Dizer que “Gilmore Girls” é uma série super realista seria um exagero. Da mágica Stars Hollow, com seus mil festivais e habitantes malucos a velocidade em que as pessoas falam, passando pela quantidade de besteira que as protagonistas comem sem engordar um grama, há muito de fantasia ali. Mas poucas séries conseguem captar como “Gilmore Girls” as complexidades das relações, principalmente familiares. Quando Lorelai, Rory e Emily brigam, trazem à tona década de ressentimentos e vão direto na jugular. Quando se divertem, é com piadas internas cultivadas ao longo de toda uma vida. As dificuldades, as decepções da vida, estão todas lá.
Quando a série terminou na televisão, com a sétima temporada — a única sem a criadora, Amy Sherman-Palladino, no comando –, seu final foi bem aberto. Rory conseguiu um emprego num site pequeno para cobrir a campanha de Barack Obama, Lorelai deu um beijo em Luke, Emily e Richard foram prestigiar a filha e a neta numa grande festa em Stars Hollow. A partir disso, cada um podia imaginar o final que queria. O site de Rory podia ter estourado, ela podia ter conseguido emprego num jornal, poderia estar morando em Nova York ou na Europa, poderia ter voltado com um dos ex-namorados, ou ter conhecido alguém novo, ou estar sozinha. Poderia ter casado, poderia ter tido filhos, ou nada disso. Lorelai podia ter se reconciliado com Luke, casado com ele, tido mais filhos. Ou o beijo poderia ser só uma recaída. Havia uma série de finais felizes possíveis.
Mas não seria “Gilmore Girls” se houvesse um final feliz. Então nos quatro novos episódios, lançados no Netflix, vemos que para Rory, Lorelai e Emily tudo continua complicado como sempre. (Atenção, spoilers a partir daqui!) Não, Rory não voltou com Jess nem estourou como jornalista — nem com um currículo como o de Rory está fácil. Quando a temporada começa, ela acaba de publicar um artigo na New Yorker e acha que com isso muitas portas irão se abrir. Desdenha de uma vaga num site menor e vive viajando o mundo com seus três celulares atrás de frilas, até que termina sem emprego, sem dinheiro e sem perspectivas na casa da mãe, no quarto onde cresceu. Na vida amorosa, também é um desastre: tem um namorado há dois anos, mas vive se esquecendo dele, e o trai com desconhecidos e com Logan, que está noivo de outra.
Lorelai parece mais estável, mas também está desmoronando. Sookie abandonou a pousada que abriram juntas, Michel também quer partir, Luke nunca a pediu em casamento e a ausência do papel assinado começa a incomodar. A relação com a mãe, Emily, também não vai muito bem desde a morte do pai, Richard. Emily, então, perde completamente o chão depois que o companheiro de 50 anos morre. Como viver sozinha depois de tanto tempo? O resto dos personagens também não vai muito bem: Paris e Doyle estão se divorciando, Zack tem um emprego que odeia, Michel se sente sem perspectivas de crescimento, Jess continua apaixonado por Rory, e Lane agora toma conta do antiquário da mãe e não realizou seu sonho de ser roqueira. Dean vai bem, finalmente realizando o sonho de formar uma família cheia de filhos.
Do ponto de vista de fã, é frustrante ver Rory seguir o caminho que segue. A piada sobre Paul, o namorado de quem ela não se lembra apesar do relacionamento ter dois anos, perde a graça logo e se torna cruel — embarcar num namoro desses não parece algo que Rory faria. Apesar de sua relação com a monogamia não ser das mais sólidas desde o início (ela beija Jess quando está com Dean e transa com Dean quando ele está casado), também irrita o fato de ela ser amante do ex-namorado e de trair Paul com Logan e com um cara avulso que ela conhece na rua sem sentir nenhum tipo de culpa. Dá pena dela também pensar que dez anos depois ela ainda está apaixonada por Logan, um namorado que só fazia sentido quando ela tinha acabado de sair da adolescência perfeita e que lembrava seu pai, com quem ela tem questões para resolver.
Mas “Gilmore Girls” nunca quis que Rory e Lorelai fossem perfeitas e esperar que Rory fosse ter a vida resolvida aos 32 anos era uma aposta arriscada de qualquer forma. Podemos não gostar do desenrolar das coisas, mas essa parte é coerente com aquilo que a série construiu ao longo de sete temporadas — “Gilmore Girls” nunca fez questão de que suas personagens fossem perfeitas.
Perfeição, aliás, passa longe desses novos episódios. Podemos perdoar o fato de Rory ter se tornado uma pessoa pior com o tempo, mas outros defeitos não e, no fim das contas, “Gilmore Girls: Um Ano para Recordar” é um fantasma daquilo que foi “Gilmore Girls”. Com a liberdade do Netflix, Sherman-Palladino e seu marido, Daniel Palladino, roteiristas e diretores da temporada, resolveram fazer quatro capítulos de uma hora e meia de duração (originalmente os capítulos tinham em torno de 40 minutos), representando cada um uma estação de um ano. A duração maior não foi bem aproveitada pela dupla e há cenas longuíssimas sem muito propósito e/ou cansativas, como a apuração de Rory para uma matéria sobre filas, as cenas do musical sobre Stars Hollow, os preparativos de Lorelai para sua caminhada e a aventura de Rory com Logan e seus amigos.
Essas cenas tomam espaço que poderia ser ocupado com as três garotas Gilmore juntas, já que a relação delas é o coração da série. Emily e Lorelai interagem um pouco — têm umas duas cenas memoráveis –, só é uma pena que as cenas de terapia que elas fazem juntas, que tanto prometia, não rendam tanto. Lorelai e Rory também, embora Rory passe praticamente mais tempo viajando pra Londres do que com a mãe (aliás: quem faz um bate-volta Estados Unidos/Londres como Rory, que ainda por cima está supostamente falida?). Raras são as cenas com as três juntas.
Juntar todo o elenco original para esses quatro episódios foi uma conquista e tanto e é reconfortante ver todos seus personagens queridos de novo. Mas os Palladino gastam tempo demais mostrando “ah, como Stars Hollow é esquisito!”, com cenas que pouco acrescentam, do que com a história dos personagens que amamos. Seria mil vezes melhor saber mais sobre Lane, para quem eu esperava justiça após o final terrível que foi terminar grávida de gêmeos aos 21 anos, do que ver as cenas na piscina de Stars Hollow (horrível da parte das Gilmore ficar julgando os corpos das pessoas em 2016). Mais Paris e menos Kirk. Mais interações de Jess e Rory. Poxa, até mais Dean seria bem-vindo.
Isso não significa que a temporada não tenha seus bons momentos. Rever Paris é uma alegria, com diplomas de medicina e direito e uma casa de cinco andares em Nova York, como deveria ser. Lauren Graham parece não ter deixado nunca de interpretar Lorelai e revê-la no papel é pura nostalgia mesmo nas cenas meio sem graça. Emily, particularmente, é um destaque. Sem chão após a morte de Richard, ela finalmente fica com uma empregada mais do que um episódio e meio que adota a família imigrante de Berta, com quem ela nem consegue se comunicar direito. Aos poucos, ela aprende a viver sozinha, vendendo a casa e largando tudo para morar na praia, onde passa as noites bebendo vinho e os dias ensinando crianças num museu.
No processo, solta alguns palavrões (no Netflix é liberado) ao deixar o esnobe grupo DAR de maneira memorável. A briga com Lorelai após o velório de Richard também é brutal, numa excelente atuação das duas. O arco de Emily é uma boa síntese daquilo que “Gilmore Girls” consegue ser nos seus melhores momentos: triste, engraçado, complicado, às vezes tudo ao mesmo tempo. Se a série mostra algo, é que a vida não é fácil, mas pode ser muito boa.
Nesse sentido, o final é particularmente desapontador: não combina com “Gilmore Girls”. O mais frustrante é que há muitos anos Amy Sherman-Palladino diz que sabia quais seriam as quatro últimas palavras ditas na série. Como ela não trabalhou na sétima temporada, os fãs nunca souberam qual era o final imaginado por sua criadora. Durante a campanha publicitária dos novos episódios, Sherman-Palladino colocou os holofotes repetidas vezes sobre as tais quatro palavras. A expectativa era alta, o que nunca ajuda, mas nem nos meus devaneios mais loucos pensei que pudesse ser tão ruim. Rory diz a Lorelai que está grávida e há um corte.
Não sabemos a reação de Lorelai. Não temos nem certeza sobre quem é o pai. Tudo leva a crer que seja Logan, que a própria criadora disse que representa a figura do pai ausente na vida de Rory. Mas como Logan casou-se com outra, Rory repetiria a experiência da mãe e criaria sozinha a criança. Faria sentido, assim, a conversa que tem com o pai no último episódio: sabendo que estava grávida de Logan, perguntou para ele se ele se arrependia de ter deixado Lorelai criá-la sozinha — para ajudar a se decidir se incluiria ou não Logan na vida de seu filho. Como Christopher, Logan é um homem rico que ama Rory, mas não pode dar a ela aquilo que ela precisa. Alguns fãs de Jess especulam na internet que ele seria o Luke de Rory, o cara que a entende, que está ali pro que ela precisar, e que, no fim das contas, eles terminariam juntos. Mas meio triste pensar que Rory — a tão ambiciosa e estudiosa Rory, que queria ser jornalista pra viajar o mundo e “ver as coisas acontecendo” — terminou naquela cidadezinha, deixando a carreira de lado.
Dá muita alegria pensar que Sherman-Palladino não escreveu a sétima temporada, pois ver Rory como mãe solteira aos 22 anos, recém-formada, seria terrível. O que ela quis dizer com esse final? Que estamos fadados a repetir a trajetória dos nossos pais? Por que fazer Rory repetir a experiência da mãe, que foi tão difícil? Era essa a ideia desde o começo, fazer um final melancólico que mostre que a vida é cíclica e inescapável? Quando Lorelai pede um empréstimo à mãe, como no primeiro capítulo, percebe-se a ideia de “ciclo se fechando”. Se depois de tudo que elas viveram seu final é voltar pro início, é melancólico demais.
Pedro Aguilera estava numa fase meio distópica, nove anos atrás, quando cursava cinema na USP. Na lista de leitura estavam “1984”, de George Orwell, e “Admirável Mundo Novo”, de Aldous Huxley. Quando viu um edital do Ministério da Cultura para criar uma série, a ideia lhe veio à cabeça: fazer uma distopia brasileira. O resultado, “3%”, é uma espécie de mistura de “Jogos Vorazes” com vestibular, uma receita bem atrativa para adolescentes (ou jovens adultos, como esse público é chamado). Talvez por isso a produção, que virou uma websérie na época, tenha chamado a atenção do Netflix na hora de escolher seu primeiro seriado brasileiro.
Durante esses anos, a websérie ficou no ar, ganhando lentamente legendas em diversas línguas, feitas por fãs, e novos espectadores. Um deles era um executivo do Netflix, que se empolgou com o projeto e o levou para o serviço. A série, que estreou na sexta (25), competindo com “Gilmore Girls”, não é idêntica à websérie. Mas ambas tem a mesma premissa. Nelas, o Brasil do futuro, numa época não especificada, virou uma terra devastada. Não há comida, pessoas vivem em barracos, vestidas em trapos. A única chance de escapar da miséria é passar, aos 20 anos, por um processo seletivo. Os 3% selecionados ganham a chance de viver num oásis chamado Maralto, onde não há escassez e todos vivem confortavelmente e em paz. Quem não conseguir passar pelo processo seletivo, altamente subjetivo, está fadado a viver “do lado de cá” para sempre, sem segundas chances. Pelo menos por enquanto: no primeiro episódio é revelado que há um grupo revolucionário que tenta acabar com a injustiça e que infiltra um jovem no processo.
O grupo de protagonistas é variado: há a mocinha com cara de frágil (Bianca Comparato, um dos poucos nomes conhecidos do elenco), o cadeirante que não quer ajuda de ninguém, o rapaz confiante cuja família sempre passa no processo, a jovem marrenta e esperta, o malandro que tenta burlar as regras. Todos observados por Ezequiel (João Miguel), o misterioso chefe do processo que carrega um passado difícil.
João Miguel, figura comum em minisséries da Globo, disse em encontro com jornalistas que recebeu o convite um ano e pouco antes da série acontecer. “Fiquei interessado por fazer um personagem que nunca tinha feito. Me interessa muito descobrir personagens novos. O Ezequiel é muito estranho de cara”, afirmou. “No início, pensando muito num personagem sistemático, que traz essa coisa corporativa, de poder, e acho que um personagem muito contundente hoje e muito diferente do que eu tinha feito até então. Isso me atraiu bastante.”
Já Bianca, um dos primeiros nomes a fazer parte do projeto, diz que topou fazer “3%” pela mensagem, sem nem ter lido um roteiro. “A primeira coisa que me atraiu foi a ideia do Aguilera dessa segregação. 3% versus 97%. O teor político e a mensagem que a série passa”, contou. “Eu falei: ‘Essa mensagem eu quero passar’. Não sabia como, mas isso estava claro.” Para atriz, não precisa nem de muita imaginação para ver as ligações entre o Brasil real e o Brasil da série. “Costumo dizer que o Brasil é uma distopia”, brincou. “Intelectualmente faz muito sentido o conceito.”
Mas embora os criadores digam que as questões propostas pela série tenham respaldo na realidade brasileira (“é uma alegoria para a discutir a meritocracia”, diz Bianca), trata-se de uma ficção que segue a fórmula dos filmes do gênero feitos em Hollywood, mas menos criativo. Pense em “Jogos Vorazes” ou “Divergente”. As pessoas que aplicam o processo são malvados e/ou cegos para a desigualdade como os moradores da capital nos filmes protagonizados por Jennifer Lawrence. Há até algo que se assemelha com os hologramas com o nome e o rosto de cada participante. Quando é anunciado que há uma rebelião, é pouco surpreendente, não vai muito além daquela velha história dos jovens adultos contra um regime totalitário. As reviravoltas — que existem — não têm a mesma força, pois o roteiro é pouco profundo na crítica.
Ao roteiro pouco especial junta-se performances bem abaixo da média, inclusive de João Miguel, que costuma escolher bons papéis em boas produções. O elenco jovem parece se esforçar, mas parecem estar lendo um roteiro – e não falando. Da dicção super correta ao vocabulário que ninguém usa, parece tudo um pouco artificial. Há episódios melhores que outros — no quarto, por exemplo, o foco sai das provas não muito interessante do processo (como montar cubos em poucos minutos) e a série joga luz sobre os efeitos que a competição tem nos participantes, revelando o pior em cada um deles.
Para dirigir a série, foi chamado César Charlone, indicado ao Oscar de fotografia por “Cidade de Deus”. Coube a ele trazer um pouco de brasilidade para o cenário distópico, afirmou Bianca. “O Charlone dá esse conceito colorido. É um futuro quase que presente, como ‘Black Mirror’ faz. Parece que é lá na frente, mas na verdade estamos falando de nós mesmos”, disse. Mas mesmo com o currículo de Charlone, o visual não é particularmente incrível. Os cenários do “lado de lá” são genéricos, com grandes espaços brancos e design clean. “Do lado de cá”, há realmente mais cores, mas os figurinos são esquisitos, com trapos coloridos sobrepostos uns sobre os outros.
Segundo Pedro, que tem 27 anos, a equipe tentou argumentar a favor dos dois lados do processo de seleção, sem julgar o pessoal do lado de lá. “A gente se esforçou pra tentar pintar um quadro não unilateral, com personagens com pontos de vistas diferentes, indicando levemente nosso ponto de vista, pra deixar o público ter uma opinião sobre essa sociedade e como ela tá montada.” A ideia é boa, tanto que o piloto, disponibilizado no YouTube, fez bastante sucesso. Mas mesmo com toda a infraestrutura do Netflix, a série tem um pouco de cara de produção estudantil. Entretém, mas não espanta muito.
A nova temporada de Black Mirror chegou na última sexta-feira no Netflix. Para discutir de forma mais detalhada — com spoilers! — cada um dos episódios do seriado distópico, decidimos fazer uma conversa dedicada a cada um deles. Um episódio por dia, seis dias seguidos.
Leo Martins: Estamos de volta! Depois de um breve intervalo (fiquei doente, faz parte), voltamos para discutir mais um capítulo de “Black Mirror”, o quarto, “San Junipero”. O capítulo conta a história de duas personagens, Kelly e Yorkie, que se conhecem numa festa, se divertem, sentem um clima rolando… Acompanhamos o desenrolar dessa relação até descobrirmos que, na realidade, as personagens são apenas avatares virtuais de duas pessoas vivas, duas senhoras de idade próximas da morte. O capítulo é cheio de nostalgia, referências e consegue discutir diversos assuntos em uma hora. Por esses motivos, eu já posso dizer que ele foi meu favorito da temporada – enfim, um capítulo realmente marcante. E você, Fê? Gostou também? Podemos entregar a coroa?
Fernanda Reis: Sim, também foi meu favorito. Achei a história bem bonita e, talvez pela primeira vez vendo “Black Mirror”, terminei o episódio contente. A história também é bem bolada, não me lembrou nenhum episódio antigo (tem uma temática parecida com “Be Right Back”, falando de como prolongar a vida ou como a tecnologia pode mudar nossa relação com a morte) e foi me surpreendendo. Demorei para entender onde a história queria chegar, apesar de que o episódio dá várias dicas, como a escolha da música “Heaven Is a Place on Earth” (a Salon fez um guia legal de referências assim que não dá pra pegar na primeira vez assistindo). Do que você gostou mais no episódio?
Leo: A lista de motivos para gostar é longa, mas meus detalhes preferidos: você só começa a desvendar de verdade o mistério do capítulo na metade do capítulo, apesar de um ou outro sinal. A construção da primeira meia hora, fazendo o espectador se importar com a relação, é muito bem feita, e quando o elemento futurista/distópico entra em cena, é tudo bem natural e funciona muito bem. O apelo nostálgico funciona muito bem e achei todas as escolhas – trilha sonora, roupas, cores, detalhes de cultura pop – muito acertadas. E esse apelo também funciona como uma forma de metalinguagem ou até mesmo crítica à nostalgia: Kelly, no mundo real, chega a falar com desdém sobre isso. E é uma história de uma hora que consegue discutir sexualidade, imortalidade, futuro, legado e várias outras questões de forma inteligente e bonita. A atuação das duas atrizes, Mackenzie Davis e Gugu Mbatha-Raw, também merece destaque. Sobre o final contente, quero voltar ao assunto já já, porque não sei se ele é tão bondoso quanto parece…
Fernanda: Quando comecei a assistir fiquei com um pouco de medo de que o episódio fosse ser algum tipo de versão de “A Casa do Lago”, aquele filme com a Sandra Bullock e o Keanu Reeves em que eles dividem a mesma casa em tempos diferentes, sabe? Tenho um pouco de pé atrás com viagem no tempo em histórias, acho que muitas vezes é um recurso mal utilizado. Mas achei a ideia muito boa, é um pouco da tecnologia do especial de Natal, em que você consegue clonar a consciência da pessoa e colocar num outro lugar, mas usada para o bem. O dilema da Kelly é muito bem construído: será que ela deveria seguir o marido e a filha, apesar de achar que não existe nada após a morte, ou quebrar essa promessa antiga e viver esse novo amor? Mas queria voltar logo à questão do final, porque estou curiosa pra saber o que você achou. Li umas teorias por aí e quero saber se é disso que você está falando…
Leo: Bom, a gente já avisou que tem spoilers, né, mas não custa avisar de novo. A partir daqui, muitos spoilers sobre o final.
Minha impressão sobre as cenas finais: apesar de parecer um final feliz em que as duas estão juntas e felizes em San Junipero, fiquei com a sensação de que a Kelly não foi. O jeito que ela pede a eutanásia é misterioso, mas dá a entender que ela quer descobrir o que há do outro lado — San Junipero ela já conhece bem. Em nenhum momento entre a briga feia entre as duas e o retorno inesperado há um sinal de que ela mudou de ideia. E quando a Yorkie vai buscá-la na versão virtual, tudo me pareceu estranho: ela não fala nada, elas saem para curtir, fim. Mas e se o sistema não criou uma Kelly para a Yorkie ser feliz na sua versão de “eternidade”? Não seria bom para a empresa que cuida da cidade virtual ter uma pessoa infeliz depois de uma briga feia daquelas do outro lado, imagino. Tô viajando demais ou faz algum sentido?
Fernanda: Era mais ou menos essa a interpretação que eu tinha visto. Mas eu interpretei o final da maneira mais óbvia mesmo. Eu acho que Kelly não acredita que haja alguma coisa depois da morte, mas ela tinha se preparado para não ir para San Junipero com o marido dela porque ele tinha feito essa escolha acreditando que ia se encontrar com a filha deles. Ela não achava isso, mas fez essa escolha por uma questão de lealdade, talvez. Então não achei que ela queria descobrir o que tem do outro lado. Também não sei se o sistema tem essa capacidade de criar pessoas. Porque se fosse assim você ia poder criar sua própria cidade, trazer seus amigos (a Kelly poderia trazer o marido e a filha, por exemplo). Acho que você vai pra San Junipero e convive só com quem está lá, por isso a Yorkie insistiu pra Kelly ficar. E bem no fim aparece aquela máquina colocando duas luzinhas uma do lado da outra, ou algo assim, dando a entender que tem duas pessoas novas ali juntas em San Junipero. Talvez tenha sido uma pegadinha dos roteiristas… Mas depois do terceiro episódio e seu final horrível, acho que prefiro acreditar no final feliz também hahaha.
Leo: É, talvez seja melhor mesmo acreditar que o final foi assim, apesar de achar que nos dois casos o episódio continua bonito, cada uma com sua crença e seus motivos para ir ou não para San Junipero. Uma frase da Kelly, em tom irônico, me marcou bastante: “uploaded to the cloud… sounds like Heaven”. Agora, eu gostei bastante dos detalhes de ambientação de cada ano: o começo, em 1987, mostra o Max Headroom na televisão, e essa é uma das histórias mais bizarras que eu já vi; a Alanis marcando os anos 90; a melhor música da Kylie Minogue marcando 2002 – e os fliperamas evoluindo junto. Esses detalhes junto com as cores, os neons, as roupas, a fonte mudando em cada “uma semana depois”, tudo isso ajuda na hora de acreditarmos e discutirmos se, bem, se tivéssemos essa opção, será que iríamos querer viver nessa vasta eternidade? É possível não querer ir para San Junipero depois de testá-la por cinco horas, todo sábado?
Fernanda: Achei legal que você reparou nas fontes, porque só fui reparar nisso depois que um texto me chamou a atenção. Mas gostei muito de todo o cenário mesmo, eles conseguiram marcar a mudança de tempo sem obviedade — e essas músicas todas que você apontou têm tanto relação com o ano quanto com a temática do episódio (“não consigo tirar você da cabeça”, por exemplo). Eu acho possível, sim, não querer ir para San Junipero, tanto que aquelas pessoas que vão no Quagmire piram pra conseguir sentir alguma coisa. Depois de um tempo deve ser bem tedioso viver aquela vida, frequentando aquela mesma boate, encontrando as mesmas pessoas, morando sempre naquela cidade festeira. Também acho válido o dilema da Kelly, porque essa vida eterna que prometem pra ela não tem as pessoas que ela mais amava. Vale a pena encarar uma eternidade dessas? Vivendo uma vida que não é aquela que você passou sua existência toda construindo? Eu acho que não iria pra San Junipero, na verdade. Você ia querer viver essa eternidade?
Leo: De jeito nenhum! No fim, há uma discussão quase religiosa sobre eternidade. É importante lembrar que o Eterno é, na verdade, aquele que não só existe para sempre, como sempre existiu, sem início ou fim. A eternidade oferecida em San Junipero é um fragmento de realidade, um punhado de doses nostálgicas para que você não se sinta sozinho, nem eliminado no mundo – o medo de desaparecer que muitos sentem, sendo que no fim todos viemos ao mundo para morrer e, quem sabe, descobrir que essa eternidade sem início ou fim realmente existe. Viver em pedaços esparsos de felicidade não me parece uma boa eternidade.
A nova temporada de Black Mirror chegou na última sexta-feira no Netflix. Para discutir de forma mais detalhada — com spoilers! — cada um dos episódios do seriado distópico, decidimos fazer uma análise dedicada a cada um deles. Um episódio por dia, seis dias seguidos.
Contei à minha mãe, num dia desses, que era melhor colocar uma fita adesiva sobre a câmera do seu computador, por questões de segurança. Afinal, é possível que um hacker se aproveite da câmera descoberta para espionar o que ela anda fazendo pela casa. Ela pensou um pouco e disse: “Mas por que um hacker ia querer filmar a minha casa?”. Certo, talvez nada de especialmente incomum aconteça na sua casa, mas não é porque a situação não seja particularmente inusitada que você gostaria que alguém a filmasse. Ligado sobre a mesa, na cama, no sofá, o computador é um observador íntimo do seu cotidiano. Pensar que alguém pode usá-lo para invadir sua privacidade é uma ideia aterrorizante. E é sobre essa ideia horrível que “Black Mirror” se debruça no terceiro episódio da terceira temporada, “Shut Up and Dance”.
Kenny (Alex Lawther) é um adolescente comum. Trabalha numa lanchonete e mora com a mãe e a irmã – com quem não quer dividir seu computador. Computador é pessoal, né. Mas num dia qualquer, alguém (não sabemos quem) o filma se masturbando na frente do computador e lhe manda o vídeo num e-mail com uma ordem: passe seu número de telefone ou seu vídeo será enviado para todos os seus contatos. Como dirão mais pra frente, masturbar-se em frente ao computador não é esquisito. Não é ilegal. Mas a sensação de vergonha de se ver exposto assim frente a seus conhecidos é suficiente para que Kenny passe o número.
“Shut Up and Dance” é uma história de suspense que lembra bastante “White Bear”, episódio de uma temporada anterior em que uma mulher é perseguida e, em vez de receber ajuda, é filmada por todo o mundo que encontra – nos sentimos mal até que há uma revelação no final. Durante o episódio, Kenny vai recebendo dos desconhecidos desafios cada vez mais difíceis de cumprir: começam pedindo que ele pegue um bolo, entregue por outra vítima de chantagem, e leve a um endereço, e chega a um ponto em que pedem para que ele cometa crimes.
Kenny é uma figura simpática, muito pela atuação de Lawther, com quem é possível se identificar. A situação em que ele é colocado é difícil: quão longe ele deve ir para preservar sua honra? Será que não era melhor ele ceder logo à chantagem e se ver livre de tudo isso? Será que não é melhor conviver com a vergonha de ter a intimidade exposta do que com a culpa que esses desafios que lhe impõem vão trazer?
Em tempos em que hackers invadem os computadores de pessoas para expor informações pessoais e fotos, por exemplo, são questões e medos que estão por aí. Aconteceu com atrizes brasileiras, como Carolina Dieckmann, que teve fotos em que aparece pelada expostas na internet. Aconteceu com atrizes americanas, como Jennifer Lawrence, que passou pela mesma situação pouco tempo depois. Aconteceu neste ano com a comediante Leslie Jones. Nesta semana mesmo um hacker foi condenado por pedir 300 mil reais à primeira-dama Marcela Temer para não vazar suas fotos íntimas e áudios depois de clonar seu celular.
Além de fotos, e-mails e documentos também são hackeados com frequência – de tempos em tempos o Wikileaks solta na internet informações que as pessoas queriam esconder (Hillary Clinton que o diga). O assustador é que poderia ser você – afinal, nesse episódio, a tecnologia é bem próxima da que temos hoje.
O final é um dos mais pessimistas de “Black Mirror”: Kenny, a tal figura simpática, estava se masturbando enquanto via fotos de crianças (uma interação que parecia fofa dele com uma menina, no início do episódio, ganha outra conotação no final). E todos os desafios que ele cumpriu foram em vão: não importa que ele tenha feito tudo que eles pediram, o vídeo foi divulgado mesmo assim. Ele termina o episódio destruído, arrasado com aquilo que teve que fazer para tentar escapar da vergonha — mesmo que o vídeo tivesse sido deletado, já não haveria mais final feliz para ele.
Não fica claro por que os chantagistas misteriosos fizeram isso com Kenny: foi uma tentativa de justiça com as próprias mãos? Foi sadismo? Era justificável punir Kenny dessa forma por aquilo que ele fez (questão proposta por “White Bear” também)? Nesse episódio de “Black Mirror”, fica claro que não é a tecnologia a vilã da história – somos nós, e o que fazemos com ela.
A nova temporada de Black Mirror chegou na última sexta-feira no Netflix. Para discutir de forma mais detalhada — com spoilers! — cada um dos episódios do seriado distópico, decidimos fazer uma conversa dedicada a cada um deles. Um episódio por dia, seis dias seguidos.
Fernanda Reis: Depois de um primeiro episódio todo em tons pastel e mais engraçado e otimista que a média, “Black Mirror” engatou uma fábula de terror, com um tom bem diferente. Em “Playtest”, a série nos apresenta a uma figura assustadora com corpo de aranha e cara de pênis — uma representação daquilo que o protagonista, que testa um jogo de realidade virtual, mais teme na vida. Talvez porque eu não seja muito fã de terror, pra mim, o episódio foi um pouco esquisito. Tanto a premissa quanto a execução não me animaram muito. O que você achou, Leo?
Leo Martins: Olha, eu gosto de algumas ideias do episódio: o conto de terror que tem início, meio e fim, a mistura de videogame futurista com elementos de terror clássico (casa abandonada, criaturas bizarras etc) e simpatizei com o personagem. Há outros detalhes interessantes, como o “gênio dos games” que aparece e lembra, em alguns momentos, o personagem do Oscar Isaac em “Ex Machina” e uma boa discussão sobre fugir dos seus problemas, doença, família etc. Mas, no fim, a escolha de diversos plot twists me incomodou. Por que ele foi esquisito pra você?
Fernanda: Eu gosto mais de “Black Mirror” quando sinto alguma conexão com as questões que ele propõe — do tipo “o que eu faria se eu tivesse a possibilidade de trazer alguém de volta dos mortos” ou “o que eu faria se eu pudesse saber a verdade sobre o que aquela pessoa está me falando”. Nesse caso, não senti isso nenhum momento. Desde que o Cooper vê uma oferta de uma empresa de games para testar um jogo por muita grana, num aplicativo de “trabalhos estranhos”, eu soube que algo ia dar muito errado e que eu, com certeza, não iria. A cada decisão que ele tomou eu pensei “péssima ideia”, a escalada foi bem previsível pra mim até aquela sequência de viradas na história bem no fim. Esse episódio não me fez refletir em nada, não acho que tem muito pé na realidade — e isso pra mim é a melhor parte de “Black Mirror”. Você tirou alguma coisa dessa história ou foi entretenimento puro?
Leo: Entretenimento puro, certeza. E, é verdade, mesmo eu não tendo gostado tanto do primeiro capítulo por diversas questões que já discutimos, ele me fez questionar e refletir — ou pelo menos debater com outras pessoas — questões muito mais ligadas ao nosso cotidiano. Nesse sentido, e pensando em tudo que “Black Mirror” já produziu, “Playtest” foge um pouco da regra de causar aquela angústia, o sentimento de que estamos caminhando para um precipício tão comum em outros episódios. Ele funciona como entretenimento sem grandes mistérios. E é tão entretenimento puro que, oras, aquele jogo nem faz muito sentido, né? Não há objetivos, não há nada nele que me lembre um jogo de verdade.
Em vários momentos na parte da casa eu lembrava do “P.T.”, o jogo da franquia “Silent Hill” que nunca vai existir: há o elemento de não saber de nada, de ter que explorar, mas no jogo, você ia aos poucos descobrindo detalhes, repetindo movimentos, tudo de forma muito misteriosa e assustadora. Esse jogo que o Cooper jogou não tem nada disso, coitado. Talvez isso tenha dificultado qualquer grau de reflexão também: os elementos mais sensíveis do capítulo — a morte do pai, a fuga da mãe — são tratados em pequenas pílulas, em breves momentos, enquanto aranhas gigantes e truques da mente ocupam boa parte do capítulo.
Fernanda: Não acho que seja um problema ser só entretenimento, apesar de que acho que “Black Mirror” é melhor quando critica alguma coisa ou coloca uma sacada nova sobre uma tecnologia que a gente usa hoje. Mas “Playtest” me pareceu mal construído. Aquela introdução antes de ele chegar ao jogo me pareceu muito longa e pouco necessária pra história. A cena dele no avião, toda a história dele com o aplicativo de encontros… Demora muito tempo pra chegar ao momento de terror da história e não acrescenta muito à história, não vi muito desenvolvimento do personagem. Tudo acontece muito lentamente, mesmo o começo da experiência dele com o jogo de realidade virtual, e de repente é acontecimento atrás de acontecimento de um jeito que parece um pouco “vamos surpreender a galera aí” mais do que um plot twist inteligente, bem feito.
Leo: E tem o agravante de que, a partir do momento em que ele entra no jogo, na realidade virtual que tudo pode não ser real, eu passei o resto do capítulo esperando a “sacada”. Fica aquele clima de que vai ter algum plot twist usando a divergência entre virtual e real. E realmente tem, só que tem tanto, de tantas formas, que perde o sentido. Não é um tipo de plot twist bem construído e amarrado como, por exemplo, em “Primer”. O que você achou da sequência do final, até o final mais mórbido possível?
Fernanda: Não gostei, não. Pra mim, o final teria sido mais forte se fosse aquele segundo, quando ele consegue escapar do jogo meio traumatizado, entendendo os riscos de misturar realidade com ficção, e vai atrás da mãe, quando descobre que chegou tarde demais e que ela está vivendo o pesadelo dele. Descobrir que isso tudo não era verdade e que ele tinha morrido por causa da interferência do celular me pareceu um truque meio barato. O tempo todo era o celular o vilão? E depois que eu descobri isso comecei a ver umas coisas estranhas na história. Ele nem chegou a participar da experiência na casa assombrada? Quando foi exatamente que o celular tocou e ele morreu? O que significa aquela cena de ele encontrando a mãe se não era parte do jogo? Comecei a ficar com várias dúvidas, mas não de um jeito bom. Você gostou do fim?
Leo: Pelo que eu entendi, tudo o que aconteceu a partir do momento em que o telefone toca é invenção da cabeça dele. Ou seja, a mente dele “inventou” a casa (que ele mesmo diz que fazia parte do jogo antigo da empresa, ou seja, ele tinha a referência), a mente dele inventou tudo, até os dois plot twists: ele sendo carregado sem memória e ele encontrando a mãe dele. Entendi assim porque a Kelly, a funcionária, disse que tudo durou menos de um segundo, anotando até que a experiência durou 0,4 segundo no final. Ou seja, metade do episódio foi uma invenção da cabeça dele, um clima meio “Lost”, o que não é um bom sinal. Eu também não gostei do fim, e é curioso perceber que qualquer um dos outros finais seria mais impactante para mim: se o “jogo” comesse a memória dele e ele tivesse uma espécie de síndrome de Alzheimer, uma ironia macabra relacionada ao pai dele, ou se ele voltasse para a casa da mãe e tivéssemos um final mais misterioso, no estilo “A Origem”, sem saber ao certo se aquilo era o jogo ou não. O roteiro preferiu um final mais bruto e impactante, como se precisasse a qualquer custo fechar a história.
Fernanda: Mas então metade do episódio foi um filme que passou na cabeça dele um segundo antes de ele morrer? Nesse caso tudo fica ainda mais sem força. Se não fosse o sinal do celular, ou se ele não fosse ganancioso a ponto de querer ganhar mais dinheiro com a experiência vendendo fotos do lugar, tudo teria terminado bem? Acho bem mais assustador pensar nos perigos da realidade virtual, nos usos que podemos fazer dessa tecnologia, do que pensar que a culpa foi do celular e que o episódio inteiro foi uma alucinação. Se o final era pra ser chocante, o que aconteceu comigo foi o contrário: uma sensação de “fuen fuen fuen”. “Black Mirror” já foi mais inteligente.
Leo: Isso me faz pensar que as duas primeiras temporadas de “Black Mirror” (e o especial de Natal) deixaram o patamar muito alto: sinto que muita gente, incluindo nós dois, esperamos muito dessa temporada, por diversos motivos: a liberdade criativa dentro do Netflix, o número de episódios, o estado atual da tecnologia e da política no mundo todo… É como se precisássemos que “Black Mirror” fosse muito forte e nos desse um chacoalhão. Isso, de alguma forma, acontece no primeiro episódio. No segundo, a série fica mais próxima de entretenimento sem grande reflexão. Será que estamos esperando demais?
Fernanda: Nunca sei muito o que esperar de “Black Mirror”. Pra mim, a série é oito ou oitenta. Não gosto, por exemplo, do segundo episódio — aquele do show de talentos, que é a chance para você ser libertado de uma vida que é só pedalar para gerar energia — nem daquele em que um personagem de desenho animado se candidata a uma eleição. Em compensação, fiquei meses passada depois do primeiro episódio, com a história do primeiro-ministro britânico e o porco. Nessa temporada mais nova sinto a mesma coisa. Gostei bastante de uns, e outros — como “Playtest” — achei fracos. Mas é normal isso acontecer numa série em que cada episódio é independente e quase longo como um filme. Não dá pra acertar todas.
A nova temporada de Black Mirror chegou na última sexta-feira no Netflix. Para discutir de forma mais detalhada cada um dos episódios do seriado distópico, decidimos fazer uma conversa dedicada a cada um deles. Um episódio por dia, seis dias seguidos.
Leo Martins: Black mirror! Não se fala de outra coisa. Futuro distópico. Crítica social foda. A terceira temporada chegou. Essa primeira conversa é sobre “Nosedive”, o primeiro episódio da nova temporada. Fe, como eu sei que você tem uma certa questão com notas de avaliação, conta um pouco sobre o episódio e suas sensações assistindo.
Fernanda Reis: Acho que muitos episódios de Black Mirror ainda são bem distantes do mundo em que a gente vive — por enquanto não conseguimos rever nossa vida toda como num filme nem fazer uma espécie de clone de alguém que morreu –, e os que mais me assustam, ou me tocam de alguma forma, são esses que têm um pezinho na realidade. Desde que eu descobri que os passageiros também eram avaliados no Uber e que minha nota não era das melhores (não vou revelar o número pra não queimar o filme), trabalhei bastante pra melhorar a minha pontuação, e por isso me senti um pouco (bastante) representada pela trama desse episódio, em que todo o mundo batalha pra melhorar sua nota pessoal com base em todas as interações do dia a dia. E foi meio tenso.
Leo: Foi meio tenso como? Eu também sempre gostei mais dos capítulos que passam mais próximos da realidade — o primeiro de todos, do primeiro ministro britânico, ainda é meu favorito, mas só porque consigo imaginar tudo aquilo acontecendo de verdade. mas no caso do “nosedive”, não sei se você concorda, eu achei que a história ficou muito clara e sem mistérios nos primeiros cinco minutos do capítulo. uma hora de busca por notas melhores, não sei… Achei um pouco demais.
Fernanda: Mas acho que nesse episódio o importante não é tanto o mistério, o que eu acho bom, porque outros episódios dessa temporada tem momentos meio M. Night Shyamalan de “ahá, te peguei, olha aí a surpresa!” que eu achei meio fracos. Nesse eu sabia que a nota dela ia cair e ela ia chegar ao fundo do poço, mas eu queria saber como. Gostei de ver como ela, na tentativa de agradar desconhecidos e ser a pessoa perfeita, foi aos poucos pirando. Vale a pena batalhar pra subir a nota do Uber e forçar a simpatia? Calcular quando postar a foto no Instagram pra ter mais curtidas? Eu pensei bastante sobre essas coisas depois de ver.
Leo: O fundo do poço é realmente bom, e a atuação da Bryce Dallas Howard (gosto demais dela desde “A Vila”) é sensacional, desde aquela cena do começo no espelho até a derrocada completa, a cena do casamento. As cenas de frustração dela são muito boas. Porém achei o formato um pouco exagerado, talvez? Quando ela fala bem do café mas depois toma e faz cara feia, ou até mesmo quando ela cai na lama, num momento meio “Trapalhões”. Mas se o capítulo te causou reflexão, já acho isso bom. No meu caso eu achei um tanto óbvio e sem nenhuma sutileza, e no fim acabei achando um pouco maniqueísta. Acho que eu daria uma nota 2.78. Mas isso de calcular quando postar, se importar com a nota do Uber: você acha isso essencialmente ruim ou só em uma versão distópica como essa?
Fernanda: Não sei! Acho que é bom você ser uma pessoa simpática com quem você não conhece, mas você é verdadeiramente uma pessoa legal se você só é legal porque quer uma nota? Não ter problema você ser falso desde que suas atitudes sejam boas? Não tenho certeza se isso é essencialmente ruim, mas a versão distópica acentua os problemas desse tipo de atitude. Isso às vezes me incomoda em Black Mirror, que a tecnologia seja sempre ruim, que todos os defeitos da internet, dos computadores, da ciência, sejam elevados à enésima potência. Tudo bem, talvez seja a proposta mesmo, mas falta sutileza mesmo. Você já começa um episódio esperando as piores consequências e nove entre dez vezes você está certo. Esse episódio, pelo menos, achei menos pessimista. Tão exagerado quanto os outros, mas um pouco menos pessimista.
Leo: Me incomoda bastante também isso de “a tecnologia é a vilã”. Normalmente eu acho que o problema maior é a humanidade mesmo. E acho que o capítulo só não é muito pessimista por causa daquele final com alívio cômico, extravasado. Fora isso, achei o capítulo bonito em alguns trechos, como quando ela está na estrada a pé, mas no geral esse exagero afeta até as escolhas visuais – é tudo tão exagerado… Mas como um conto quase de terror, podemos dizer que funciona?
Fernanda: Eu acho que funciona, gostei dos contrastes daquele cenário todo pastel, todo feito pro Instagram, em que tudo dá errado. Algo meio “Mulheres Perfeitas”. Costumo ficar mais assustada quando coisas ruins acontecem num cenário que parece perfeito, em que você não espera que algo dê errado, do que quando coisas ruins acontecem numa casa mal assombrada. No caso do segundo episódio eu pensava “eu nunca estaria nessa situação, é óbvio que é uma cilada”. Em “Nosedive” o impacto é maior e eu fiquei mais interessada na derrocada dela, porque me pareceu mais real. Voltando à sua nota 2.78, você acha que foi o pior episódio de Black Mirror até agora?
Leo: Talvez, acho que ele só perde para aquele da segunda temporada, “The Waldo Moment”, que é bem fraco. Sei que você já viu vários dessa temporada nova, mas só vi o “nosedive” e é possível que a fórmula da série tenha se esgotado pra mim: mesmo tendo histórias fechadas em um capítulo de uma hora, o que dá espaço para surpreender e causar espanto, esse formato “distopia para chocar” não me atrai mais tanto, principalmente quando não há nenhuma sutileza — lá vou eu voltar pra esse ponto –, o que diminui meu interesse em ficar refletindo sobre. É tudo tão claro, tão “a tecnologia é do mal, estamos fadados ao caos” que fica complicado. Pra mim, fica parecendo tudo um microuniverso do Vale do Silício, uma coisa meio “o que os fundadores do Google ou o Mark Zuckerberg” gostariam de ver como mundo ideal”.
Fernanda: Concordo com você, e eu senti isso em alguns outros episódios que a gente comenta mais pra frente. Mas com esse não tive essa sensação, porque a tecnologia é, entre muitas aspas, próxima do que a gente já tem. Não é a tecnologia em si o problema, mas o que as pessoas fazem com ela: usar esse status social pra dar vantagens pra alguns e não pra outros, tentar acabar com a vida de quem você não gosta diminuindo o status dela, deixar as amizades e relações reais de lado em nome disso. Nesse caso acho que os vilões somos nós, e por isso achei mais interessante. Colocaria esse episódio bem mais pra cima na minha lista.
Leo: Então qual seria a sua nota precisa dada naquele aparelhinho esquisito para o capítulo?
Fernanda: Quatro estrelas — não é o meu favorito, mas tá acima da média.
Houve uma época em que as famílias se reuniam aos domingos e a televisão ligada mostrava, em plena tarde, mulheres dançando seminuas, crianças requebrando ao som de axé com letras de duplo sentido, homens famosos comendo sushi no corpo de mulheres ou se esfregando contra modelos numa banheira. Parece um pouco surreal hoje, mas não faz tanto tempo assim.
Nos anos 1990, a TV brasileira era outra. Na briga pela audiência, valia qualquer coisa: mostrar mortes ao vivo, ridicularizar pessoas com doenças, colocar crianças para trabalhara e fazer charme. Depois do fim da ditadura nos anos 80 e da expansão rápida da televisão aberta, o horário nobre virou vale-tudo. Os principais envolvidos eram Faustão e Gugu, o rei dos quadros com gente de pouca roupa participando de todos os tipos de prova.
Mas a baixaria rolava solta também em outros canais – Luciano Huck, que hoje reforma casas e carros em seu programa, apresentou ao mundo a Tiazinha e a Feiticeira, que faziam coisas como depilar rapazes no palco do seu “H”, na Bandeirantes. O cenário mudou um pouco no início dos anos 2000, por volta da época em que Gugu exibiu uma entrevista falsa com membros do PCC. Até então, a TV era “loucura, loucura, loucura” – pra citar o bordão de Huck. Depois, as coisas ficaram (um pouco) mais sérias.
O Risca Faca fez uma compilação, ano a ano, dos momentos marcantes mais bizarros da década, para fazer um retrato do que foram os loucos anos 90.
Gata molhada no Sabadão (SBT) Várias versões da premissa “garotas com pouca roupa são molhadas” já passaram pela TV brasileira. No “Domingo Legal” as garotas molhadas pelo menos tinham uma camiseta por cima. No “Sabadão Sertanejo” era outro nível. As “gatas molhadas” começavam sua participação como as do Gugu: parte de baixo do biquíni e camiseta. Mas, sob um chuveiro, sozinhas ou acompanhadas de um convidado do programa, como Luciano (da dupla com Zezé Di Camargo), elas dançavam e chegavam a tirar a parte de cima toda, mostrando os peitos para todo o mundo ver.
Chico Xavier no “Sabadão Sertanejo” (SBT) Mas nem tudo era baixaria no “Sabadão”. Depois das moças seminuas dançando, antes dos intervalos, o programa exibia mensagens edificantes de Chico Xavier.
Ratos de Porão no Milk Shake (Manchete) O programa, “Milk Shake”, era infantil. Mas a letra dos Ratos de Porão, nem tanto: “Sinto só gosto de sangue/ E vontade de fugir/ Violência pura agora é quase um prazer/ Não confio em mais ninguém”. Apesar da temática, as crianças da plateia aplaudiam e pulavam no cenário que lembra o filme “Branca de Neve”.
Prova dos batimentos cardíacos (SBT) Difícil precisar quando a prova dos batimentos cardíacos começou, mas ela era exibida no “Domingo Legal”, de Gugu, que estreou em 1993. Como em outras brincadeiras do programa, essa envolvia pouca roupa: um convidado se sentava numa cadeira ligado a uma máquina que monitorava sua frequência cardíaca. O desafio do convidado era manter a calma e o coração pouco acelerado enquanto alguém do sexo exposto fazia um strip tease em sua frente. O quadro tinha direito a pacote completo: música sensual, lingerie sexy e muita dança.
Prova da camiseta molhada (SBT) Gugu Liberato gostava de jogar água sobre mulheres em seu programa. Além da famosa banheira, o “Domingo Legal” apresentava a prova da camiseta molhada. Como no caso da banheira, as regras eram simples: modelos eram enfileiradas, vestindo parte de baixo de um biquíni e uma camiseta branca (sem nada por baixo). Quando elas eram molhadas, a camiseta transparente revelava um código, utilizado para abrir um cofre. E dá-lhe closes nos peitos expostos das modelos.
Suicídio no “Aqui Agora” (SBT) O SBT foi condenado a pagar uma indenização de R$ 1,05 milhão à família de Daniele Alves Lopes em 1994 por exibir seu suicídio no jornal “Aqui Agora”. Daniele ficou sentada por 15 minutos no beiral de um prédio até se atirar de uma altura de 25 metros, em imagens captadas pelo canal, que chegou à cena com os socorristas. A equipe do programa ainda levou os pais de Daniele, que não sabiam da morte da filha, à delegacia, exibindo suas imagens enquanto a reportagem afirmava que ela estava envolvida com drogas. A justiça considerou que o SBT teria usado indevidamente imagens da família e que havia causado danos morais a eles.
Prova da bexiga (SBT) Poderia ser uma prova de gincana em festa infantil, se não fosse um detalhe. Na prova da bexiga, no “Domingo Legal”, o objetivo era estourar o maior número de bexigas com o corpo. Mas em vez de sentar sobre a bexiga no chão, os participantes tinham que apertar a bexiga no corpo de uma modelo — de frente e de pé, sentando no colo dela de frente e de costas.
Short Dick Man na Xuxa (Globo) Não havia barreiras de língua quando se fala de letras inapropriadas em programas para criança nos anos 1990. Em 1995, Xuxa recebeu em seu programa o grupo 20 Fingers para cantar a música “Short Dick Man”. Como se intui pelo título, a mensagem da música é “não quero um homem de pau pequeno”. Mensagem enfática: “Que graça, um umbigo extra. Você precisa colocar as calças de novo, querido”. Pelo menos era em inglês.
Banheira do Gugu (SBT) Uma banheira, um homem, uma mulher, muitos sabonetes. Uma premissa das mais simples resultou no quadro de maior sucesso do “Domingo Legal”, do SBT. Exibido no horário mais família da televisão — a tarde de domingo — o quadro envolvia uma disputa entre homens e mulheres para ver quem pegava mais sabonetes numa banheira. Famosos como Rodrigo Faro, Daniel e Dinho dos Mamonas Assassinas entravam na água para tentar pegar os sabonetes enquanto mulheres de bíquini — como Luiza Ambiel e Nana Gouvêa — e homens de sunga tentavam impedir o convidado de alcançar seu objetivo, usando todos os recursos possíveis para dificultar a tarefa (rolava muita “mão boba”, resumiu Gugu, anos depois). Durante anos, a banheira do Gugu era o destino mais certeiro para quem queria ver closes em bundas e gente seminua ensaboada se esfregando.
Boquinha da garrafa (SBT) “A cinco é muito boa” ou “Capricha, Amanda, capricha!”, comentava Gugu Liberato enquanto um grupo de mulheres ralava na boquinha da garrafa no palco de seu domingo legal. Vestindo o uniforme clássico das dançarinas de axé (shortinho e top, tudo bem curto e bem colado), as mulheres sambavam sobre uma garrafa numa competição em várias etapas para ver quem dançava melhor.
Latininho no Faustão (Globo) Em 1996, Faustão recebeu em seu programa o garoto de 15 anos Rafael Pereira dos Santos, portador da síndrome de Seckel, distúrbio caracterizado por nanismo, microcefalia e retardo mental. Com 87 centímetros de altura, Rafael — vestido como o cantor Latino, que o acompanhou no palco, e apelidado de Latininho — foi comparado ao ET de Varginha. Durante o programa, Rafael dançou e chegou a se sentar no colo de Caçulinha. Anos mais tarde, a Globo foi condenada a lhe pagar 1 milhão de reais por ter humilhado o menino, expondo sua imagem “com nítida intenção de ridicularizá-lo, destacando suas restrições físicas e mentais através de lamentáveis e reprováveis comentários despidos do que se pode tolerar como admissíveis com um mínimo de bom senso”.
Ratinho descobre ET (SBT) Cláudio Chirinian ficou conhecido como ET, da dupla ET e Rodolfo, no programa do Ratinho. Durante minutos, o apresentador rodeou uma caixa, fazendo mistério antes de abri-la, dizendo que iria apresentar ao Brasil o extraterrestre de Olaria, depois de o repórter Rodolfo Carlos anunciar por dias que exibiria um ET ao vivo na TV. Pequeno e estrábico, Chirinian surgiu de dentro da caixa sem camisa, falando palavrões. O apelido de ET pegou e, com Rodolfo, foi contratado pelo SBT para participar do “Domingo Legal” e gravou um CD humorístico. Cláudio morreu em 2010.
Dani Boy (SBT) Ter crianças no palco não era empecilho para o “Sabadão Sertanejo” mostrar mulheres tomando banho. Enquanto Dani Boy — que ganhou o apelido por cantar músicas do Daniel — cantava rebolando a música “Cumade e Cumpade”, uma mulher dançava no chuveiro vestindo uma camiseta branca sem nada por baixo, com direito a closes em sua bunda. Do seu lado, uma moça de lingerie de oncinha fazia uma apresentação de pole dance. Mas foi no programa do Gugu, o “Domingo Legal”, que Dani Boy ficou famoso, trabalhando como assistente de palco depois de pedir emprego ao vivo.
Fantasia (SBT) Outra boa alternativa no SBT para ver modelos jogando jogos era o “Fantasia”, com quadros para crianças como o jogo da memória e palavras cruzadas — nos intervalos dos jogos, as modelos do programa cantavam karaokê. Era um programa com tanto apelo infantil, que a apresentadora Jackeline Petkovic, na época com 17 anos, foi apresentar o “Bom Dia & Cia” depois. Era também uma boa oportunidade de ver mulheres dançando de sainha e barriga de fora ou mesmo de bíquini. Em um dos momentos clássicos do programa, Carla Perez, de roupa de banho, pergunta a uma espectadora que joga uma espécie de forca se ela quis dizer “i de escola”. Não, “i de isqueiro”, responde ela. “E de esqueiro?”, pergunta Carla, inabalável.
Sushi Erótico (Globo) O nome é autoexplicativo. Em 1997, Faustão exibiu um quadro em que Oscar Magrini e Marcio Garcia comiam sushi (“o arroz é para conservar o peixe”, diziam ao explicar a diferença de sushi e sashimi) exposto no corpo de uma mulher nua em um restaurante. Discutindo o preço de um almoço desses, Caçulinha responde que pagaria 500 reais. Por mil dólares, diz Faustão, você pode ficar um ano com a mulher em casa servindo de bandeja. “É uma mesa especial”, define o apresentador. Entre as perguntas às mulheres com sushi no corpo: “Você não tem medo de uma mulher invejosa ir aí e te espetar com um garfo?”. O quadro, claro, terminou em axé.
Tiazinha no “H” (Bandeirantes) O programa “H”, apresentado por Luciano Huck, estreou na Bandeirantes em 1996 como uma alternativa para os jovens, como as séries “Anos Incríveis” e “Confissões de Adolescentes”. Em vez disso o “H” deu ao mundo a Tiazinha, uma dominatrix vestida com uma máscara, calcinha preta, corpete e meias sete oitavos que, munida de um chicote, depilava homens com cera quente no palco do programa. O “H” mudou depois pro horário da noite, mas dava ver pela plateia que seu público continuava adolescente (“quem aí comprou a Playboy da Tiazinha levanta a mão direita!”, gritou Luciano Huck enquanto ela rebolava em um dos programas).
Mulekada no SOS Nordeste (Record) Crianças também cantavam músicas de conteúdo pouco infantil sem causar estranhamento. Nos anos 1990, todo o mundo segurava o tchan e requebrava até o chão e isso incluía crianças. Criado em 1998, o grupo Mulekada, que se apresentava em vários programas de auditório, imitava o É o Tchan nos movimentos de dança e figurinos. “Na hora da dança requebra gostoso, rebola a bundinha, vai até o chão”, cantava um menino e duas meninas, devidamente vestidas em shortinhos, sacudindo cabelos e a pélvis sobre gritos de “requebra, loirinha!”.
“O Pinto” na Eliana (Record) No programa “Eliana no Parque”, em 1998, ficou provado que o axé era realmente um fenômeno infantil: a maioria das crianças sabia letra e coreografia de todo o tipo de axé com duplo sentido. “O pinto!”, grita Eliana, empolgada, antevendo o que vem por aí. “Esse pinto não é mole, esse pinto é safado”, canta o grupo enquanto duas dançarinas de biquíni mostram a dança à plateia de crianças, todas empolgadíssimas, num cenário hiper infantil, com direito a balões e roda gigante.
Quando o “Xou da Xuxa” deixou a Globo em 1993, Boni precisava tapar um buraco na programação. Para isso, chamou o grupo gaúcho de teatro de bonecos 100 Modos para bolar alguma coisa curta. Eram só alguns meses no ar até Angélica assumir o horário. Luiz Ferré teve uma ideia: fazer um programa de TV sobre um programa de TV todo feito por cachorros.
A “TV Colosso”, que inicialmente ficaria só quatro meses no ar, acabou por ocupar as manhãs da Globo por quatro anos — por volta do meio-dia, quando o programa acabava, um cachorro com chapéu de chef de cozinha anunciava, com sotaque francês, “atención, tá na hora de matar a fome, tá na mesa, pessoal!” Quase mil episódios, um filme e dois discos depois, a “TV Colosso” acabou em 1997, dando lugar ao “Angel Mix”, de Angélica. Mas até hoje a sheepdog Priscila saracuteia por aí, aparecendo em programas de televisão ou eventos.
Quase 20 anos após seu fim, quem fez a “TV Colosso” conta ao Risca Faca as histórias por trás do programa.
As entrevistas foram levemente editadas para facilitar a compreensão.
AS ORIGENS
Luiz Ferré, criador do programa: Quando trabalhava como artista gráfico, queria fazer animação. A gente não tinha recursos, não tinha como fazer. Comecei a fazer bonecos de massinha e fotografar. Fazia esse tipo de ilustração, caricaturas de personagens políticos, músicos, fotografava e publicava no jornal. Mas eu queria animar. Encontrei com alguns amigos e a gente começou a fazer coisas de animação. A gente não sabia o que que era, mas era teatro de animação. Eu usava bonecos. Eram espetáculos de esquetes. A gente criou um grupo chamado 100 Modos e fez um espetáculo, sem saber o que era teatro de bonecos, de animação. A gente só fazia um espetáculo e sabia que as pessoas estavam curtindo. Nesse ano a gente ganhou todos os prêmios de teatro.
A gente se apresentava num café muito pequenininho, o palco era do tamanho de uma mesa, os bonecos eram muito pequenos. Era um negócio experimental. Faz 25 anos, foi quatro anos antes da TV Colosso. Foi muito rápido. A gente passou por São Paulo e apareceu na Veja, na Folha, no Estadão. Era um espetáculo muito sem pretensão, era muito pequeno. Mas tinha um texto muito bacana. Foi um trabalho muito notado.
Quando a gente foi pro Rio de Janeiro a Globo fez matérias e a gente virou meio pauta geral, onde a gente passava a Globo fazia matéria. Era cinética, colorido, novidade. A Globo ficou de olho na gente. A gente fez o “Clip Clip”, um programa de clipes, com o Boninho. A gente fez “Plunct, Plact, Zuuum” com o Raul Seixas, Cazuza. Isso bem no início da história do grupo. Aí a gente começou a se apresentar um pouco em televisão.
O CONVITE
Luiz Ferré: Teve um momento em que o Boni e o Boninho já conheciam nosso trabalho em televisão. A Xuxa estava saindo do projeto Globo e iam entrar com a Angélica. A Angélica fez alguns pilotos do projeto, mas não agradavam muito. Não é que não agradavam, mas não dava muito certo. Não era ainda o que o Boni queria. Recebi um telefonema, estava em Porto Alegre, e ele falou: “Olha, Ferré, você me ajuda aqui? Eu tô com uma dificuldade de horário na parte da manhã, não tô conseguindo acertar um projeto que eu quero muito, com a Angélica. Se você pensar, você que faz bonecos, fez o ‘Clip Clip’, tem esse grupo de teatro, você não quer pensar em alguma coisa?”. “Qual é a pauta?” “Pensa no que você bem entender.” Tinha uma liberdade muito grande de pensar, de propor. Pensei que era um pepino, entrar no horário da Xuxa. Era pra ficar quatro meses, um tampão. “Quatro meses, faz aí, sem compromisso com nada, faz o que você curtir.”
[olho]”Pensa no que você bem entender”[/olho]
Roberto Dorneles, criador do programa: Em 1992 quando o programa infantil da Xuxa saiu pela primeira vez do ar (depois mais tarde voltou na Globo), o Boni precisava colocar algo no lugar que chamasse a atenção da audiência, e assim pensou num programa de bonecos. Mas não simples bonecos, e sim bonecos animatronics. A razão disso foi o seriado americano “A Família Dinossauro”, que na época estava fazendo um super sucesso. Até onde me contaram, ele abriu o leque com três opções: produzir os complexos bonecos dentro da própria Globo, trazer bonecos e equipe dos Estados Unidos ou chamar o 100 Modos. Ganhamos a concorrência com um protótipo de boneco que produzimos e trouxemos para gravar no Rio. E melhor: nos foi dada liberdade criativa desde que fizéssemos pelo menos alguns animatronics. Pronto! Penso que boneco agrada de cara a quase todo mundo, principalmente se você juntar a ele a forma de um animal, mais ainda se for de estimação e ainda mais se for cachorro.
O INÍCIO
Luiz Ferré: Pensei, putz, acho que vou fazer uma TV. Uma TV de cachorro. Acho que pode ser meio que uma cápsula em volta da Terra, uma nave capturando desenhos e filmes e mandando pra Rede Globo. Não sei se você conhece aquele seriado com bonecos, os “Thunderbirds”, um seriado inglês da década de 60. É muito divertido. Tinha um pouco essa estética de um espaço futurista retrô. A estética especulava um pouco sobre o que seria o futuro. Desenhei os cenários inspirado um pouco nos “Thunderbirds”, um pouco na ficção científica B, aquelas coisas de filmes americanos de viagens espaciais.
Já queria fazer um negócio com cachorro, porque cachorro tem uma empatia muito grande. Levei pro Boni o projeto e ele só mandou aterrissar, não era pra ficar no espaço. Tanto que a abertura da “TV Colosso” parece uma nave espacial, e é uma nave, que é a construção da TV Colosso. Quem batizou o projeto foi o Boni. “Tem que chamar TV Colosso.” Falei: “Ok, legal”. Ele compôs a música de abertura, a letra é dele e do Massada, que era o hit maker da época.
MONTANDO O TIME
Monica Rossi, dubladora da Priscila: Mário Jorge de Andrade foi convidado para dirigir a dublagem do programa. Foi ele quem indicou todos os dubladores, que foram aprovados pela direção geral do programa. Eu e todo o elenco ficamos muito contentes com a aprovação, pois a concepção do programa era genial e seria a oportunidade de trabalharmos na construção dos personagens já que era um produto brasileiro, um projeto ousado e diferente de tudo o que estávamos acostumados a fazer na dublagem, onde temos que obedecer com a máxima fidelidade a obra que já está pronta.
Luiz Ferré: Pra escrever, roteirizar todos os quadros, eu tinha um briefing inicial, mas precisava de alguém, porque era um volume muito grande de texto. A gente fez 998 programas. Quase mil! Sem contar os especiais, com os especiais a gente passou de mil. Eu sou cartunista, gosto de charges, falei: “Vamos chamar uns camaradas cartunistas, que tenham uma coisa gráfica, que usam grafismo como ferramenta de ideia”. Chamei Laerte, Luiz Gê, Glauco… Conhecia alguns deles, como era cartunista, tive uns trabalhos no Salão do Humor de Piracicaba, cruzei com eles. A gente montou um time de super caras gráficos, com opinião, engajados, que não escreviam pra criança, mas que trabalhavam com humor.
Roberto Dorneles: Um humor sarcástico, nonsense, diferente e inesperado era o que buscávamos.
Luiz Gê, roteirista: Eu fiquei sabendo porque os cartunistas todos estavam meio dentro da proposta. Eu estava meio atrapalhado, sem emprego, sei lá. Estava precisando de trabalho. Aí falei com o Laerte e ele me pôs e foi assim que eu entrei.
OS ROTEIROS
Luiz Ferré: A gente tinha reuniões de pauta em que eu participava, em que passava todas as ideias. Aí todo o mundo ia pra casa e começava a mandar os textos pro Laerte, que fazia um filtro e mandava pra Globo. Na Globo tinha um pouquinho de calibragem, mas ia muito seco, quase direto. Depois a gente começou a aumentar um pouco o hall de redatores, manipuladores e personagens, na segunda temporada. É um processo muito raro pra uma TV que nem a Globo. A gente teve uma liberdade muito grande.
Luiz Gê: A proposta era meio diferente no começo. Era uma TV de cachorros no espaço. Era pra ser uma espécie de estação de orbital em que os cachorros estavam. Mas logo isso caiu e ficou uma estação normal mesmo. A partir dessa ideia que era muito incipiente, ainda muito no começo, a gente começou a se reunir, todo o mundo começou a propor coisas e a gente foi criando todo o universo da coisa. Aí ficava uma coisa meio difícil de estabelecer onde começava e onde terminava certas ideias, mas algumas eram bem claras quem tinha bolado, quem tinha tido a ideia. Essas reuniões eram muito engraçadas, era todo o mundo cartunista, a gente dava muita risada.
Roberto Dorneles: [A gente tinha] praticamente [carta branca]. O Boni teve todos os méritos nesse aspecto, porque sabia do nosso potencial, entendeu e nos deu total condições de realizar uma proposta tão arrojada. Uma ou outra ideia ou personagem foi barrado, mas, hoje, pensando bem, também agradeço a ele, porque se era difícil manipular e cuidar de 50 bonecos… Aqui também faço uma menção ao Boninho que foi nosso diretor e grande parceiro dentro da Globo (ainda é), desde os tempos do programa “Clip Clip”.
[olho]”Laerte foi uma figura fundamental, era diretor de redação, editor de texto”[/olho]
Luiz Gê: O mais legal era que a gente se via bastante. As reuniões eram muito engraçadas. Tinha pelo menos umas dez pessoas [no roteiro], mas era trabalho pra caramba. E o dinheiro não era lá essas coisas.
Luiz Ferré: Eu tinha uma teoria em relação ao projeto. Não precisava ser educativo. Tinha que ser divertido. Se você é divertido, você educa. Nosso briefing para todos era esse. Os redatores entraram com muito afinco, tinham uma liberdade grande. O Luiz Gê é um cara muito voltado pra assuntos de militaria. Ele gosta de aviões, máquinas. Não que seja um cara bélico, mas gosta de militaria. Ele teve liberdade pra criar um quadro chamado “na trincheira”: os cachorros na trincheira. Era inédito, era divertido ver isso. Laerte foi uma figura fundamental, era diretor de redação, editor de texto. É o Laerte que a gente conhece, maravilhoso. Uma figura generosa, com uma cabeça muito fora do que a gente costuma ter. Foi um cara muito importante pra gente.
Luiz Gê: Nenhum de nós estava muito preocupado com didatismo, coisa que no “Rá-tim-bum” tinha, toda uma didática. Eu estava fazendo coisa pra criança, mas quando eu era criança eu lia Tintim, Pato Donald desenhado por caras bons, que eram curtidos por gente de tudo quanto é idade. Essa maneira de estar fazendo a história desde que seja legal pode ser muito mais rica do que uma questão didática toda presinha. Como o Tintin era: muito informativo, formativo, que não precisa ser pedagógico. Eu inventava cenários, truques, e desenhava e mandava pra eles. Muita coisa eles fizeram e ficou muito bom. Outras não tão boas, outras feitas 50%.
OS PERSONAGENS
Luiz Ferré: Desenhei todos os personagens. Tem que ter um sheepdog, os vira-latas, o cara que é operador de mesa. Eu trabalhava em cinema e lembrei de muitos amigos, de figuras que trabalhavam comigo, produtores. A Priscila é super inspirada em três amigas que são produtoras. JF é inspirado em chefes que eu tive. Capachão é um personagem que a gente vê muito em filmagem. Eu trouxe essas figuras.
Luiz Gê: Eu criei o Capachão. Mas a minha ideia era que ele fosse um capacho mesmo, com cara de cachorro [ri]. Mas eles não conseguiram fazer e fizeram um cachorro normal. Não era nada difícil ter conseguido fazer ele dessa forma. [Quando chegamos no projeto] tinha alguns personagens. Já estava adiantado o JF e a Priscila. Essa questão do Capachão mostra uma das coisas que foi um dos maiores problemas do ponto de vista de roteiristas, criadores. Porque a gente também era cartunista, normalmente a gente tinha controle total sobre nossa criação e depois [na “TV Colosso”] não tinha mais. Acho que essa coisa de [a produção] estar no Rio e a gente estar aqui [em São Paulo] atrapalhou muito. Se a gente tivesse mais controle, a gente poderia ter feito um negócio muito mais legal, muito melhor. A gente ficava insatisfeito com muita coisa, porque eles não sabiam interpretar aquilo, não entendiam o humor.
Monica Rossi: O sucesso da Priscila veio de um conjunto de fatores. É uma figura realmente “colossal”, enorme e espaçosa, dengosa, charmosa, vaidosa… Enfim, uma personagem carismática. Muito menina!
Luiz Ferré: No início do projeto, quem ensaiou o andar da Priscila foi a Deborah Colker. Olha só, olha só. Era difícil, porque a Priscila tem uma frequência como personagem muito curiosa. É um bicho, mas é uma menina, é um boneco grande e peludo. É super charmosa, ela pesa 200 kg, mas entra voando. Precisava desenvolver a caminhada, como ela andava, como ela rebolava, como ela se movimentava dentro da fantasia. E a Deborah Colker fez esse primeiro trabalho com a Priscila.
Luiz Gê: Tinha dois tipos de texto, basicamente. Um pros cachorrões grandes, que tinham muito equipamento: Priscila, JF, Capachão… E tinha os cachorros pequenininhos, manipulados com a mão. Esses dois tipos de textos eram muito diferentes porque a mobilidade que existia pra uns e outros era diferente. Os grandões tinham que ser muito mais estáticos, dentro de um cenário determinado, ao passo que com os pequenos a gente tinha muita mobilidade de mudar a história, de inventar. Então eu — e outros roteiristas — preferia muito mais os pequenos. Os grandes era meio que uma camisa de força, tinha que criar pra eles de uma forma muito presa. Nos pequenos, eu desenhava muito: cenários, como que era.
BRONCA
Luiz Gê: Um dia eu falei pro Laerte: bolei uma história assim, com vários blocos. Contei pra ele os blocos todos e o Laerte pegou minha ideia de roteiro, escreveu. Eu fiz isso porque a gente tinha muito trabalho, era muito trabalhoso. Tinha texto pra caramba. Você não sabe como é ter que escrever uma manhã inteira de televisão todo dia. Muito trabalhoso. Então fiz isso e passei pro Laerte. Ele passou pros caras, fez o maior sucesso com os caras e no fim nunca reconheceram que eu tinha bolado o negócio. Isso eu sempre fiquei meio puto, foi minha ideia. A partir daí começou a se fazer isso, umas histórias grandes, que ocupavam a manhã inteira ou às vezes mais de um dia. E eles chegaram a comercializar isso, colocaram no supermercado os vídeos dessas histórias completas. Bolei muitas dessas histórias. Em geral era um cara só que fazia essas histórias. Eu já tinha começado antes a fazer umas coisas mais longas. No fim das contas houve essa coisa dessas histórias mais compridas, eles chegaram a comercializar. Mas eu não tenho nada, nunca comprei os vídeos.
QUADROS MARCANTES
Luiz Gê: Tinha um que eu fiz que era uma galera, daquelas que ficam uns caras remando dentro, com um monte de cachorrinho segurando os remos. Eu mostrava como era: amarra os bonequinhos assim, a hora que a pessoa fizer o movimento fora vai todo o mundo fazer assim. Tinha o cara que batia aquele tambor pra dar o ritmo, coisa de galera, que era uma espécie de DJ. Tocava vários tipos de música e eles tinham que remar conforme a música [ri]. Isso era legal você ver sendo feito. Mas dava uma vontade enorme de mexer, porque a gente manja. Dava vontade de cortar, montar. Essa questão básica de a gente estar em contato com a realização.
Eu fazia um personagem chamado Roberval, o ladrão de chocolates. Eu fiz uma história em que o Roberval ficava passando uma lábia pro cara entregar o chocolate pra ele. Ele passava uma lábia, mas estava tendo um caso de um terrorista que estava pondo bomba. Ele achou que era chocolate, mas era uma bomba. Quando chega no final, o cara que está fazendo a gravação fala “bom, estoura aí”. Nesse caso eu estava no Rio, vendo. E eu falei “o que vocês acham de fazer assim…”, mas estava no roteiro. Eu falei assim pra ser contemporizador. Quando ele conseguia passar a mão no chocolate tocava “chocolate, chocolate” [canta a música “Chocolate”]. Quando ele passa a mão e sai todo vitorioso, ele sai de cena, toca “chocolate, chocolate”, e aí que explode. Ficava muito mais engraçado. Eu tive que chegar e falar “o que vocês acham…”. E dessa vez ficou certo. Numa dessas eles destruíam o seu humor.
Fiz o doutor Aftasardem [ri]. Um dos que eu mais gostava era o “cãobate”. Eu fiz vários de “cãobate”.
Uma das primeiras ideias que tive… Sabe quando você está andando na rua e um cachorro começa a “auauau” e você leva um susto? Era de um cachorro que gostava de fazer isso e o cachorro vizinho era bonzinho e ficava “por favor, não faça isso, a dona Amelinha sofre do coração” [fala com uma voz fina, de boneco, e dá risada]. Tinha que ter pelo menos as pernas das pessoas vindo, mas os caras não quiseram fazer isso porque ia sair da coisa do programa, de ser só cachorro. Mas sei lá, a dona Amelinha podia ser cachorro.
Eu fazia uma também que era uma gozação de novela, essa também era famosinha. Como chamava mesmo? “Os filhos da Cadela.” [ri] Uma coisa assim. Isso também era uma experiência de linguagem legal. Fiz uma espécie de bloco feito de várias historinhas super curtas. Lá também eu inventava bastante, mudava bastante cenário, esse tipo de coisa. Os filhos da cadela acho que eram mais famosos que o “cãobate”, mas eu preferia o “cãobate”.
FAZENDO CACHORROS
Luiz Ferré: A gente tinha liberdade de encenação. Falei que queria explorar todas as possibilidades de boneco: boneco de fantasia, bonecos de luva, bonecos pequenos, animatronics, tinha um robozinho — o buldogue era completamente robótico, andava pelo cenário. Eles falavam “ok”. A Priscila foi feita por quatro caras. Tem o cara que fica dentro da fantasia, dois caras que fazem manipulação via rádios japoneses de aeromodelismo e a voz, a Monica Rossi, que fica fora. Outra coisa muito legal foi o orçamento aberto. A gente podia fazer o que quisesse de produção que a Globo pagava. A gente desenvolveu o pelo da Priscila num lugar chamado National Fur, uma fábrica em Boston que faz pelo pra bichos pra Hollywood. A gente foi até lá e desenvolveu o pelo. A gente trouxe os melhores motores.
Roberto Dorneles: Ninguém acreditava que a TV Colosso tivesse sido totalmente feita na rua Surupá, n° 225, meu endereço em Porto Alegre, RS, é do Brasil! Era um misto de espanto e desconfiança. Se foi fácil mandar produzir? Sim, muito fácil! Falei para mim mesmo: faça!
CONTROLANDO CACHORROS
Roberto Dorneles: Digo que manipulei todos os bonecos. Calma aí, não estou mentindo! Vou explicar: eu sempre testava e criava os trejeitos de cada personagem para depois passar para algum outro manipulador que fizesse daquela forma. Mesmo assim, eu manipulei alguns personagens nas gravações do começo ao fim, por puro prazer e também, confesso, por ciúmes. Como eram numerosos bonecos, a equipe também era. No auge foram 22 pessoas. Essa equipe era dividida em manipuladores e atores-manipuladores. Manipuladores manipulavam os bonecos pequenos e os rádios que produziam as expressões faciais dos bonecos grandes. Bonecos grandes esses que eram vestidos pelos atores-manipuladores.
Eram fantoches com mãos controladas por varinhas, marotes [técnica de manipulação onde o manipulador empresta parte de seu corpo para o boneco] e fantasias de vestir. Todos esses bonecos tinham algum tipo de mecanismo, dos mais simples como o Gilmar, com um movimento (pálpebras), passando pelos médios com até dez movimentos como o Borges e finalmente os mais complexos como o chefe JF que tinha quase 20 movimentos.
Acho que os mais difíceis eram os que precisavam de três manipuladores. Um controlando a cabeça, outro vestindo os braços e um terceiro de fora produzindo as expressões faciais com o rádio. Isso sem contar com o dublador guia de estúdio. Total de quatro malucos tentando coordenar um boneco, e conseguindo!
[olho]”No auge, a semana de trabalho era bastante intensa, com apenas um dia de descanso”[/olho]
Eu não era somente responsável pela equipe de manipulação. Também era responsável pela equipe de manutenção dos bonecos porque construí e coordenei a construção dos mesmos. Como eram quase 50 bonecos e gravávamos em média quatro dias na semana, acontecia muito desgaste e quebra. Para manter tudo funcionando perfeitamente era necessário manter uma equipe de em torno de dez pessoas. A equipe era dividida em formas e látex, manutenção plástica e manutenção mecânica e eletrônica. Assim como eu, uma parte dessa equipe também manipulava no estúdio, por isso, no auge, a semana de trabalho era bastante intensa, com apenas um dia de descanso.
Monica Rossi: Foi uma época de muito trabalho, pois durante a elaboração da personalidade dos bonecos, nós gravávamos no estúdio durante a ação – a nossa interpretação ajudava os bailarinos e manipuladores a fazer o corpo dos bonecos. Depois que já estava bem definida a personalidade de cada um, foram contratados dubladores para fazer a “voz guia” e nós colocávamos a voz definitiva na fase de finalização do programa. No início nós já acreditávamos no projeto mas não tínhamos a noção exata do sucesso que seria.
RECEPÇÃO
Luiz Ferré: Foi rolando, não teve o acerto de outro projeto e o nosso projeto foi ficando mais interessante comercialmente também. A Globo nunca teve tanto patrocínio dentro da janela… Quer dizer, a Xuxa tinha um merchand violento, mas a gente não tinha dentro do programa, só em break. A gente virou um negócio muito interessante. A gente começou a ser notado fora do país. O grupo Jim Henson, que trabalha com Vila Sésamo e Muppets, eles vieram pro Brasil e viram a gente em cena. A gente foi convidado pra fazer um estágio em Nova York, fui eu e o Betinho [Dorneles], acompanhou todo o processo deles. Eles ficaram pasmos com o número de cenas que a gente filmava, era muita coisa. Acharam a técnica incrível. Aí a Globo falou “a gente pode dar mais um ano”.
SUCESSO
Roberto Dorneles: Desde o início estávamos bastante confiantes no sucesso do programa, mas eu, que ficava mais tempo dentro do estúdio, não percebia bem a dimensão do que estava acontecendo. Foi então que o Luiz Ferré montou o “Show Colosso”. A estreia foi em São Paulo e por estar sempre em estúdio no Rio, não tinha nem como assistir a algum ensaio. Mas na estreia eu estava, e naquele dia assistindo e sentindo a incrível reação da plateia, me bateu uma forte emoção, um tremendo orgulho pelo trabalho tínhamos produzido, um prazer por estar em sintonia com todas aquelas pessoas. Pensei: poxa, as pessoas gostam exatamente do eu gosto, e fiz. Inesquecível!
[olho]”A gente tinha uma mágica de encenação”[/olho]
Luiz Ferré: A gente não sabe qual é o segredo. Trabalhei um tempo em Los Angeles e fui com projetos super legais, conversei com o produtor dos Simpsons e ele falou: “Cara, a gente fez os ‘Simpsons’, aí a gente falou que tinha a fórmula. Vamos fazer ‘Futurama’, era tudo igual, mesmo humor, mesma pegada, só uma diferente cenografia, e foi um fiasco. A gente nunca sabe o segredo”. Eu tenho algumas teorias sobre o sucesso da “TV Colosso”. Acho que a liberdade criativa, esse não compromisso com regras estabelecidas, o não compromisso de ser educativo e a encenação. Acho que a gente tinha uma mágica de encenação, a gente trazia isso do teatro. A Priscila tem mágica. A sorte de acertar em personagens legais, de encontrar profissionais legais. Foi um momento ali. A gente fez outras coisas legais que não foi no momento. Não tenho o segredo. Essas coisas você não sabe.
Roberto Dorneles: A risada não tem idade, ela só não está na boca dos muito mal-humorados. A “TV Colosso” não era um programa apenas direcionado às crianças. Os bonecos agradavam muito às crianças, mas não só a elas, e a faixa alargou com o enredo, a temática e as piadas, atingindo assim os adolescentes e até adultos. Sim, já tínhamos feito espetáculos infantis, mas também tínhamos feito espetáculos à noite, abertos a qualquer idade. A linguagem que sempre buscamos é a linguagem que nos faz rir, dessa forma acreditamos que algumas pessoas rirão junto conosco.
Luiz Ferré: Só tem dois projetos na Globo que tiveram essa amplitude de público bem grande: “Trapalhões” e “TV Colosso”. Amplitude de classe A, B e C e idade, do público escolar até os 60 anos. O boneco surgiu na humanidade pra fazer tudo aquilo que nós, atores, pessoas normais, não podem fazer. O boneco vem pra isso. Você não podia sair na rua e falar “o rei tem o nariz grande”, mas o boneco podia e até o rei aplaudia.
O FIM
Luiz Ferré: Tinha uma força grande da Xuxa ainda dentro do projeto comercial. Ela tinha uma força muito forte, muito forte. E também a gente estava muito cansado. A gente achou que era quatro meses, ia pro Rio e tirava férias. Que nada, a gente enlouqueceu. Teve um desgaste criativo muito grande também. Foi bom, porque parou, o projeto continuou lá fora, tava em 36 países. A gente gravava todo dia, isso cansou muito. Era uma rotina muito difícil.
[olho]”Teve um desgaste criativo muito grande também”[/olho]
Monica Rossi: Todo projeto tem um tempo de vida. Por mais sucesso que faça o produto, tem uma hora que chega ao fim. No caso da “TV Colosso”, acabou o programa, mas ficou o legado. Todos que viveram aquela época tem guardado no coração cada personagem. Quem tem a oportunidade de rever os programas fica feliz. Já vi gente chorando ao ver a Priscila ao vivo. Sem dúvida, é sempre uma grande emoção.
FUTURO
Luiz Ferré: A gente vai ser o primeiro grupo a criar conteúdo original pro portal Play Kids. É “TV Colosso”, a Priscila e o Gilmar. O legado nunca sumiu. Saiu da Globo, mas ficou transitando, a gente nunca deixou de trabalhar. Ficou muito presente no imaginário de muita gente, então a gente está sempre fazendo. Esse é um projeto novo, pra criança pequena, pra criança um pouquinho maior e pros antigos fãs. É um projeto super pop, eu faço em português e espanhol, mas vai ser dublado em francês, inglês e mandarim. Vai pro mundo inteiro.
Com “Game of Thrones” a dois anos de terminar e “Girls” entrando na última temporada, a HBO preparou para este mês algumas apostas de substitutas — já que “True Detective” afundou no segundo ano e a caríssima “Vinyl” nem passou da primeira temporada. No último domingo foi a vez de “Westworld”, o drama complexo de ficção científica candidato a substituir “Game of Thrones” como série de prestígio. Neste fim de semana (9) o canal apresenta suas novas comédias: “Divorce”, com Sarah Jessica Parker, e “Insecure”, de Issa Rae.
Quando Sarah Jessica Parker apareceu pela última vez em uma série, sua Carrie Bradshaw rumava ao felizes para sempre com Mr. Big, em “Sex and the City”. Mais de dez anos depois, a atriz volta à HBO para mostrar o que acontece quando o para sempre acaba e um casamento chega ao fim. Em “Divorce”, a atriz é Frances, que nos é apresentada de toalha, passando lentamente um creme no rosto no espelho do banheiro, em um momento bem íntimo. Robert, o marido (Thomas Haden Church), entra com uma lata na mão e reclama: ela passou tanto tempo no banheiro, sem abrir a porta para ele, que ele teve que fazer as necessidades na lata. Ela reage com desinteresse, sem parar o que está fazendo.
Nas palavras de Frances, a vida do casal consiste apenas em conversar sobre assuntos banais como o alarme da casa — o que seria tolerável se ainda houvesse algum amor entre os dois ou alguma felicidade naquela rotina. Depois de um acontecimento traumático, Frances comunica a Robert que o amor acabou e que quer o divórcio. De início, ele quer conversar a respeito: sugere mais sexo, sessões com um terapeuta. Mas ela diz que não tem solução. Depois, ela muda de ideia e quer voltar atrás, dar uma segunda chance ao relacionamento. Mas ele diz que não tem solução. Com base na sinopse oficial da série (“um casal passa por um longo e arrastado divórcio”), supõe-se que a dissolução do casamento será tão difícil quanto o namoro de Carrie e Mr. Big.
Apesar da premissa dramática, “Divorce” é, oficialmente, como dito no início do texto, uma comédia. Criada por Sharon Horgan, de “Catastrophe”, da Amazon, sobre duas pessoas difíceis unidas por uma gravidez inesperada, a série tem muitas notas de humor negro — do cachorro que se sufoca intencionalmente por não aguentar mais o clima da casa à escalada surreal de uma briga entre um casal na festa de aniversário da mulher (bem, a primeira cena “Divorce” fala de defecar em uma lata). Só não é uma comédia pura, daquelas reconfortantes que você põe para não ter que pensar muito no fim do dia. É mais uma daquelas séries que causam controvérsia quando são classificadas como “drama” ou “comédia” em premiações, porque são um pouco das duas coisas. Definitivamente não conforta ninguém.
Julgar uma série pelo primeiro episódio não só é difícil como é temerário — tem algumas que precisam de uma meia temporada para finalmente pegar no tranco. O que dá para dizer de “Divorce” tendo visto só um capítulo, é que a série tem um bom começo. Sem ter um enredo muito complexo ou precisar explicar muita coisa, como “Westworld”, a série pode se concentrar em apresentar os personagens. Sarah Jessica Parker, bem distante de Carrie, tem a oportunidade de mostrar seu lado mais dramático e carrega bem os monólogos sobre a infelicidade de sua vida nos subúrbios de Nova York. Haden Church tem menos o que fazer nesse início, mas coloca humor num personagem que tem tudo pra ser uma pessoa bem sem graça. Como vemos no início mais os dois separados do que juntos, não dá para saber ainda se os dois têm muita química, o que é essencial numa série sobre (o fim de) uma relação. Pelo menos Sarah Jessica tem uma boa dinâmica com Molly Shannon, a amiga à beira de um ataque de nervos que também está num casamento problemático.
Apesar de Sarah Jessica Parker estar em “Divorce”, quem se aproxima mais de “Sex and the City” e de seu olhar sobre amizade feminina e relacionamentos é “Insecure”, a alternativa mais leve e, pelo primeiro capítulo, melhor entre as duas estreias. Issa Rae, criadora e protagonista da série, não é conhecida na televisão, mas já tinha experiência em séries com “Awkward Black Girl”, criada para a internet num momento de tédio na faculdade. Se “Divorce” pode ser definida como “casal rico de meia idade se separa em Nova York”, “Insecure” é “mulher negra chegando nos 30 vive sua vida em Los Angeles ao lado de sua melhor amiga”. São duas séries sobre relacionamentos, mas em tempos diferentes: “Divorce” é um retrato do fim, “Insecure” é tanto sobre a busca pelo romance quanto sobre as amizades.
Ao som de “Alright”, de Kendrick Lamar, somos apresentados a Issa em seu aniversário de 29 anos, em mais um dia comum em seu trabalho, como a única mulher negra em uma ONG com projetos educacionais para crianças. Na sala de aula, ouve dos alunos “por que você fala como uma mulher branca?” e “meu pai diz que mulheres negras são amargas”. No escritório, é “agressivamente passiva” com os colegas que lhe perguntam o significado das gírias do momento, como se ela estivesse por dentro de tudo que acontece nas ruas. Em casa, sustenta o namorado, que está há anos desempregado. Ela quer terminar, acha que chegando aos 30 não tem mais tempo a perder, mas não tem exatamente certeza.
Enquanto Issa não sabe se é melhor ficar num namoro pouco empolgante ou ficar solteira, sua melhor amiga, Molly (Yvonne Orji) tem certeza: escolha o namoro. Molly, uma advogada, é um sucesso profissional — segundo Issa, ela é o “Will Smith do mundo empresarial”, amada por brancos e negros –, mas não tem um namorado e sofre com isso enquanto usa aplicativos de encontro. Issa e Molly nem sempre concordam, mas estão sempre disponíveis para dar um ombro amigo uma para a outra mesmo quando brigam com a ferocidade de quem se conhece muito bem e sabe exatamente o que dizer para machucar.
Com base no primeiro capítulo, pelo menos, dá pra dizer que “Insecure” tem uma qualidade que falta a muitas das séries voltadas ao público dos vinte e poucos/tantos anos: parece realista sem ter personagens difíceis vivendo vidas horríveis. Issa e Molly são mais legais que qualquer personagem de “Girls” ou “Love” e suas vidas não são nem surrealmente boas (como Carrie, de “Sex and the City”, conseguia comprar tantos sapatos escrevendo uma coluna em um jornal é o mistério do século) nem ruins. São normais.
Se a HBO vai conseguir ou não encontrar novos sucessos para sua grade, não dá pra dizer só com base nessa semana. Mas dá pra ficar otimista.
Rodrigo Santoro tira um papel dobrado do bolso e diz: “Eu realmente não posso falar sobre a série. Tenho uma lista de ‘talking points’ e tudo é muito sobre o conceito”. Estamos — um grupo de jornalistas e o ator — num evento da HBO para apresentar a série “Westworld”, que estreia em 2 de outubro às 23h no canal, mas ele escapa de quase todas as respostas. Pode falar sobre ideias, temas, coisas gerais. Detalhes, não. “Se eu fizer, eles, sei lá, me processam. Coisa assim. Eu assinei um papel, um termo de compromisso. A gente não revela. A série vive disso. Do mistério.”
Embora “Westworld” seja inspirada num filme de 1973 de mesmo nome, não se trata de um remake: os dois só usam a mesma premissa. Tal qual o filme, a série tem como cenário uma espécie de parque de diversões que imita o Velho Oeste americano, com caubóis, bordéis, xerifes e duelos armados. Ali, vivem criaturas chamadas de “anfitriões”, robôs tão perfeitos que quase parecem humanos — e que desconhecem o fato de que não o são. Os visitantes do parque, que os robôs recebem como hóspedes recém-chegados na cidade, podem satisfazer ali suas fantasias mais primitivas: passar horas com prostitutas, estuprar, matar. Respeitando as leis de Asimov, faz parte da programação dos anfitriões que eles sejam incapazes de machucar os visitantes. É um espaço seguro, então, para as pessoas mostrarem suas piores facetas sem medo das consequências.
Não haveria série sem um conflito e, se há robôs no meio, é seguro apostar que em algum momento eles se voltarão contra os humanos que o criaram. É o que a série indica que irá acontecer: no primeiro episódio, depois que seu criador (Anthony Hopkins) faz uma atualização para deixá-los com gestos ainda mais humanos, alguns anfitriões começam a apresentar defeitos e a agir fora do roteiro que são programados a seguir.
É o caso, por exemplo, do pai da protagonista Dolores (Evan Rachel Wood), a anfitriã mais antiga do parque. Dolores, uma mocinha sonhadora que só vê a beleza no mundo, é apaixonada pelo forasteiro Teddy (James Marsden), sobre o qual pouco se sabe de início. Os outros personagens principais incluem Hector (Santoro), um bandido procurado pelo xerife, Maeve (Thandie Newton), uma prostituta local, Bernard (Jeffrey Wright), programador dos robôs, e um personagem cujo nome desconhecemos, mas com muito sangue nos olhos, interpretado por Ed Harris. Ao fim da primeiro episódio, tudo ainda é meio vago.
Tudo é mistério também para os atores, diz Santoro. “Foi muito desafiador o laboratório, porque não deu pra fazer laboratório. Porque eu não tenho informação, a gente não tem informação”, conta. “O que a gente sabe é o que nos é passado, e a gente recebe o roteiro um pouco antes do dia de filmagem.” Sem poder se aquecer, preparou-se para estar preparado. “Trabalhei o corpo, porque a gente trabalha com esses anfitriões que não são humanos, mas são muito próximos dos humanos. Não são robôs. A gente tem, claro, um corpo diferente, uma forma diferente, mas ao mesmo tempo não é robotizada. Mas tudo isso ainda está sendo desenvolvido enquanto a gente está trabalhando.”
Santoro diz que escolher um papel é um pouco como fazer um amigo: quando sente uma química ao ler o roteiro, sabe que é o personagem certo. “Não existe uma fórmula e nem sempre é da mesma forma. Mas é como quando você encontra a Maria, vai pra casa e fala ‘po, a Maria é legal, né’. Por que ela é legal? Você nem conhece ela direito. Não sabe por que, mas tem alguma coisa que aconteceu ali e essa relação eu vejo quando leio as coisas de um personagem”, afirma. “Eu recebi o [roteiro do] piloto, o primeiro, quando tive o convite pra fazer a série. Eu adorei o que eu li. Claro que tem todo o pacote, os atores envolvidos, um monte de coisa que era muito sedutor.”
Hector e os outros robôs têm a possibilidade de se transformar de cena a cena. Suas ações dependem da interação com os visitantes e é interessante ver como uma mesma situação — como o encontro de Dolores e Teddy, que segue o mesmo roteiro todos os dias — pode se desenrolar de formas levemente diferentes dependendo de quem está no parque. Na mesma cena, portanto, os atores podem colocar nuances diferentes. Também pode acontecer de os manipuladores dos robôs trocarem o papel de uma das máquinas, mudando completamente o personagem. Um dia você pode ser bandido e no outro, o xerife. Dessa forma, no primeiro episódio, entendemos como o mundo de “Westworld” funciona, mas não há muitos acontecimentos: vemos as mesmas pequenas cenas cotidianas (Dolores acorda, conversa com o pai, vai até a cidade, encontra Teddy) repetindo-se várias vezes, com resultados diferentes. É uma boa introdução, mas deixa muito no ar.
O papel de Santoro, por exemplo, termina o capítulo como uma grande incógnita. Apesar de no papel Hector ser o bandido daquele cenário de faroeste, não dá pra saber de cara se ele bom ou mau — ou, de modo geral, quem são os vilões e os mocinhos (a figura do mal mais clara é Ed Harris). “Essa questão de quem é vilão e quem é mocinho é a grande pergunta da série. É isso que a gente vai mostrar. O Hector teria a embalagem, mas a gente vai muito mais fundo, as coisas vão começar a ser reveladas e aí a gente vai deixar pro espectador fazer sua própria escolha”, diz Santoro. Dá para entender os criadores, que controlam os robôs? Os visitantes que satisfazem seu apetite pela violência “matando” os robôs? Os robôs que se rebelam?
Para Santoro, a série — produzida por J.J. Abrams e Jonathan Nolan, corroteirista de “O Cavaleiro das Trevas” — é um estudo profundo sobre a natureza humana. “É uma série que trabalha muitas metáforas, muitas entrelinhas. Claro que o entretenimento está ali. Até porque no mundo de hoje, de tanto entretenimento e tão digital, a gente precisa disso pro espectador também se conectar. Mas ali vem muito alimento pro cérebro, eu acho.”
Um dos grandes atrativos para o projeto, o elenco de “Westworld” também foi motivo de nervosismo para Santoro, especialmente ao gravar uma cena sozinho com Ed Harris. “Na van começou a me dar um nervosismo, desconfortável, comecei a ficar ansioso, não tava gostando daquilo. Falei pra ele: ‘Olha, é uma honra e tal’. E ele: ‘Tá tranquilo’. E eu: ‘Tranquilo pra você, que é comigo. Pra mim não tá tranquilo, você é o freaking Ed Harris, tenho o maior respeito pelo seu trabalho, é uma cena grande só eu e você’”, conta. “É uma sensação de estar jogando com a seleção, mesmo. É outro lugar. É um lugar onde a bola vem e tem que voltar legal.”
No set, para relaxar, deitou-se numa cama que havia por ali, para tentar relaxar. Harris sentou-se ao seu lado. “Daqui a pouco ele bota a mão na minha bota. Aí ele falou uma frase, que não me lembro exatamente, mas era: ‘A gente vai fazer isso junto. Quando estiver bom a gente vai embora. Enquanto não estiver bom a gente fica aqui. Estou aqui contigo’. Aí ele levantou, a gente fez a cena e foram dois takes”, lembra Santoro. “O psicológico é uma coisa tão difícil de controlar, ainda mais quando a gente está ansioso. É tão sutil, mas aquelas palavras foram muito importantes, de companheirismo. Mostra que mesmo sendo um cara super reconhecido, é um artista, trabalhador. Sem muita firula também, não segurou na minha mão.” Foi a terceira vez que se sentiu assim intimidado na vida, conta Santoro. As outras vezes haviam sido com Benicio Del Toro, em “Che”, e Paulo Autran.
Anthony Hopkins foi outra história: logo de cara, chegou e quebrou o gelo. “Anthony vem e faz isso com todas as pessoas, vem e quebra. ‘Call me Tony.’ Olha bem no seu olho, te abraça, faz uma piada”, diz. “Almoça com todo o mundo, conta história, imita que é uma coisa. Fez uma imitação do Brando que a galera… Nossa, incrível. É um compositor, pinta, dirige. É uma lenda.” Preso à lista de tópicos autorizados, porém, Santoro não conta se chegou a contracenar com Hopkins ou se só cruzou com ele no set. “Aí você vai ter que assistir à série, não posso contar. Ele é o criador. Quando a criatura encontra o criador, coisas acontecem.”
Com tanto mistério por parte de Santoro e tendo visto apenas um episódio, bastante introdutório, dá só para prever quais serão as questões levantadas pela série para “alimentar o cérebro”, clássicas quando se fala de inteligência artificial e da relação de criador/criatura, desde os tempos de Frankenstein. Na estreia, Anthony Hopkins é uma presença bem coadjuvante, que deve ganhar importância. Sabe-se que ele é o grande cérebro por trás do parque e quer humanizar cada vez mais suas criaturas, acrescentando nelas uma espécie de memória, de subconsciente, que se reflete em gestos mais naturais baseados nas lembranças. Não sabemos, porém, quais são seus objetivos, sua verdadeira natureza ou o que sente pelas criaturas. “Westworld” também parece questionar o apetite pela violência: é moral matar uma figura que parece humana, ainda que seja uma máquina? Veremos o que a série tem a dizer.
“Gilmore Girls” não era um sucesso de audiência. Tampouco ganhou muitos prêmios — tem apenas um Emmy, numa categoria secundária (maquiagem), e uma indicação ao Globo de Ouro para Lauren Graham, a Lorelai. Depois de seu fim, em 2007, os principais envolvidos na série não tiveram lá trajetórias de muito destaque — Graham fez a série “Parenthood”, Alexis Bledel, a Rory, fez alguns episódios de “Mad Men” (e pouco mais do que isso), e a criadora Amy Sherman-Palladino não emplacou nenhuma outra série de sucesso. Como o casal Ryan Gosling e Rachel McAdams, “Gilmore Girls” parecia mais uma coisa do início dos anos 2000: foi bom, pena que acabou, as lembranças são carinhosas, mas parece ter acontecido em outra vida.
E então, em janeiro, o Netflix deu uma nova vida à série. Em 25 de novembro, em pleno dia de Ação de Graças nos Estados Unidos, quando as famílias se reúnem em casa, serão lançados quatro episódios de uma hora e meia de duração cada sobre a relação entre Lorelai Gilmore, sua filha, Rory, e sua mãe, Emily — o intérprete de Richard, seu pai, o ator Edward Herrmann, morreu em 2014. A estreia dos novos episódios, quase dez anos após o fim da sétima temporada, foi recebida com a festa na internet que faltou a “Fuller House”, revelando uma demanda surpreendente por “Gilmore Girls”.
Não só “Gilmore Girls” não ficou datada — surpreendente para uma série com um número tão alto de referências pop por capítulo — como rever a série dez anos depois é uma experiência quase nova, em que as percepções a respeito dos personagens mudam dramaticamente e de repente você se pega se identificando com os avós da trama. Na série, Lorelai é uma mulher que nasceu em uma família riquíssima e que fugiu de casa aos 16 anos, depois de ter um bebê e se recusar a satisfazer a vontade dos pais casando com o pai da criança. A relação com os pais é praticamente inexistente até que Rory, que sonha em estudar em Harvard e leu Proust quando criança, é aceita numa escola excelente, mas que custa os olhos da cara. Lorelai se vê obrigada a pedir um empréstimo para os pais, que impõem uma condição: para receber o dinheiro ela e Rory devem jantar com eles todas as sextas.
Lorelai e Rory são, como a série desenha pra você entender em vários momentos, mais que mãe e filha: são melhores amigas. “Gilmore Girls” pinta as duas como pessoas maravilhosas. Rory é uma gênia, leu mais livros do que é humanamente possível em seu período de vida, é paciente, educada, amada por todos os garotos que colocam os olhos nela. Melhor aluna na escola, aceita em todas as faculdades, editora do jornal universitário, contratada para cobrir as eleições presidenciais assim que ganha seu diploma. Lorelai faz monólogos como ninguém, dispara piadas e referências para todo lado, sabe costurar como uma profissional, é excelente no trabalho e querida por todos na cidadezinha em que vive. As duas comem quantidades impressionantes de hambúrguer, pizza e doces e nunca viram um vegetal na vida, mas continuam magérrimas.
Era, pelo menos, a impressão que a série me causou aos 13, 14 anos, quando comecei a assistir à série, e compartilhada pelas amigas na época – “Gilmore Girls” nunca fez muito sucesso com o público masculino. Rory, que começa a série com 16 anos de idade, representava um futuro perfeito no plano teórico: aquele em que você consegue as melhores notas, entra na melhor faculdade, mantém uma ótima vida social, tem tempo para ler e ver todos os filmes do mundo e parece destinada ao sucesso (como Rory, eu queria fazer ciência política e virar jornalista — plano que virou realidade). Lorelai, por outro lado, representava tudo o que era mais divertido naquela época. Era o futuro perfeito no plano prático, ela podia não ter a trajetória mais convencional, mas tinha personalidade e se saía de qualquer encrenca na base do humor e do carisma.
Sob esse ponto de vista, Emily e Richard são o outro lado da moeda: caretas, intransigentes, difíceis de lidar, incapazes de entender o espírito livre que é Lorelai. Julgam todas as escolhas da filha, desaprovam os namorados menos abastados de Rory, querem controlar a vida das duas a todo custo. Na adolescência, Lorelai é a mãe dos sonhos, aquela que tenta te convencer a faltar na escola e dar festas quando ela viaja. Emily é a mãe cheia de expectativas e cobranças, que não entende quem você é. Numa disputa entre Emily e Lorelai como mãe do ano não havia nem competição — Lorelai era a mocinha e Emily, a vilã.
Rever “Gilmore Girls” como uma pessoa adulta é uma experiência bem diferente e é um choque descobrir que nem Lorelai nem Rory são tão legais assim. Lorelai é o sonho dos adolescentes porque se comporta praticamente como uma. Nas suas próprias palavras, ela é flexível, mas só quando as coisas funcionam do seu jeito. Seus problemas de relacionamento com os pais são bem mais culpa dela do que deles: quando eles se oferecem para pagar a faculdade de Rory, ela se ofende; quando Rory se diverte ao passar uma tarde com o avô, ela sente ciúmes. O fato de ela passar anos tratando a hipótese de Rory estudar em Yale, onde os avós estudaram, como se fosse o pior cenário do mundo é irracional para dizer o mínimo. O mesmo vale para sua relação com o pai de Rory: ela passa a série inteira dizendo que ele é ausente, mas quando ele pede sua autorização para que a filha vá visitá-lo nas férias ela nem repassa o convite porque as férias da filha são prioridade dela.
Falemos de Rory, então: em vez de ser a criatura mais perfeita a pisar na Terra, como todos os personagens da série fazem questão de afirmar e reafirmar constantemente, ela é uma das adolescentes mais mimadas da televisão. Quando o dono do jornal em que ela faz um estágio lhe diz que ela não tem o que é preciso para ser uma grande repórter, qual sua atitude? Roubar um barco e largar a faculdade. Quando ela não consegue um emprego no New York Times logo após a formatura, ela não consegue ficar feliz pela amiga que conseguiu as vagas dos sonhos. Quando vê Jess, de quem ela gosta, com outra pessoa, ela joga ovos no seu carro mesmo que ela mesma tenha namorado. Quando ela transa com um ex-namorado que agora é casado e a mãe critica, o que ela diz? “Mas ele era meu primeiro.” Com o passar dos anos, inclusive, a voz de Rory vai ficando cada vez mais infantil e cada vez mais você pensa que, nossa, ainda bem que seu futuro não era esse.
Vendo a série numa outra idade, é mais fácil se identificar com Emily. Ela tenta criar Lorelai da maneira que acha melhor e, apesar de não entender que a filha não é como ela, tenta se aproximar o tempo todo e é constantemente recebida com quatro pedras na mão. Emily está longe de ser perfeita, mas, do jeito dela, ela tenta — é mais do que se pode dizer de Lorelai em boa parte da série.
“Gilmore Girls” envelhece bem porque é uma série sobre relacionamentos, principalmente entre mulheres (Richard, apesar de ser um dos protagonistas, é menos central que Emily). Em diferentes épocas da vida, é possível encontrar ali diversas camadas, interpretar as coisas de outra forma. Também por isso novos episódios são bem-vindos: dá vontade de saber que rumo a carreira de Rory tomou (segundo relatos iniciais, não está sendo fácil pra ela arrumar emprego como jornalista), a quantas anda sua vida amorosa, como está o relacionamento de Lorelai e Luke, o dono da lanchonete da cidade, como Emily se adaptou à vida sem Richard. É diferente de “Friends”, por exemplo, que é uma série sobre uma fase da vida — não faria sentido fazer episódios agora, com os personagens beirando os 50 anos. “Gilmore Girls” tem algo bem mais difícil de conseguir do que um prêmio no Emmy (afinal, vivemos em um mundo em que Jon Cryer ganhou um troféu por “Two and a Half Men”): longevidade.
Na mesma semana, Record e Globo decidiram lançar seus dois novos talk shows: a primeira emissora foi de Fábio Porchat, e a segunda, de Marcelo Adnet. Os dois canais tentam emplacar na televisão brasileira um programa no estilo que tanto faz sucesso nos Estados Unidos e que, por aqui, não faz muito verão — tínhamos, até então, só Jô Soares e Danilo Gentilli como apresentadores, e nenhum talk show incrível. Como nesses casos convidados importam, e muito, Adnet sai com a vantagem de poder entrevistar contratados da Globo. Mas Porchat pode achar seu nicho: na TV estrangeira o que não falta são modelos de talk shows.
Entrevistas, brincadeiras, esquetes, convidados interagindo ou não, e até um pouco de álcool fazem parte do cardápio dos talk shows americanos ou britânicos. Elaboramos um pequeno guia para você saber quem é quem na noite televisiva.
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Jimmy Fallon é o bonzinho do grupo. A companhia perfeita pra uma mesa de bar ou, melhor ainda, uma noite de jogos. Se você precisa de um parceiro de mímica, vá com Jimmy Fallon. Também é o talk show mais musical do grupo. No programa dele você vai descobrir que Paul Rudd nasceu para dublar músicas, que Christina Aguilera faz uma imitação perfeita de Britney Spears e que as celebridades estão dispostas a fazer uma quantidade absurda de coisas idiotas na televisão. Se você quer uma entrevista boa e não só uma historinha engraçada, Jimmy não é o cara. Ele não consegue conversar dois minutos sem dar risada (falsa, na opinião de alguns) e só diz coisas gentis para as pessoas, inclusive para Donald Trump. Mas está sempre aberto a fazer um papel de bobo e, não à toa, é o rei dos vídeos virais e da audiência.
Durante cinco anos Seth Meyers apresentou o resumo da semana “Weekend Update” no “Saturday Night Live”, onde também fazia esquetes. Dá pra ver que essa experiência foi aproveitada em seu talk show. As entrevistas de Seth não são a melhor parte do programa. Os destaques são as cenas curtas que ele faz e seus comentários políticos satíricos feitos como se ele fosse um apresentador de telejornal. É lá que você vai ver, por exemplo, como seria se Jon Snow, de “Game of Thrones”, fosse a um jantar na casa de Seth. E é também possivelmente o melhor talk show pra se informar sobre as notícias da semana.
James Corden é um inglês fofíssimo e ainda meio novo no mundo dos talk shows — ele começou o seu no ano passado. Como Jimmy Fallon, ele não tem medo de se colocar em situações ridículas e de fazer piadas consigo mesmo (conversando com Matt Damon, disse que o maior elogio que tinha recebido era: “Você parece o Matt Damon gordo”). James ainda é menos famoso que seus concorrentes e, talvez por isso, receba menos celebridades. Em compensação, seu formato é dos mais originais: os convidados são recebidos de uma só vez e interagem entre si, como numa sala de estar. Corden também aprendeu com Fallon que sucesso na internet é tão importante quanto audiência na TV, e já tem dois quadros de sucesso: Carpool Karaoke, em que ele canta com seus convidados num carro, e Drop the Mic, uma batalha de rap em que ele insulta algumas celebridades.
Jimmy Kimmel, assim como Jimmy Fallon, sabe como fazer conteúdo bom para internet, não só para a televisão. A diferença é mais de estilo: Kimmel geralmente faz a piada com os outros, mas não se coloca nela –seu quadro mais famoso envolve celebridades lendo tweets malvados sobre si. Kimmel gosta de expor a burrice das pessoas na rua (exemplo, questionar transeuntes sobre coisas que nunca aconteceram. Spoiler: elas respondem como se soubessem do que ele está falando) e pedir a opinião de crianças sobre as coisas. É também capaz de sustentar piadas por muito tempo. Tem uma “briga” com Matt Damon que dura mais de dez anos e é uma das melhores coisas em seu programa.
Graham Norton é um irlandês cheio dos trejeitos cuja principal característica é fazer entrevistas com várias pessoas de uma só vez, sentadas num sofazão, como no programa de James Corden. Mas Norton acrescenta ainda uma dose de álcool. É lá que você verá Jake Gyllenhaal, Emilia Clarke e Cara Delevingne (por que essas três pessoas juntas?) brigando pra ver quem tem as melhores sobrancelhas. É onde Tom Hiddleston pode mostrar a Robert De Niro sua imitação de Robert De Niro. É onde Matt LeBlanc tem que explicar para Rebel Wilson e Kit Harrington a trama de “Friends” antes de cantar duas músicas de Joey na série. O cenário é hipercolorido, as pessoas bebem enquanto conversam e a experiência é às vezes bem surreal.
Stephen Colbert ainda é um enigma. Ele interpretava um cara superconservador na TV paga e migrou para a TV aberta no ano passado, ocupando o lugar de David Letterman, sem a máscara de seu personagem. Seus primeiros programas prometiam um Colbert mais afastado do entretenimento: menos atores, mais políticos e juízes. Mas sem a mordacidade de seu personagem, não engrenou muito e tem perdido para Seth Meyers no quesito “fazer humor com as notícias”. Depois que o sinal de alerta se acendeu na emissora, Colbert tem melhorado, trazendo de volta, inclusive, quadros de seu antigo programa. Tem alguns poucos quadros fixos com celebridades, como um em que debate com elas questões bizarras (do tipo: o que faz o Papai Noel quando não é Natal?).