Quando escrevo para Pedro Bromfman para confirmar nossa entrevista para dali cinco minutos, ele responde que seu compromisso com o novo episódio de “Narcos” tinha sido adiantado e que ele teria que sair logo. Remarcamos. Mesmo o espectador mais atento do mundo provavelmente não reconheça o nome de Pedro, mas sua assinatura está em todos os episódios da primeira temporada da série do Netflix. É um tipo curioso de trabalho: se você está entretido na trama, é capaz de nem perceber o que Pedro fez. Porém, não dá pra saber como a série seria sem ele ali. Quer dizer: dá. Seria esquisitíssima. Como em outros trabalhos de José Padilha (“Robocop”, os dois “Tropa de Elite”, “Rio, Eu Te Amo”), Pedro é o compositor da trilha sonora da série.
Uma rápida passada de olhos por sua página no IMDb, o currículo de qualquer um envolvido em cinema ou televisão, revela trabalhos em outras produções bem variadas, passando pela comédia romântica “Qualquer Gato Vira-Lata”, com Cleo Pires e Malvino Salvador, o documentário “Mataram Irmã Dorothy” e, mais recentemente, “Em Nome da Lei”, filme de Sergio Rezende com Mateus Solano e Paolla Oliveira que estreou no fim de abril. A pré-estreia do filme, aliás, é motivo para a visita de Pedro, que mora nos Estados Unidos, ao Brasil. É a melhor parte do trabalho, diz ele, rindo. No resto do tempo, escrever trilhas “é mais transpiração que inspiração”, conta. Não dá pra ficar de papo pro ar, com a página em branco na frente, esperando a ideia chegar.
Pedro começou a fazer trilhas um pouco que por acaso, numa época não havia muita gente especializada nisso no Brasil. Começou a estudar música por volta dos dez anos de idade, quando ganhou o primeiro violão, dedicando-se à prática desde o início. “Queria realmente levar a sério, estudar composição e arranjo. Aos 18 anos fui pro Berklee College of Music, em Boston”, conta. Lá, estudou performance e composição. Voltou para o Brasil, montou uma banda, produziu discos e aí começou a fazer algumas coisas para comerciais, o primeiro passo pra nova carreira. Naquela época, gostava de cinema, mas nunca tinha pensado em trabalhar com isso. Seu negócio mesmo era tocar. Foi por iniciativa da mulher, diretora de cinema, que ele voltou aos Estados Unidos, para Los Angeles, onde sua trajetória profissional mudou.
“Eu estava um pouco frustrado com o mercado de música instrumental aqui no Brasil. Isso foi no começo dos anos 2000. Acabamos indo juntos pra Los Angeles e lá entrei de cabeça nesse mercado de trilhas”, lembra. “Fiz uma especialização lá e comecei a trabalhar com alguns compositores de trilha, fazendo música adicional, ajudando com programa de televisão, coisas assim. Eventualmente comecei a ter a minha chance.” Quando vinha para o Brasil batia na porta de produtoras para se apresentar, aproveitando o fato de que ainda não tinha muito gente que fizesse o que ele fazia. “Naquela época era um país com músicos maravilhosos, mas com pouca gente que entendia realmente como a trilha funciona. Hoje tem muito mais gente capacitada trabalhando. Mas em 2004, 2005, pouca gente se dedicava exclusivamente a isso. Começou a me abrir portas aqui também.”
O primeiro grande projeto fez barulho: “Tropa de Elite”, primeira colaboração sua com José Padilha. A continuação do filme, então, era a maior bilheteria nacional no Brasil até “Os Dez Mandamentos”, neste ano. “Estar lá [nos Estados Unidos] me abriu portas aqui, porque eu tinha especialização e experiência de longa data de composição e orquestração. E o fato de fazer filmes aqui — e um filme como ‘Tropa’, que viajou — começou a me abrir portas lá”, diz Pedro. “Sempre digo que não basta estar preparado e ter talento. Precisa de sorte nesse mercado de cinema. Você tem que estar no lugar certo na hora certa, conhecer as pessoas certas e aí estar preparado pra entregar e fazer o trabalho direito quando te chamarem.”
INTERLÚDIO
Ouça a cena prestando atenção na trilha sonora.
LIBERDADE CRIATIVA
Mas o que significa, exatamente, saber fazer trilha sonora? Não é como compor músicas para um disco próprio. Pra começo de conversa, tudo tem que estar de acordo com a visão do diretor. Numa produção americana, por exemplo, costumam chamar o compositor quando já há um primeiro corte do filme ou programa de TV. As fases de roteiro e filmagem já ficaram bem pra trás. “A cabeça de Hollywood é de que não é só arte, é indústria. É mais uma cabeça de cronograma, orçamento, bem certinha”, diz Pedro. Chegar tão tarde na produção não é o ideal para ele. “Eu gosto — é como trabalho com o Zé Padilha — de me envolver o quanto antes. Ler o roteiro, nem pra começar a gravar coisas, mas pra ter ideias, conversas criativas com o diretor, entender os personagens, qual a instrumentação que deve ser usada.”
No caso de “Narcos”, Pedro não foi à Colômbia, onde a primeira temporada foi gravada, mas recebia imagens assim que as filmagens começaram. “Eu já tinha lido o roteiro do piloto [primeiro episódio] e comecei a compôr música lá no início. Muitas das músicas que compus lá viraram os temas principais. Mas muitas vezes acontece também de você começar cedo, fazer algumas coisas e depois olhar as imagens e falar ‘não é bem por aí, vamos repensar’. Às vezes você lê o roteiro e acha que sabe tudo de que o filme precisa, mas aí você vê as primeiras cenas e realmente vê o tom do filme e das atuações, e é aí que você vê.”
Quanto antes o compositor entra no projeto, maior sua liberdade criativa. Quando um filme já chega nas suas mãos em um primeiro corte, muitas vezes já vem com uma música temporária. Sem música, fica estranho ver um filme e os editores colocam algo para ajudar no ritmo. “A música muitas vezes funciona de uma maneira subconsciente. Você nem está ouvindo realmente, mas se ela não estiver ali você não sente a parte emocional do mesmo jeito. Se você passa um filme sem a música a pessoa não chora, mas se você põe a sala inteira vai ficar emocionada porque é pele”, opina.
No caso de “Em Nome da Lei”, por exemplo, Pedro também participou desde o início e pôde dar suas opiniões a respeito de como deveria ser a música. “Obviamente se eu entrego uma faixa que [o diretor] não gosta ele diz que não é bem por aí. Mas num esquema bem colaborativo, de mandar uma coisa, ele responder, eu defender minha ideia”, diz. “Eu acho que é isso que o cinema é, realmente. Uma grande colaboração de todas as artes. O trabalho do diretor é conseguir unificar aquela visão e passá-la pra todos os departamentos do filme.”
Para ser um compositor de trilhas também é preciso ser versado em músicas de diferentes tipos. Cada projeto, ou cada gênero de filme, pede um tipo de música. “Já fiz trilha que era quase só tango do começo ao fim. ‘Robocop’ tinha uma orquestra de 80 músicos com mistura de música eletrônica”, diz. Hoje, acaba mais fazendo mais filmes de ação, o que considera normal pelo caminho de sua carreira. “As pessoas veem um filme de ação ou de drogas e falam ‘ah, gostei da música dele, vamos chamar pra fazer outro filme assim’. Qualquer oportunidade de sair um pouco disso, fazer uma comédia romântica, uma animação que for, eu abraço. Principalmente se for um projeto interessante. Obviamente a primeira decisão do sim ou do não é se o tema me interessa.”
E, é claro, produzir independente de inspiração. Nem sempre é fácil. “Toda vez que eu começo um projeto eu penso que não tenho ideia do que fazer. É como se eu esquecesse o que eu faço cada vez que eu começo. Aí passo duas semanas com o filme, digerindo, experimentando uma coisinha ou outra até a hora que a coisa engrena. Aí a gente encontra o tom e a instrumentação, e a partir dali a coisa flui”, diz. Mas mesmo antes de pegar no tranco ele se compromete a sentar no estúdio todo dia às 9h e trabalhar até as 18h. “Talvez no dia seguinte eu não goste de nada do que fiz. Mas todos os dias tem alguma coisa produzida. Música pra cinema é muito mais transpiração que inspiração. Inspiração é o que você absorveu ao longo da vida, de filmes que viu, músicas que ouviu, estudos que fez, instrumentos que aprendeu a tocar. No dia a dia a coisa é sentar e produzir.”
https://www.youtube.com/watch?v=U7elNhHwgBU
O resultado de tudo isso é fazer com que trilha e filme casem perfeitamente. Pedro diz que sabe que está diante de um grande filme quando ele presta atenção na trilha, mas nem tanto assim. Nesse caso ele ouve de novo a trilha em casa (entre os ídolos aponta Ennio Morricone, atual vencedor do Oscar por “Os Oito Odiados”, Thomas Newman, indicado a 13 Oscar — o último por “Ponte dos Espiões”, neste ano –, e Gustavo Santaolalla, que ganhou o Oscar por “Babel” e “O Segredo de Brokeback Mountain”).
Para quem quer começar a trabalhar com trilhas hoje há mais caminhos, inclusive especializações no Brasil. Há um mercado grande, particularmente, para trilha sonora de videogames, conta ele, que trabalhou no jogo “Max Payne”. “Foi meu primeiro e único trabalho até agora, mas é um mercado que cresce muito. Os fãs jogam o dia todo e aquela música fica embrenhada, eles são mais apaixonados pelas trilhas que os fanáticos por cinema”, diz. A experiência foi boa, mas no cinema há mais controle sobre a obra. “No videogame você faz a música, mas não tem como saber se aquilo que você escreveu vai tocar exatamente naquele momento. Todas as músicas têm que poder voltar pro começo e não terminar nunca até que você passe de um ponto, ou mude de fase. Aí começa uma nova música”, diz. No cinema, se ele escreveu aquilo para a cena X, sempre irá tocar na cena X.
Agora, além de trabalhar na segunda temporada de “Narcos” (acabou de terminar o quinto episódio e faz mais ou menos um capítulo a cada dez dias), faz a trilha da série “Rio Heat”, com Harvey Keitel. Também cita um projeto com José Padilha sobre o qual não pode falar (dias depois da entrevista, o Netflix revelou que vai exibir uma série do diretor sobre a Operação Lava Jato). O ritmo é forte, diz. “Não estou fazendo a música só pela música. Não interessa se ela é a mais bonita do mundo, se a melodia é a mais linda, estou fazendo a música pro bem de uma obra maior, ajudando uma cena e personagens. Esse é o grande lance.”