe desses novos episódios. Podemos perdoar o fato de Rory ter se tornado uma pessoa pior com o tempo, mas outros defeitos não e, no fim das contas, “Gilmore Girls: Um Ano para Recordar” é um fantasma daquilo que foi “Gilmore Girls”. Com a liberdade do Netflix, Sherman-Palladino e seu marido, Daniel Palladino, roteiristas e diretores da temporada, resolveram fazer quatro capítulos de uma hora e meia de duração (originalmente os capítulos tinham em torno de 40 minutos), representando cada um uma estação de um ano. A duração maior não foi bem aproveitada pela dupla e há cenas longuíssimas sem muito propósito e/ou cansativas, como a apuração de Rory para uma matéria sobre filas, as cenas do musical sobre Stars Hollow, os preparativos de Lorelai para sua caminhada e a aventura de Rory com Logan e seus amigos.

Essas cenas tomam espaço que poderia ser ocupado com as três garotas Gilmore juntas, já que a relação delas é o coração da série. Emily e Lorelai interagem um pouco — têm umas duas cenas memoráveis –, só é uma pena que as cenas de terapia que elas fazem juntas, que tanto prometia, não rendam tanto. Lorelai e Rory também, embora Rory passe praticamente mais tempo viajando pra Londres do que com a mãe (aliás: quem faz um bate-volta Estados Unidos/Londres como Rory, que ainda por cima está supostamente falida?). Raras são as cenas com as três juntas.

Juntar todo o elenco original para esses quatro episódios foi uma conquista e tanto e é reconfortante ver todos seus personagens queridos de novo. Mas os Palladino gastam tempo demais mostrando “ah, como Stars Hollow é esquisito!”, com cenas que pouco acrescentam, do que com a história dos personagens que amamos. Seria mil vezes melhor saber mais sobre Lane, para quem eu esperava justiça após o final terrível que foi terminar grávida de gêmeos aos 21 anos, do que ver as cenas na piscina de Stars Hollow (horrível da parte das Gilmore ficar julgando os corpos das pessoas em 2016). Mais Paris e menos Kirk. Mais interações de Jess e Rory. Poxa, até mais Dean seria bem-vindo.

Isso não significa que a temporada não tenha seus bons momentos. Rever Paris é uma alegria, com diplomas de medicina e direito e uma casa de cinco andares em Nova York, como deveria ser. Lauren Graham parece não ter deixado nunca de interpretar Lorelai e revê-la no papel é pura nostalgia mesmo nas cenas meio sem graça. Emily, particularmente, é um destaque. Sem chão após a morte de Richard, ela finalmente fica com uma empregada mais do que um episódio e meio que adota a família imigrante de Berta, com quem ela nem consegue se comunicar direito. Aos poucos, ela aprende a viver sozinha, vendendo a casa e largando tudo para morar na praia, onde passa as noites bebendo vinho e os dias ensinando crianças num museu.

No processo, solta alguns palavrões (no Netflix é liberado) ao deixar o esnobe grupo DAR de maneira memorável. A briga com Lorelai após o velório de Richard também é brutal, numa excelente atuação das duas. O arco de Emily é uma boa síntese daquilo que “Gilmore Girls” consegue ser nos seus melhores momentos: triste, engraçado, complicado, às vezes tudo ao mesmo tempo. Se a série mostra algo, é que a vida não é fácil, mas pode ser muito boa.

Rory e Lorelai na cozinha das Gilmore. Crédito: Saeed Adyani/Netflix
Rory e Lorelai na cozinha das Gilmore. Crédito: Saeed Adyani/Netflix

Nesse sentido, o final é particularmente desapontador: não combina com “Gilmore Girls”. O mais frustrante é que há muitos anos Amy Sherman-Palladino diz que sabia quais seriam as quatro últimas palavras ditas na série. Como ela não trabalhou na sétima temporada, os fãs nunca souberam qual era o final imaginado por sua criadora. Durante a campanha publicitária dos novos episódios, Sherman-Palladino colocou os holofotes repetidas vezes sobre as tais quatro palavras. A expectativa era alta, o que nunca ajuda, mas nem nos meus devaneios mais loucos pensei que pudesse ser tão ruim. Rory diz a Lorelai que está grávida e há um corte.

Não sabemos a reação de Lorelai. Não temos nem certeza sobre quem é o pai. Tudo leva a crer que seja Logan, que a própria criadora disse que representa a figura do pai ausente na vida de Rory. Mas como Logan casou-se com outra, Rory repetiria a experiência da mãe e criaria sozinha a criança. Faria sentido, assim, a conversa que tem com o pai no último episódio: sabendo que estava grávida de Logan, perguntou para ele se ele se arrependia de ter deixado Lorelai criá-la sozinha — para ajudar a se decidir se incluiria ou não Logan na vida de seu filho. Como Christopher, Logan é um homem rico que ama Rory, mas não pode dar a ela aquilo que ela precisa. Alguns fãs de Jess especulam na internet que ele seria o Luke de Rory, o cara que a entende, que está ali pro que ela precisar, e que, no fim das contas, eles terminariam juntos. Mas meio triste pensar que Rory — a tão ambiciosa e estudiosa Rory, que queria ser jornalista pra viajar o mundo e “ver as coisas acontecendo” — terminou naquela cidadezinha, deixando a carreira de lado.

Dá muita alegria pensar que Sherman-Palladino não escreveu a sétima temporada, pois ver Rory como mãe solteira aos 22 anos, recém-formada, seria terrível. O que ela quis dizer com esse final? Que estamos fadados a repetir a trajetória dos nossos pais? Por que fazer Rory repetir a experiência da mãe, que foi tão difícil? Era essa a ideia desde o começo, fazer um final melancólico que mostre que a vida é cíclica e inescapável? Quando Lorelai pede um empréstimo à mãe, como no primeiro capítulo, percebe-se a ideia de “ciclo se fechando”. Se depois de tudo que elas viveram seu final é voltar pro início, é melancólico demais.

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‘Divorce’, ‘Insecure’ e relacionamentos

Com “Game of Thrones” a dois anos de terminar e “Girls” entrando na última temporada, a HBO preparou para este mês algumas apostas de substitutas — já que “True Detective” afundou no segundo ano e a caríssima “Vinyl” nem passou da primeira temporada. No último domingo foi a vez de “Westworld”, o drama complexo de ficção científica candidato a substituir “Game of Thrones” como série de prestígio. Neste fim de semana (9) o canal apresenta suas novas comédias: “Divorce”, com Sarah Jessica Parker, e “Insecure”, de Issa Rae.

Quando Sarah Jessica Parker apareceu pela última vez em uma série, sua Carrie Bradshaw rumava ao felizes para sempre com Mr. Big, em “Sex and the City”. Mais de dez anos depois, a atriz volta à HBO para mostrar o que acontece quando o para sempre acaba e um casamento chega ao fim. Em “Divorce”, a atriz é Frances, que nos é apresentada de toalha, passando lentamente um creme no rosto no espelho do banheiro, em um momento bem íntimo. Robert, o marido (Thomas Haden Church), entra com uma lata na mão e reclama: ela passou tanto tempo no banheiro, sem abrir a porta para ele, que ele teve que fazer as necessidades na lata. Ela reage com desinteresse, sem parar o que está fazendo.

Nas palavras de Frances, a vida do casal consiste apenas em conversar sobre assuntos banais como o alarme da casa — o que seria tolerável se ainda houvesse algum amor entre os dois ou alguma felicidade naquela rotina. Depois de um acontecimento traumático, Frances comunica a Robert que o amor acabou e que quer o divórcio. De início, ele quer conversar a respeito: sugere mais sexo, sessões com um terapeuta. Mas ela diz que não tem solução. Depois, ela muda de ideia e quer voltar atrás, dar uma segunda chance ao relacionamento. Mas ele diz que não tem solução. Com base na sinopse oficial da série (“um casal passa por um longo e arrastado divórcio”), supõe-se que a dissolução do casamento será tão difícil quanto o namoro de Carrie e Mr. Big.

Apesar da premissa dramática, “Divorce” é, oficialmente, como dito no início do texto, uma comédia. Criada por Sharon Horgan, de “Catastrophe”, da Amazon, sobre duas pessoas difíceis unidas por uma gravidez inesperada, a série tem muitas notas de humor negro — do cachorro que se sufoca intencionalmente por não aguentar mais o clima da casa à escalada surreal de uma briga entre um casal na festa de aniversário da mulher (bem, a primeira cena “Divorce” fala de defecar em uma lata). Só não é uma comédia pura, daquelas reconfortantes que você põe para não ter que pensar muito no fim do dia. É mais uma daquelas séries que causam controvérsia quando são classificadas como “drama” ou “comédia” em premiações, porque são um pouco das duas coisas. Definitivamente não conforta ninguém.

Julgar uma série pelo primeiro episódio não só é difícil como é temerário — tem algumas que precisam de uma meia temporada para finalmente pegar no tranco. O que dá para dizer de “Divorce” tendo visto só um capítulo, é que a série tem um bom começo. Sem ter um enredo muito complexo ou precisar explicar muita coisa, como “Westworld”, a série pode se concentrar em apresentar os personagens. Sarah Jessica Parker, bem distante de Carrie, tem a oportunidade de mostrar seu lado mais dramático e carrega bem os monólogos sobre a infelicidade de sua vida nos subúrbios de Nova York. Haden Church tem menos o que fazer nesse início, mas coloca humor num personagem que tem tudo pra ser uma pessoa bem sem graça. Como vemos no início mais os dois separados do que juntos, não dá para saber ainda se os dois têm muita química, o que é essencial numa série sobre (o fim de) uma relação. Pelo menos Sarah Jessica tem uma boa dinâmica com Molly Shannon, a amiga à beira de um ataque de nervos que também está num casamento problemático.

Apesar de Sarah Jessica Parker estar em “Divorce”, quem se aproxima mais de “Sex and the City” e de seu olhar sobre amizade feminina e relacionamentos é “Insecure”, a alternativa mais leve e, pelo primeiro capítulo, melhor entre as duas estreias. Issa Rae, criadora e protagonista da série, não é conhecida na televisão, mas já tinha experiência em séries com “Awkward Black Girl”, criada para a internet num momento de tédio na faculdade. Se “Divorce” pode ser definida como “casal rico de meia idade se separa em Nova York”, “Insecure” é “mulher negra chegando nos 30 vive sua vida em Los Angeles ao lado de sua melhor amiga”. São duas séries sobre relacionamentos, mas em tempos diferentes: “Divorce” é um retrato do fim, “Insecure” é tanto sobre a busca pelo romance quanto sobre as amizades.

Ao som de “Alright”, de Kendrick Lamar, somos apresentados a Issa em seu aniversário de 29 anos, em mais um dia comum em seu trabalho, como a única mulher negra em uma ONG com projetos educacionais para crianças. Na sala de aula, ouve dos alunos “por que você fala como uma mulher branca?” e “meu pai diz que mulheres negras são amargas”. No escritório, é “agressivamente passiva” com os colegas que lhe perguntam o significado das gírias do momento, como se ela estivesse por dentro de tudo que acontece nas ruas. Em casa, sustenta o namorado, que está há anos desempregado. Ela quer terminar, acha que chegando aos 30 não tem mais tempo a perder, mas não tem exatamente certeza.

Enquanto Issa não sabe se é melhor ficar num namoro pouco empolgante ou ficar solteira, sua melhor amiga, Molly (Yvonne Orji) tem certeza: escolha o namoro. Molly, uma advogada, é um sucesso profissional — segundo Issa, ela é o “Will Smith do mundo empresarial”, amada por brancos e negros –, mas não tem um namorado e sofre com isso enquanto usa aplicativos de encontro. Issa e Molly nem sempre concordam, mas estão sempre disponíveis para dar um ombro amigo uma para a outra mesmo quando brigam com a ferocidade de quem se conhece muito bem e sabe exatamente o que dizer para machucar.

Com base no primeiro capítulo, pelo menos, dá pra dizer que “Insecure” tem uma qualidade que falta a muitas das séries voltadas ao público dos vinte e poucos/tantos anos: parece realista sem ter personagens difíceis vivendo vidas horríveis. Issa e Molly são mais legais que qualquer personagem de “Girls” ou “Love” e suas vidas não são nem surrealmente boas (como Carrie, de “Sex and the City”, conseguia comprar tantos sapatos escrevendo uma coluna em um jornal é o mistério do século) nem ruins. São normais.

Se a HBO vai conseguir ou não encontrar novos sucessos para sua grade, não dá pra dizer só com base nessa semana. Mas dá pra ficar otimista.

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O que podemos esperar de ‘Westworld’?

Rodrigo Santoro tira um papel dobrado do bolso e diz: “Eu realmente não posso falar sobre a série. Tenho uma lista de ‘talking points’ e tudo é muito sobre o conceito”. Estamos — um grupo de jornalistas e o ator — num evento da HBO para apresentar a série “Westworld”, que estreia em 2 de outubro às 23h no canal, mas ele escapa de quase todas as respostas. Pode falar sobre ideias, temas, coisas gerais. Detalhes, não. “Se eu fizer, eles, sei lá, me processam. Coisa assim. Eu assinei um papel, um termo de compromisso. A gente não revela. A série vive disso. Do mistério.”

Embora “Westworld” seja inspirada num filme de 1973 de mesmo nome, não se trata de um remake: os dois só usam a mesma premissa. Tal qual o filme, a série tem como cenário uma espécie de parque de diversões que imita o Velho Oeste americano, com caubóis, bordéis, xerifes e duelos armados. Ali, vivem criaturas chamadas de “anfitriões”, robôs tão perfeitos que quase parecem humanos — e que desconhecem o fato de que não o são. Os visitantes do parque, que os robôs recebem como hóspedes recém-chegados na cidade, podem satisfazer ali suas fantasias mais primitivas: passar horas com prostitutas, estuprar, matar. Respeitando as leis de Asimov, faz parte da programação dos anfitriões que eles sejam incapazes de machucar os visitantes. É um espaço seguro, então, para as pessoas mostrarem suas piores facetas sem medo das consequências.

Não haveria série sem um conflito e, se há robôs no meio, é seguro apostar que em algum momento eles se voltarão contra os humanos que o criaram. É o que a série indica que irá acontecer: no primeiro episódio, depois que seu criador (Anthony Hopkins) faz uma atualização para deixá-los com gestos ainda mais humanos, alguns anfitriões começam a apresentar defeitos e a agir fora do roteiro que são programados a seguir.

É o caso, por exemplo, do pai da protagonista Dolores (Evan Rachel Wood), a anfitriã mais antiga do parque. Dolores, uma mocinha sonhadora que só vê a beleza no mundo, é apaixonada pelo forasteiro Teddy (James Marsden), sobre o qual pouco se sabe de início. Os outros personagens principais incluem Hector (Santoro), um bandido procurado pelo xerife, Maeve (Thandie Newton), uma prostituta local, Bernard (Jeffrey Wright), programador dos robôs, e um personagem cujo nome desconhecemos, mas com muito sangue nos olhos, interpretado por Ed Harris. Ao fim da primeiro episódio, tudo ainda é meio vago.

Tudo é mistério também para os atores, diz Santoro. “Foi muito desafiador o laboratório, porque não deu pra fazer laboratório. Porque eu não tenho informação, a gente não tem informação”, conta. “O que a gente sabe é o que nos é passado, e a gente recebe o roteiro um pouco antes do dia de filmagem.” Sem poder se aquecer, preparou-se para estar preparado. “Trabalhei o corpo, porque a gente trabalha com esses anfitriões que não são humanos, mas são muito próximos dos humanos. Não são robôs. A gente tem, claro, um corpo diferente, uma forma diferente, mas ao mesmo tempo não é robotizada. Mas tudo isso ainda está sendo desenvolvido enquanto a gente está trabalhando.”

James Marsden e Evan Rachel Wood em 'Westworld'
James Marsden e Evan Rachel Wood em ‘Westworld’

Santoro diz que escolher um papel é um pouco como fazer um amigo: quando sente uma química ao ler o roteiro, sabe que é o personagem certo. “Não existe uma fórmula e nem sempre é da mesma forma. Mas é como quando você encontra a Maria, vai pra casa e fala ‘po, a Maria é legal, né’. Por que ela é legal? Você nem conhece ela direito. Não sabe por que, mas tem alguma coisa que aconteceu ali e essa relação eu vejo quando leio as coisas de um personagem”, afirma. “Eu recebi o [roteiro do] piloto, o primeiro, quando tive o convite pra fazer a série. Eu adorei o que eu li. Claro que tem todo o pacote, os atores envolvidos, um monte de coisa que era muito sedutor.”

Hector e os outros robôs têm a possibilidade de se transformar de cena a cena. Suas ações dependem da interação com os visitantes e é interessante ver como uma mesma situação — como o encontro de Dolores e Teddy, que segue o mesmo roteiro todos os dias — pode se desenrolar de formas levemente diferentes dependendo de quem está no parque. Na mesma cena, portanto, os atores podem colocar nuances diferentes. Também pode acontecer de os manipuladores dos robôs trocarem o papel de uma das máquinas, mudando completamente o personagem. Um dia você pode ser bandido e no outro, o xerife. Dessa forma, no primeiro episódio, entendemos como o mundo de “Westworld” funciona, mas não há muitos acontecimentos: vemos as mesmas pequenas cenas cotidianas (Dolores acorda, conversa com o pai, vai até a cidade, encontra Teddy) repetindo-se várias vezes, com resultados diferentes. É uma boa introdução, mas deixa muito no ar.

O papel de Santoro, por exemplo, termina o capítulo como uma grande incógnita. Apesar de no papel Hector ser o bandido daquele cenário de faroeste, não dá pra saber de cara se ele bom ou mau — ou, de modo geral, quem são os vilões e os mocinhos (a figura do mal mais clara é Ed Harris). “Essa questão de quem é vilão e quem é mocinho é a grande pergunta da série. É isso que a gente vai mostrar. O Hector teria a embalagem, mas a gente vai muito mais fundo, as coisas vão começar a ser reveladas e aí a gente vai deixar pro espectador fazer sua própria escolha”, diz Santoro. Dá para entender os criadores, que controlam os robôs? Os visitantes que satisfazem seu apetite pela violência “matando” os robôs? Os robôs que se rebelam?

Para Santoro, a série — produzida por J.J. Abrams e Jonathan Nolan, corroteirista de “O Cavaleiro das Trevas” — é um estudo profundo sobre a natureza humana. “É uma série que trabalha muitas metáforas, muitas entrelinhas. Claro que o entretenimento está ali. Até porque no mundo de hoje, de tanto entretenimento e tão digital, a gente precisa disso pro espectador também se conectar. Mas ali vem muito alimento pro cérebro, eu acho.”

Um dos grandes atrativos para o projeto, o elenco de “Westworld” também foi motivo de nervosismo para Santoro, especialmente ao gravar uma cena sozinho com Ed Harris. “Na van começou a me dar um nervosismo, desconfortável, comecei a ficar ansioso, não tava gostando daquilo. Falei pra ele: ‘Olha, é uma honra e tal’. E ele: ‘Tá tranquilo’. E eu: ‘Tranquilo pra você, que é comigo. Pra mim não tá tranquilo, você é o freaking Ed Harris, tenho o maior respeito pelo seu trabalho, é uma cena grande só eu e você’”, conta. “É uma sensação de estar jogando com a seleção, mesmo. É outro lugar. É um lugar onde a bola vem e tem que voltar legal.”

No set, para relaxar, deitou-se numa cama que havia por ali, para tentar relaxar. Harris sentou-se ao seu lado. “Daqui a pouco ele bota a mão na minha bota. Aí ele falou uma frase, que não me lembro exatamente, mas era: ‘A gente vai fazer isso junto. Quando estiver bom a gente vai embora. Enquanto não estiver bom a gente fica aqui. Estou aqui contigo’. Aí ele levantou, a gente fez a cena e foram dois takes”, lembra Santoro. “O psicológico é uma coisa tão difícil de controlar, ainda mais quando a gente está ansioso. É tão sutil, mas aquelas palavras foram muito importantes, de companheirismo. Mostra que mesmo sendo um cara super reconhecido, é um artista, trabalhador. Sem muita firula também, não segurou na minha mão.” Foi a terceira vez que se sentiu assim intimidado na vida, conta Santoro. As outras vezes haviam sido com Benicio Del Toro, em “Che”, e Paulo Autran.

Anthony Hopkins foi outra história: logo de cara, chegou e quebrou o gelo. “Anthony vem e faz isso com todas as pessoas, vem e quebra. ‘Call me Tony.’ Olha bem no seu olho, te abraça, faz uma piada”, diz. “Almoça com todo o mundo, conta história, imita que é uma coisa. Fez uma imitação do Brando que a galera… Nossa, incrível. É um compositor, pinta, dirige. É uma lenda.” Preso à lista de tópicos autorizados, porém, Santoro não conta se chegou a contracenar com Hopkins ou se só cruzou com ele no set. “Aí você vai ter que assistir à série, não posso contar. Ele é o criador. Quando a criatura encontra o criador, coisas acontecem.”

Com tanto mistério por parte de Santoro e tendo visto apenas um episódio, bastante introdutório, dá só para prever quais serão as questões levantadas pela série para “alimentar o cérebro”, clássicas quando se fala de inteligência artificial e da relação de criador/criatura, desde os tempos de Frankenstein. Na estreia, Anthony Hopkins é uma presença bem coadjuvante, que deve ganhar importância. Sabe-se que ele é o grande cérebro por trás do parque e quer humanizar cada vez mais suas criaturas, acrescentando nelas uma espécie de memória, de subconsciente, que se reflete em gestos mais naturais baseados nas lembranças. Não sabemos, porém, quais são seus objetivos, sua verdadeira natureza ou o que sente pelas criaturas. “Westworld” também parece questionar o apetite pela violência: é moral matar uma figura que parece humana, ainda que seja uma máquina? Veremos o que a série tem a dizer.

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‘Broad City’: demorou, mas chegou no Brasil

Enquanto séries antigas como “Friends” e “Two and a Half Men” ainda passam direto na televisão, algumas boas produções demoram um pouco para chegar ao Brasil. É o caso de “Broad City”, que depois de dois anos finalmente estreia por aqui, nesta sexta (3) às 21h30 no canal pago Comedy Central. A comédia protagonizada por Abbi Jacobson e Ilana Glazer é praticamente uma unanimidade entre a crítica: suas três temporadas têm, respectivamente, os impressionantes índices de 96%, 100% e 100% no site Rotten Tomatoes, que dá uma nota com base com textos de diversos veículos.

Em tempos não muito bons para comédias com episódios de meia hora de duração — só dar uma olhada nas categorias de humor e drama nas principais premiações de TV para ter uma ideia –, “Broad City” é uma lufada de ar fresco. Criada pelas duas protagonistas, a série estreou na internet em 2009, onde foi exibida até 2011. Na televisão, tem como uma das produtoras-executivas Amy Poehler, um dos principais nomes da comédia hoje e que já havia participado da versão para internet. O maior elogio que se pode fazer à série é que ela não se parece com mais nada que esteja no ar hoje. A princípio, pode parecer que tem um quê de “Girls”, talvez, com suas personagens de vinte e poucos/tantos anos que moram em Nova York (mas não em Manhattan) e que ainda não têm nada resolvido na vida.

Abbi (à esquerda) e Ilana em cena de 'Broad City'. Crédito: Divulgação
Abbi (à esquerda) e Ilana em cena de ‘Broad City’. Crédito: Divulgação

Abbi, na versão televisiva (as protagonistas levam os nomes das atrizes), é funcionária de uma academia, responsável pela limpeza e manutenção do local, com o sonho de virar treinadora. Mora com uma amiga — que nunca aparece, mas que tem um namorado que vive lá também às custas delas — e tem uma paixão platônica por um vizinho, na frente do qual sempre passa vergonha. Já Ilana trabalha num escritório, onde aparece vestindo roupas inapropriadas — como uma miniblusa sobre sutiã aparecendo — e passa o dia ou dormindo de olhos abertos na própria mesa ou de olhos fechados sentada na privada. Como a Hannah de Lena Dunham, nenhuma das duas é a funcionária do mês. Falando nesses termos, “Broad City” parece mais uma das séries cuja moral é “millenials são narcisistas com vidas fora dos eixos”. Longe disso.

Não só a série é bem mais engraçada e solar que “Girls”, como suas personagens são verdadeiramente amigas, estranhamente um fato raro na TV (Mindy Lahiri, de “The Mindy Project”, deixou de se relacionar com mulheres na primeira temporada, e as mulheres de “Girls” hoje raramente aparecem juntas em cena, pra ficar em dois exemplos). No terceiro episódio da primeira temporada, uma montagem inicial dá bem o tom da série. Em cada metade da tela, as duas vivem seus dias separadas — Abbi limpando privadas, Ilana dormindo sobre a privada –, até que vão jantar, no que parece um encontro romântico. Ainda com a tela dividida em dois, vemos as duas comendo juntas, uma roubando algo do prato da outra, um retrato da intimidade.

Ilana e Abbi também são, ao mesmo tempo, cheias de defeitos — como gente normal, ressalte-se — e pessoas com as quais você gostaria de conviver. Não representam nem a fofura de Zooey Deschanel (“New Girl”) nem a acidez de Aya Cash (“You’re the Worst”). As duas são quem são, sem se preocupar em entrar em moldes, em agradar aos outros e sem pedir desculpas por isso. Fumam (muita) maconha, transam com quem querem e como querem, dançam peladas pela sala quando estão sozinhas e dão a melhor resposta do mundo para homens que pedem para que elas sorriam — elas sorriem se tiverem vontade.

Entre as séries a que assistimos aspirando àquela vida boa que os personagens levam — ganhando bem, trabalhando pouco, convivendo diariamente com os amigos, conhecendo só gente linda e maravilhosa (“Sex and the City”, “Friends”, “How I Met Your Mother”…) — e aquelas que vemos para pensar que felizmente nossa vida não é tão ruim (“Girls”, “Love”, “Flaked”…), “Broad City” está bem no meio. E, mais importante: ao mesmo tempo em que é original, jamais deixa de ser engraçada, vendo sempre a bizarrice nas situações mais corriqueiras. Demorou, mas chegou no Brasil.

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‘Superstore’ vê EUA pelos olhos da classe trabalhadora

Sem um grande papel na televisão desde o fim de “Ugly Betty”, em 2010, America Ferrera resolveu voltar às séries por um motivo que parece um pouco esquisito. O papel que lhe ofereceram era de uma pessoa normal, que vivia no mundo real (não seriam quase todos?). Explica-se: numa época em que a oferta de televisão está maior do que nunca — mais de 400 seriados foram exibidos no ano passado –, não há tantas opções que retratem pessoas comuns, com trabalhos e vidas comuns. E é bem isso que é Amy, sua personagem em “Superstore”, que estreia na segunda (6) na Warner.

A premissa da série é tão simples que, falando assim, não parece que seja lá grandes coisas. Todos os episódios se passam na megaloja Cloud 9, uma espécie de Wal-Mart, com todos os tipos de produtos e funcionários vestindo coletes azuis com seus nomes nos crachás circulando pelos corredores. Não há propriamente uma trama, cada episódio conta uma história fechada em si, mostrando algumas horas na vida dos empregados, que interagem com os vários tipos de visitantes que passam por lá diariamente. Foi essa “ideia de ver o clima social e político e o que significa ser americano hoje, pelos olhos da classe trabalhadora” que inspirou America, vencedora de um Globo de Ouro, a voltar à televisão em um papel fixo. “Cresci com séries como ‘Cheers’, ‘Roseanne’ e ‘All in the Family’. Ver pessoas comuns era muito normal na televisão e era algo com que eu me identificava muito.” Panorama diferente do de hoje, com tantas séries cheias de glamour e efeitos especiais e menos espaço para comédias mais modestas. “Achei que era uma visão muito excitante.”

Amy é a protagonista da história, ao lado de Jonah (Ben Feldman, de “Mad Men” — descrito com precisão na série como uma mistura de urso panda com princesa da Disney). Ela é a gerente que trabalha há dez anos no mesmo lugar, insatisfeita com a vida que leva, e ele é o funcionário novo e de uma família com mais dinheiro, que faz questão de ressaltar no primeiro dia que não é do tipo de pessoa que costuma trabalhar em uma loja daquelas. “Amy não tem a ingenuidade e o idealismo do Jonah. Ela está meio que se virando, sobrevivendo. Vi muito valor nessa perspectiva. É a forma como a maior parte das pessoas, não só nos Estados Unidos, mas no mundo, vive. Não trabalham por paixão e realização, mas para sobreviver. Mas pode haver inteligência e humor na vida dessas pessoas.”

“Vai ser divertido ver o show progredindo e ver o relacionamento de Amy e Jonah, pessoas que vêm de perspectivas de vida tão diferentes. Não vai demorar muito pra eles começarem a impactar na vida um do outro. Eles não têm como evitar de se sentirem desafiados pelas crenças do outro, o que influencia no seu modo de ver o mundo”, diz ela, por telefone a um grupo de jornalistas da América Latina. America nem precisava dar essa dica. Conhecendo os mecanismos de séries de comédia, fica claro pelas personalidades contrastantes que em algum momento os dois vão se apaixonar (será que eles vão ficar juntos? Será que não? Aquela coisa de sempre). Mas, pelo menos no início, o romance tem um papel menor.

[citacao credito=”” ]Na minha experiência, quando um personagem não é definido, ele é branco. É o padrão[/citacao]

“Superstore” é uma série mais política do que parece pela sinopse. A começar pelo elenco, com latinos, negros, asiáticos, mulheres, personagens deficientes. “Fiquei muito impressionada com a forma como os produtores e criadores escolheram o elenco. Quando chegaram a mim já tinham escolhido vários atores, e quando li o roteiro fiquei surpresa por que nenhum personagem foi escrito com uma etnia em mente. Eram só pessoas na página. E mesmo assim eles estavam contratando pessoas que pareciam com todos os tipos de pessoas”, conta a atriz. “Vieram atrás de mim, uma latina, para fazer a protagonista, que não foi escrita como latina. Foi muito interessante. Na minha experiência, quando um personagem não é definido, ele é branco. É o padrão.”

Com esse elenco, a série pôde abordar questões pertinentes como assédio sexual e racismo — tema do terceiro episódio. Nele, o chefe pede às funcionárias latinas que usem sombrero e carreguem no sotaque mexicano para vender salsa, mas Amy recusa. Quando um colega asiático topa fazer o papel, ela aponta o racismo de sua caracterização e faz uma imitação estereotipada de um asiático para provar sua afirmação, o que ele considera racista. É uma discussão bem feita, com graça e sem grosseria. Algo como faz “Black-ish”, outra série que gira em torno de uma família padrão — negra, não branca –, e uma das boas novidades dos últimos anos.

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America Ferrera e Ben Feldman em 'Superstore'. Crédito: Trae Patton/NBC
America Ferrera e Ben Feldman em ‘Superstore’. Crédito: Trae Patton/NBC

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“Fiquei positivamente surpresa porque a escolha do elenco não foi pra preencher caixinhas num formulário ou ter uma diversidade simbólica. Foi genuinamente uma escolha baseada em quem eram essas pessoas e quem era certo para o papel. Como fazer esse elenco parecer real no mundo em que vivemos?”, diz America. “É uma abordagem nova à diversidade, que não é criada por motivos políticos. É para entender que diversidade é autenticidade, porque nosso mundo é diverso. No nosso caso, é uma oportunidade de contar histórias melhores. Podemos ser mais engraçados, abordar questões mais ousadas, falar de raça, gênero, preconceito, por que vem da nossa experiência.”

America é bastante vocal a respeito da necessidade de mais diversidade, em todos os pontos da indústria do entretenimento. “O problema não está em uma parte de indústria. Está em todos os lugares. Na frente das câmeras, atrás, no financiamento, na promoção, nas premiações. Em todos os pontos da linha de produção falta diversidade de experiências, gênero e etnias. É uma conversa que precisamos ter em voz bem alta”, opina. Para isso, diz que todas as minorias devem se unir — atores asiáticos, por exemplo, se manifestaram depois de terem sido motivo de piada justamente no Oscar que os negros criticavam por ser branco demais.

“Quando vamos estar dispostos, como indústria e cultura, a encarar a realidade de que o que vemos na tela não representa o público, o mundo? Como alguém que cresceu vendo TV e filmes, posso dizer que há muito impacto em crescer numa cultura em que você não se sente visto e refletido”, continua. “Televisão é cultura. É o que dizemos que somos, é o que somos. Fico feliz por estarmos falando disso. Talvez estejamos chegando num ponto em que a conversa não será superficial e que ações de verdade sejam tomadas. Que levemos a indústria para o mundo real, para o século 21.”

[citacao credito=”” ]Quando vamos estar dispostos, como indústria e cultura, a encarar a realidade de que o que vemos na tela não representa o público, o mundo? Como alguém que cresceu vendo TV e filmes, posso dizer que há muito impacto em crescer numa cultura em que você não se sente visto e refletido[/citacao]

A atriz está diz estar contente com o projeto e não se preocupar com audiência nem com repetir o sucesso de “Ugly Betty”, já que isso está fora do seu alcance. “Se eu desvendasse essa equação eu seria muito bem-sucedida”, ri. “Tento não me preocupar com o que não posso controlar. Se eu quero que encontremos um público? Sim. Mas não tenho ideia. ‘Superstore’ já está achando um público e é muito legal ver as pessoas encontrarem alegria e significado nisso. Vai ser um público diferente de ‘Ugly Betty’. É um território novo, não dá pra comparar.”

Por enquanto, America tem razões para ser otimista. A série foi a estreia com maior audiência no canal NBC nos últimos anos e vai particularmente bem entre o público preferido dos anunciantes: pessoas com idade entre 18 e 49 anos em lares com renda superior a 100 mil dólares anuais. Tanto que, em fevereiro, a produção criada por Justin Spitzer, de “The Office”, foi renovada para uma segunda temporada. “Estou vivendo um período incrível. Rimos o dia todo. Trabalhar com esses roteiristas e atores me faz sentir que estou aprendendo. Me sinto muito apoiada nesse desafio.”

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Música

Som e imagem

Quando escrevo para Pedro Bromfman para confirmar nossa entrevista para dali cinco minutos, ele responde que seu compromisso com o novo episódio de “Narcos” tinha sido adiantado e que ele teria que sair logo. Remarcamos. Mesmo o espectador mais atento do mundo provavelmente não reconheça o nome de Pedro, mas sua assinatura está em todos os episódios da primeira temporada da série do Netflix. É um tipo curioso de trabalho: se você está entretido na trama, é capaz de nem perceber o que Pedro fez. Porém, não dá pra saber como a série seria sem ele ali. Quer dizer: dá. Seria esquisitíssima. Como em outros trabalhos de José Padilha (“Robocop”, os dois “Tropa de Elite”, “Rio, Eu Te Amo”), Pedro é o compositor da trilha sonora da série.

Uma rápida passada de olhos por sua página no IMDb, o currículo de qualquer um envolvido em cinema ou televisão, revela trabalhos em outras produções bem variadas, passando pela comédia romântica “Qualquer Gato Vira-Lata”, com Cleo Pires e Malvino Salvador, o documentário “Mataram Irmã Dorothy” e, mais recentemente, “Em Nome da Lei”, filme de Sergio Rezende com Mateus Solano e Paolla Oliveira que estreou no fim de abril. A pré-estreia do filme, aliás, é motivo para a visita de Pedro, que mora nos Estados Unidos, ao Brasil. É a melhor parte do trabalho, diz ele, rindo. No resto do tempo, escrever trilhas “é mais transpiração que inspiração”, conta. Não dá pra ficar de papo pro ar, com a página em branco na frente, esperando a ideia chegar.

Pedro Bromfman, compositor de trilhas sonoras para cinema e TV
Pedro Bromfman, compositor de trilhas sonoras para cinema e TV. Crédito: Daniela Scaramuzza

Pedro começou a fazer trilhas um pouco que por acaso, numa época não havia muita gente especializada nisso no Brasil. Começou a estudar música por volta dos dez anos de idade, quando ganhou o primeiro violão, dedicando-se à prática desde o início. “Queria realmente levar a sério, estudar composição e arranjo. Aos 18 anos fui pro Berklee College of Music, em Boston”, conta. Lá, estudou performance e composição. Voltou para o Brasil, montou uma banda, produziu discos e aí começou a fazer algumas coisas para comerciais, o primeiro passo pra nova carreira. Naquela época, gostava de cinema, mas nunca tinha pensado em trabalhar com isso. Seu negócio mesmo era tocar. Foi por iniciativa da mulher, diretora de cinema, que ele voltou aos Estados Unidos, para Los Angeles, onde sua trajetória profissional mudou.

“Eu estava um pouco frustrado com o mercado de música instrumental aqui no Brasil. Isso foi no começo dos anos 2000. Acabamos indo juntos pra Los Angeles e lá entrei de cabeça nesse mercado de trilhas”, lembra. “Fiz uma especialização lá e comecei a trabalhar com alguns compositores de trilha, fazendo música adicional, ajudando com programa de televisão, coisas assim. Eventualmente comecei a ter a minha chance.” Quando vinha para o Brasil batia na porta de produtoras para se apresentar, aproveitando o fato de que ainda não tinha muito gente que fizesse o que ele fazia. “Naquela época era um país com músicos maravilhosos, mas com pouca gente que entendia realmente como a trilha funciona. Hoje tem muito mais gente capacitada trabalhando. Mas em 2004, 2005, pouca gente se dedicava exclusivamente a isso. Começou a me abrir portas aqui também.”

O primeiro grande projeto fez barulho: “Tropa de Elite”, primeira colaboração sua com José Padilha. A continuação do filme, então, era a maior bilheteria nacional no Brasil até “Os Dez Mandamentos”, neste ano. “Estar lá [nos Estados Unidos] me abriu portas aqui, porque eu tinha especialização e experiência de longa data de composição e orquestração. E o fato de fazer filmes aqui — e um filme como ‘Tropa’, que viajou — começou a me abrir portas lá”, diz Pedro. “Sempre digo que não basta estar preparado e ter talento. Precisa de sorte nesse mercado de cinema. Você tem que estar no lugar certo na hora certa, conhecer as pessoas certas e aí estar preparado pra entregar e fazer o trabalho direito quando te chamarem.”

INTERLÚDIO

Ouça a cena prestando atenção na trilha sonora.

LIBERDADE CRIATIVA

Mas o que significa, exatamente, saber fazer trilha sonora? Não é como compor músicas para um disco próprio. Pra começo de conversa, tudo tem que estar de acordo com a visão do diretor. Numa produção americana, por exemplo, costumam chamar o compositor quando já há um primeiro corte do filme ou programa de TV. As fases de roteiro e filmagem já ficaram bem pra trás. “A cabeça de Hollywood é de que não é só arte, é indústria. É mais uma cabeça de cronograma, orçamento, bem certinha”, diz Pedro. Chegar tão tarde na produção não é o ideal para ele. “Eu gosto — é como trabalho com o Zé Padilha — de me envolver o quanto antes. Ler o roteiro, nem pra começar a gravar coisas, mas pra ter ideias, conversas criativas com o diretor, entender os personagens, qual a instrumentação que deve ser usada.”

No caso de “Narcos”, Pedro não foi à Colômbia, onde a primeira temporada foi gravada, mas recebia imagens assim que as filmagens começaram. “Eu já tinha lido o roteiro do piloto [primeiro episódio] e comecei a compôr música lá no início. Muitas das músicas que compus lá viraram os temas principais. Mas muitas vezes acontece também de você começar cedo, fazer algumas coisas e depois olhar as imagens e falar ‘não é bem por aí, vamos repensar’. Às vezes você lê o roteiro e acha que sabe tudo de que o filme precisa, mas aí você vê as primeiras cenas e realmente vê o tom do filme e das atuações, e é aí que você vê.”

Quanto antes o compositor entra no projeto, maior sua liberdade criativa. Quando um filme já chega nas suas mãos em um primeiro corte, muitas vezes já vem com uma música temporária. Sem música, fica estranho ver um filme e os editores colocam algo para ajudar no ritmo. “A música muitas vezes funciona de uma maneira subconsciente. Você nem está ouvindo realmente, mas se ela não estiver ali você não sente a parte emocional do mesmo jeito. Se você passa um filme sem a música a pessoa não chora, mas se você põe a sala inteira vai ficar emocionada porque é pele”, opina.

No caso de “Em Nome da Lei”, por exemplo, Pedro também participou desde o início e pôde dar suas opiniões a respeito de como deveria ser a música. “Obviamente se eu entrego uma faixa que [o diretor] não gosta ele diz que não é bem por aí. Mas num esquema bem colaborativo, de mandar uma coisa, ele responder, eu defender minha ideia”, diz. “Eu acho que é isso que o cinema é, realmente. Uma grande colaboração de todas as artes. O trabalho do diretor é conseguir unificar aquela visão e passá-la pra todos os departamentos do filme.”

Para ser um compositor de trilhas também é preciso ser versado em músicas de diferentes tipos. Cada projeto, ou cada gênero de filme, pede um tipo de música. “Já fiz trilha que era quase só tango do começo ao fim. ‘Robocop’ tinha uma orquestra de 80 músicos com mistura de música eletrônica”, diz. Hoje, acaba mais fazendo mais filmes de ação, o que considera normal pelo caminho de sua carreira. “As pessoas veem um filme de ação ou de drogas e falam ‘ah, gostei da música dele, vamos chamar pra fazer outro filme assim’. Qualquer oportunidade de sair um pouco disso, fazer uma comédia romântica, uma animação que for, eu abraço. Principalmente se for um projeto interessante. Obviamente a primeira decisão do sim ou do não é se o tema me interessa.”

E, é claro, produzir independente de inspiração. Nem sempre é fácil. “Toda vez que eu começo um projeto eu penso que não tenho ideia do que fazer. É como se eu esquecesse o que eu faço cada vez que eu começo. Aí passo duas semanas com o filme, digerindo, experimentando uma coisinha ou outra até a hora que a coisa engrena. Aí a gente encontra o tom e a instrumentação, e a partir dali a coisa flui”, diz. Mas mesmo antes de pegar no tranco ele se compromete a sentar no estúdio todo dia às 9h e trabalhar até as 18h. “Talvez no dia seguinte eu não goste de nada do que fiz. Mas todos os dias tem alguma coisa produzida. Música pra cinema é muito mais transpiração que inspiração. Inspiração é o que você absorveu ao longo da vida, de filmes que viu, músicas que ouviu, estudos que fez, instrumentos que aprendeu a tocar. No dia a dia a coisa é sentar e produzir.”

https://www.youtube.com/watch?v=U7elNhHwgBU

O resultado de tudo isso é fazer com que trilha e filme casem perfeitamente. Pedro diz que sabe que está diante de um grande filme quando ele presta atenção na trilha, mas nem tanto assim. Nesse caso ele ouve de novo a trilha em casa (entre os ídolos aponta Ennio Morricone, atual vencedor do Oscar por “Os Oito Odiados”, Thomas Newman, indicado a 13 Oscar — o último por “Ponte dos Espiões”, neste ano –, e Gustavo Santaolalla, que ganhou o Oscar por “Babel” e “O Segredo de Brokeback Mountain”).

Para quem quer começar a trabalhar com trilhas hoje há mais caminhos, inclusive especializações no Brasil. Há um mercado grande, particularmente, para trilha sonora de videogames, conta ele, que trabalhou no jogo “Max Payne”. “Foi meu primeiro e único trabalho até agora, mas é um mercado que cresce muito. Os fãs jogam o dia todo e aquela música fica embrenhada, eles são mais apaixonados pelas trilhas que os fanáticos por cinema”, diz. A experiência foi boa, mas no cinema há mais controle sobre a obra. “No videogame você faz a música, mas não tem como saber se aquilo que você escreveu vai tocar exatamente naquele momento. Todas as músicas têm que poder voltar pro começo e não terminar nunca até que você passe de um ponto, ou mude de fase. Aí começa uma nova música”, diz. No cinema, se ele escreveu aquilo para a cena X, sempre irá tocar na cena X.

Agora, além de trabalhar na segunda temporada de “Narcos” (acabou de terminar o quinto episódio e faz mais ou menos um capítulo a cada dez dias), faz a trilha da série “Rio Heat”, com Harvey Keitel. Também cita um projeto com José Padilha sobre o qual não pode falar (dias depois da entrevista, o Netflix revelou que vai exibir uma série do diretor sobre a Operação Lava Jato). O ritmo é forte, diz. “Não estou fazendo a música só pela música. Não interessa se ela é a mais bonita do mundo, se a melodia é a mais linda, estou fazendo a música pro bem de uma obra maior, ajudando uma cena e personagens. Esse é o grande lance.”

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Televisão

‘House of Cards’ volta como novela das boas

Em tempos em que Donald Trump é o favorito a disputar a presidência dos Estados Unidos pelo Partido Republicano, “House of Cards” não parece tão novelona assim. Sim, Frank Underwood, presidente na série, já matou duas pessoas, colocou um jornalista na cadeia por cyberterrrorismo e derrubou um presidente com uma facilidade impressionante. Pelo menos nas primárias disputadas por Frank, diferente da realidade, ninguém mencionou o tamanho do seu pênis e pregar a supremacia branca é algo que pode destruir uma candidatura. Mas “House of Cards” abraça cada vez mais a ideia de que é sim uma novelona, com diálogos cheios de frases de efeito, vilões maquiavélicos e reviravoltas. Se você tem uma boa história e bons personagens, como é o caso desta quarta temporada, isso não é um problema.

Na terceira temporada, “House of Cards” deu uma cambaleada. Nos dois primeiros anos, a trama girava em torno da escalada de Frank Underwood — preterido no cargo de Secretário de Estado e com sangue nos olhos –, que passou de deputado a presidente. Na terceira, com o objetivo inicial atingido, o panorama mudou um pouco. Frank tentou emplacar um projeto pouco popular para aumentar os empregos reduzindo programas de governo e se envolveu em questões diplomáticas com a Rússia, governada por um presidente que lembra bastante Putin. Enquanto isso, o braço-direito de Frank, Doug, passou a temporada no fundo do poço, recuperando-se lentamente de uma tentativa de assassinato. As histórias novas não engrenaram, a série só esquentou no final e deu saudades das primeiras temporadas.

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Frank (Kevin Spacey) no quarto ano de 'House of Cards'. Crédito: David Giesbrecht/Divulgação
Frank (Kevin Spacey) no quarto ano de ‘House of Cards’. Crédito: David Giesbrecht/Divulgação

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Não é o caso dos episódios novos, que estrearam na sexta (4). As primárias são bem mais interessantes que o dia a dia de Frank como presidente e ele é muito melhor quando colocado contra a parede. Na quarta temporada, os desafios vêm de vários lados: Lucas, o repórter que Frank colocou na cadeia, é libertado depois de ajudar o governo numa investigação; seu ex-chefe, Tom Hammerschmidt, começa a investigar Frank por conta própria; Claire, mulher de Frank, impõe condições difíceis para ajudá-lo nas eleições; Heather Dunbar continua no páreo para disputar a presidência e o candidato republicano e Will Conway faz bastante pressão sobre os Underwood.

Ajuda o fato de vermos mais da vida dos Conway fora da relação com Frank — Tom Yates, escritor contratado para contar a história do casal na terceira temporada, por exemplo, foi mal construído desde o início e é difícil ligar pra ele até hoje. Os novos episódios deixam de lado alguns velhos conhecidos, como Jackie e Remy, mas os novos personagens — como a complicada mãe de Claire — são melhores que os que apareceram no ano passado.

SURREALISMO

Desde que Frank cometeu o primeiro assassinato com as próprias mãos, lá no primeiro ano, caiu um pouco a aura de “realidade” da série. Quando ele matou uma jornalista em público, numa estação de metrô lotada, a história ficou mais inverossímil ainda. Mas é justamente nesses momentos que a série tem seus pontos altos: não quando tenta ser séria e falar de política externa, não quando quer ser um retrato dos bastidores da política americana, mas quando encurrala Frank e Claire (Kevin Spacey e Robin Wright, que seguraram as pontas mesmo na terceira temporada) e os força a buscar uma saída, por mais louca ou improvável que seja — até porque está difícil competir com a realidade das primárias americanas.

Quando os desafios que eles enfrentam parecem intransponíveis e os adversários dos Underwood estão à altura (a ética Heather Dunbar, que apareceu na temporada anterior, não é), é difícil parar de assistir a “House of Cards”. Não porque é um grande drama político, mas porque é uma novela das boas. E isso a quarta temporada — com menos tramas paralelas, mais focada na busca do casal pela indicação à presidência, mas ainda totalmente maluca — entrega.

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Cultura

A surpresa e o óbvio no Globo de Ouro

Acompanhar as indicações do Globo de Ouro para a televisão é sempre uma surpresa. Diferente do Emmy, em que é mais ou menos fácil prever a lista, o prêmio, que divulgou hoje (10) seus candidatos, é mais favorável a séries iniciantes, às vezes troca quase todos os indicados em uma categoria de um ano para o outro e olha com carinho para as séries originais dos serviços de vídeo sob demanda — e não só para as já figurinhas fáceis “House of Card”, “Orange Is the New Black” e “Transparent”.

Nesse ano não foi diferente. Foi um bom ano para o Netflix. “Narcos” concorre a dois dos prêmios principais: melhor série de drama e melhor ator em série de drama, com Wagner Moura (grande surpresa, mas infelizmente ele disputa com o favorito Jon Hamm, pelo fim de “Mad Men”). “Master of None” e “Better Call Saul” tiveram seus protagonistas, Aziz Ansari e Bob Odenkirk, indicados a melhor ator. “Orange Is the New Black” tem duas indicações, “House of Cards” e “Grace & Frankie”, uma. Até no cinema o Netflix foi indicado, com Idris Elba disputando o prêmio de melhor ator coadjuvante. Quase todas suas séries foram contempladas.

A Amazon também foi surpreendentemente bem. “Transparent” já é barbada, costuma concorrer e ganhar em todas as premiações de TV. Neste ano não foi diferente e tem a chance de repetir os prêmios de 2015 de melhor série de comédia e melhor ator em série de comédia e ainda concorre em melhor atriz coadjuvante. Mas nesse ano o serviço ainda conseguiu duas indicações para a pouco comentada “Mozart in the Jungle”, protagonizada por Gael García Bernal. E talvez a maior surpresa de todas: “Casual”, série do Hulu, também concorre a melhor série cômica.

É uma felicidade ver “Modern Family”, “The Big Bang Theory”, “Homeland” ou Maggie Smith (boa, mas chega, né?) completamente fora da disputa. Ou mesmo não ter ganhadores do ano passado, como a série “The Affair”, a atriz Ruth Wilson (da mesma série), ou Kevin Spacey (“House of Cards”). O Globo de Ouro fez escolhas menos óbvias, indicando “Scream Queens”, “Crazy Ex-Girlfriend”, “The Grinder”, “Blunt Talk” e “Mr. Robot”. Até Lady Gaga disputa um prêmio, como atriz de filme para a TV ou minissérie, por “American Horror Story: Hotel”.

Como todo bom prêmio, o Globo de Ouro também cometeu algumas injustiças. Indicar “Game of Thrones”, em sua pior temporada, no lugar de “Mad Men” é um insulto. “UnREAL”, uma das melhores estreias do ano, ou “The Americans”, que teve um ano incrível, seriam alternativas melhores. E se era para escolher um medalhão, que fosse “House of Cards”. “Game of Thrones” não fez por merecer. E quantas personagens Tatiana Maslany tem que interpretar para ser indicada pela série sobre clones “Orphan Black”? Na comédia, “Master of None” e “You’re the Worst” mereceriam uma indicação como melhor série também. Mas o Globo de Ouro é tão louco que quem sabe eles entrem no ano que vem.

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Leonardo DiCaprio em 'O Regresso'
Leonardo DiCaprio em ‘O Regresso’

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NA GRANDE TELA

No cinema, a situação se inverte um pouco e as surpresas são poucas. Como na maioria das categorias tem uma divisão entre filmes de comédia e de drama, quase todos os favoritos encontram uma vaga. Jennifer Lawrence, por exemplo, foi ignorada pelo sindicato de atores pelo filme “Joy”. Mas como as favoritas (Brie Larson, Cate Blanchett e Saoirse Ronan) vão se digladiar na disputa no drama, ela tem boas chances na comédia (Amy Schumer e Melissa McCarthy são algumas das concorrentes). Nessas categorias ainda tem o fato de que Oscar e Globo de Ouro discordam em relação a que prêmio certas atrizes devem disputar. No Oscar, Rooney Mara (“Carol”) e Alicia Vikander (“A Garota Dinamarquesa”) vão tentar como coadjuvantes, onde têm mais chance. No Globo de Ouro, concorrem ao prêmio principal mesmo.

O mesmo acontece na disputa de melhor ator. Matt Damon, até essa semana onipresente na lista de favoritos a ganhar uma indicação ao Oscar pelo sucesso “Perdido em Marte”, ficou de fora pelo sindicato dos atores. Como ator de comédia, também tem grandes chances, favorecido pelo fato de que Steve Carell e Christian Bale podem se anular na briga ao concorrer pelo mesmo filme, “A Grande Aposta”.

Talvez o grande esnobado tenha sido Johnny Depp, por “Aliança do Crime”. É o tipo de papel perfeito para premiações: envolve uma transformação física, é uma história real e ele interpreta um psicopata. Ficou um pouco mais fácil para Leonardo DiCaprio, que pode finalmente ganhar seu Oscar em 2016 (seu papel também é perfeito para prêmios, já que ele comeu fígado cru de bisão e dormiu pelado na carcaça de um animal). Outra ausência: “Que Horas Ela Volta?”, de Anna Muylaert, considerado candidato a uma indicação ao Oscar, não entrou na lista de filmes estrangeiros.

Pensando no número inclusivo de candidatos, talvez a lista de melhor diretor seja a mais significativa, já que une as duas categorias em uma só. Lenny Abrahamson, de “O Quarto de Jack”, e David O. Russell, de “Joy: O Nome do Sucesso”, por exemplo, ficaram de fora e perderam o lugar para George Miller, de “Mad Max: Estrada da Fúria”. De qualquer forma, tem sido raro o diretor vencedor do Globo levar o troféu no Oscar — Richard Linklater, que ganhou por “Boyhood” neste ano, que o diga.

Com todo o mundo incluído, a lista de indicados ao Globo de Ouro no cinema não é muito polêmica e nem é o melhor termômetro para o Oscar. Nem os resultados significam muita coisa, aliás, já que frequentemente os resultados das premiações divergem (DiCaprio tem dois Globos de Ouro, por exemplo). De qualquer forma, o prêmio é divertido. Com os atores bebendo em mesas grandes, como num casamento, e apresentadores com menos medo de forçar a barra nas piadas, o Globo de Ouro é uma ótima parada na longa temporada anual de premiações.

 

Jacob Tremblay e Brie Larson em 'O Quarto de Jack'
Jacob Tremblay e Brie Larson em ‘O Quarto de Jack’

A lista completa de indicados:

CINEMA

FILME DE DRAMA
“Carol”
“Mad Max: Estrada da Fúria”
“O Regresso”
“O Quarto de Jack”
“Spotlight – Segredos Revelados”

FILME DE COMÉDIA
“A Grande Aposta”
“Joy: O Nome do Sucesso”
“Perdido em Marte”
“A Espiã que Sabia de Menos”
“Descompensada”

DIRETOR
Todd Haynes, “Carol”
Alejandro Iñárritu, “O Regresso”
Tom McCarthy, “Spotlight – Segredos Revelados”
George Miller, “Mad Max: Estrada da Fúria”
Ridley Scott, “Perdido em Marte”

ATRIZ EM DRAMA
Cate Blanchett, “Carol”
Brie Larson, “O Quarto de Jack”
Rooney Mara, “Carol”
Saoirse Ronan, “Brooklyn”
Alicia Vikander, “A Garota Dinamarquesa”

ATRIZ EM COMÉDIA
Jennifer Lawrence, “Joy: O Nome do Sucesso”
Melissa McCarthy, “A Espiã que Sabia de Menos”
Amy Schumer, “Descompensada”
Maggie Smith, “A Senhora da Van”
Lily Tomlin, “Grandma”

ATRIZ COADJUVANTE
Jane Fonda, “Youth”
Jennifer Jason Leigh, “Os Oito Odiados”
Helen Mirren, “Trumbo”
Alicia Vikander, “Ex-Machina: Instinto Artificial”
Kate Winslet, “Steve Jobs”

ATOR EM DRAMA
Bryan Cranston, “Trumbo
”
Leonardo DiCaprio, “O Regresso”
Michael Fassbender, “Steve Jobs”
Eddie Redmayne, “A Garota Dinamarquesa”
Will Smith, “Um Homem entre Gigantes”

ATOR EM COMÉDIA
Christian Bale, “A Grande Aposta”
Steve Carell, “A Grande Aposta”
Matt Damon, “Perdido em Marte”
Al Pacino, “Não Olhe para Trás”
Mark Ruffalo, “Sentimentos que Curam”

ATOR COADJUVANTE
Paul Dano, “Love & Mercy”
Idris Elba, “Beasts of No Nation”
Mark Rylance, “A Ponte dos Espiões”
Michael Shannon, “99 Homes”
Sylvester Stallone, “Creed: Nascido para Lutar”

ROTEIRO
Emma Donoghue, “O Quarto de Jack”
Tom McCarthy, Josh Singer, “Spotlight – Segredos Revelados”
Charles Randolph, Adam McKay, “A Grande Aposta”
Aaron Sorkin, “Steve Jobs”
Quentin Tarantino, “Os Oito Odiados”

FILME DE ANIMAÇÃO
“Anomalisa
”
“O Bom Dinossauro”
“Divertida Mente”
“Snoopy & Charlie Brown: Peanuts, o Filme”
“Shaun: O Carneiro”

CANÇÃO ORIGINAL
“Love Me Like You Do”, “Cinquenta Tons de Cinza”
“One Kind of Love”, “Love & Mercy”
“See You Again”, “Velozes & Furiosos 7”
“Simple Song No. 3”, “Youth”
“Writing’s on the Wall”, “007 Contra Spectre”

FILME ESTRANGEIRO
“The Brand New Testament”
“The Club”
“The Fencer”
“Cinco Graças”
“O Filho de Saul”

TELEVISÃO

SÉRIE DE DRAMA
“Empire”
“Game of Thrones”
“Mr. Robot”
“Outlander”
“Narcos”

ATOR EM SÉRIE DE DRAMA
Jon Hamm, “Mad Men”
Rami Malek, “Mr. Robot”
Wagner Moura, “Narcos”
Bob Odenkirk, “Better Call Saul”
Liev Schreiber, “Ray Donovan”

ATRIZ EM SÉRIE DE DRAMA
Caitriona Balfe, “Outlander”
Viola Davis, “How to Get Away With Murder”
Eva Green, “Penny Dreadful”
Taraji P. Henson, “Empire”
Robin Wright, “House of Cards”

SÉRIE DE COMÉDIA OU MUSICAL
“Casual”
“Mozart in the Jungle”
“Orange Is the New Black”
“Silicon Valley”
“Transparent”
“Veep”

ATRIZ EM SÉRIE DE COMÉDIA OU MUSICAL
Rachel Bloom, “Crazy Ex-Girlfriend”
Jamie Lee Curtis, “Scream Queens”
Julia Louis-Dreyfus, “Veep”
Gina Rodriguez, “Jane the Virgin”
Lily Tomlin, “Grace & Frankie”

ATOR EM SÉRIE DE COMÉDIA OU MUSICAL
Aziz Anzari, “Master of None”
Gael García Bernal, “Mozart in the Jungle”
Rob Lowe, “The Grinder”
Patrick Stewart, “Blunt Talk”
Jeffrey Tambor, “Transparent”

MINISSÉRIE OU FILME PARA A TV
“American Crime”
“American Horror Story: Hotel”
“Fargo”
“Flesh & Bone”
“Wolf Hall”

ATOR EM MINISSÉRIE OU FILME PARA A TV
Idris Elba, “Luther”
Oscar Isaac, “Show Me a Hero”
David Oyelowo, “Nightingale”
Mark Rylance, “Wolf Hall”
Patrick Wilson, “Fargo”

ATRIZ EM MINISSÉRIE OU FILME PARA A TV
Lady Gaga, “American Horror Story: Hotel”
Sarah Hay, “Flesh & Bone”
Felicity Huffman, “American Crime”
Queen Latifah, “Bessie”
Kristen Dunst, “Fargo”

ATRIZ COADJUVANTE EM TV
Uzo Aduba, “Orange Is the New Black”
Joanne Froggatt, “Downton Abbey”
Regina King, “American Crime”
Judith Light, “Transparent”
Maura Tierney, “The Affair”

ATOR COADJUVANTE EM TV
Alan Cumming, “The Good Wife”
Damien Lewis, “Wolf Hall”
Ben Mendelsohn, “Bloodline”
Tobias Menzies, “Outlander”
Christian Slater, “Mr. Robot”

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Televisão

O estranho Natal de Bill Murray

O que você acha do Bill Murray? Talvez essa seja a única pergunta que importa para decidir se vale ou não a pena assistir ao especial de Natal de Sofia Coppola com o ator, “A Very Murray Christmas”, que estreia hoje no Netflix. Se você o ama, possivelmente vai gostar de vê-lo cantar durante quase uma hora. Se não, é provável que apenas ache o programa estranho.

O Netflix começou a diversificar sua oferta de produções originais com séries faladas pelo menos em parte em espanhol e elenco latinoamericano, como “Club de Cuervos” e “Narcos”. Mesmo assim, uma parte significativa do seu conteúdo próprio praticamente só tem apelo para o público americano — ou pelo menos pouco apelo para o público brasileiro. É o caso de vários especiais de stand-up com comediantes pouco conhecidos por aqui e do especial de Natal.

No programa, Bill Murray é contratado para fazer um show natalino ao vivo na televisão americana, com vários convidados ilustres — passando por George Clooney, Paul McCartney e o papa Francisco — na plateia. Só que uma nevasca em Nova York impede que aviões pousem, carros circulem e estações de metrô funcionem. Ninguém aparece no local e Murray quer desistir. Suas produtoras, Amy Poehler e Julie White, o obrigam a se apresentar. A partir daí, o programa é uma viagem.

São muitos convidados (Miley Cyrus, George Clooney, Maya Rudolph, Michael Cera, Rashida Jones, Chris Rock, a banda Phoenix…) em cenas cujo único sentido é fazer todos cantarem músicas natalinas tradicionais nos Estados Unidos. Algumas apresentações, como a de Miley Cyrus, são boas. Outros convidados não cantam tão bem e fica a dúvida: era pra ser bom ou era pra ser engraçado? (Ver Clooney cantando não faz rir, mas pelo menos é curioso.)

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Bill Murray com George Clooney e Miley Cyrus
Bill Murray com George Clooney, Paul Shaffer e Miley Cyrus

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A trama, se é que se pode chamar de trama, é bem solta: no hotel em que sua apresentação está marcada, Murray se sente solitário, quase triste. No bar, conversa com cozinheiros, garçons, e tenta reunir um casal que brigou no dia de sua festa de casamento, à qual ninguém foi. Em certo ponto, Murray começa a sonhar e aí a história passa a fazer menos sentido ainda. Mas a intenção nunca foi fazer uma trama consistente. Segundo Sofia Coppola, que escreveu um depoimento sobre o especial para o site Vulture, o programa não era pra ter lógica mesmo.

Ela queria prestar uma homenagem aos antigos especiais de Natal na televisão americana, em que vários convidados aleatórios, principalmente músicos, participavam de uma trama sem sentido, como quando David Bowie e Bing Crosby cantaram “Peace on Earth” e “Little Drummer Boy” em 1977 ou programas com os Carpenters e Dean Martin. Para ela, esse tipo de especial remetem a uma memória afetiva, de sua infância.

“Eram memórias vagas de como era ser criança, como cápsulas do tempo — Dean Martin parece queimado de sol, como se tivesse acabado de andar no seu conversível. Não quero ser mal-educada falando algo de sua qualidade, mas eles eram divertidos de ver”, escreveu ela. “Acho que a mágica do show business se une com a das festas de fim de anode um jeito legal. Adoro o sentimento não linear, sem lógica, de que tudo pode acontecer, e as músicas que aparecem do nada. Foi ótimo olhar para esse modelo e fazer nossa versão exagerada disso.”

Coppola resume bem o que é o especial do Netflix. Para quem o Natal traz esse tipo de memória, pode ser legal assistir a uma versão daquilo com atores e cantores que fazem sucesso hoje em dia. “A Very Murray Christmas” é pouco comum, diferente dos outros programas que estão no Netflix. É uma mistura de melancolia, humor e nonsense. Mas não dava para esperar algo muito diferente disso vindo do ator.

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As heroínas estão chegando

Em meio aos e-mails sigilosos da Sony Pictures vazados no ano passado, um datado de 7 de agosto listava três exemplos de filmes de super-heroínas que haviam sido um fracasso: “Elektra” (“péssima ideia com resultado muito, muito ruim”), “Mulher-Gato” (“desastre”) e “Supergirl” (“outro desastre”). Com o assunto “filmes femininos”, o e-mail de um executivo para outro procurava provar que, no mundo dos super-heróis, mulheres devem se limitar a papéis coadjuvantes.

Pouco mais de um ano depois, porém, o jogo virou. Este mês, em que o feminismo é o tema do momento no Brasil, marcou a estreia de duas séries praticamente opostas protagonizadas por super-heroínas: “Supergirl”, no ar na Warner, e “Marvel’s Jessica Jones”, que estreou recentemente no Netflix.

Em comum, as duas produções têm uma característica: embora as mulheres se apaixonem (Supergirl) e façam muito sexo (Jessica Jones), seus mundos não giram em torno de homens. Há romance, mas elas estão bem longe de ser comédias românticas. De resto, as duas produções atendem a diferentes tipos de público. Enquanto “Supergirl” é solar, feita para ser vista comendo pipoca num domingo à tarde (algo como “The Flash”, também da Warner), “Jessica Jones” é soturna e super tensa (não por acaso, mais parecida com “Demolidor”, também do Netflix).

Das duas, “Supergirl” é quem faz mais questão de explicitar seu feminismo. Kara (Melissa Benoist) é prima de Clark Kent, o Super-Homem, e foi enviada à Terra com ele para protegê-lo quando ele ainda era um bebê. Sua viagem espacial, no entanto, dá errado e ela passa 24 anos vagando em uma zona na qual o tempo não passa. Quando ela finalmente chega, Clark já é adulto, enquanto ela ainda tem 13 anos. Os papéis se invertem e é ele quem, para ajudá-la, a coloca em uma família humana para que ela viva uma vida normal.

Kara arruma um emprego de assistente em uma grande empresa de mídia cuja dona (fato raro na vida real) é uma mulher: a casca-grossa Cat (Calista Flockhart), uma aprendiz de Meryl Streep em “O Diabo Veste Prada”. “Achei que seria legal trabalhar para uma figura feminina poderosa”, diz Kara logo no início, na primeira de várias frases que exaltam o poder de mulheres fortes de influenciar as outras.

Quando Kara vê na televisão que o avião em que viaja sua irmã está prestes a cair, ela resolve usar seus poderes depois de anos para salvá-la. Ao se dar conta do que é capaz de fazer com suas habilidades, ela sorri, legitimamente contente por ter feito o bem. Já é tarde para proteger Clark, pensa ela, mas há um planeta todo cheio de pessoas indefesas a quem ela pode ajudar.

supergirl

Na escolha do uniforme, a série não deixa de alfinetar as tradicionais produções de super-heróis e suas mulheres espremidas em roupas justíssimas, pouco funcionais para lutar. “Eu não usaria isso nem para ir pra praia”, responde Kara quando lhe apresentam um uniforme que lembra a clássica roupa da Mulher Maravilha, mas com mais pele à mostra. Kara também questiona o nome “supergirl” (super menina, vejam bem, e não mulher). Obviamente a série não poderia trocar o nome da personagem, então explicam a escolha assim: se você acha que uma menina é algo menos que incrível, o problema é você.

Outras questões feministas são abordadas logo no primeiro capítulo: a novidade que é finalmente ter uma super-heroína forte para meninas se espelharem, o fato de mulheres não serem levadas a sério por alguns homens e às vezes temerem ser assertivas para não desagradar ninguém — como Jennifer Lawrence declarou recentemente em uma carta explicando como se sentiu após descobrir que ganhava menos que seus colegas homens.

Não se trata, porém, de uma série que bate somente na tecla da desigualdade de gêneros. De cara Kara se interessa pelo fotógrafo James Olsen (Mehcad Brooks), preenchendo o campo “romance” inevitável nessas séries mais leves. Há também boas sequências de ação, indispensáveis para uma produção do gênero. No episódio de estreia Kara descobre que uma nave cheia dos alienígenas mais perigosos do espaço caiu na Terra quando ela chegou. A série dá a entender que seguirá o esquema “vilão da semana”, com a Supergirl enfrentando um antagonista diferente a cada episódio.

É muito cedo para dizer se “Supergirl” será um sucesso, mas os primeiros resultados de audiência nos Estados Unidos mostram que nada impede que uma série protagonizada por uma super-heroína dê certo. Na primeira semana, foi a série nova mais vista da temporada, com 12,95 milhões de espectadores. Na semana seguinte, houve uma queda e 8,86 milhões a assistiram, mas ainda é um número longe do desastre previsto pelos executivos da Sony.

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MARVEL'S JESSICA JONES
Jessica Jones e sua amiga Trish Walker. Crédito: Divulgação

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FORÇA BRUTA

Enquanto “Supergirl” afima com todas as letras que está ali, sim, para discutir questões de gênero, “Jessica Jones” adota uma abordagem menos literal. “Supergirl” é o primeiro passo. Precisa ser tão didática e reforçar o tempo todo como é pouco usual ter uma super-heroína? O ideal é que no futuro isso seja tão normal que não seja mais uma questão e que esse “quer que eu desenhe” seja desnecessário. Mas por enquanto, a série tem suas razões.

Jessica Jones” é o próximo passo. Em nenhum momento alguém estranha o fato de Jessica conseguir parar um carro em movimento ou alcançar a varanda de um prédio com um pulo. Ninguém se espanta por ela ser mulher, ela não reforça sua feminilidade e seu gênero não é mencionado uma só vez. Mas é impossível ver a série e não ter certeza de que mulheres podem ser tão fortes, em todos os sentidos, quanto homens.

LEIA MAIS: Jessica Jones, a anti-heroína que merecemos

Nos quadrinhos da Marvel, Jessica Jones é uma personagem que atuou como a heroína Safira, fazendo uma pequena participação no grupo dos Vingadores. Depois de atacar a Feiticeira Escarlate a mando de Kilgrave (o Homem-Púrpura), que a controlava mentalmente, ela é agredida  e entra em coma. Após despertar, ela larga a vida de heroína e abre uma agência de investigações e procura levar uma vida normal.

A série traz algumas mudanças em relação aos quadrinhos e acompanha a rotina de Jessica (Krysten Ritter) após seu período como super-heroína. Ela toca seu negócio de investigação sofrendo de transtorno do estresse pós-traumático depois de Kilgrave ter feito com que ela cometesse atos horríveis. Depois de descobrir, no episódio de estreia, que ele não está morto como ela pensava, Jessica resolve que sua missão será encontrá-lo e acabar com ele.

Diferente da Supergirl, que é doce e só quer fazer o bem, Jessica é perturbada pelo passado, enche a cara, transa com desconhecidos, e se pudesse cairia fora dali para levar uma vida normal. Jessica é uma mulher como outra qualquer, cheia de defeitos, mas calhou de ter super-poderes. O fato de não ser perfeita a torna ainda mais interessante. Se é comum vermos homens complexos como Don Draper (“Mad Men”) e Walter White (“Breaking Bad”), o mesmo não se podia dizer, até pouco tempo, das mulheres. Jessica é um refresco.

As cenas de luta também diferem bastante das de “Supergirl”. Lá, a heroína voa, enxerga através de portas, ouve tudo, solta raios pelos olhos, tem uma força descomunal. Tudo nela é “super”. As batalhas são cheias de efeitos e fica claro que aquilo nunca, nunca aconteceria no mundo real. Jessica é mais vulnerável. Ela é extremamente forte, mas basta uma bala para pará-la. Suas brigas são no corpo a corpo e embora a gente saiba que a vantagem dela, há uma sensação de que tudo pode acontecer.

Basicamente, as duas séries têm pouco em comum. “Supergirl” é daquelas que você pode passar um mês sem ver e retomar depois, tranquilamente, quando quiser se divertir um pouco. Já “Jessica Jones” é tão eletrizante que dá para ser vista toda num fim de semana. São séries para públicos e momentos distintos, o que é bom. Tanto uma quanto outra provam que a Sony se equivocou. Desde que seja bem feita, não importa se a produção tem um super-herói ou uma super-heroína.

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Jessica Jones, a anti-heroína

Das séries inspiradas em personagens da Marvel e da DC Comics, “Jessica Jones” é a com menos cara de série de super-heróis que existe. Jessica é a mais humana das heroínas. Não tem uniforme, não quer salvar ninguém, não usa um codinome e não explica direito como ganhou seus superpoderes. Seus poderes, aliás, nem são tão super assim. Ela é forte o suficiente para parar um carro em movimento (em baixa velocidade, ela ressalta) e pula bem alto. E é meio que isso. Sem ofensa às produções de heróis, talvez por esse motivo “Jessica Jones”, que estreia na sexta (20) no Netflix, seja uma das melhores do gênero.

A própria escolha de Jessica para protagonizar uma série é interessante. Diferente do Demolidor, que também ganhou uma série do Netflix neste ano, ela é pouco conhecida pelo público não iniciado nos quadrinhos. Criada por Brian Michael Bendis em 2001, ela aparece pela primeira vez na história “Alias” já como uma heroína aposentada, que trabalha como investigadora particular, em um dos quadrinhos mais adultos que a Marvel já fez.

Nas páginas dos quadrinhos, aos poucos, sua história sombria foi revelada. Colega de Peter Parker — o Homem-Aranha — na escola e apaixonada por um dos membros do Quarteto Fantástico, ela fez parte dos Vingadores usando o nome Safira durante um tempo. Sua trajetória mudou quando ela conheceu o vilão Zebediah Kilgrave — o Homem-Púrpura –, capaz de controlar a mente das pessoas e fazer com que elas obedeçam a todas as suas ordens, mesmo as mais macabras. Quando ele ordena que Jessica assassine o Demolidor, ela quase é morta pelos Vingadores e, depois disso, decide aposentar o uniforme e tentar levar uma vida normal.

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Marvel's Jessica Jones
Jessica Jones dando o famoso enquadro. Crédito: Divulgação

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Na série (ou pelo menos em seus sete primeiros episódios, que o Netflix liberou para a imprensa), não há nada desse preâmbulo. No primeiro capítulo Jessica (Krysten Ritter) já aparece como investigadora e seu passado como super-heroína quase não é mencionado. Sabemos de cara que ela só se veste de preto, vive em seu escritório mal-ajambrado, bebe muito e tenta afastar os poucos amigos que tem. Como nos quadrinhos, sua trajetória é trágica e tem o dedo de Kilgrave (David Tennant).

Em seu primeiro caso na série, um casal a procura para pedir que encontre a filha, uma atleta universitária que desapareceu. Durante a investigação, Jessica acaba chegando a Killgrave, que ela acreditava estar morto. Diferente da HQ, Kilgrave não tem a pele roxa. No início, inclusive, ele mal aparece e fica sempre encoberto por sombras. Mesmo assim, sua simples presença assusta bem mais do que qualquer vilão fortão de séries como “The Flash” ou “Supergirl”.

Se o embate com Kilgrave fosse físico, Jessica teria chances. Mas é psicológico e, fora a força, Jessica é uma pessoa normal, vulnerável, suscetível a esse tipo de abuso, sobre o qual ganhamos mais detalhes a conta-gotas. O que Kilgrave consegue fazer com suas vítimas é aterrorizante. Ver o Super-Homem em ação é previsível. Ver Jessica Jones, nem um pouco. Tanto pelo fato de ela não ser invencível como pelo fato de não ter só bondade no coração e tomar decisões questionáveis. Ela é uma mistura curiosa de herói com anti-herói. Em vez de tentar salvar Nova York ou o mundo, Jessica quer salvar a si mesma.

Uma boa produção de super-herói precisa de um bom vilão. O de “Jessica Jones” é excelente. Durante a temporada, Jessica enfrenta só um inimigo, mas é um inimigo tão poderoso, que fez tão mal a ela, que você quase torce para que ela não chegue perto dele. É como ver o mocinho procurar o monstro num filme de terror. Sem saber quem está dominado por Kilgrave ou onde ele está, paira um clima de filme de terror na série. O impulso é gritar toda hora para que Jessica não abra a porta ou não vire aquela esquina. Da trilha sonora à paranoia da protagonista e à pouca luz, tudo contribui para deixar a série mais tensa a cada episódio.