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‘Gilmore Girls’ e a melancolia

Dizer que “Gilmore Girls” é uma série super realista seria um exagero. Da mágica Stars Hollow, com seus mil festivais e habitantes malucos a velocidade em que as pessoas falam, passando pela quantidade de besteira que as protagonistas comem sem engordar um grama, há muito de fantasia ali. Mas poucas séries conseguem captar como “Gilmore Girls” as complexidades das relações, principalmente familiares. Quando Lorelai, Rory e Emily brigam, trazem à tona década de ressentimentos e vão direto na jugular. Quando se divertem, é com piadas internas cultivadas ao longo de toda uma vida. As dificuldades, as decepções da vida, estão todas lá.

Quando a série terminou na televisão, com a sétima temporada — a única sem a criadora, Amy Sherman-Palladino, no comando –, seu final foi bem aberto. Rory conseguiu um emprego num site pequeno para cobrir a campanha de Barack Obama, Lorelai deu um beijo em Luke, Emily e Richard foram prestigiar a filha e a neta numa grande festa em Stars Hollow. A partir disso, cada um podia imaginar o final que queria. O site de Rory podia ter estourado, ela podia ter conseguido emprego num jornal, poderia estar morando em Nova York ou na Europa, poderia ter voltado com um dos ex-namorados, ou ter conhecido alguém novo, ou estar sozinha. Poderia ter casado, poderia ter tido filhos, ou nada disso. Lorelai podia ter se reconciliado com Luke, casado com ele, tido mais filhos. Ou o beijo poderia ser só uma recaída. Havia uma série de finais felizes possíveis.

Mas não seria “Gilmore Girls” se houvesse um final feliz. Então nos quatro novos episódios, lançados no Netflix, vemos que para Rory, Lorelai e Emily tudo continua complicado como sempre. (Atenção, spoilers a partir daqui!) Não, Rory não voltou com Jess nem estourou como jornalista — nem com um currículo como o de Rory está fácil. Quando a temporada começa, ela acaba de publicar um artigo na New Yorker e acha que com isso muitas portas irão se abrir. Desdenha de uma vaga num site menor e vive viajando o mundo com seus três celulares atrás de frilas, até que termina sem emprego, sem dinheiro e sem perspectivas na casa da mãe, no quarto onde cresceu. Na vida amorosa, também é um desastre: tem um namorado há dois anos, mas vive se esquecendo dele, e o trai com desconhecidos e com Logan, que está noivo de outra.

Lorelai parece mais estável, mas também está desmoronando. Sookie abandonou a pousada que abriram juntas, Michel também quer partir, Luke nunca a pediu em casamento e a ausência do papel assinado começa a incomodar. A relação com a mãe, Emily, também não vai muito bem desde a morte do pai, Richard. Emily, então, perde completamente o chão depois que o companheiro de 50 anos morre. Como viver sozinha depois de tanto tempo? O resto dos personagens também não vai muito bem: Paris e Doyle estão se divorciando, Zack tem um emprego que odeia, Michel se sente sem perspectivas de crescimento, Jess continua apaixonado por Rory, e Lane agora toma conta do antiquário da mãe e não realizou seu sonho de ser roqueira. Dean vai bem, finalmente realizando o sonho de formar uma família cheia de filhos.

Do ponto de vista de fã, é frustrante ver Rory seguir o caminho que segue. A piada sobre Paul, o namorado de quem ela não se lembra apesar do relacionamento ter dois anos, perde a graça logo e se torna cruel — embarcar num namoro desses não parece algo que Rory faria. Apesar de sua relação com a monogamia não ser das mais sólidas desde o início (ela beija Jess quando está com Dean e transa com Dean quando ele está casado), também irrita o fato de ela ser amante do ex-namorado e de trair Paul com Logan e com um cara avulso que ela conhece na rua sem sentir nenhum tipo de culpa. Dá pena dela também pensar que dez anos depois ela ainda está apaixonada por Logan, um namorado que só fazia sentido quando ela tinha acabado de sair da adolescência perfeita e que lembrava seu pai, com quem ela tem questões para resolver.

Rory, Luke, Emily e Lorelai em episódio novo de 'Gilmore Girls'. Crédito: Saeed Adyani/Netflix
Rory, Luke, Emily e Lorelai em episódio novo de ‘Gilmore Girls’. Crédito: Saeed Adyani/Netflix

Mas “Gilmore Girls” nunca quis que Rory e Lorelai fossem perfeitas e esperar que Rory fosse ter a vida resolvida aos 32 anos era uma aposta arriscada de qualquer forma. Podemos não gostar do desenrolar das coisas, mas essa parte é coerente com aquilo que a série construiu ao longo de sete temporadas — “Gilmore Girls” nunca fez questão de que suas personagens fossem perfeitas.

Perfeição, aliás, passa longe desses novos episódios. Podemos perdoar o fato de Rory ter se tornado uma pessoa pior com o tempo, mas outros defeitos não e, no fim das contas, “Gilmore Girls: Um Ano para Recordar” é um fantasma daquilo que foi “Gilmore Girls”. Com a liberdade do Netflix, Sherman-Palladino e seu marido, Daniel Palladino, roteiristas e diretores da temporada, resolveram fazer quatro capítulos de uma hora e meia de duração (originalmente os capítulos tinham em torno de 40 minutos), representando cada um uma estação de um ano. A duração maior não foi bem aproveitada pela dupla e há cenas longuíssimas sem muito propósito e/ou cansativas, como a apuração de Rory para uma matéria sobre filas, as cenas do musical sobre Stars Hollow, os preparativos de Lorelai para sua caminhada e a aventura de Rory com Logan e seus amigos.

Essas cenas tomam espaço que poderia ser ocupado com as três garotas Gilmore juntas, já que a relação delas é o coração da série. Emily e Lorelai interagem um pouco — têm umas duas cenas memoráveis –, só é uma pena que as cenas de terapia que elas fazem juntas, que tanto prometia, não rendam tanto. Lorelai e Rory também, embora Rory passe praticamente mais tempo viajando pra Londres do que com a mãe (aliás: quem faz um bate-volta Estados Unidos/Londres como Rory, que ainda por cima está supostamente falida?). Raras são as cenas com as três juntas.

Juntar todo o elenco original para esses quatro episódios foi uma conquista e tanto e é reconfortante ver todos seus personagens queridos de novo. Mas os Palladino gastam tempo demais mostrando “ah, como Stars Hollow é esquisito!”, com cenas que pouco acrescentam, do que com a história dos personagens que amamos. Seria mil vezes melhor saber mais sobre Lane, para quem eu esperava justiça após o final terrível que foi terminar grávida de gêmeos aos 21 anos, do que ver as cenas na piscina de Stars Hollow (horrível da parte das Gilmore ficar julgando os corpos das pessoas em 2016). Mais Paris e menos Kirk. Mais interações de Jess e Rory. Poxa, até mais Dean seria bem-vindo.

Isso não significa que a temporada não tenha seus bons momentos. Rever Paris é uma alegria, com diplomas de medicina e direito e uma casa de cinco andares em Nova York, como deveria ser. Lauren Graham parece não ter deixado nunca de interpretar Lorelai e revê-la no papel é pura nostalgia mesmo nas cenas meio sem graça. Emily, particularmente, é um destaque. Sem chão após a morte de Richard, ela finalmente fica com uma empregada mais do que um episódio e meio que adota a família imigrante de Berta, com quem ela nem consegue se comunicar direito. Aos poucos, ela aprende a viver sozinha, vendendo a casa e largando tudo para morar na praia, onde passa as noites bebendo vinho e os dias ensinando crianças num museu.

No processo, solta alguns palavrões (no Netflix é liberado) ao deixar o esnobe grupo DAR de maneira memorável. A briga com Lorelai após o velório de Richard também é brutal, numa excelente atuação das duas. O arco de Emily é uma boa síntese daquilo que “Gilmore Girls” consegue ser nos seus melhores momentos: triste, engraçado, complicado, às vezes tudo ao mesmo tempo. Se a série mostra algo, é que a vida não é fácil, mas pode ser muito boa.

Rory e Lorelai na cozinha das Gilmore. Crédito: Saeed Adyani/Netflix
Rory e Lorelai na cozinha das Gilmore. Crédito: Saeed Adyani/Netflix

Nesse sentido, o final é particularmente desapontador: não combina com “Gilmore Girls”. O mais frustrante é que há muitos anos Amy Sherman-Palladino diz que sabia quais seriam as quatro últimas palavras ditas na série. Como ela não trabalhou na sétima temporada, os fãs nunca souberam qual era o final imaginado por sua criadora. Durante a campanha publicitária dos novos episódios, Sherman-Palladino colocou os holofotes repetidas vezes sobre as tais quatro palavras. A expectativa era alta, o que nunca ajuda, mas nem nos meus devaneios mais loucos pensei que pudesse ser tão ruim. Rory diz a Lorelai que está grávida e há um corte.

Não sabemos a reação de Lorelai. Não temos nem certeza sobre quem é o pai. Tudo leva a crer que seja Logan, que a própria criadora disse que representa a figura do pai ausente na vida de Rory. Mas como Logan casou-se com outra, Rory repetiria a experiência da mãe e criaria sozinha a criança. Faria sentido, assim, a conversa que tem com o pai no último episódio: sabendo que estava grávida de Logan, perguntou para ele se ele se arrependia de ter deixado Lorelai criá-la sozinha — para ajudar a se decidir se incluiria ou não Logan na vida de seu filho. Como Christopher, Logan é um homem rico que ama Rory, mas não pode dar a ela aquilo que ela precisa. Alguns fãs de Jess especulam na internet que ele seria o Luke de Rory, o cara que a entende, que está ali pro que ela precisar, e que, no fim das contas, eles terminariam juntos. Mas meio triste pensar que Rory — a tão ambiciosa e estudiosa Rory, que queria ser jornalista pra viajar o mundo e “ver as coisas acontecendo” — terminou naquela cidadezinha, deixando a carreira de lado.

Dá muita alegria pensar que Sherman-Palladino não escreveu a sétima temporada, pois ver Rory como mãe solteira aos 22 anos, recém-formada, seria terrível. O que ela quis dizer com esse final? Que estamos fadados a repetir a trajetória dos nossos pais? Por que fazer Rory repetir a experiência da mãe, que foi tão difícil? Era essa a ideia desde o começo, fazer um final melancólico que mostre que a vida é cíclica e inescapável? Quando Lorelai pede um empréstimo à mãe, como no primeiro capítulo, percebe-se a ideia de “ciclo se fechando”. Se depois de tudo que elas viveram seu final é voltar pro início, é melancólico demais.

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‘Divorce’, ‘Insecure’ e relacionamentos

Com “Game of Thrones” a dois anos de terminar e “Girls” entrando na última temporada, a HBO preparou para este mês algumas apostas de substitutas — já que “True Detective” afundou no segundo ano e a caríssima “Vinyl” nem passou da primeira temporada. No último domingo foi a vez de “Westworld”, o drama complexo de ficção científica candidato a substituir “Game of Thrones” como série de prestígio. Neste fim de semana (9) o canal apresenta suas novas comédias: “Divorce”, com Sarah Jessica Parker, e “Insecure”, de Issa Rae.

Quando Sarah Jessica Parker apareceu pela última vez em uma série, sua Carrie Bradshaw rumava ao felizes para sempre com Mr. Big, em “Sex and the City”. Mais de dez anos depois, a atriz volta à HBO para mostrar o que acontece quando o para sempre acaba e um casamento chega ao fim. Em “Divorce”, a atriz é Frances, que nos é apresentada de toalha, passando lentamente um creme no rosto no espelho do banheiro, em um momento bem íntimo. Robert, o marido (Thomas Haden Church), entra com uma lata na mão e reclama: ela passou tanto tempo no banheiro, sem abrir a porta para ele, que ele teve que fazer as necessidades na lata. Ela reage com desinteresse, sem parar o que está fazendo.

Nas palavras de Frances, a vida do casal consiste apenas em conversar sobre assuntos banais como o alarme da casa — o que seria tolerável se ainda houvesse algum amor entre os dois ou alguma felicidade naquela rotina. Depois de um acontecimento traumático, Frances comunica a Robert que o amor acabou e que quer o divórcio. De início, ele quer conversar a respeito: sugere mais sexo, sessões com um terapeuta. Mas ela diz que não tem solução. Depois, ela muda de ideia e quer voltar atrás, dar uma segunda chance ao relacionamento. Mas ele diz que não tem solução. Com base na sinopse oficial da série (“um casal passa por um longo e arrastado divórcio”), supõe-se que a dissolução do casamento será tão difícil quanto o namoro de Carrie e Mr. Big.

Apesar da premissa dramática, “Divorce” é, oficialmente, como dito no início do texto, uma comédia. Criada por Sharon Horgan, de “Catastrophe”, da Amazon, sobre duas pessoas difíceis unidas por uma gravidez inesperada, a série tem muitas notas de humor negro — do cachorro que se sufoca intencionalmente por não aguentar mais o clima da casa à escalada surreal de uma briga entre um casal na festa de aniversário da mulher (bem, a primeira cena “Divorce” fala de defecar em uma lata). Só não é uma comédia pura, daquelas reconfortantes que você põe para não ter que pensar muito no fim do dia. É mais uma daquelas séries que causam controvérsia quando são classificadas como “drama” ou “comédia” em premiações, porque são um pouco das duas coisas. Definitivamente não conforta ninguém.

Julgar uma série pelo primeiro episódio não só é difícil como é temerário — tem algumas que precisam de uma meia temporada para finalmente pegar no tranco. O que dá para dizer de “Divorce” tendo visto só um capítulo, é que a série tem um bom começo. Sem ter um enredo muito complexo ou precisar explicar muita coisa, como “Westworld”, a série pode se concentrar em apresentar os personagens. Sarah Jessica Parker, bem distante de Carrie, tem a oportunidade de mostrar seu lado mais dramático e carrega bem os monólogos sobre a infelicidade de sua vida nos subúrbios de Nova York. Haden Church tem menos o que fazer nesse início, mas coloca humor num personagem que tem tudo pra ser uma pessoa bem sem graça. Como vemos no início mais os dois separados do que juntos, não dá para saber ainda se os dois têm muita química, o que é essencial numa série sobre (o fim de) uma relação. Pelo menos Sarah Jessica tem uma boa dinâmica com Molly Shannon, a amiga à beira de um ataque de nervos que também está num casamento problemático.

Apesar de Sarah Jessica Parker estar em “Divorce”, quem se aproxima mais de “Sex and the City” e de seu olhar sobre amizade feminina e relacionamentos é “Insecure”, a alternativa mais leve e, pelo primeiro capítulo, melhor entre as duas estreias. Issa Rae, criadora e protagonista da série, não é conhecida na televisão, mas já tinha experiência em séries com “Awkward Black Girl”, criada para a internet num momento de tédio na faculdade. Se “Divorce” pode ser definida como “casal rico de meia idade se separa em Nova York”, “Insecure” é “mulher negra chegando nos 30 vive sua vida em Los Angeles ao lado de sua melhor amiga”. São duas séries sobre relacionamentos, mas em tempos diferentes: “Divorce” é um retrato do fim, “Insecure” é tanto sobre a busca pelo romance quanto sobre as amizades.

Ao som de “Alright”, de Kendrick Lamar, somos apresentados a Issa em seu aniversário de 29 anos, em mais um dia comum em seu trabalho, como a única mulher negra em uma ONG com projetos educacionais para crianças. Na sala de aula, ouve dos alunos “por que você fala como uma mulher branca?” e “meu pai diz que mulheres negras são amargas”. No escritório, é “agressivamente passiva” com os colegas que lhe perguntam o significado das gírias do momento, como se ela estivesse por dentro de tudo que acontece nas ruas. Em casa, sustenta o namorado, que está há anos desempregado. Ela quer terminar, acha que chegando aos 30 não tem mais tempo a perder, mas não tem exatamente certeza.

Enquanto Issa não sabe se é melhor ficar num namoro pouco empolgante ou ficar solteira, sua melhor amiga, Molly (Yvonne Orji) tem certeza: escolha o namoro. Molly, uma advogada, é um sucesso profissional — segundo Issa, ela é o “Will Smith do mundo empresarial”, amada por brancos e negros –, mas não tem um namorado e sofre com isso enquanto usa aplicativos de encontro. Issa e Molly nem sempre concordam, mas estão sempre disponíveis para dar um ombro amigo uma para a outra mesmo quando brigam com a ferocidade de quem se conhece muito bem e sabe exatamente o que dizer para machucar.

Com base no primeiro capítulo, pelo menos, dá pra dizer que “Insecure” tem uma qualidade que falta a muitas das séries voltadas ao público dos vinte e poucos/tantos anos: parece realista sem ter personagens difíceis vivendo vidas horríveis. Issa e Molly são mais legais que qualquer personagem de “Girls” ou “Love” e suas vidas não são nem surrealmente boas (como Carrie, de “Sex and the City”, conseguia comprar tantos sapatos escrevendo uma coluna em um jornal é o mistério do século) nem ruins. São normais.

Se a HBO vai conseguir ou não encontrar novos sucessos para sua grade, não dá pra dizer só com base nessa semana. Mas dá pra ficar otimista.

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O que podemos esperar de ‘Westworld’?

Rodrigo Santoro tira um papel dobrado do bolso e diz: “Eu realmente não posso falar sobre a série. Tenho uma lista de ‘talking points’ e tudo é muito sobre o conceito”. Estamos — um grupo de jornalistas e o ator — num evento da HBO para apresentar a série “Westworld”, que estreia em 2 de outubro às 23h no canal, mas ele escapa de quase todas as respostas. Pode falar sobre ideias, temas, coisas gerais. Detalhes, não. “Se eu fizer, eles, sei lá, me processam. Coisa assim. Eu assinei um papel, um termo de compromisso. A gente não revela. A série vive disso. Do mistério.”

Embora “Westworld” seja inspirada num filme de 1973 de mesmo nome, não se trata de um remake: os dois só usam a mesma premissa. Tal qual o filme, a série tem como cenário uma espécie de parque de diversões que imita o Velho Oeste americano, com caubóis, bordéis, xerifes e duelos armados. Ali, vivem criaturas chamadas de “anfitriões”, robôs tão perfeitos que quase parecem humanos — e que desconhecem o fato de que não o são. Os visitantes do parque, que os robôs recebem como hóspedes recém-chegados na cidade, podem satisfazer ali suas fantasias mais primitivas: passar horas com prostitutas, estuprar, matar. Respeitando as leis de Asimov, faz parte da programação dos anfitriões que eles sejam incapazes de machucar os visitantes. É um espaço seguro, então, para as pessoas mostrarem suas piores facetas sem medo das consequências.

Não haveria série sem um conflito e, se há robôs no meio, é seguro apostar que em algum momento eles se voltarão contra os humanos que o criaram. É o que a série indica que irá acontecer: no primeiro episódio, depois que seu criador (Anthony Hopkins) faz uma atualização para deixá-los com gestos ainda mais humanos, alguns anfitriões começam a apresentar defeitos e a agir fora do roteiro que são programados a seguir.

É o caso, por exemplo, do pai da protagonista Dolores (Evan Rachel Wood), a anfitriã mais antiga do parque. Dolores, uma mocinha sonhadora que só vê a beleza no mundo, é apaixonada pelo forasteiro Teddy (James Marsden), sobre o qual pouco se sabe de início. Os outros personagens principais incluem Hector (Santoro), um bandido procurado pelo xerife, Maeve (Thandie Newton), uma prostituta local, Bernard (Jeffrey Wright), programador dos robôs, e um personagem cujo nome desconhecemos, mas com muito sangue nos olhos, interpretado por Ed Harris. Ao fim da primeiro episódio, tudo ainda é meio vago.

Tudo é mistério também para os atores, diz Santoro. “Foi muito desafiador o laboratório, porque não deu pra fazer laboratório. Porque eu não tenho informação, a gente não tem informação”, conta. “O que a gente sabe é o que nos é passado, e a gente recebe o roteiro um pouco antes do dia de filmagem.” Sem poder se aquecer, preparou-se para estar preparado. “Trabalhei o corpo, porque a gente trabalha com esses anfitriões que não são humanos, mas são muito próximos dos humanos. Não são robôs. A gente tem, claro, um corpo diferente, uma forma diferente, mas ao mesmo tempo não é robotizada. Mas tudo isso ainda está sendo desenvolvido enquanto a gente está trabalhando.”

James Marsden e Evan Rachel Wood em 'Westworld'
James Marsden e Evan Rachel Wood em ‘Westworld’

Santoro diz que escolher um papel é um pouco como fazer um amigo: quando sente uma química ao ler o roteiro, sabe que é o personagem certo. “Não existe uma fórmula e nem sempre é da mesma forma. Mas é como quando você encontra a Maria, vai pra casa e fala ‘po, a Maria é legal, né’. Por que ela é legal? Você nem conhece ela direito. Não sabe por que, mas tem alguma coisa que aconteceu ali e essa relação eu vejo quando leio as coisas de um personagem”, afirma. “Eu recebi o [roteiro do] piloto, o primeiro, quando tive o convite pra fazer a série. Eu adorei o que eu li. Claro que tem todo o pacote, os atores envolvidos, um monte de coisa que era muito sedutor.”

Hector e os outros robôs têm a possibilidade de se transformar de cena a cena. Suas ações dependem da interação com os visitantes e é interessante ver como uma mesma situação — como o encontro de Dolores e Teddy, que segue o mesmo roteiro todos os dias — pode se desenrolar de formas levemente diferentes dependendo de quem está no parque. Na mesma cena, portanto, os atores podem colocar nuances diferentes. Também pode acontecer de os manipuladores dos robôs trocarem o papel de uma das máquinas, mudando completamente o personagem. Um dia você pode ser bandido e no outro, o xerife. Dessa forma, no primeiro episódio, entendemos como o mundo de “Westworld” funciona, mas não há muitos acontecimentos: vemos as mesmas pequenas cenas cotidianas (Dolores acorda, conversa com o pai, vai até a cidade, encontra Teddy) repetindo-se várias vezes, com resultados diferentes. É uma boa introdução, mas deixa muito no ar.

O papel de Santoro, por exemplo, termina o capítulo como uma grande incógnita. Apesar de no papel Hector ser o bandido daquele cenário de faroeste, não dá pra saber de cara se ele bom ou mau — ou, de modo geral, quem são os vilões e os mocinhos (a figura do mal mais clara é Ed Harris). “Essa questão de quem é vilão e quem é mocinho é a grande pergunta da série. É isso que a gente vai mostrar. O Hector teria a embalagem, mas a gente vai muito mais fundo, as coisas vão começar a ser reveladas e aí a gente vai deixar pro espectador fazer sua própria escolha”, diz Santoro. Dá para entender os criadores, que controlam os robôs? Os visitantes que satisfazem seu apetite pela violência “matando” os robôs? Os robôs que se rebelam?

Para Santoro, a série — produzida por J.J. Abrams e Jonathan Nolan, corroteirista de “O Cavaleiro das Trevas” — é um estudo profundo sobre a natureza humana. “É uma série que trabalha muitas metáforas, muitas entrelinhas. Claro que o entretenimento está ali. Até porque no mundo de hoje, de tanto entretenimento e tão digital, a gente precisa disso pro espectador também se conectar. Mas ali vem muito alimento pro cérebro, eu acho.”

Um dos grandes atrativos para o projeto, o elenco de “Westworld” também foi motivo de nervosismo para Santoro, especialmente ao gravar uma cena sozinho com Ed Harris. “Na van começou a me dar um nervosismo, desconfortável, comecei a ficar ansioso, não tava gostando daquilo. Falei pra ele: ‘Olha, é uma honra e tal’. E ele: ‘Tá tranquilo’. E eu: ‘Tranquilo pra você, que é comigo. Pra mim não tá tranquilo, você é o freaking Ed Harris, tenho o maior respeito pelo seu trabalho, é uma cena grande só eu e você’”, conta. “É uma sensação de estar jogando com a seleção, mesmo. É outro lugar. É um lugar onde a bola vem e tem que voltar legal.”

No set, para relaxar, deitou-se numa cama que havia por ali, para tentar relaxar. Harris sentou-se ao seu lado. “Daqui a pouco ele bota a mão na minha bota. Aí ele falou uma frase, que não me lembro exatamente, mas era: ‘A gente vai fazer isso junto. Quando estiver bom a gente vai embora. Enquanto não estiver bom a gente fica aqui. Estou aqui contigo’. Aí ele levantou, a gente fez a cena e foram dois takes”, lembra Santoro. “O psicológico é uma coisa tão difícil de controlar, ainda mais quando a gente está ansioso. É tão sutil, mas aquelas palavras foram muito importantes, de companheirismo. Mostra que mesmo sendo um cara super reconhecido, é um artista, trabalhador. Sem muita firula também, não segurou na minha mão.” Foi a terceira vez que se sentiu assim intimidado na vida, conta Santoro. As outras vezes haviam sido com Benicio Del Toro, em “Che”, e Paulo Autran.

Anthony Hopkins foi outra história: logo de cara, chegou e quebrou o gelo. “Anthony vem e faz isso com todas as pessoas, vem e quebra. ‘Call me Tony.’ Olha bem no seu olho, te abraça, faz uma piada”, diz. “Almoça com todo o mundo, conta história, imita que é uma coisa. Fez uma imitação do Brando que a galera… Nossa, incrível. É um compositor, pinta, dirige. É uma lenda.” Preso à lista de tópicos autorizados, porém, Santoro não conta se chegou a contracenar com Hopkins ou se só cruzou com ele no set. “Aí você vai ter que assistir à série, não posso contar. Ele é o criador. Quando a criatura encontra o criador, coisas acontecem.”

Com tanto mistério por parte de Santoro e tendo visto apenas um episódio, bastante introdutório, dá só para prever quais serão as questões levantadas pela série para “alimentar o cérebro”, clássicas quando se fala de inteligência artificial e da relação de criador/criatura, desde os tempos de Frankenstein. Na estreia, Anthony Hopkins é uma presença bem coadjuvante, que deve ganhar importância. Sabe-se que ele é o grande cérebro por trás do parque e quer humanizar cada vez mais suas criaturas, acrescentando nelas uma espécie de memória, de subconsciente, que se reflete em gestos mais naturais baseados nas lembranças. Não sabemos, porém, quais são seus objetivos, sua verdadeira natureza ou o que sente pelas criaturas. “Westworld” também parece questionar o apetite pela violência: é moral matar uma figura que parece humana, ainda que seja uma máquina? Veremos o que a série tem a dizer.

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O tabuleiro de ‘Game of Thrones’

George R.R. Martin não é bom com prazos e provavelmente não esperava que a série “Game of Thrones” fosse, em alguns anos, superar sua saga literária “As Crônicas de Gelo e Fogo” (“Como raios você escreve tantos livros tão rápido?”, perguntou ele recentemente a Stephen King — com uma palavra menos educada que “raios”). Os showrunners da série da HBO, David Benioff e D.B. Weiss, conversaram com Martin e sabem o ponto final da história, mas os caminhos tomados para chegar até lá são diferentes, para o bem e para o mal.

(Este post contém spoilers, teorias e especulações sobre “Game of Thrones”. Leia por sua conta em risco.)

A quinta temporada, a primeira mais fora do roteiro dos livros, foi um mau sinal. Foi o ano em que Jaime Lannister partiu numa jornada para Dorne para buscar sua filha, Myrcella, que só rendeu cenas de batalhas toscas, reviravoltas sem pé nem cabeça, diálogos terríveis, personagens rasos (nomeie as três filhas de Oberyn se puder) e um final anticlimático. Foi o ano em que Daenerys continuou sem sair do lugar e enfrentou uma rebelião enfadonha e o ano que Arya gastou afastada de todos os outros personagens vendendo ostras na rua. Foi arrastado, com poucas surpresas (ninguém acreditou que Jon Snow fosse ficar morto pra sempre). Desanimador.

Por outro lado, a temporada seguinte, que terminou no último domingo, deu uma boa guinada na história. Apesar de alguns episódios um pouco parados ali pro meio, a história avançou — às vezes até um pouco rápido demais, todo o mundo viaja tão rápido que parece que Westeros tem uma frota de aviões — e todos os personagens estão posicionados para a reta final, já que há boatos fortes de que a série só terá mais duas temporadas com sete episódios. Arya saiu do exílio, como Daenerys (aleluia!), Bran está a caminho de casa, dois Stark se encontraram, a origem de Jon Snow foi revelada (ou confirmada para pessoas que leem teorias na internet), Ramsay Bolton morreu, Theon Greyjoy deu a volta por cima, Lyanna Mormont se revelou a personagem de que nós precisávamos (e merecemos), os White Walkers estão a caminho e o inverno finalmente chegou. Até a história de Dorne ganhou um propósito.

A imagem que o público irá guardar de “Game of Thrones” até o ano que vem, quando estrear a sétima temporada, é a dos últimos episódios, dirigidos por Miguel Sapochnik. E que imagem: o penúltimo tem uma das melhores cenas de batalha que vêm à memória e o último tem uma sequência de abertura para se ver de novo, com um piano marcando a preparação dos envolvidos para o julgamento de Cersei e Loras.

Quem frequenta fóruns ou sites que falam de “Game of Thrones” possivelmente já antecipava o incêndio de Cersei (a tese da Rainha Louca), a origem de Jon Snow (R+L=J) e até a vingança de Arya. O roteiro também está longe de ser à prova de buracos (como Arya sobreviveu àquelas facadas na barriga? Por que Sansa não contou que tinha reforços chegando para a guerra? Onde foi parar a feiticeira contratada por Tyrion? Nada disso foi muito bem explicado). Mas não importa muito: a história finalmente engatou a terceira marcha e entreteve. Pela posição de cada personagem ao fim da sexta temporada a perspectiva para o final é muito boa.

ONDE ESTÁ CADA PEÇA NO JOGO DOS TRONOS?

Antes de tudo, um mapa ajuda a explicar o estado atual de Game of Thrones:

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Arya: Depois de duas temporadas vendendo ostras, limpando o chão e apanhando em Braavos (em tempo de série é difícil de saber, já que não são dadas muitas dicas de passagem de tempo), Arya finalmente se juntou ao resto da história em Westeros. Em vez de ir direto para casa reencontrar a família, ela passou nas Gêmeas para riscar um nome na sua lista da morte e matou Walder Frey (e dois de seus muitos filhos). Agora ela pode tanto voltar para casa, no Norte, ou tentar tirar mais alguém da lista, como Cersei, em Porto Real.

Sansa: Reencontrou Jon Snow depois de comer o pão que o diabo amassou desde o começo da série (exemplos: noivou com um psicopata, casou à força, casou à força com um psicopata). Depois de salvar a pele de Jon na Batalha dos Bastardos com reforços que tinha escondido dele, agora divide o controle de Winterfell e do Norte — Jon deu o quarto de Ned e Catelyn pra ela, mas quem é chamado de rei é ele. Trocou um olhar misterioso com Petyr Baelish no final que pode tanto indicar que ela vai se juntar a ele pra passar a perna em Jon quanto uma preocupação.

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Bran: Virou o corvo, seja lá o que isso significa ao certo (sabemos que ele tem poderes, mas não exatamente o que vai fazer com eles). Foi deixado pelo tio Benjen perto da Muralha, com Meera Reed. Se eles conseguirem cruzá-la, estarão bem perto de encontrar com Jon e Sansa em Winterfell. Mas ainda há algumas dúvidas para a próxima temporada: Como eles farão para cruzá-la? Se eles passarem para o outro lado, vão liberar a passagem pros White Walkers? Que outros acontecimentos históricos tiveram o dedo de Bran? Qual é o papel dele na guerra que está por vir?

Jon Snow: Bran agora sabe que Jon é filho de Lyanna Stark, e não de Ned. Não fica 100% claro porque Lyanna sussurra em cena ao falar do bebê para o irmão, mas o mais provável é que seu pai seja Rhaegar Targaryen (e ele seja sobrinho de Daenerys). Quando descobrirem sua verdadeira origem ele deve ter menos direitos a Winterfell, mas ganhar força para disputar o trono dos Sete Reinos com a tia. Por enquanto ele tem que se preparar para lutar contra os Caminhantes Brancos (o inverno chegou), manter o Norte unido e dormir de olho aberto enquanto Baelish estiver por perto.

Cersei: Depois de causar o suicídio do filho, Tommen, e matar quase todos seus inimigos numa tacada só, assumiu o trono dos Sete Reinos (quem diria que seria ela, e não Daenerys, a primeira rainha?). Mas depois de ter instaurado o caos em Porto Real, matado boa parte das pessoas que poderiam lhe dar conselhos e ter criado mais inimigos, está numa situação precária. Jaime, seu maior (único?) aliado, pareceu não ter aprovado sua estratégia de colocar fogo na cidade — ele matou um rei e arruinou sua reputação para impedir que isso acontecesse antes. Uma profecia dos livros diz que ela seria morta pelo irmão mais novo. Tanto Jaime quanto Tyrion são candidatos.

Jaime: Fez uma viagem rapidíssima das Gêmeas (onde escapou de encontrar com Arya) para Porto Real e chegou a tempo de ver a irmã ser coroada, fato que pareceu não aprovar muito. Nos livros, Jaime se afasta de Cersei e parece encontrar o caminho da redenção, o que pode acontecer a partir de agora na televisão. É um dos candidatos a matar Cersei em algum ponto da história.

Tyrion: Sua temporada em Meereen felizmente chegou ao fim e ele faz parte da comitiva de Daenerys rumo a Westeros como seu principal conselheiro. Como os trajetos e o tempo não fazem muito sentido em “Game of Thrones” ele pode chegar já no próximo episódio e finalmente se vingar de Cersei e conquistar o respeito e a posição que merece.

Daenerys: Passou cinco temporadas sendo menosprezada por homens e lançando mão dos seus dragões e da sua imunidade ao fogo para destruí-los, numa história que pouco saiu do lugar. Mas agora finalmente partiu rumo a Westeros, com uma equipe e tanto: Tyrion e Varys como conselheiros, apoio dos Martell, dos Tyrell e de parte dos Greyjoy, com um exército de Dothraki e de Imaculados. E, claro, três dragões. Vai enfrentar os enfraquecidos Lannister chegando lá.

Theon e Yara: Theon recuperou sua identidade depois de uma temporada com Ramsay Bolton e não só ajudou Sansa a escapar como ainda deu apoio à irmã na disputa pelo trono das Ilhas de Ferro. Os dois agora fazem parte da equipe de Daenerys e rumam a Porto Real, onde devem participar da batalha.

Euron: Construindo mil barcos nas Ilhas de Ferro? Não sabemos ao certo.

Família Martell: Deram apoio a Daenerys. Talvez estejam em algum barco rumo a Westeros ou talvez estejam acompanhando à distância de Dorne (de preferência bem à distância).

Brienne e Pod: Foram vistos pela última vez saindo de Correrrio, onde tentaram convencer sem sucesso o Peixe Negro a ajudar Sansa na Batalha dos Bastardos. Provavelmente estão indo rumo ao Norte, encontrar Sansa. Podem cruzar com muita gente no caminho.

Melisandre: Expulsa do Norte por Jon Snow depois que Davos (finalmente, diga-se de passagem) descobriu que ela queimou Shireen. Está indo rumo ao sul, onde pode cruzar com Brienne, com Sandor Clegane…

Sandor Clegane: Se juntou à Irmandade Sem Bandeiras com rumo desconhecido. Apesar de não sabermos ao certo onde ele está e nem para onde vai, tudo indica que eles estão bem ali no miolo de Westeros, e ele pode cruzar com várias pessoas no meio do caminho (Melisandre? Brienne? Arya?).

Petyr Baelish: Está em Winterfell tramando alguma coisa e sonhando em casar com Sansa. Sem dúvidas causará problemas para muitas pessoas ainda. Jon Snow é um forte candidato a alvo.

Davos: Está em Winterfell sendo uma das melhores pessoas da série.

Tormund: Está em Winterfell sendo mais uma das melhores pessoas da série.

Lyanna Mormont: Idem. Melhor pessoa.

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Pense bem antes de recusar o chamado.

Varys: Um dos capitães do time Daenerys, num barco de Meereen rumo a Westeros. Costurou bem a parceria Martell-Tyrell-Daenerys.

Daario Naharis: Ficou em Meereen e deve sumir da série. Sua ausência não será (muito) sentida.

Sam e Gilly: Chegaram à Cidadela, depois de passarem uma temporada viajando, no trajeto geográfico que mais fez sentido durante este ano. Ele deve descobrir algo útil na luta contra os White Walkers numa das tramas mais tediosas rolando agora.

Jorah: Deixou Meereen com a ingrata tarefa de achar uma cura para sua doença raríssima que o transforma em pedra. É um coringa: pode estar em qualquer canto do mundo e cruzar com qualquer personagem a qualquer momento. Com certeza sonha com Daenerys todas as noites.

Gendry: Provavelmente remando, ainda.

Pelo arranjo das peças, a próxima temporada promete vários encontros: reunião Stark em Winterfell, vingança de Arya no centro do continente (Melisandre, Sandor Clegane e outros de sua lista estão por lá) e uma grande batalha em Porto Real que deve envolver metade do elenco. Até Jorah e Gendry podem encontrar alguém no meio do caminho. Com poucos episódios restantes, não há muito tempo a perder e a história tem que chegar ao clímax logo. E os personagens finalmente estão posicionados para que isso aconteça.

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‘Broad City’: demorou, mas chegou no Brasil

Enquanto séries antigas como “Friends” e “Two and a Half Men” ainda passam direto na televisão, algumas boas produções demoram um pouco para chegar ao Brasil. É o caso de “Broad City”, que depois de dois anos finalmente estreia por aqui, nesta sexta (3) às 21h30 no canal pago Comedy Central. A comédia protagonizada por Abbi Jacobson e Ilana Glazer é praticamente uma unanimidade entre a crítica: suas três temporadas têm, respectivamente, os impressionantes índices de 96%, 100% e 100% no site Rotten Tomatoes, que dá uma nota com base com textos de diversos veículos.

Em tempos não muito bons para comédias com episódios de meia hora de duração — só dar uma olhada nas categorias de humor e drama nas principais premiações de TV para ter uma ideia –, “Broad City” é uma lufada de ar fresco. Criada pelas duas protagonistas, a série estreou na internet em 2009, onde foi exibida até 2011. Na televisão, tem como uma das produtoras-executivas Amy Poehler, um dos principais nomes da comédia hoje e que já havia participado da versão para internet. O maior elogio que se pode fazer à série é que ela não se parece com mais nada que esteja no ar hoje. A princípio, pode parecer que tem um quê de “Girls”, talvez, com suas personagens de vinte e poucos/tantos anos que moram em Nova York (mas não em Manhattan) e que ainda não têm nada resolvido na vida.

Abbi (à esquerda) e Ilana em cena de 'Broad City'. Crédito: Divulgação
Abbi (à esquerda) e Ilana em cena de ‘Broad City’. Crédito: Divulgação

Abbi, na versão televisiva (as protagonistas levam os nomes das atrizes), é funcionária de uma academia, responsável pela limpeza e manutenção do local, com o sonho de virar treinadora. Mora com uma amiga — que nunca aparece, mas que tem um namorado que vive lá também às custas delas — e tem uma paixão platônica por um vizinho, na frente do qual sempre passa vergonha. Já Ilana trabalha num escritório, onde aparece vestindo roupas inapropriadas — como uma miniblusa sobre sutiã aparecendo — e passa o dia ou dormindo de olhos abertos na própria mesa ou de olhos fechados sentada na privada. Como a Hannah de Lena Dunham, nenhuma das duas é a funcionária do mês. Falando nesses termos, “Broad City” parece mais uma das séries cuja moral é “millenials são narcisistas com vidas fora dos eixos”. Longe disso.

Não só a série é bem mais engraçada e solar que “Girls”, como suas personagens são verdadeiramente amigas, estranhamente um fato raro na TV (Mindy Lahiri, de “The Mindy Project”, deixou de se relacionar com mulheres na primeira temporada, e as mulheres de “Girls” hoje raramente aparecem juntas em cena, pra ficar em dois exemplos). No terceiro episódio da primeira temporada, uma montagem inicial dá bem o tom da série. Em cada metade da tela, as duas vivem seus dias separadas — Abbi limpando privadas, Ilana dormindo sobre a privada –, até que vão jantar, no que parece um encontro romântico. Ainda com a tela dividida em dois, vemos as duas comendo juntas, uma roubando algo do prato da outra, um retrato da intimidade.

Ilana e Abbi também são, ao mesmo tempo, cheias de defeitos — como gente normal, ressalte-se — e pessoas com as quais você gostaria de conviver. Não representam nem a fofura de Zooey Deschanel (“New Girl”) nem a acidez de Aya Cash (“You’re the Worst”). As duas são quem são, sem se preocupar em entrar em moldes, em agradar aos outros e sem pedir desculpas por isso. Fumam (muita) maconha, transam com quem querem e como querem, dançam peladas pela sala quando estão sozinhas e dão a melhor resposta do mundo para homens que pedem para que elas sorriam — elas sorriem se tiverem vontade.

Entre as séries a que assistimos aspirando àquela vida boa que os personagens levam — ganhando bem, trabalhando pouco, convivendo diariamente com os amigos, conhecendo só gente linda e maravilhosa (“Sex and the City”, “Friends”, “How I Met Your Mother”…) — e aquelas que vemos para pensar que felizmente nossa vida não é tão ruim (“Girls”, “Love”, “Flaked”…), “Broad City” está bem no meio. E, mais importante: ao mesmo tempo em que é original, jamais deixa de ser engraçada, vendo sempre a bizarrice nas situações mais corriqueiras. Demorou, mas chegou no Brasil.

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‘Superstore’ vê EUA pelos olhos da classe trabalhadora

Sem um grande papel na televisão desde o fim de “Ugly Betty”, em 2010, America Ferrera resolveu voltar às séries por um motivo que parece um pouco esquisito. O papel que lhe ofereceram era de uma pessoa normal, que vivia no mundo real (não seriam quase todos?). Explica-se: numa época em que a oferta de televisão está maior do que nunca — mais de 400 seriados foram exibidos no ano passado –, não há tantas opções que retratem pessoas comuns, com trabalhos e vidas comuns. E é bem isso que é Amy, sua personagem em “Superstore”, que estreia na segunda (6) na Warner.

A premissa da série é tão simples que, falando assim, não parece que seja lá grandes coisas. Todos os episódios se passam na megaloja Cloud 9, uma espécie de Wal-Mart, com todos os tipos de produtos e funcionários vestindo coletes azuis com seus nomes nos crachás circulando pelos corredores. Não há propriamente uma trama, cada episódio conta uma história fechada em si, mostrando algumas horas na vida dos empregados, que interagem com os vários tipos de visitantes que passam por lá diariamente. Foi essa “ideia de ver o clima social e político e o que significa ser americano hoje, pelos olhos da classe trabalhadora” que inspirou America, vencedora de um Globo de Ouro, a voltar à televisão em um papel fixo. “Cresci com séries como ‘Cheers’, ‘Roseanne’ e ‘All in the Family’. Ver pessoas comuns era muito normal na televisão e era algo com que eu me identificava muito.” Panorama diferente do de hoje, com tantas séries cheias de glamour e efeitos especiais e menos espaço para comédias mais modestas. “Achei que era uma visão muito excitante.”

Amy é a protagonista da história, ao lado de Jonah (Ben Feldman, de “Mad Men” — descrito com precisão na série como uma mistura de urso panda com princesa da Disney). Ela é a gerente que trabalha há dez anos no mesmo lugar, insatisfeita com a vida que leva, e ele é o funcionário novo e de uma família com mais dinheiro, que faz questão de ressaltar no primeiro dia que não é do tipo de pessoa que costuma trabalhar em uma loja daquelas. “Amy não tem a ingenuidade e o idealismo do Jonah. Ela está meio que se virando, sobrevivendo. Vi muito valor nessa perspectiva. É a forma como a maior parte das pessoas, não só nos Estados Unidos, mas no mundo, vive. Não trabalham por paixão e realização, mas para sobreviver. Mas pode haver inteligência e humor na vida dessas pessoas.”

“Vai ser divertido ver o show progredindo e ver o relacionamento de Amy e Jonah, pessoas que vêm de perspectivas de vida tão diferentes. Não vai demorar muito pra eles começarem a impactar na vida um do outro. Eles não têm como evitar de se sentirem desafiados pelas crenças do outro, o que influencia no seu modo de ver o mundo”, diz ela, por telefone a um grupo de jornalistas da América Latina. America nem precisava dar essa dica. Conhecendo os mecanismos de séries de comédia, fica claro pelas personalidades contrastantes que em algum momento os dois vão se apaixonar (será que eles vão ficar juntos? Será que não? Aquela coisa de sempre). Mas, pelo menos no início, o romance tem um papel menor.

[citacao credito=”” ]Na minha experiência, quando um personagem não é definido, ele é branco. É o padrão[/citacao]

“Superstore” é uma série mais política do que parece pela sinopse. A começar pelo elenco, com latinos, negros, asiáticos, mulheres, personagens deficientes. “Fiquei muito impressionada com a forma como os produtores e criadores escolheram o elenco. Quando chegaram a mim já tinham escolhido vários atores, e quando li o roteiro fiquei surpresa por que nenhum personagem foi escrito com uma etnia em mente. Eram só pessoas na página. E mesmo assim eles estavam contratando pessoas que pareciam com todos os tipos de pessoas”, conta a atriz. “Vieram atrás de mim, uma latina, para fazer a protagonista, que não foi escrita como latina. Foi muito interessante. Na minha experiência, quando um personagem não é definido, ele é branco. É o padrão.”

Com esse elenco, a série pôde abordar questões pertinentes como assédio sexual e racismo — tema do terceiro episódio. Nele, o chefe pede às funcionárias latinas que usem sombrero e carreguem no sotaque mexicano para vender salsa, mas Amy recusa. Quando um colega asiático topa fazer o papel, ela aponta o racismo de sua caracterização e faz uma imitação estereotipada de um asiático para provar sua afirmação, o que ele considera racista. É uma discussão bem feita, com graça e sem grosseria. Algo como faz “Black-ish”, outra série que gira em torno de uma família padrão — negra, não branca –, e uma das boas novidades dos últimos anos.

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America Ferrera e Ben Feldman em 'Superstore'. Crédito: Trae Patton/NBC
America Ferrera e Ben Feldman em ‘Superstore’. Crédito: Trae Patton/NBC

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“Fiquei positivamente surpresa porque a escolha do elenco não foi pra preencher caixinhas num formulário ou ter uma diversidade simbólica. Foi genuinamente uma escolha baseada em quem eram essas pessoas e quem era certo para o papel. Como fazer esse elenco parecer real no mundo em que vivemos?”, diz America. “É uma abordagem nova à diversidade, que não é criada por motivos políticos. É para entender que diversidade é autenticidade, porque nosso mundo é diverso. No nosso caso, é uma oportunidade de contar histórias melhores. Podemos ser mais engraçados, abordar questões mais ousadas, falar de raça, gênero, preconceito, por que vem da nossa experiência.”

America é bastante vocal a respeito da necessidade de mais diversidade, em todos os pontos da indústria do entretenimento. “O problema não está em uma parte de indústria. Está em todos os lugares. Na frente das câmeras, atrás, no financiamento, na promoção, nas premiações. Em todos os pontos da linha de produção falta diversidade de experiências, gênero e etnias. É uma conversa que precisamos ter em voz bem alta”, opina. Para isso, diz que todas as minorias devem se unir — atores asiáticos, por exemplo, se manifestaram depois de terem sido motivo de piada justamente no Oscar que os negros criticavam por ser branco demais.

“Quando vamos estar dispostos, como indústria e cultura, a encarar a realidade de que o que vemos na tela não representa o público, o mundo? Como alguém que cresceu vendo TV e filmes, posso dizer que há muito impacto em crescer numa cultura em que você não se sente visto e refletido”, continua. “Televisão é cultura. É o que dizemos que somos, é o que somos. Fico feliz por estarmos falando disso. Talvez estejamos chegando num ponto em que a conversa não será superficial e que ações de verdade sejam tomadas. Que levemos a indústria para o mundo real, para o século 21.”

[citacao credito=”” ]Quando vamos estar dispostos, como indústria e cultura, a encarar a realidade de que o que vemos na tela não representa o público, o mundo? Como alguém que cresceu vendo TV e filmes, posso dizer que há muito impacto em crescer numa cultura em que você não se sente visto e refletido[/citacao]

A atriz está diz estar contente com o projeto e não se preocupar com audiência nem com repetir o sucesso de “Ugly Betty”, já que isso está fora do seu alcance. “Se eu desvendasse essa equação eu seria muito bem-sucedida”, ri. “Tento não me preocupar com o que não posso controlar. Se eu quero que encontremos um público? Sim. Mas não tenho ideia. ‘Superstore’ já está achando um público e é muito legal ver as pessoas encontrarem alegria e significado nisso. Vai ser um público diferente de ‘Ugly Betty’. É um território novo, não dá pra comparar.”

Por enquanto, America tem razões para ser otimista. A série foi a estreia com maior audiência no canal NBC nos últimos anos e vai particularmente bem entre o público preferido dos anunciantes: pessoas com idade entre 18 e 49 anos em lares com renda superior a 100 mil dólares anuais. Tanto que, em fevereiro, a produção criada por Justin Spitzer, de “The Office”, foi renovada para uma segunda temporada. “Estou vivendo um período incrível. Rimos o dia todo. Trabalhar com esses roteiristas e atores me faz sentir que estou aprendendo. Me sinto muito apoiada nesse desafio.”