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A sensível ficção científica de
‘A Chegada’

Quer dizer que “A Chegada” estreia na quinta (24)? Mais um ano, mais um grande filme de ficção científica sobre o espaço.
Verdade, mas não dá pra gente reclamar muito, né. No ano passado, “Perdido em Marte” foi uma ótima surpresa e conseguiu até se infiltrar no Oscar deste ano. Dá pra dizer o mesmo de “A Chegada”, do Denis Villeneuve: é um dos melhores filmes do ano e não lembra em nada os últimos filmes com uma temática parecida. Aliás, dizer que esse é um filme sobre o espaço não é certo. Sim, uma parte fundamental do enredo é a chegada de alienígenas na Terra, mas é mais um filme sobre comunicação, sobre entendimento.

E quem é esse diretor mesmo, o Denis Villeneuve?
Villeneuve é um diretor canadense que tem ganhado cada vez mais fama por fazer filmes de suspense com uma velocidade reduzida, trilhas sonoras potentes misturadas com silêncios marcantes, criando um ambiente tenso em todas as suas obras. Um de seus primeiros filmes, “Incêndios”, foi indicado ao Oscar de melhor filme estrangeiro. Assim como em “A Chegada”, é difícil detalhar os filmes de Villeneuve sem entregar pontos-chave de cada um deles: é prazeroso vê-los sem ter muitos detalhes sobre a história e se surpreender com o roteiro. Isso funciona muito bem em “Os Suspeitos” e “Sicario: Terra de Ninguém”. E espere ouvir mais ainda o nome dele no ano que vem, já que o diretor está filmando a sequência do clássico “Blade Runner”.

Ok, vamos voltar para “A Chegada”, então. Qual é a história?
O filme começa com a chegada de 12 naves de extraterrestres, que pousam em diferentes pontos da Terra: na China, nos Estados Unidos, em Serra Leoa… As naves são habitadas por criaturas que em nada lembram a imagem clássica que temos de ETs. Não são humanos verdes, e sim enormes criaturas escuras, sem rosto, com múltiplas pernas. Para descobrir o que esses alienígenas querem — se vieram em paz, ou se são uma ameaça –, cada país recruta uma equipe de cientistas responsável por tentar estabelecer um diálogo com eles. Nos Estados Unidos, eles chamam a linguista Louise Banks.

É o papel da Amy Adams, certo?
Isso mesmo. Ela e o físico Ian Donnelly, papel do Jeremy Renner, encabeçam uma missão para tentar se comunicar com os visitantes e conseguir a resposta para uma pergunta: qual é o seu propósito na Terra? O filme mostra o processo de Louise para conseguir decifrar aquilo que os aliens querem dizer. Como fazer para entender alguém que não fala sua língua, não escreve como você, não pensa da mesma forma e não tem as mesmas referências?

Mas eu vou me interessar por esse filme se eu não tiver nenhum conhecimento ou interesse por linguística?
Sim. Conhecimento de linguística é completamente dispensável, porque o filme é bem didático. Como Louise tem que explicar o que está fazendo para os militares leigos no assunto, o público também segue seus passos direitinho. É bem legal ver como ela faz para tentar falar com eles, começando por ideias bem básicas, como apresentar seu nome e dizer a eles que é humana. E apesar de ser um filme baseado em ciência real, é uma ficção científica, bem pouco previsível. Enquanto Louise tenta concluir sua missão — antes que o desespero dos humanos resulte em um ataque aos aliens e em uma possível retaliação –, vemos pequenos trechos de sua vida fora dali e a relação com a filha, que ficou doente. Não espere um filme de ficção cheio de cenas de ação, daqueles que só vale a pena assistir no cinema.

O visual não é grandes coisas, então?
Pelo contrário, é um filme muito bonito. Desde as naves espaciais, num formato meio ovalado, simples, até os reflexos nas roupas espaciais dos protagonistas, passando pelos símbolos de escrita alienígenas, circulares, tudo é muito bem pensado. Só não é um filme em que o visual importe mais do que o conteúdo. Como eu disse no começo, é uma história sobre como nos comunicamos, e sobre os riscos que existem na falta de diálogo — no caso do filme, se todas as nações não cooperarem, e se os humanos não conseguirem falar com os alienígenas, uma grande guerra pode acontecer. É uma ficção científica, sim, você pode esperar as clássicas cenas sem gravidade, mas o que interessa é a história — baseada no conto “Story of your Life”, de Ted Chiang, publicado em 1998 e vencedor de vários prêmios de ficção. Para adaptar o conto, que parecia inadaptável, com suas variações temporais e conceitos científicos complexos, foram seis anos de trabalho e um acompanhamento de Chiang. Deu certo.

E as atuações? Já está na hora de a Amy Adams ganhar um Oscar depois de cinco indicações, né. Até o Leonardo DiCaprio conseguiu o dele.
Provavelmente não será por esse filme, o que é uma pena, porque ela foi feita para esse papel. É uma atuação bem minimalista: ela não tem grandes cenas de choro, monólogos de impacto nem nada do gênero. Mas ela consegue transmitir muita coisa com poucas palavras (no outro filme dela que estreia neste ano, “Animais Noturnos”, ela passa boa parte do tempo lendo sozinha). Jeremy Renner também está bem simpático e faz bem o papel de coadjuvante — o resto dos atores tem menos impacto, o filme é quase todo de Amy Adams.

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Doutor nem tão Estranho assim

Tudo que “Doutor Estranho” tem de esquisito está no nome. Se fosse uma comida, o filme, que estreia na quinta (3), estaria mais para um prato que você comia na infância do que para um de um restaurante de vanguarda. Num ano cheio de filmes cheios de personagens, com vários heróis (ou vilões) eutando juntos ou uns contra os outros, “Doutor Estranho” chama a atenção por ser, de certa forma, mais tradicional. É um filme sobre as origens de um herói só: o Doutor Estranho do título — sua versão do clássico “tio Ben + mordida de uma aranha radioativa” que já vimos mil vezes.

No início da história, Stephen Strange (Benedict Cumberbatch) é um cirurgião tão brilhante quanto arrogante. Tempos atrás, teve um romance com Christine (Rachel McAdams, infelizmente desperdiçada), que naufragou por causa de — tudo leva a crer — seu ego inflado. Stephen trata seus colegas como inferiores e seleciona a dedo os casos que pega: têm que ser difíceis, para serem dignos de seu tempo, mas não tão difíceis a ponto de significar uma possível mancha em seu currículo. Sua vida é operar — e gastar o dinheiro com relógios, carros, um apartamento incrível em Nova York –, até que ele sofre um acidente de carro que destrói suas mãos.

Christine, a clássica ex-namorada compreensiva que dá apoio ao herói atormentado, lhe diz que a vida continua. Ele não pode mais salvar vidas com seu bisturi, mas certamente pode arranjar outras formas de fazê-lo, afirma, prevendo o resto da trama. Obcecado, Strange ouve falar que há uma cura possível em Catmandu, no Nepal. Lá, ele conhece a Anciã (Tilda Swinton), uma maga que, com seus discípulos, protege a Terra de forças do mal. Um de seus alunos (Mads Mikkelsen), porém, vai para o lado negro da força, rouba uma página de seu livro secreto de rituais, e tenta colocar o mundo nas garras do supervilão Dormammu.

Stephen quer aprender magia só para curar as mãos e, no começo, não liga muito pra essa história de salvar o mundo. Bom, como essa história termina você já deve saber mesmo sem ter visto nenhum filme de super-herói. “Doutor Estranho” é um filme clássico desse gênero, sem grandes surpresas, mas com muito mais cores e visuais saídos de uma viagem de ácido. É “A Origem” elevado à enésima potência, com muito mais psicodelia. Visualmente, é interessante — o tipo de filme que fica melhor numa sala de cinema, e no qual o uso de 3D não é completamente desnecessário.

Depois de ver Apocalipse (dois, igualmente horríveis: o de “Batman vs Superman” e “X-Men”) e Magia (“Esquadrão Suicida”), Kaecelius, o vilão mais proeminente de “Doutor Estranho”, é uma alegria. É bom ver a cara dele e o ator atuando (parece uma coisa óbvia, mas não é). Também é possível entender qual é seu plano e qual é sua motivação (novamente: nem todo vilão cumpre esses requisitos que parecem básicos). É interessante também ver a história de Mordo (Chiwetel Ejiofor), um vilão nos quadrinhos, mas parte dos discípulos da Anciã, lutando pelo bem nesse filme. Dá pra ver que é um filme construído com o futuro em mente.

Strange também é bem construído e tem um bom arco: de médico metido a vítima desesperada, passando por cético que só acredita na ciência até se tornar um super-herói, disposto a arriscar seu pescoço pela humanidade. Apesar dessa jornada ser meio rápida (afinal, o filme não é tão longo), cada etapa do seu percurso faz sentido. Benedict Cumberbatch, acostumado a fazer papéis de gênios hiper-racionais, mostra aqui seu carisma e chega até a fazer umas piadinhas — é um filme com referências bem pop, que chega a citar Beyoncé.

Mas apesar do visual bonito e de ser um filme competente, “Doutor Estranho” não se diferencia muito de outros filmes de super-heróis. Tem a mulher doce e inteligente, mas pouco desenvolvida, a figura sábia que ensina tudo o que o herói sabe, o vilão todo poderoso, a cidade destruída, um portal no céu. O que mudam são os detalhes. Não é um problema, nem todo prato precisa de ser vanguarda — familiar também é bom. “Doutor Estranho” só não é lá muito memorável. No fim das contas, o filme não é tão estranho assim.

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Não se faz mais comédias românticas como antigamente

Saindo da sessão de “O Bebê de Bridget Jones”, sala cheia em um sábado no shopping, um sentimento estranho, meio nostálgico pairava no ar. Uma lembrança de 2003, 2004, quando assistir a uma comédia romântica no domingo à tarde era um programa comum. Explica-se o estranhamento: as comédias românticas estão em extinção. Pare uns minutos para aceitar esse fato — nem todo o mundo aceita essa afirmação de primeira. “Ah, mas eu vi uma comédia romântica outro dia”, você pode dizer. Repare na data desse filme. É recente mesmo? E depois: tem certeza de que é uma comédia romântica e não só uma comédia ou um drama romântico? Caso a resposta para as duas perguntas seja “sim”, ok, você achou uma exceção. Afinal, as comédias românticas estão em extinção, não completamente extintas.

Dos anos 1980 aos 2000, as comédias românticas viveram uma era de ouro — não só em quantidade, mas em qualidade. “Harry & Sally: Feitos um para o Outro”, de 1989, concorreu ao Oscar de roteiro original; Renée Zellweger disputou a estatueta de melhor atriz em 2002; atores como Tom Hanks e Sandra Bullock, ambos vencedores do Oscar, eram figurinhas fáceis em filmes do gênero. Você sempre podia contar com Meg Ryan ou Hugh Grant, o rei da comédia romântica, para protagonizar outra história em que garoto conhece garota, garoto e garota enfrentam algum empecilho (um deles está num relacionamento, o outro não quer compromisso, os dois não querem arruinar uma amizade), até que garoto e garota descobrem que foram feitos um para o outro e vivem felizes para sempre. Comédias românticas, com algumas exceções, costumam seguir um roteiro básico. Mas seu atrativo não é a previsibilidade, e sim uma sensação confortante de que tudo vai ficar bem.

Tom Hanks e Meg Ryan — que fizeram juntos “Joe Contra o Vulcão” (1990), “Sintonia de Amor” (1993) e “Mensagem pra Você” (1998) — passaram o bastão para Hugh Grant — de “O Diário de Bridget Jones” (2001), “Amor à Segunda Vista” (2002), “Simplesmente Amor” (2003), “Letra e Música” (2007) — e Drew Barrymore , que fez (segura que a lista é longa): “Afinado no Amor” (1998), “Nunca Fui Beijada” (1999), “Como se Fosse a Primeira Vez” (2004), “Amor em Jogo” (2005), “Letra e Música”, “Ele Não Está Tão a Fim de Você” (2009) e “Amor à Distância” (2010). A comédia romântica deu um último suspiro com Ashton Kutcher, que tem um currículo cheio de filmes do gênero e Katherine Heigl, cuja última comédia romântica no currículo é a mesma de Kutcher: “Noite de Ano Novo”, no distante ano de 2011.

Desde o início da década, caiu muito o número de estreias de comédias românticas. Sim, são lançadas comédias em que há um quê de romance (“Como Ser Solteira”, deste ano, por exemplo) e são lançados filmes românticos que tenham alguns momentos engraçados. Mas um verdadeiro filme do gênero é uma comédia em que a principal trama seja romântica — “Legalmente Loira”, por exemplo, não entra na lista, já que o romance de Reese Witherspoon e Luke Wilson é secundário. São esses os filmes em extinção. Mesmo quando uma comédia romântica é feita, ou ela chega sem estardalhaço (“Será Que?”, com Daniel Radcliffe, que estreou no Brasil dois anos atrás) ou nem estreia por aqui, caso de “Sleeping with Other People”, bom filme com Alison Brie e Jason Sudeikis.

Há vários fatores jogando contra a comédia romântica, que talvez possam explicar porque ela foi deixada de lado. Hoje o foco dos grandes estúdios é fazer filmes que possam virar franquias, se desdobrar em outros muitos filmes. Além dos filmes de super-heróis, da Marvel e da DC, há a franquia de Star Wars, a nova série de filmes do universo de Harry Potter (serão cinco filmes sobre criaturas mágicas), Jason Bourne, 007, Jurassic Park, Jack Reacher… Até “Truque de Mestre” ganhou uma continuação neste ano. Com comédias românticas, isso não é tão fácil: o “felizes para sempre” não é tão legal de ver quanto o caminho até ele. Tem exceções, como Bridget Jones, que chegou ao terceiro filme. Mas são raras.

Hugh Grant e Sandra Bullock em 'Amor à Segunda Vista'
Hugh Grant e Sandra Bullock em ‘Amor à Segunda Vista’

Além disso, comédias românticas — como comédias, de modo geral — são mais difíceis de traduzir, de serem entendidas por outras culturas, que têm outro humor. E o mercado internacional, principalmente a China, é responsável por grande parte dos lucros de um filme. É mais fácil que um “Mad Max”, com pouquíssimo diálogo e muita ação, seja um sucesso internacional do que uma história sobre os percalços enfrentados por um casal jovem e branco em Nova York. Tem também o mito de que só mulheres gostam de comédias românticas. Para atrair também o público masculino, coloca-se às vezes um elemento de ação na trama — caso de “Par Perfeito”, com… Ashton Kutcher e Katherine Heigl. Também pesa a favor dos filmes com mais efeitos especiais e cenas de ação que é maior o atrativo para que as pessoas os vejam na sala de cinema. Um romance pode ser visto tranquilamente em casa, sem que se perca muita coisa, diferente de um “Gravidade” ou “Avatar”.

Mas talvez tudo isso fosse diferente se a geração de Hugh Grant e Sandra Bullock tivesse passado o bastão para atores melhores. Uma comédia romântica depende 100% de química entre os atores e roteiro. Não há efeitos especiais e grandes cenas de batalha para distrair o espectador, como em “Batman v. Superman”. Se os atores não tiverem sintonia, o filme não dá certo. Tom Hanks é puro carisma, Hugh Grant é o charmoso canastrão, Sandra Bullock era a desengonçada mais preocupada com a carreira do que com o amor, Drew Barrymore era a fofa. Ashton Kutcher não tinha essa magia — assista “Sexo sem Compromisso” pra ver. Katherine Heigl tampouco — e ainda foi prejudicada pela fama de antipática. Uma boa comédia romântica tem alguém tão famoso quanto simpático, por quem você torça, com quem você sofra junto. Não era o caso dessa última geração, e depois deles ninguém mais assumiu o trono. Quem poderia fazer isso? Emma Stone, por exemplo, tem carisma pra tanto. Mas quem poderia ser seu par? Zac Efron não é nenhum Hugh Grant.

A última safra de comédias românticas foi tão fraca, que não é bem surpresa que as pessoas tenham um pé atrás com o gênero — atores, estúdios, diretores, público. As boas comédias românticas ficaram nos anos 1990 e 2000. Mas “O Bebê de Bridget Jones” — por mais surpreendente que isso pareça — está aí para provar que com bons atores e um roteiro redondo, o gênero ainda dá um caldo. Nada como uma boa comédia romântica num fim de domingo.

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Cinema sem fim

Dias antes do início da 36ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, em 2012, Renata de Almeida, organizadora do evento, deu uma entrevista à Folha de S.Paulo em que dizia que a Mostra é como uma “miragem”, que “nasce e morre todo ano”. Aquela era a primeira edição que Renata produzia do início ao fim sem a companhia do marido Leon Cakoff, idealizador e sinônimo da Mostra, morto um ano antes em decorrência de um câncer – uma semana antes da abertura da edição de 2011.

“Foi um ano de teste de sobrevivência para a Mostra. Por mais que eu trabalhasse com o Leon há mais de vinte anos, a Mostra era muito ligada à figura dele. Era uma situação um pouco crítica, em que eu não podia mostrar fraqueza e havia pressão de vários lados. Mas foi uma Mostra linda”, lembra Renata. Agora, quatro anos depois, ela está orgulhosa da edição que comemora os 40 anos da Mostra, um festival-maratona de cinema idealizado e nascido em São Paulo, que reúne milhares de cinéfilos de várias gerações em torno de novidades, raridades e retrospectivas de diretores de qualquer país possível de ser apontado num mapa; um ponto de encontro de cineastas que vão do iraniano Abbas Kiarostami (que morreu em julho e considerava Renata uma irmã) ao então desconhecido Quentin Tarantino.

Nas duas semanas de Mostra, que neste ano acontece de 20 de outubro a 2 de novembro, cerca de mil pessoas estarão envolvidas na projeção dos 322 filmes em 42 locais de exibição – inclusive no circuito SP Cine na periferia –, na organização dos encontros com diretores, na exposição sobre “Persona”, de Ingmar Bergman, no Itaú Cultural, nos diversos encontros e mesas, além dos profissionais de transporte, comunicação, tradução, legendagem e uma série de outras atividades. A sede da Mostra funciona em um pequeno prédio de dois andares em uma travessa da rua Augusta, a menos de cem metros do Espaço Itaú de Cinema, cujas salas recebem tradicionalmente os filmes selecionados para o festival. Nas semanas que antecedem a abertura, um “núcleo duro” de cerca de 30 pessoas trabalha de manhã até tarde da noite em um vaivém de caixas e materiais para colocar o festival em pé.

Tudo isso, naturalmente, tem um custo. “O mais difícil nesses dois últimos anos tem sido financiar a Mostra”, afirma Renata. A crise econômica dos últimos dois anos diminuiu o investimento dos patrocinadores, grande parte órgãos públicos e estatais, como a Prefeitura de São Paulo e a Sabesp. A redução do aporte da Petrobras foi especialmente sentida. “Já houve ano em que a Petrobras anunciava no encerramento da Mostra o patrocínio da próxima, mas isso não tem acontecido mais. O ideal seriam ter contratos por dois anos ou já ter o da próxima”, diz.

O orçamento ideal da Mostra, segundo Renata, é de R$ 8 milhões, mas o valor não tem sido alcançado nos últimos anos – apesar disso, a única ocasião em que o evento fechou no vermelho foi justamente na 36ª edição, a primeira sem Cakoff. A Mostra atual está trabalhando com um orçamento de cerca de R$ 6 milhões. A estratégia de Renata é cortar despesas naquilo que não vai prejudicar o público: festas, convidados, passagens e o que for possível na equipe. Se o corte precisar ser mais drástico, só aí se pensa em diminuir a quantidade de filmes. “Trazer um filme, no final, tem um custo muito caro: a tradução é cara, a legendagem é cara, tem o transporte, aluguel. Cada filme tem um custo grande.”

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Evento de lançamento da Mostra deste ano. Crédito: Divulgação
Evento de lançamento da Mostra deste ano. Crédito: Divulgação

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Mesmo assim, o modelo do festival permite adaptar a programação ao dinheiro disponível. “A Mostra é elástica, você pode fazer do tamanho do orçamento”, explica Renata. “A gente tenta cortar tudo que não atinge o público. A sessão ao ar livre no parque Ibirapuera com orquestra é uma sessão gratuita e que vai muita gente, é prioridade. A sessão no vão livre do MASP, que também virou uma sessão simbólica e é gratuita, a gente mantém.”

Aos 50 anos e envolvida com a produção da Mostra desde os 23, Renata ainda não se acostumou com a ideia de precisar pedir dinheiro todo início de ano, assim que as contas da Mostra anterior são fechadas, para fazer o próximo evento acontecer. “Sou super grata aos patrocinadores, graças a eles que a Mostra está acontecendo. São 40 anos, é uma Mostra comemorativa e conseguimos segurar quase tudo. Mas a realidade é que há uma data. Isso é desgastante”, diz.

Nos dias que antecedem a sessão de abertura da Mostra, no entanto, a angústia e o pessimismo – “o Brasil estava pessimista” – começam a dar lugar a uma sensação de dever cumprido ao ver, finalmente, as peças se encaixando: as confirmações de filmes na última hora, o catálogo ficando pronto, a curadoria finalmente tomando a forma de um festival de cinema. “A coisa mais emocionante para mim é quando você está aqui cansada, pensando ‘não vou fazer mais isso’, e quando a Mostra começa você sai pelos bares aqui perto e as pessoas estão com a programação na mão.”

Nesses cinco anos à frente da Mostra, Renata defende que a curadoria está muito forte, até com um caráter jornalístico em relação ao que vem acontecendo no cinema e no mundo. É a “parte boa” e a que ela mais gosta de fazer, um trabalho por tanto tempo dividido com Cakoff. Os focos e encontros ganharam importância – assim como a quantidade de filmes para ver e selecionar antes do festival. “Antes, uma pessoa, ou Leon ou eu, conseguia ver todos os filmes que vinham para a Mostra, em DVD. Hoje são 1,4 mil que vêm por link. Veja o quanto mudou em cinco anos”, ressalta. Uma equipe de dez pessoas faz esse trabalho, com o cuidado de manter um equilíbrio entre os países. Renata está cansada, mas a perspectiva das próximas semanas a deixa feliz.

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A história da Mostra de Cinema de São Paulo é indissociável de Leon Cakoff, seu idealizador e figura fundamental para a continuidade do evento – graças a ele, a Mostra resistiu à cretinice da censura durante a ditadura militar e atravessou os áridos anos de planos econômicos mirabolantes. Cakoff nasceu Leon Chadarevian, em 1948, na cidade de Aleppo, na Síria. Sua família, de origem armênia, imigrou para o Brasil quando ele ainda era criança. Antes de completar 20 anos, começou a carreira como jornalista nos Diários Associados, de Assis Chateaubriand. Durante o dia, era crítico de cinema no Diário de São Paulo; à noite, era repórter plantonista no Diário da Noite, jornal de estilo sensacionalista.

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Renata e Leon. Crédito: Imprensa Oficial
Renata e Leon. Crédito: Imprensa Oficial

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Embora o jornalismo das empresas de Chatô estivesse alinhado ao regime militar e não poupasse elogios ao governo, Cakoff já buscava em seus textos apontar para além do que a censura permitia: cineastas das revoluções e dos cinemas novos ao redor do mundo. No livro “Cinema sem fim”, publicado pela Imprensa Oficial na ocasião dos 30 anos da Mostra, Cakoff escreve:

“Como crítico de cinema já saía em defesa dos excluídos do sistema de distribuição. Meus preferidos estavam aqui mesmo no Brasil; no Japão de Kurosawa, Sugawa, Oshima, Shindo; na Itália de Fellini, Visconti, Pasolini; na França de Truffaut Brasson, Godard; na América de Cassavetes e Peckinpah. Estavam também no fervor dos maios de 1968, nas ideias em transe de cineastas que empunhavam câmeras como se fossem armas”

As tentativas de falar de um cinema fora do circuito nas páginas do jornal – e de denunciar que a censura existia, sim, e mutilava filmes a ponto de tornar-lhes incompreensíveis, renderam a ele o conselho de adotar o pseudônimo. O desencanto com as restrições da carreira de crítico de jornal incentivou Cakoff a se aproximar do Masp (o museu era uma iniciativa de Chatô, afinal) e de seu diretor, Pietro Maria Bardi.

A partir de 1975, Cakoff começou a organizar no auditório do museu pequenas revisões de cinematografias e diretores antes inacessíveis ao público brasileiro. Seu grande trunfo são os contatos com representações diplomáticas. “Descubro nos primeiros quatro anos de voluntariado no Masp que é possível romper o cerco das censuras com a ajuda prestimosa de consulados, embaixadas e representações culturais”, escreve. E continua: “Que posso trazer os filmes das minhas semanas temáticas por malas diplomáticas, que elas não podem ser violadas e remexidas por verdugos da ditadura militar”.

Cakoff relata que se sentia como um diplomata visitando embaixadas e consulados em busca de filmes para a programação do Masp. Apesar do sucesso de público – chegam a faltar datas no calendário do auditório – a censura continua a ser um problema. “Alguns (países), como a China, ou com o nome hipócrita de República Popular da China, provocam incidentes diplomáticos. O ciclo ‘Aproximação ao cinema chinês’ é proibido pela censura brasileira. A embaixada chinesa em Brasília protesta, a Polícia Federal me intima a depor, o Masp teme por retaliações e a imprensa especula”, rememora.

Cartaz da Mostra de 1997. Crédito: Imprensa Oficial
Cartaz da Mostra de 1977. Crédito: Imprensa Oficial

O grande salto das sessões concorridas no auditório do Masp para uma Mostra de Cinema no atual formato acontece em 1977, por ocasião do aniversário de 30 anos do museu. O monitor emprestado do Instituto Goethe ilumina a tela do auditório em sessões concorridas. Foram 16 longas e sete curtas selecionados, e o vencedor do festival foi “Lúcio Flávio, o Passageiro da Agonia”, de Hector Babenco. “O público é o júri” se torna o lema da Mostra, que a cada ano ganha importância nos circuitos de festivais internacionais, na imprensa e, mais importante, com o público.

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Renata e Leon se conheceram em Nova York por meio de amigos em comum. Formada em rádio e TV pela FAAP e então estudante de cinema nos EUA, ela encontrou em Cakoff um parceiro para uma vida dedicada ao cinema. Sua primeira participação efetiva foi como produtora na 13ª edição, em 1989. O envolvimento pessoal e profissional com a Mostra a levou a rodar os festivais pelo mundo e a conhecer os mais importantes cineastas em atividade: Manoel de Oliveira, Wim Wenders, Akira Kurosawa – além de testemunhar o nascimento artístico de outros. Foi assim com Tarantino, que trouxe à edição de 1992 seu “Cães de Aluguel” e, como cinéfilo, enlouqueceu com a programação do evento e os arquivos do festival. Em São Paulo, Tarantino conheceua atriz portuguesa Maria de Medeiros, com quem trabalharia em “Pulp Fiction” pouco tempo depois. Maria se tornaria uma grande amiga de Renata de Almeida – no início da entrevista que fiz com ela, seu celular toca: é Maria, que está no Brasil, combinando de sair para jantar.

[olho]”Quando o Leon morreu, o pessoal falava: ‘mas quem você vai chamar?’”[/olho]

Selecionar os filmes para a Mostra, encontrar-se com cineastas – alguns avessos a exposição –, convencê-los a ir ao Brasil. Tudo isso era parte do trabalho da dupla. “Quando eu comecei, não mandavam nem VHS, então a gente viajava muito. Ia para Roterdã, emendava com Berlim, às vezes ia pra Hungria, tinha muito festival de cinema nacional. Em maio ia pra Cannes, às vezes pra Veneza. Naquela época, no começo dos anos 1990, as coisas eram mais lentas, era muito difícil conseguir um filme do Festival de Veneza”, lembra. Hoje em dia, o status mudou. Um filme concorrido, como o vencedor do prêmio do júri de Veneza, “Animais Noturnos”, de Tom Ford, pode ser exibido na coletiva de imprensa de lançamento da Mostra e está na programação do festival.

O casal teve dois filhos: Jonas, hoje com 18 anos, e Tiago, 14. O mais velho está no primeiro ano de cinema na FAAP e, segundo a mãe, vibra a cada filme confirmado para a Mostra. Por enquanto ela não acha uma boa ideia que ele trabalhe no festival. Prefere que trilhe o próprio caminho dentro do cinema. “E eu sou muito exigente, coitado de quem trabalha comigo”, diz. Cakoff tem outros dois filhos mais velhos, Laura e Pedro. O câncer de Cakoff, que havia aparecido pela primeira vez oito anos antes, exigiu muito do último ano de vida dele. Sua ausência, porém, teve o efeito de fortalecer em Renata os cuidados à frente da Mostra. “Quando o Leon morreu, o pessoal falava: ‘mas quem você vai chamar?’, me davam conselhos e eu: ‘não, sou eu mesmo, vou continuar fazendo o que eu sempre fiz. Vai ser mais duro porque era dividido, agora vai ser dividido com outras pessoas’”, lembra.

Para ela, era muito estranho ter de lidar com esse tipo de comentário. “Nunca me passou pela cabeça que eu seria incapaz de fazer, que eu precisava chamar outro homem. Isso nunca me passou pela cabeça, mas passou pela cabeça das pessoas. Curioso isso”, observa. Muito dessa postura se deve, segundo Renata, aos exemplos que ela teve em casa. A mãe é psicanalista e o pai é oftalmologista, que se conheceram na faculdade de medicina. Ambos trabalham até hoje. Renata é a filha do meio de três irmãs: a mais velha também é médica e a caçula é empresária. “Nunca na minha vida eu achei que não pudesse fazer algo por ser mulher. Porque eu tive uma mãe que saiu de Santos pra fazer medicina, se formou e teve uma relação de igualdade na minha casa”, lembra.

A identificação natural com o feminismo nunca a motivou, entretanto, a criar uma programação especial de mulheres na Mostra – do mesmo modo que o evento nunca dedicou sessões específicas a minorias. “Na Mostra não tem uma sessão gay ou de filme de mulheres, é uma opção nossa. Se tem um filme com personagens gays e uma visão sobre essa questão, eu quero que um homofóbico veja esse filme. Se tem um filme dirigido por mulher, com questões sobre mulher, é melhor um machista ver, ou uma mulher que não está ligada em questões de feminismo, que acha esse assunto chato, ver”, diz. “Quando você tenta etiquetar uma obra, por num escaninho, você corre o risco de pregar para convertidos. Eu defendo a reflexão.”

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O cartaz da Mostra deste ano, criado pelo cineasta italiano Marco Bellocchio (e que ilustra esta reportagem), dá indícios das escolhas da atual edição. O diretor se inspira em seu filme “Bom dia, Noite”, que conta a história do sequestro do ex-primeiro ministro italiano Aldo Moro pelas Brigadas Vermelhas. No centro do desenho, está um observador em meio a mãos em protesto, freiras em oração e uma reunião papal. Bellocchio será homenageado na Mostra, assim como o diretor polonês Andrzej Wajda, morto há poucos dias. Os dois são autores de filmografias fortemente políticas, que serão exibidas no evento.

[olho]”Se tem um filme com personagens gays e uma visão sobre essa questão, eu quero que um homofóbico veja esse filme”[/olho]

Mesmo em meio a uma programação tão extensa, a opção pela reflexão política se destaca. “A gente passou os dois últimos anos gritando muito e refletindo pouco, mesmo por conta dessa cultura da internet de dar uma resposta muito rápida, ter opinião para tudo”, diz Renata. “Foram dois anos de muitas certezas sobre tudo, parece um pouco religioso, dogmático. Ótimo as pessoas se manifestarem, mas é preciso escutar, é preciso refletir. A gente só pode se desobrigar de pensar quando existe o dogma, coisas que você acredita sem pensar, e isso só cabe dentro da religião. No resto da vida a gente tem de refletir sobre as coisas.”

Para Renata, o cinema tem esse poder raro de fazer o espectador sentar-se calado por duas horas, apenas vendo, ouvindo e refletindo. “Para mim, que falo muito, o cinema é um bom treino para ficar quieta e ouvindo”, ri. Pergunto o que ela acha da polêmica envolvendo o filme “Aquarius”: o protesto do elenco brasileiro no Festival de Cannes, a repercussão sobre o fato de não ter sido escolhido como representante do Brasil para o Oscar de Melhor Filme Estrangeiro, supostamente por motivos políticos. Seria uma indicação de que o cinema poderia novamente pautar a discussão política no País? A resposta dela tem um tom cauteloso.

“Houve uma opção de pegar uma obra de arte por uma causa que se queria defender. Quando você decide fazer isso, você está defendendo sua causa, atingiu os objetivos que o Kleber (Mendonça Filho, diretor do filme) queria, mas você empobrece a obra”, diz. “Numa obra você tem o que o diretor quis dizer e tem o inconsciente do diretor, às vezes coisas que ele nem sabia, porque ele está ali como uma pessoa integral. Se você dá uma cartilha de como seu filme deve ser lido… ‘Aquarius’ é tão rico, tem tantas questões… fizeram essa opção, e foi o que aconteceu, mas ao mesmo tempo eu acho uma pena.”

[olho]”Ótimo as pessoas se manifestarem, mas é preciso escutar, é preciso refletir”[/olho]

À frente da Mostra, Renata precisa ser diplomática, trabalhar com as três esferas de governo e com a alternância de comando das gestões. Ela gosta de política, gosta de ler política nos jornais e lembra que a Mostra é “superpolítica”, mas só sobreviveu até hoje porque é apartidária. “Eu voto, tenho minhas crenças, mas não declaro meu voto. Se eu declarar meu voto, estarei fazendo isso em nome da Mostra. O dia em que a Mostra assumir um partido ela acaba. Acaba.”

Pesquisas internas da Mostra entre os espectadores revelam que de 10% a 20% do público do evento se renova a cada edição. E a quantidade de espectadores aumenta, mesmo com todas as opções fora da tela do cinema: TV a cabo, Netflix, torrents etc. Para Renata, a Mostra é um momento de encontro. São comuns as histórias de “amigos de Mostra”, que combinam de se encontrar durante o evento e que tiram férias para aproveitar a maratona cinematográfica, emendando um filme no outro. Certa ocasião, um casal chegou a apresentar a ela e a Cakoff duas filhas que nasceram de um casamento originado em uma fila da Mostra. Nas filas e nos bares da região da avenida Paulista, a Mostra é um assunto agregador. “São Paulo é uma cidade onde o medo é valorizado. E o paulistano é um pouco tímido no trato social, é difícil falar com quem não conhece. E a Mostra é uma oportunidade de se sentir parte de um grupo, as pessoas fazem amizade na fila, se conversam”, arrisca Renata.

Se por um lado a era da informação torna disponível qualquer filme em qualquer aparelho, legal ou ilegalmente, por outro é muito fácil perder-se em meio a tantas opções. Basta lembrar que um festival de cinema que começou há 40 anos exibindo 16 longas hoje precisa selecionar 300 entre 1,4 mil filmes que chegam via internet. “Quando a Mostra começou, durante a ditadura, você vivia num deserto de informação”, observa Renata. “A Mostra era uma gota no deserto, começou numa sala só no Masp e era um sucesso. Hoje a gente vive num oceano de informação, a gente é bombardeado com informação, e é uma era de informação fragmentada: a informação que a gente vê, a gente vê um pouco; estudos que a gente lê, a gente lê um pouco, a pessoa faz a seleção do parágrafo que lhe convém e que comprova a sua teoria. É tanta informação que as pessoas ficam perdidas nesse oceano. Acho que a Mostra, sem arrogância nenhuma, é como um amigo que chega e fala: ‘Olha, vi esse filme e é bem bacana. Você não quer assistir?’”

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Restaurando ‘Star Wars’

Seis anos atrás, Petr “Harmy” Harmáček assistiu a uma reconstrução da versão original de “O Império Contra-Ataca”, feita por um fã, sem as alterações que George Lucas fez em seus filmes ao longo dos anos. Harmy pediu ao criador que lançasse uma versão do vídeo numa resolução melhor, em alta definição. “E ele me disse: ‘Se você quer tanto, por que não faz você mesmo?’”, conta ele. Sem experiência alguma com edição de vídeo, Harmy resolveu tentar mesmo assim. A primeira vez que tinha assistido a “Star Wars” foi aos cinco anos, e durante a infância teve batalhas de sabre de luz épicas com os amigos. “Eu tinha a cópia de uma cópia de um VHS velho da versão original de ‘Star Wars’, que vi tanto quando criança que gastou. Nos casos de ‘O Império Contra-Ataca’ e ‘O Retorno de Jedi’, vi as versões especiais antes e tive muita dificuldade para achar as originais em VHS aqui na República Tcheca”, diz.

Para quem não é particularmente fã da obra de George Lucas, o parágrafo acima talvez não faça muito sentido. Uma explicação, nas palavras de Harmy. “Em 1997, a chamada Edição Especial de ‘Star Wars’ foi lançada, com muitas alterações de áudio e vídeo, e todo o mundo achou que seria só uma versão alternativa divertida. Mas George Lucas disse: ‘Essa é minha visão original. Era isso que eu queria e agora será a única versão disponível’. Mas em 2004 saiu um DVD com mais alterações. Então onde estava a ‘visão original’ de 1997? E então, em 2011, o Blu-ray saiu com mais mudanças e até hoje a versão original não foi lançada numa qualidade decente.” Para quem não viu “Star Wars” quando os filmes foram lançados no cinema, ver as versões originais ficou muito difícil. Por vias oficiais, impossível.

O problema, para Harmy e muitos fãs de “Star Wars”, não é a existência de várias versões. Muitos filmes têm versões diferentes, cortes do diretor. “O problema real é a supressão intencional da versão original, historicamente importante e que ganhou sete estatuetas do Oscar — e que teve boa parte de seus aspectos que o fizeram levar tantos prêmios alterados depois”, afirma. Harmy conta que viu palestras em que os técnicos de efeitos especiais falavam sobre as técnicas utilizadas, os modelos de naves espaciais, o trabalho de câmera e os efeitos de óptica, enquanto uma tela atrás mostrava os efeitos computadorizados de 1997. “Isso é simplesmente errado.”

Com apenas uma experiência limitada com Photoshop no currículo, Harmy resolveu tentar fazer sua versão mesmo assim, assistindo a tutoriais na internet para fazer as coisas que precisava. Lançou, ao final, a versão “anti-especial”, chamada de “Partly Despecialized Edition”, da trilogia original de George Lucas. “Chamei assim porque peguei as Edições Especiais e tirei só as piores alterações”, lembra. Quando lançou a primeira versão, tinha aprendido tanto sobre edição de vídeo que quis recomeçar o processo, porque achava que já conseguiria fazer algo melhor. “Consegui remover a maioria das mudanças. Então tirei o ‘Partly’ do título e virou só ‘Despecialized Edition’.”

Antes de pensar em editar “Star Wars”, Harmy era fascinado por efeitos especiais, principalmente sobre como eles eram feitos antes dos computadores. “Eu só tinha as edições especiais de ‘Star Wars’ em VHS e queria muito ver os efeitos originais. Então fui atrás das versões originais ainda quando criança. Quando comecei a faculdade, em 2008, descobri o HD e achei as versões em HDTV da edição em DVD de 2004 na internet. De repente, ver ‘Star Wars’ na qualidade do laserdisc não bastava. Como eu queria ver o original, comecei a procurar uma versão em HD disso”, conta. Fãs antes dele já haviam tentado chegar às versões originais de “Star Wars”. “Mas acho que fui o primeiro a fazer isso em alta definição.”

Foi um processo trabalhoso. Como base, ele utilizou as versões da edição especial em Blu-ray, com imagens em alta definição. Para tirar as partes alteradas por George Lucas, utilizou “as melhores fontes com qualidade” que encontrou. “Quando dava, não trocava a cena inteira, porque os materiais disponíveis sem alterações têm qualidade tão ruim que você não pode colocar num vídeo em HD sem ficar muito esquisito. Então quando as alterações eram pequenas, eu trocava só um pedaço pequeno da imagem por aquilo que tirei de uma fonte de menor qualidade.” Para isso, utilizou imagens da versão original gravadas por fãs de exibições antigas na televisão, que algumas pessoas do site originaltrilogy.com lhe forneceram.

Para versões mais recentes — o trabalho continua –, contou com a ajuda de entusiastas de “Star Wars”, que compraram rolos de filme original no eBay e os escanearam em equipamentos caseiros — as imagens foram depois tratadas por Harmy. “Alguns desses rolos estavam com uma coloração rosada, então tive que restaurar as cores originais.” Há outros projetos de fãs que buscam a versão perfeita de “Star Wars” tal qual a vista nos cinemas, como a Silver Screen Edition, que restaurou uma versão em película de 35mm comprada na Espanha, e Harmy acompanha as novidades. “Essa versão tem alguns problemas, mas é brilhante pelo que é — uma restauração de 35mm”, diz. Ele cita o projeto “Revisited” do fã Adywan, que já lançou uma versão de “Uma Nova Esperança” com novos efeitos, mudanças no som, correções de cor e centenas de pequenas alterações — Adywan se incomodava, por exemplo, com o fato de que os famosos letreiros no início dos filmes passavam pela tela em velocidades diferentes e, em uma cena, tirou um fio do pescoço de C-3PO. “Estou muito ansioso pra versão dele de ‘O Império Contra-Ataca’, que é basicamente uma Edição Especial feita direito.”

Até agora, a Lucasfilm está “graciosamente tolerando a pequena comunidade” de fãs de “Star Wars” e Harmy nunca teve nenhum problema legal por disponibilizar na internet uma versão dos filmes de George Lucas. “É uma área legal cinzenta”, diz ele. De qualquer forma, ele pede no site para que só faça o download quem tiver uma versão oficial do filme — um DVD, um Blu-ray. “Claro que não tem um jeito de impor essa regra, mas tenho a convicção de que 99% das pessoas que fazem o download tenham uma versão oficial, então o estúdio não está perdendo dinheiro”, afirma. Segundo ele, a maior parte das pessoas que baixa “Star Wars” na internet faz o download da versão oficial do Blu-ray, e que as versões de fãs representam perto de 5% de total de downloads. As restaurações de fãs, aliás, ajudam o estúdio, ele opina. “Ajudam a base descontente de fãs a ficar razoavelmente contente e disposta a comprar mais produtos de ‘Star Wars’.”

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A grande expectativa e ‘O Pequeno Segredo’

“O Pequeno Segredo”, filme escolhido pelo Brasil para disputar uma indicação ao Oscar de filme estrangeiro em 2017, é inspirado no livro homônimo escrito por Heloisa Schurmann. A obra é dirigida pelo seu filho, David Schurmann. O roteiro retrata, mais uma vez, os Schurmann e sua principal temática é, adivinhe, as relações familiares. Não surpreende que o resultado seja uma pieguice sem fim, tão estimulante quanto uma piada do pavê no almoço de domingo.

O problema nem é tanto o fato de as personagens enfrentarem conflitos já manjados no cinema, mas sim a forma como são apresentados. A garotinha púbere que não se encaixa entre os amigos, a mãe que se preocupa com o bem-estar ameaçado de sua filha, o casal vindo de mundos diferentes que luta pelo amor… É possível retratar angústias comuns de maneiras interessantes. O cinema também serve para isso. Não é um feito que Schurmann consiga.

O roteiro não ajuda por carecer de profundidade ou qualquer graça que fizesse a produção parecer menos monótona. É comum adivinhar o fim da piada antes mesmo de os atores terminarem a fala, ou já saber exatamente as próximas palavras de um diálogo. A obviedade e os clichês tornam difícil não levar a mão à testa em constrangimento. Falta realidade ao filme. Deficiência no mínimo paradoxal, já que estamos falando de uma trama baseada em fatos reais.

Material não faltaria. Enquanto vivência, a história é inegavelmente bonita e emocionante. Aliás, se o filme tem alguma chance de levar a estatueta, é por essa razão. Em meio a um mar de sentimentalismo barato, as cenas que realmente emocionam falam da AIDS e da aceitação do fim que o soropositivo tem de enfrentar. Há tato na maneira com que a doença é retratada. Isso é facilitado pelo elenco talentoso, bem escolhido e fiel aos papéis, encabeçado por Julia Lemmertz. Uma pena artistas de tanta destreza terem de trabalhar com personagens tão mal construídos.

O tempo em que os acontecimentos sucedem não segue linearidade, mas o vaivém é tanto que fica desnecessário e pouco demarcado. O recurso dá vez a furos no roteiro. Em uma cena, por exemplo, a brasileira Jeanne (Maria Flor) e o neozelandês Robert (Erroll Shand) nem se conhecem. Na cena seguinte, o rapaz a persegue por uma rua, ela o confronta, ele pede desculpas e… Pronto, já estão perdidamente apaixonados depois de trocarem literalmente duas frases. É um erro narrativo que pode facilmente ser confundido com o estereótipo da “morena que fisga o gringo”. Perigoso, ainda mais em um filme que faz questão de evidenciar este preconceito entre “civilizados” e “selvagens”. A própria Fionnula Flanagan é colocada para interpretar uma caricatura forçada da estrangeira preconceituosa, que fala em “tribos brasileiras” e “morar na floresta”.

A fotografia lembra papéis de fundo em vídeo de karaokês e aquelas fotos que vêm dentro de porta-retratos novos. Não é esteticamente feio, mas é cafona. Para se ter noção, a primeira cena abre com uma borboleta amarela sobrevoando o oceano. O figurino de Julia Lemmertz frequentemente apresenta estampas ou acessórios com desenhos de aves voando — a vida ao mar, sem amarras, livre como um pássaro.

Dentro da polêmica sobre a indicação à Academia, tudo o que falta de realidade em “O Pequeno Segredo” está presente em “Aquarius”. São filmes com fins diferentes e compará-los soa desastrado. No entanto, analisados em sua singularidade, “Aquarius” tem um enredo instigante, de takes mais originais. Um filme sobretudo inteligente porque esse é seu propósito em uma época marcada por turbulências políticas, embates sociais e crise econômica. A Clara de Sônia Braga tem mais força e vigor que vários personagens de David Schurmann reunidos. Até quando aborda a família, Kleber Mendonça Filho consegue uma perspectiva mais genuína, como na cena da briga entre mãe e filha, na figura da matriarca, nos trabalhadores que são estranhamente agregados como quase-parentes em nossa cultura.

“O Pequeno Segredo”, por sua vez, pode até atrair grandes públicos e fugir da temida categoria de “filme de arte”, mas não tem a autenticidade de tantas outras produções nacionais. Nem em sua missão de querer insistentemente fazer chorar ele é bem sucedido. Quem sabe daqui 20 anos a obra não vira um clássico das tardes televisivas no Brasil.

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Um faroeste arroz com feijão

Como premissa, “Sete Homens e um Destino” não é dos filmes mais originais. Não só pelo fato de ser um remake de um faroeste de 1960 (o pôster acima é dele), que por sua vez é uma releitura de um filme de 1954 de Akira Kurosawa — seria difícil esperar algo de incrivelmente novo num caso desses, embora a esperança seja a última que morre. É um filme todo convencional, da premissa à estrutura, não há nada que surpreenda realmente. Mas nem todo filme precisa inventar a roda e o faroeste de Antoine Fuqua, que estreia na quinta (22), faz aquilo que se propõe a fazer. Nem mais, nem menos do que o estritamente necessário.

Logo na primeira cena somos apresentados ao vilão e à mocinha, que depois terão pouco impacto na história, mas que colocam a trama toda para funcionar. Ele é Bartholomew Bogue (Peter Sarsgaard), um homem rico e poderoso que só falta torcer a ponta do bigode para ser um estereótipo. Ela é Emma Cullen (Haley Bennett), moradora de uma cidadezinha americana que é alvo de Bogue — ele quer que todo o mundo saia dali e dá aos moradores as alternativas de Pablo Escobar: prata (20 dólares para quem quiser vender suas terras para ele) ou chumbo (quem se recusar a sair por esse dinheiro sairá morto).

Emma é uma personagem corajosa, mas “Sete Homens e um Destino”, como o título avisa, não é uma história revolucionária em que uma mulher do velho oeste americano resolve seus problemas com as próprias mãos. Com todo o dinheiro que consegue juntar, ela contrata o caçador de recompensas Sam Chisolm (Denzel Washington) para proteger a cidade e não deixar os vilões, que voltarão em algumas semanas, cumprirem a promessa. Chisolm é bom com armas, mas incapaz de cumprir a missão sozinho, e para isso recruta outros seis golpistas/criminosos/mercenários para se juntar a ele na missão suicida.

É um grupo heterogêneo: Faraday (Chris Pratt) é o malandro que faz piadas, Goodnight Robicheaux (Ethan Hawke) é uma lenda da Guerra Civil traumatizada pelo passado, Billy Rocks (Byung-hun Lee) é seu escudeiro asiático, hábil com facas, Vasquez (Manuel Garcia-Rulfo) é um mexicano procurado pela polícia, Jack Horne (Vincent D’Onofrio) é um religioso bom em perseguições, e Red Harvest (Martin Sensmeier) é um índio solitário — os protagonistas de verdade são Washington, Pratt e, em menor grau, Hawke. Apesar da intenção de Fuqua de ter um elenco diverso, sabemos pouco sobre os personagens que não são homens brancos — quando você precisa apelar ao IMDb para lembrar do nome de um personagem, é um mau sinal.

Em resumo, é o “Esquadrão Suicida” do Velho Oeste. Mas um Esquadrão Suicida mais consistente, sem buracos na história: dá para entender por que boa parte daqueles mercenários resolveu aceitar uma missão tão perigosa, seu objetivo faz sentido e há uma sensação bem mais forte de perigo em “Sete Homens e um Destino”, com os capangas de Bogue armados até os dentes, do que no filme de super-heróis, em que os vilões são quase onipotentes. A história é bem simples e se desenrola da maneira que se espera — os tais sete magníficos transformam a cidadezinha numa espécie de casa do Kevin em “Esqueceram de Mim”, cheia de armadilhas, e recebem os vilões numa grande batalha que entretém quem gosta de cenas de ação.

“Sete Homens e um Destino” pode não ter os defeitos de um “Esquadrão Suicida”, mas é um filme arroz com feijão, do qual é pouco provável que alguém se lembre no mês seguinte. Falta a ele algo a mais. O vilão é simples, pouco memorável; tem personagens com histórias interessantes, mas não exploradas, como Red Harvest e Billy (por que o primeiro anda sozinho, estilo lobo solitário? Como o segundo foi parar no velho oeste americano?) e apesar de as cenas de ação serem bem feitas, falta um pouco de diversão. Chris Pratt até tenta, colocando em seu personagem aquele seu jeito clássico de adolescente engraçadão, mas parece deslocado ali no meio. Em tempos de blockbusters mais ou menos, cheios de histórias que não fazem sentido, “Sete Homens e um Destino” não decepciona. Mas só isso não deveria ser motivo para comemorar. Nem todo filme precisa ser revolucionário, mas ser só corretinho é se contentar com pouco.

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O estupro segundo ‘O Silêncio do Céu’

Com o celular desligado na bolsa, é impossível precisar quanto tempo dura a primeira cena de “O Silêncio do Céu”, escolhido como o melhor filme do Festival de Gramado pelo júri da crítica e vencedor do prêmio especial do júri neste mês. Mas a sensação é de que, logo na abertura, Diana, personagem de Carolina Dieckmann, é estuprada por uma eternidade. Não há nenhum tipo de introdução. Se há trilha sonora, não se ouve. O filme de Marco Dutra, que estreia na próxima quinta, dia 22, começa com Diana imobilizada por dois homens, que se alternam na hora de estuprá-la, enquanto uma faca é apertada contra seu pescoço. Ela grita e chora enquanto a câmera fica bem perto de seu rosto, alternando entre mostrar sua reação e aquilo que ela está vendo. A sensação de assistir àquilo é horrível.

Como o espectador, seu marido, Mario (Leonardo Sbaraglia, de “Relatos Selvagens”), também vê a cena, como aprendemos logo na sequência. Novamente o público é obrigado a assistir a Diana sendo estuprada, dessa vez do lado de fora do quarto, acompanhando o ponto de vista de Mario, que chegou em casa mais cedo e, ao ver a cena, não faz nada para interromper. “Pra mim, a questão do ponto de vista era essencial. Por isso eu tratei a primeira cena com duas formas de encenação”, disse Marco Dutra a jornalistas depois da exibição do filme. “Isso teria que contaminar o filme todo, essas variações de ponto de vista. Pra incomunicabilidade dos dois pontos de vista ficar palpável, ficar forte”, continua. “Os dois estão vivendo uma situação de trauma, mas não é o mesmo trauma, apesar de ser o mesmo evento. A consequência não é a mesma pros dois personagens e era muito importante ter acesso a ambos. Por isso era importante cada um ter seu espaço, seu momento, e pegar as rédeas de seu ponto de vista.”

Depois que Diana é estuprada, ela toma um banho, prepara o jantar, e não conta a Mario o que aconteceu durante o dia. Ele também não conta a ela que viu o que aconteceu, e tenta arrancar dela uma confissão ao mesmo tempo em que vai atrás dos culpados. Apesar de o diretor afirmar que era uma preocupação retratar o ponto de vista dos dois, é mais uma história sobre como o estupro afeta Mario do que sobre as consequências para a Diana, um defeito comum em produções em que há violência contra a mulher, muitas vezes um acontecimento para dar o pontapé na história de um homem. “O Silêncio do Céu” começa e termina com a perspectiva de Diana, mas o verdadeiro narrador da trama é Mario, um homem cheio de medos e fobias tentando enterrar o que aconteceu e salvar o relacionamento, que já andava em crise. Até os 45 do segundo tempo só vemos Diana sob seu olhar — sempre de longe, no chuveiro, pela janela da loja onde trabalha. No terceiro ato, lá para o final do filme, ela assume a narração.

Segundo o produtor, Rodrigo Teixeira, o estupro é um assunto que “tem que ser discutido, todo o mundo é contra a violência doméstica”. Mas o que o atraiu no projeto foi a questão do silêncio entre o casal e a reação de Mario vendo a mulher sendo violada por dois homens e não fazendo nada. “Aquilo era uma premissa, independente da violência da cena, que eu não tinha visto em nenhum lugar. É tão forte que a gente tem um agente de vendas que comercializou o filme fora que fala pra mim que se esse filme feito em língua inglesa, ele teria um impacto muito grande”, afirma. Quando o filme foi feito, as conversas no Brasil sobre violência contra a mulher estavam bem mais fortes, e aí os produtores perceberam que o filme geraria ainda mais discussão por isso. “Não gosto de me aprofundar muito pra não entrar num lado político da história, mas eu sou contra a atitude feita pelo personagem da Carolina. Acho que foi extremamente bem retratado no roteiro, pelo diretor, pelos dois atores. Foi um mega desafio pra Carolina, que se entregou pra fazer essa cena.”

Carolina Dieckmann em 'O Silêncio do Céu'. Crédito: Pedro Luque/Divulgação
Carolina Dieckmann em ‘O Silêncio do Céu’. Crédito: Pedro Luque/Divulgação

O SILÊNCIO

Sbaraglia conta que retratar o porquê de Mario não ter entrado no quarto quando vê Diana sendo violentada foi uma de suas maiores dificuldades. No livro “Era el Cielo”, de Sergio Bizzio, no qual o filme é baseado, está explicado que Mario tem tantas fobias que não conseguia reagir. “No romance está muito bem descrito. Contar isso no cinema, através de imagens, é muito difícil. Isso foi o mais complicado, que me preocupava. Ele queria se meter, mas não podia, afirma. Também foi complicado entender por que Mario não conversou abertamente com Diana sobre o que aconteceu. “Creio que o filme fala disso, como esse drama, essa tragédia que vivem esses personagens, é uma metáfora desse silêncio que termina sepultando uma relação. Terminei encontrando o personagem por aí, tratando de entender isso que não podia ser dito”, diz. “Encontrei o personagem de momento em momento, cena em cena. É um personagem de detalhe. Foi um trabalho muito bonito.”

Sobre filmar a cena do estupro, Carolina diz que quando vê que terá uma cena forte, a primeira coisa que sente é alegria. “Adoro uma cena difícil pra fazer, adoro um desafio.” Só queria fazê-la mais para o fim das filmagens, para se sentir confortável com a equipe — o filme foi gravado no Uruguai e é praticamente todo falado em espanhol. “[Eu queria] que eu tivesse com eles um pouco mais de intimidade pra lidar com aquilo, porque sei que é uma cena difícil, que é um desafio, que apesar de eu ser a única pelada tá todo o mundo um pouco exposto”, conta. Seu desejo não se realizou e ela gravou a cena na primeira semana de filmagem, mas diz que todos foram muito delicados com ela. “Emocionalmente a gente se conectou.”

Quando Carolina entrou no projeto, a ideia era que o filme fosse gravado no Brasil — o personagem de Sbaraglia seria um estrangeiro morando aqui. Por questões de produção a história migrou para o Uruguai e Carolina se tornou a estrangeira da produção, falando em espanhol a maior parte do tempo. “Foi um trabalho muito duro pra mim, porque eu sou uma atriz muito natural. Eu gosto de ir ficando cada vez mais natural. E você ficar natural numa língua que você não conhece exige um trabalho de mesa muito duro mesmo. Eu tive que dissecar o texto e criar uma margem praquele texto pra chegar na filmagem e não me sentir amedrontada diante do texto. Precisei criar uma intimidade maior com o que estava sendo dito”, diz.

Ela não tem muito diálogo, é verdade. Sua personagem fala pouco durante praticamente todo o filme, mas Carolina consegue transmitir bastante mesmo em seu silêncio. Sbaraglia, que tem mais tempo em cena (além dos dois, há poucos personagens de destaque), também é bom e o clima de suspense e tensão dura o filme inteiro. A última cena, como a primeira, é bem silenciosa e a sala de cinema permaneceu assim por bastante tempo — enquanto os créditos passavam, quase todo o mundo presente na sessão ficou sentado em silêncio, sem levantar ou dizer nada.

Mas mesmo que Marco Dutra reconheça que os protagonistas tiveram traumas diferentes após o estupro de Diana e que era importante ter o ponto de vista dos dois, quando o filme finalmente apresenta o lado dela é muito pouco e muito tarde. A situação foi difícil para Mario, mas foi muito mais para Diana, e no fim das contas saímos sem saber muito sobre sua experiência, não importa quão expressivo seja o olhar de Carolina Dieckmann — o silêncio dele é tratado no filme como mais importante que o silêncio dela, mais significativo. Teria sido melhor se fosse realmente uma história sobre o casal, e não só outro filme sobre um homem em crise.

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A era polêmica de ‘Aquarius’

No momento em que a presidente afastada Dilma Rousseff apresentava sua defesa ao Senado, o diretor Kleber Mendonça Filho, de “O Som ao Redor”, apresentava seu filme “Aquarius” à imprensa. Desde o dia 17 de maio, quando a equipe do filme levantou placas que diziam, entre outras coisas, “o Brasil está passando por um golpe de Estado” no Festival de Cannes, a história do filme se interligou com o impeachment. As polêmicas em torno do filme, intensificadas na última semana, culminaram numa acusação de censura prévia a “Aquarius”, que recebeu uma classificação indicativa de 18 anos.

Um pequeno resumo do entrevero: cerca de duas semanas atrás o jornalista Marcos Petruccelli anunciou em redes sociais que havia sido convidado pelo secretário do Audiovisual do governo interino de Michel Temer, Alfredo Bertini, para fazer parte da comissão que vai escolher o representante brasileiro para a disputa do Oscar. Petruccelli, porém, sem ter visto “Aquarius” já havia tecido críticas ao filme e ao diretor nas redes sociais.

“O posicionamento estridente do senhor Petruccelli em relação a esse filme parece ter como base a sua insatisfação pessoal com o protesto democrático e que terminou sendo divulgado em mídia mundial, realizado por dezenas de trabalhadores do audiovisual brasileiro e pela equipe de ‘Aquarius’ no Festival de Cannes (…) Foi naquele momento do mês de maio que, vale lembrar, o MinC passou alguns dias extinto –decisão do governo interino que, depois, voltou atrás, ressuscitando a pasta”, escreveu Mendonça Filho no jornal Folha de S.Paulo sobre a escolha do jornalista.

Depois disso, outros membros da comissão, como Ingra Lyberato e Guilherme Fiúza Zenha, desligaram-se dela e cineastas como Anna Muylaert, Aly Muritiba e Gabriel Mascaro retiraram seus filmes (respectivamente “Mãe Só Há Uma”, “Para Minha Amada Morta” e “Boi Neon”) da disputa por uma indicação ao Oscar. No dia 12, também foi determinada pelo Ministério da Justiça que a classificação de “Aquarius”, que estreia na próxima quinta, seria de 18 anos, por conter cenas de sexo explícito e drogas. A distribuidora do filme, Vitrine, recorreu da decisão, mas teve o pedido negado. Pelo Facebook, Mendonça Filho compartilhou publicação que dizia: “Esperar completar 18 anos para assistir ao filme Aquarius é muito fácil. Difícil é ter que esperar 16 anos para tentar vencer uma eleição nas urnas”.

Não à toa, a primeira resposta do diretor na coletiva de imprensa realizada num hotel em São Paulo, pouco depois de o filme ter sido exibido a jornalistas, relembrou Cannes. Falando sobre a imprensa, Mendonça Filho disse que algumas mentiras já foram contadas sobre seu filme. “O jornalismo pode existir num blog, num site, por menor que esse blog ou site seja, ou pode estar na grande mídia. Ele pode estar, inclusive, numa rede social, que tem informação compartilhável que começa a circular um pouco como um vírus e passa a ser informação. Eu diria que a [mentira] que mais me chamou a atenção foi a acusação de que fomos a Cannes pagos pelo governo”, disse. “Estávamos de férias. No chute, cada um de nós, numa equipe de 30 pessoas, estaria recebendo cerca de 500 euros por dia. É uma das coisas mais estapafúrdias, absurdas e nojentas que poderiam escrever. Isso virou assunto, e bizarramente virou informação, por mais equivocada que seja.”

“Aquarius”, que estreou em Cannes, onde participou da competição oficial, conta a história de Clara (Sonia Braga), última moradora do edifício Aquarius, em Boa Viagem, em Recife. Todos os outros apartamentos foram comprados por uma construtora, representada pelo herdeiro Diego (Humberto Carrão), que acaba de voltar dos Estados Unidos e tem como primeiro projeto demolir o velho Aquarius para construir um prédio novo. Clara, porém, não quer nem ouvir a proposta de compra, causando um problema para a construtora e as famílias que já saíram de lá. Ela não precisa ficar, mas quer ficar, lutando sozinha contra a especulação imobiliária.

“Quando recebi esse roteiro do Kleber fiquei muito impressionada, porque realmente foi o melhor roteiro que recebi na vida. Imediatamente se juntou com a minha alma, com meu corpo. Na realidade, ele me deu uma voz novamente. Todas as palavras que estavam naquele roteiro eram uma voz pra cidadã Sonia Braga. Eu estava precisando dessas palavras, desse posicionamento, que eu já estava tendo como cidadã, mas sem plataforma”, disse ela.

Sonia é o centro do filme: a câmera não desgruda enquanto ela nada no mar, passeia com o neto, vai para a balada com as amigas, transa. Os outros personagens apenas giram em torno de Clara: os filhos aparecem para discutir a venda do apartamento numa conversa tensa, o salva-vidas da praia aparece como ombro amigo, o grupo de amigas está ali para tentar estimulá-la a aproveitar a vida.

É um filme completamente de Sonia, um papel raro para uma mulher de 65 anos de idade, ressalta a atriz, hoje com 66. “Acho que a mídia ainda trata as mulheres como nos anos 1940. Nos anos 1940 uma mulher de 60 anos era uma velhinha”, diz. “Mas as coisas mudaram muito, o mundo mudou muito, o ser humano se desenvolveu. Dentro da sociedade a mulher tomou uma posição mais forte, mais presente. A indústria não acompanhou muito isso.” Maeve Jinkings, que interpreta a filha de Clara, completa: “Historicamente, o cinema é predominantemente um ambiente feito pro olhar — não só feito por — masculino, hétero, obcecado pela juventude e pela mulher objetificada. Hoje a gente está num tempo em que as mulheres, como outras minorias, estão chamando a atenção para sua representatividade”.

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Humberto Carrão, Zoraide Coleto e Sonia Braga. Crédito: Victor Juca/Divulgação
Humberto Carrão, Zoraide Coleto e Sonia Braga. Crédito: Victor Juca/Divulgação

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É um filme crítico, atual, que tem uma temática recorrente do cinema de Mendonça Filho. “Dá muito trabalho fazer um filme em que você esterilize o Brasil ou os problemas de viver em sociedade. Filmes, que a gente vê, eles existem, parece que a casa das pessoas é um mostruário da Tok & Stok”, diz o cineasta. “Não consigo pensar que daqui pra frente vou mudar o discurso de alguma maneira. A tendência é piorar, porque se forem colocados obstáculos para a produção de filmes no Brasil…”

Humberto Carrão, dono do segundo maior papel de destaque, o do antagonista de Clara, é uma caricatura desse mercado. Recém-chegado dos Estados Unidos, onde fez um curso de “business”, pensa que vai convencer Clara a sair dali mudando o nome do novo prédio, em inglês, para Aquarius, como homenagem ao antigo edifício (Clara ressalta que o edifício, na verdade, ainda está de pé). Seu Diego representa a visão de que para que o progresso aconteça o velho deve ir abaixo, discussão também abordada na relação de Clara, jornalista e escritora, com os discos de vinil e o MP3: dá para gostar dos dois?

O filme propõe mais reflexões que respostas. Para Carrão, essa discussão sobre progresso versus destruição do passado é fundamental. “Eu venho de uma cidade em que isso acontece o tempo inteiro. Nas Olimpíadas, pessoas foram tiradas do morro da Providência pra passar um teleférico, que a organização disse que não queria. Oitocentas famílias foram retiradas. O problema é esse, quando em nome do progresso, entre muitas aspas, você ignora o espaço, o afeto, a memória. Isso continua acontecendo. Estelita, em Recife, a praça Onze, no Rio de Janeiro. É um discurso que tem que ser repensado.”

Sobre a classificação indicativa, o diretor diz que sabe o filme que fez. “Tinha em mente questões de tabu de imagem relacionada a sexo. ‘Aquarius’ não tem uma cena de violência física, sangue, facada, tiros. Tem três momentos de sexualidade que foram filmados corretamente, com a lente correta, na distância correta, costurados na narrativa. São imagens fortes da narrativa, mas não acredito que elas mereçam, no todo, uma classificação de 18 anos”, avalia.

Nenhuma das cenas de sexo é particularmente longa, mas há nudez frontal tanto de homens quanto mulheres — um pênis aparece ereto numa orgia, ainda que não em primeiro plano. Segundo um guia do Ministério da Justiça, filmes com classificação de 18 anos são aqueles com sexo explícito (“com reações realistas dos personagens participantes do ato sexual, com visualização dos órgãos sexuais”) ou com situações sexuais complexas (como incesto). Não é bem o caso de “Aquarius”, que não é um filme sobre sexo ou mesmo com muito sexo — e o diretor argumenta que um pênis ereto em segundo plano não transforma o filme em “Ninfomaníaca”.

“Se você pega uma safra recente de cinema brasileiro, ‘Boi Neon’, ‘Para Minha Amada Morta’, ‘Bruna Surfistinha’, ‘Tatuagem’, são filmes que encaram a sexualidade de uma forma franca. Não acho que ‘Aquarius’ seja mais chocante. Não acho que mereça estar na mesma prateleira de ‘Ninfomaníaca’, ‘Love’ ou ‘Calígula'”, afirma.

Pênis à parte, “Aquarius” não era pra ser um filme do tipo que polariza. É a história de uma mulher e a história da luta contra um tipo de progresso, bem contada, mas não exatamente polêmica. Segundo o cineasta, sua maior surpresa no processo foi justamente descobrir que fez um filme controverso — mas que isso não é negativo. “Isso faz parte do cinema, às vezes filmes chegam com muita expectativa, às vezes pelos motivos errados. Conversa sobre censura, possíveis perseguições políticas e coisas assim. Mas a melhor parte disso é que toda vez que ele passa ele gera energia como filme. Pelo que percebi, o filme está muito quente e é bom a gente estar estreando logo, na quinta. É bom pro filme esse debate. E a melhor coisa é que as pessoas vão poder discutir tendo visto o filme”, reflete o diretor.

“Daqui pra frente ninguém sabe. Hoje é um dia histórico, decisivo na nossa história recente, e realmente não sei como ficarão as políticas de incentivo. Não sei. O que eu sei é que momentos de tensão no país geram reações artísticas. Imagino que a gente pode ter daqui pra frente, talvez, filmes mais combativos. É uma teoria.”

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Herói contra herói

Ainda estamos em agosto e quatro filmes com um monte de super-heróis lutando juntos (ou uns contra os outros) já deram o ar da graça nas salas de cinema. A série começou com “Capitão América: Guerra Civil”, que colocou dois grandes grupos de heróis em lados opostos: um lado a favor do controle de suas atividades pelos governos e outro contra. Depois, veio o “Batman vs Superman”, que começa como um embate entre os heróis (como o título já diz) para depois uni-los, ao lado da Mulher Maravilha, contra uma ameaça comum.

Pouco tempo depois, foi a vez de “X-Men – Apocalipse”. Bem, filmes dos X-Men sempre têm mais de um super-herói, né. Então nesse também tem briga: de um lado, os discípulos do professor Xavier e, do outro, o todo poderoso Apocalipse e seus quatro capangas, entre eles Magneto e Tempestade. Por último, estreou o aguardado “Esquadrão Suicida”, que variou um pouco o padrão ao transformar em heróis uma equipe de vilões.

E se botássemos todos esses filmes de heróis contra heróis uns contra os outros? Quem sairia ganhando e quem sairia perdendo? Bem, depende do critério…

(Este texto tem spoilers dos quatro filmes.)

Cara Delevingne, a Magia
Cara Delevingne, a Magia

Pior vilão: Magia (“Esquadrão Suicida”)

Lex Luthor pode ter tido um plano absurdo, mas pelo menos ele parou para fazer um plano — Apocalipse, de “X-Men”, e Magia, de “Esquadrão Suicida”, queriam apenas dominar o mundo, assim genericamente mesmo. Mas entre os dois a disputa é acirrada. Apocalipse parece um inimigo dos Power Rangers e tem péssima noção de prioridades: gastou um tempão melhorando o visual de seus quatro capangas e perseguindo o professor Xavier quando poderia ter pensado num plano melhor. Magia passa boa parte do filme rebolando num cenário apocalíptico, falando com uma voz de monstro e criando um portal no céu para destruir o mundo de alguma forma. Chato e clichê. Apocalipse tem um pouquinho mais o que fazer em seu filme e, por isso, é levemente melhor que Magia.

Melhor cena de luta: batalha do aeroporto (“Capitão América”)

Uma boa batalha é bem mais que muitos socos e bons efeitos especiais. Precisa de um propósito, de consequências, de emoção, de variedade, de cada um dando seu melhor. A batalha entre os times do Homem de Ferro e do Capitão América em “Guerra Civil” teve tudo isso. E mais: com humor, cortesia do Homem Formiga e do Homem-Aranha. O ponto alto de um filme muito bom.

Melhor novo personagem: Homem-Aranha (“Capitão América”)

Mais um ano que chega, mais um Homem-Aranha no cinema. Depois de Tobey Maguire e Andrew Garfield era compreensível que a nova encarnação do herói fosse encarada com ceticismo ou preguiça. Mas nos poucos minutos que fica em cena Tom Holland diverte mais que “Batman vs Superman”, “Esquadrão Suicida” e “X-Men” juntos.

Gal Gadot, a nova Mulher Maravilha
Gal Gadot, a nova Mulher Maravilha

Maior esperança feminina: Mulher Maravilha (“Batman vs Superman”)

“Capitão América” não só não introduziu nenhuma boa heroína como continua não dando a atenção que a Viúva Negra merece — a personagem de Scarlett Johansson não tem muito o que fazer no filme. Arlequina, apesar de ser uma das presenças mais marcantes de “Esquadrão Suicida”, tem um relacionamento abusivo com o Coringa (fato que o filme não discute) e ainda tem o tempo todo uma câmera grudada em sua bunda. Jean Grey parecia promissora, mas é completamente esquecível. Quem tem mais potencial para se tornar uma boa personagem em outros filmes é a Mulher Maravilha de Gal Gadot. Sim, ela aparece pouco (e aparece fazendo coisas triviais como sacar dinheiro). Mas mesmo assim foi um dos pontos altos do filme — e o trailer de seu longa solo dá margem para otimismo.

Plano mais absurdo: Lex Luthor (“Batman vs Superman”)/Amanda Waller (“Esquadrão Suicida”)

Empate técnico. O plano de Amanda Waller, de “Esquadrão Suicida” é pura burrice. Formar um time de vilões presos por super-heróis como Batman e Flash não faz sentido por vários motivos. Não havia ameaça e, caso houvesse, os tais heróis como o Batman poderiam ajudar. Na hora do vamos ver o Batman e o Flash seriam bem mais úteis que o Capitão Bumerangue, cujo poder, pelo que o filme mostra, é jogar um bumerangue com precisão. Todo o problema do filme, aliás, só acontece porque Waller resolveu se manter onde não devia. Já o plano de Lex Luthor requer que tantas etapas deem certo para que seu objetivo seja atingido que é absurdo pensar que poderia dar certo. E seu plano envolve colocar urina num pote. Sem pé nem cabeça e nojento. Empate.

Deu pra reconhecer? É Oscar Isaac em "X-Men"
Deu pra reconhecer? É Oscar Isaac em “X-Men”

Maior desperdício de ator: Oscar Isaac (“X-Men”)

Oscar Isaac é um bom ator faz tempo, mas está tendo um ótimo ano pós-lançamento de “Star Wars”: a internet está toda apaixonada por ele. Escalá-lo como vilão de “X-Men” parecia uma escolha perfeita. Mas não só esconderam o ator sobre camadas e camadas de maquiagem e próteses que o deixaram com uma aparência tosca, como lhe deram o pior vilão possível (é o que parecia antes de “Esquadrão Suicida”, pelo menos). Poderia ser qualquer um no seu lugar, não faria diferença.

Resolução de conflito mais tonta: Momento Martha (“Batman vs Superman”)

Virou piada. Depois de passarem um tempão brigando por um motivo absurdo (Superman não gosta do Batman porque ele é um justiceiro que não respeita leis e Batman acha que o Superman pode fazer muito mal às pessoas caso queira — como se as duas coisas não valessem para os dois), eles ficam amigos ao descobrirem que suas mães têm o mesmo nome: Martha. Beleza então.

Maior surpresa: Ben Affleck (“Batman vs Superman”)

Ben Affleck pode ter ficado triste com o resultado do filme no qual apostava tanto, mas tem um motivo para se alegrar: sua interpretação do Batman era um dos elementos menos ruins num filme ruim.

O amor
O amor

Maior “bromance”: Bucky e Steve (“Capitão América”)

Se o último “X-Men” fosse um filme melhor, Magneto e professor Xavier poderiam ser bons concorrentes para Bucky e Steve, de “Capitão América”. Mas infelizmente eles mal interagem e a química entre James McAvoy e Michael Fassbender é desperdiçada. Por outro lado, a maior sintonia em “Capitão América” é entre os dois amigos (esqueça o romance entre Steve e Sharon). O filme todo é uma ode à relação dos dois e mostra o quanto o Capitão América está disposto a sacrificar pelo amigo.

Personagem menos explorado: Anjo e Psylocke (“X-Men”)

A lista de concorrentes é grande. Por “Esquadrão Suicida”, Capitão Bumerangue e Crocodilo são fortes oponentes. Cada um tem meia dúzia de falas e nenhuma motivação. Bumerangue é tão inconsistente que em uma cena abandona o grupo e na seguinte está com eles sem explicar por que mudou de ideia. O Crocodilo praticamente entra mudo e sai calado, mas tem uma piada ali no meio, pelo menos. Sabemos também que eles são criminosos, que Crocodilo gosta de TV e que Bumerangue gosta de unicórnios de pelúcia. De Anjo e Psylocke, de “X-Men”, não sabemos nada. Quem são? O que querem? Onde vivem? Puro mistério.

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‘Esquadrão Suicida’:
que bagunça, hein?

Termos como bom e ruim não bastam para explicar o que você sente quando vê um filme. Existem filmes ruins que você pode ver mil vezes (pra mim, “Diário de uma Paixão”), filmes bons que são um suplício de assistir (“A Árvore da Vida”), filmes ruins que te ofendem (“Tudo Vai Ficar Bem”) e filmes bons que são prazerosos de ver sempre (“Quanto Mais Quente Melhor”). É importante deixar isso claro ao falar de “Esquadrão Suicida”. Primeiro, a má notícia: o filme, que estreia na quinta (4) é ruim — como a péssima avaliação no Rotten Tomatoes, de 32%, deixa claro. Mas tem uma boa notícia: não é um filme ruim que te deixa irritado.

É uma pena porque, no papel (ou mesmo no trailer), “Esquadrão Suicida” é promissor. Em meio a uma série de filmes com vários super-heróis lutando contra uma ameaça comum lançados em um intervalo de poucos meses (“Capitão América: Guerra Civil”, “X-Men – Apocalipse”, “Batman vs Superman”), “Esquadrão” parecia ser diferente: engraçado, anárquico, sem pieguismo. Pelo trailer sabemos que a personagem de Viola Davis é uma funcionária do governo americano que irá juntar uma equipe de supervilões para combater uma ameaça, conhecemos os protagonistas e suas habilidades e ouvimos mais piadas do que no “Batman” inteiro. Parece bom.

Porém, há muito que o trailer não revela: o plano de Viola Davis não faz sentido, os supervilões não são tão maus assim, praticamente não descobrimos nada sobre boa parte dos personagens além daquilo que o trailer mostra e o filme está bem longe de ser engraçado. “Esquadrão Suicida” começa com o que vemos no trailer, logo depois dos acontecimentos de “Batman vs Superman”. Num jantar, Amanda Waller (Davis) apresenta a uma equipe seu plano de formar um time com os mais malvados dos malvados, atualmente presos, para proteger a cidade do “próximo Superman”. Seu raciocínio: caso outro ser poderoso dê as caras por ali, sem as boas intenções de Superman, o mundo precisará se defender. Então antes que qualquer ameaça concreta apareça e esquecendo-se de que o Batman já cumpre essa função, Amanda resolve soltar no mundo alguns dos criminosos mais perigosos do pedaço.

Não chega a ser um plano tão sem pé nem cabeça quanto o de Lex Luthor em “Batman vs Superman”, mas é uma ideia bastante idiota. Até porque a missão do esquadrão no filme é resolver um problema criado pela própria existência do esquadrão — uma das vilãs selecionada por Amanda, chamada Magia (Cara Delevingne), escapa do seu controle e destruirá a humanidade se o grupo de vilões não entrar em ação. A premissa estúpida poderia ser perdoada se houvesse alguma qualidade na vilã. Não há. Delevingne, mais conhecida por fazer parte de outro esquadrão famoso na vida real (o de Taylor Swift) e por sua carreira como modelo, é uma péssima atriz em um péssimo papel. Sua única função no filme é rebolar enquanto cria uma espécie de portal da destruição (sabe aquele portal no céu aberto em “Os Vingadores”? Aquele mesmo) e cospe clichês numa língua estranha com uma voz de monstro que parece ter saído de um aplicativo. Perto dela o Apocalipse de “X-Men” é um vilão quase do calibre de Darth Vader — nem vamos comentar do outro vilão do filme, que parece saído de um filme B dos anos 90.

O esquadrão suicida não é muito melhor desenvolvido. Logo no início, Amanda apresenta os vilões que selecionou, com uma ou duas frases sobre cada um. Pistoleiro (Will Smith) é um matador de aluguel que nunca erra um tiro, Arlequina (Margot Robbie) é a namorada louca do Coringa (Jared Leto), El Diablo (Jay Hernandez) controla o fogo e agora quer viver uma vida pacata, Crocodilo (Adewale Akinnuoye-Agbaje), bem, se parece com um crocodilo, e Capitão Bumerangue é um assaltante que usa um bumerangue como arma. Todos eles são controlados pelo militar Rick Flag (Joel Kinnaman), sobre quem não há muito o que dizer além de que ele é o centro moral da história. Em algum momento aparecem ainda Katana (Karen Fukuhara) e Amarra (Adam Beach), mas não dá pra entender quem eles são ou por que eles foram parar naquela história. Tudo isso é apresentado no trailer e é tudo isso, praticamente, que você saberá sobre eles ao fim da sessão.

Tirando Pistoleiro e Arlequina, nenhum vilão é bem explorado. Durante meses ouvimos os atores falando sobre como ficaram amigos, como fizeram tatuagens juntos e como isso contribuiu para a química em cena. Se isso é verdade, pedaços importantes foram cortados na edição, porque parece que todos se conheceram ontem. Em nenhum momento eles parecem verdadeiramente um time, apesar de o filme tentar convencer o público de que eles são uma espécie de família.

Pistoleiro e Arlequina são o que o filme tem de melhor a oferecer — dá para imaginar algum filme com uma história melhor centrado nos dois. Will Smith é quem mais se aproxima de um protagonista e é carismático o suficiente para fazer com que você se sinta curioso a seu respeito. Margot Robbie, com sua personagem ao mesmo tempo infantil e hipersexualizada, também se destaca na multidão — as poucas vezes em que você sorri ou dá risada são cortesia de sua Arlequina. É só uma pena que o filme esteja mais interessado em dar closes em sua bunda ou desenvolvê-la pouco além do seu relacionamento com Coringa, cuja presença não acrescenta absolutamente nada na história — ela é bem mais legal quando interage com os outros personagens e, apesar de provavelmente não agradar a todos, tem potencial e chama a atenção.

“Esquadrão Suicida” é uma bagunça. O roteiro não faz muito sentido, a edição é atrapalhada (em uma cena um personagem abandona o grupo, no quadro seguinte ele está de volta sem explicação), a trilha sonora é tão óbvia que distrai (a personagem de Viola Davis é apresentada ao som de “Sympathy for the Devil”, dos Rolling Stones, pra ficar num exemplo), os vilões são caricaturas com planos que se resumem a “quero dominar o mundo”, a maior parte dos personagens são simplórios demais. Mas vários desses defeitos são também encontrados em “Batman vs Superman” ou “X-Men – Apocalipse” e o filme fica cada vez pior à medida em que você pensa nele. É bom? Não. Mas não é do tipo de filme ruim que ofende, que te faz querer sair do cinema ou que será incluído na lista de piores filmes da história de muita gente. Tem filme ruim estreando no cinema toda semana. É frustrante porque poderia ser bom, porque tem um orçamento gigante e porque a expectativa em torno dele era alta. Mas se estiver passando no avião, pode ver tranquilo. Vai ser melhor que olhar pela janela.

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Os caçadores da cena perdida

Chris Strompolos e Eric Zala eram colegas de escola com duas coisas em comum no início dos anos 1980: pegavam o mesmo ônibus para ir e voltar para casa e tinham visto “Os Caçadores da Arca Perdida”. Sabendo que Eric trabalhava em um filme como parte de um projeto da sexta série, Chris se aproximou dele um dia no trajeto com um gibi sobre as aventuras de Indiana Jones e uma proposta: fazer a própria versão do filme de Steven Spielberg, recriando a aventura quadro a quadro. “Foi assim que a gente se conheceu”, lembra Chris.

Sua experiência com cinema era nenhuma, mas Chris estava decidido a ser Indiana Jones. “Eu vi o filme em junho ou julho de 1981, quando estreou. Tinha muita expectativa porque era muito fã de ‘Star Wars’. Vi com meu pai e lembro que o personagem Indiana Jones era incrivelmente acessível. Ele era enorme, mas parecia muito real, como se ele pudesse realmente existir num mundo historicamente verdadeiro”, conta Chris por telefone, dos Estados Unidos.

“O filme se passava em 1936 e parecia um mundo real. E ele fazia todas aquelas coisas fantásticas nesse mundo. Era um personagem que eu precisava interpretar. Colocar o chapéu, o casaco, aprender a usar o chicote e lutar contra os caras do mal. Como seria fazer todas as coisas que ele fazia. Então criei esse playground”, diz Chris. Eric conta uma história parecida. “Vi o filme quando tinha 11 anos. Não esperava ser tão atraído por ele, mas fui. Quando vi a cena da pedra fiquei cativado, queria viver naquele mundo, conquistou toda a minha atenção.”

Com o amigo Jayson Lamb, a dupla começou a filmar em 1982. Foram necessários mais sete anos para que sua versão, conhecida como “Raiders of the Lost Ark: The Adaptation”, ficasse pronta. Ou praticamente pronta, pelo menos: uma das cenas, que envolvia a explosão de um avião, era impossível de ser feita por um grupo de adolescentes, e só foi finalizada 25 anos depois. Por isso, o vídeo que circula na internet tem seu Indiana Jones em diferentes estágios da puberdade, mudando de cena para cena — as gravações não foram feitas em ordem cronológica. “Se eu soubesse que ia levar tanto tempo ficaria aterrorizado. As primeiras imagens ficaram horríveis, mas continuamos”, diz Eric.

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Chris Strompolos, de chapéu, Eric Zala, à direita, e Jayson Lamb

Disponível em qualidade de um VHS antigo, com a imagem levemente desfocada e tremida, o filme impressiona pela semelhança com o original, dos figurinos aos diálogos, passando pela famosa cena da pedra gigante que rola e ameaça o arqueólogo. Não havia internet ou mesmo cópias em vídeo disponíveis para eles usarem como referência, então eles precisaram ser engenhosos. “Não vimos o filme tantas vezes quanto as pessoas pensam. Vimos duas ou três vezes. Entramos com um gravador no cinema e captamos o áudio e a música, então conseguimos copiar o diálogo”, conta Chris. Um storyboard e um roteiro foram comprados em uma livraria, e eles adquiriam todos os tipos de coisa que tivessem alguma coisa a ver com Indiana Jones. “Eric e eu sentamos e juntamos tudo para fazer um storyboard, com umas 600 imagens baseadas na nossa memória da cena. Usamos esse roteiro nos sete anos seguintes. Quando filme saiu em laser disc em 1984 vimos que tínhamos chegado bem perto.”

“Minha mãe teve a reação que provavelmente qualquer pai teria. Seu filho chega e te fala que quer fazer um remake de um blockbuster de Hollywood e você sorri, dá um tapinha nas costas e diz: ‘Que ótimo, querido. Vá em frente’”, diz Chris. A grande ajuda dos pais veio em forma de mesada, presentes de aniversário e Natal. Toda oportunidade de ganhar um presente era uma oportunidade de conseguir objetos e roupas úteis para o filme. Acharam também coisas em closets, doações, porões e feiras. “A gente pedia e implorava. Fomos juntando todo o tipo de coisa na medida em que avançávamos. Mas não tínhamos orçamento.”

Como atores e equipe, os amigos e crianças do bairro eram escalados — ao longo dos sete anos Chris calcula que cerca de cem pessoas participaram do projeto. Conseguir atores foi tranquilo, a complicação foi fazer com que eles quisessem voltar para filmar no verão seguinte. “Crianças querem fazer algo por umas horas e depois fazer outra coisa completamente diferente. Essa foi a parte difícil. Tínhamos uma lista de telefones, contato dos pais, endereços… Aí o Eric ia caçar essas crianças no começo de cada verão.” Eles também pensaram em desistir algumas vezes. “Várias vezes você perde o entusiasmo e não é tão divertido quanto você acha que vai ser. Mas há uma lição aí: o processo criativo é muitas vezes mais agonizante que agradável. Foi algo bom de aprender. Eric eu brigamos uma vez por uma garota e outra por uma questão técnica no áudio. Batíamos cabeça, mas voltávamos atrás e continuávamos trabalhando.”

Além de dirigir o remake, Eric fez parte do elenco como coadjuvante para o Indy de Chris. “Apesar de eu ter interpretado o Indiana Jones, nunca me machuquei. Era sempre o Eric que sofria. Ele quebrou o braço, colocamos fogo nele, ele quase se queimou todo quando jogamos gasolina nele. O máximo que tive foi uma insolação gravando uma cena num caminhão”, diz Chris. “Nenhum de nós estava pronto para as cenas de ação.”

Mas deu-se um jeito para tudo (“até hoje eu manteria o cachorro interpretando o macaco. Foi conceitual”, diz Eric), com exceção da cena em que, depois de uma briga, Indy salva a mocinha enquanto um avião explode. “Era mais importante para Eric completar o filme. Foi ele quem ficou um pouco assombrado por isso. Pra mim teria sido ótimo ter feito, mas era logisitcamente inviável”, diz Chris. Mas quando Chris conheceu o produtor Jeremy Coon, de “Napoleon Dynamite”, surgiu a oportunidade de finalmente fazer a cena. Jeremy soube da história deles e sugeriu que fizessem um documentário sobre o filme — acrescentando a tal cena do avião. “Quando estávamos discutindo o documentário eu tive a ideia de ressuscitar a ideia do avião. Parecia uma narrativa legal para o documentário, meio que o presente misturado com o passado. Depois disso convenci o Eric de que seria legal, brutal e certo fazer isso. E fizemos.” Para Eric, terminar foi uma sensação de outro mundo. “Fiquei muito grato e aliviado”, diz, ressaltando que foi difícil ter que fazer a cena em dias — e não ter mais sete anos disponíveis.

Jeremy não foi o primeiro cineasta a procurar Eric e Chris para tentar contar sua história. “Mas nunca deu certo por causa do background deles, do que eles queriam, do timing, ou da falta de recursos. Mas quando você conhece Jeremy vê que ele vai fazer o que diz que vai fazer. E suas intenções eram boas, ele entendia a história, a amava e tinha uma objetividade grande. Tipo: ‘Eu adoraria contar isso, mas acho que a história tem que ser contada de qualquer jeito’. Em 20 minutos comendo hambúrguer e fritas a gente resolveu.” O filme “Raiders!” começou a ser exibido nos Estados Unidos no mês passado, numa turnê que vai até setembro e talvez ganhe uma turnê internacional.

Nas apresentações que fazem, os dois conhecem vários cineastas amadores e crianças que sonham em trabalhar com cinema. “Sempre falamos que ser criança é uma coisa maravilhosa, você não tem consciência do que não pode fazer, e isso te dá abertura. O caminho está aberto, você tem menos obstáculos assim. Dizemos a jovens cineastas: não deixem que te digam o que fazer. Parece clichê, mas você ouve não, não e não e continua insistindo e consegue um sim”, diz Chris. “Também digo: escolha bem sua equipe. Cinema é um esforço colaborativo. E tem muita gente que não te leva a sério quando você tem 14 anos, mas não aceite não como resposta. Continue perguntando. E, finalmente: sempre termine. É quase milagroso terminar um filme. Mas se você não termina, aquilo vira só uma coleção de imagens que não vai ter aquele impacto na vida das pessoas, então é importante terminar o projeto mesmo que seja difícil”, completa Eric.

Nesse processo, Eric e Chris — que hoje têm uma pequena produtora chamada Rolling Boulder Films (em referência à pedra que rola em “Caçadores”) — conheceram Steven Spielberg, uma experiência que foi tudo aquilo que eles imaginavam. “Ele foi muito caloroso, paternal e gentil. No nosso encontro ele disse: ‘Ei, vi o filme de vocês, gostei muito, e queria conhecer vocês pra dizer que vocês me inspiraram’”, diz Chris. O diretor inclusive mostrou para eles erros de gravação e cenas que não entraram no corte final. “Foi tipo: ‘O que acabou de acontecer?’. É ótimo conhecer seu herói de infância e ver que você escolheu bem”, lembra Eric.

Diferente do que se imagina, porém, “Os Caçadores da Arca Perdida” não é o filme favorito da dupla. “Eu amo, mas definitivamente não é meu preferido, porque representa muitas outras coisas que a experiência de ver um filme geralmente não representa. Virou quase um… Não sei. Parece bobo dizer, mas virou quase um estilo de vida esquisito”, diz Chris. “Está numa categoria à parte, porque mudou minha vida”, completa Eric.