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Os caçadores da cena perdida

Em sete anos, dois amigos refilmaram ‘Caçadores da Arca Perdida’ cena a cena

Chris Strompolos e Eric Zala eram colegas de escola com duas coisas em comum no início dos anos 1980: pegavam o mesmo ônibus para ir e voltar para casa e tinham visto “Os Caçadores da Arca Perdida”. Sabendo que Eric trabalhava em um filme como parte de um projeto da sexta série, Chris se aproximou dele um dia no trajeto com um gibi sobre as aventuras de Indiana Jones e uma proposta: fazer a própria versão do filme de Steven Spielberg, recriando a aventura quadro a quadro. “Foi assim que a gente se conheceu”, lembra Chris.

Sua experiência com cinema era nenhuma, mas Chris estava decidido a ser Indiana Jones. “Eu vi o filme em junho ou julho de 1981, quando estreou. Tinha muita expectativa porque era muito fã de ‘Star Wars’. Vi com meu pai e lembro que o personagem Indiana Jones era incrivelmente acessível. Ele era enorme, mas parecia muito real, como se ele pudesse realmente existir num mundo historicamente verdadeiro”, conta Chris por telefone, dos Estados Unidos.

“O filme se passava em 1936 e parecia um mundo real. E ele fazia todas aquelas coisas fantásticas nesse mundo. Era um personagem que eu precisava interpretar. Colocar o chapéu, o casaco, aprender a usar o chicote e lutar contra os caras do mal. Como seria fazer todas as coisas que ele fazia. Então criei esse playground”, diz Chris. Eric conta uma história parecida. “Vi o filme quando tinha 11 anos. Não esperava ser tão atraído por ele, mas fui. Quando vi a cena da pedra fiquei cativado, queria viver naquele mundo, conquistou toda a minha atenção.”

Com o amigo Jayson Lamb, a dupla começou a filmar em 1982. Foram necessários mais sete anos para que sua versão, conhecida como “Raiders of the Lost Ark: The Adaptation”, ficasse pronta. Ou praticamente pronta, pelo menos: uma das cenas, que envolvia a explosão de um avião, era impossível de ser feita por um grupo de adolescentes, e só foi finalizada 25 anos depois. Por isso, o vídeo que circula na internet tem seu Indiana Jones em diferentes estágios da puberdade, mudando de cena para cena — as gravações não foram feitas em ordem cronológica. “Se eu soubesse que ia levar tanto tempo ficaria aterrorizado. As primeiras imagens ficaram horríveis, mas continuamos”, diz Eric.

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Chris Strompolos, de chapéu, Eric Zala, à direita, e Jayson Lamb

Disponível em qualidade de um VHS antigo, com a imagem levemente desfocada e tremida, o filme impressiona pela semelhança com o original, dos figurinos aos diálogos, passando pela famosa cena da pedra gigante que rola e ameaça o arqueólogo. Não havia internet ou mesmo cópias em vídeo disponíveis para eles usarem como referência, então eles precisaram ser engenhosos. “Não vimos o filme tantas vezes quanto as pessoas pensam. Vimos duas ou três vezes. Entramos com um gravador no cinema e captamos o áudio e a música, então conseguimos copiar o diálogo”, conta Chris. Um storyboard e um roteiro foram comprados em uma livraria, e eles adquiriam todos os tipos de coisa que tivessem alguma coisa a ver com Indiana Jones. “Eric e eu sentamos e juntamos tudo para fazer um storyboard, com umas 600 imagens baseadas na nossa memória da cena. Usamos esse roteiro nos sete anos seguintes. Quando filme saiu em laser disc em 1984 vimos que tínhamos chegado bem perto.”

“Minha mãe teve a reação que provavelmente qualquer pai teria. Seu filho chega e te fala que quer fazer um remake de um blockbuster de Hollywood e você sorri, dá um tapinha nas costas e diz: ‘Que ótimo, querido. Vá em frente’”, diz Chris. A grande ajuda dos pais veio em forma de mesada, presentes de aniversário e Natal. Toda oportunidade de ganhar um presente era uma oportunidade de conseguir objetos e roupas úteis para o filme. Acharam também coisas em closets, doações, porões e feiras. “A gente pedia e implorava. Fomos juntando todo o tipo de coisa na medida em que avançávamos. Mas não tínhamos orçamento.”

Como atores e equipe, os amigos e crianças do bairro eram escalados — ao longo dos sete anos Chris calcula que cerca de cem pessoas participaram do projeto. Conseguir atores foi tranquilo, a complicação foi fazer com que eles quisessem voltar para filmar no verão seguinte. “Crianças querem fazer algo por umas horas e depois fazer outra coisa completamente diferente. Essa foi a parte difícil. Tínhamos uma lista de telefones, contato dos pais, endereços… Aí o Eric ia caçar essas crianças no começo de cada verão.” Eles também pensaram em desistir algumas vezes. “Várias vezes você perde o entusiasmo e não é tão divertido quanto você acha que vai ser. Mas há uma lição aí: o processo criativo é muitas vezes mais agonizante que agradável. Foi algo bom de aprender. Eric eu brigamos uma vez por uma garota e outra por uma questão técnica no áudio. Batíamos cabeça, mas voltávamos atrás e continuávamos trabalhando.”

Além de dirigir o remake, Eric fez parte do elenco como coadjuvante para o Indy de Chris. “Apesar de eu ter interpretado o Indiana Jones, nunca me machuquei. Era sempre o Eric que sofria. Ele quebrou o braço, colocamos fogo nele, ele quase se queimou todo quando jogamos gasolina nele. O máximo que tive foi uma insolação gravando uma cena num caminhão”, diz Chris. “Nenhum de nós estava pronto para as cenas de ação.”

Mas deu-se um jeito para tudo (“até hoje eu manteria o cachorro interpretando o macaco. Foi conceitual”, diz Eric), com exceção da cena em que, depois de uma briga, Indy salva a mocinha enquanto um avião explode. “Era mais importante para Eric completar o filme. Foi ele quem ficou um pouco assombrado por isso. Pra mim teria sido ótimo ter feito, mas era logisitcamente inviável”, diz Chris. Mas quando Chris conheceu o produtor Jeremy Coon, de “Napoleon Dynamite”, surgiu a oportunidade de finalmente fazer a cena. Jeremy soube da história deles e sugeriu que fizessem um documentário sobre o filme — acrescentando a tal cena do avião. “Quando estávamos discutindo o documentário eu tive a ideia de ressuscitar a ideia do avião. Parecia uma narrativa legal para o documentário, meio que o presente misturado com o passado. Depois disso convenci o Eric de que seria legal, brutal e certo fazer isso. E fizemos.” Para Eric, terminar foi uma sensação de outro mundo. “Fiquei muito grato e aliviado”, diz, ressaltando que foi difícil ter que fazer a cena em dias — e não ter mais sete anos disponíveis.

Jeremy não foi o primeiro cineasta a procurar Eric e Chris para tentar contar sua história. “Mas nunca deu certo por causa do background deles, do que eles queriam, do timing, ou da falta de recursos. Mas quando você conhece Jeremy vê que ele vai fazer o que diz que vai fazer. E suas intenções eram boas, ele entendia a história, a amava e tinha uma objetividade grande. Tipo: ‘Eu adoraria contar isso, mas acho que a história tem que ser contada de qualquer jeito’. Em 20 minutos comendo hambúrguer e fritas a gente resolveu.” O filme “Raiders!” começou a ser exibido nos Estados Unidos no mês passado, numa turnê que vai até setembro e talvez ganhe uma turnê internacional.

Nas apresentações que fazem, os dois conhecem vários cineastas amadores e crianças que sonham em trabalhar com cinema. “Sempre falamos que ser criança é uma coisa maravilhosa, você não tem consciência do que não pode fazer, e isso te dá abertura. O caminho está aberto, você tem menos obstáculos assim. Dizemos a jovens cineastas: não deixem que te digam o que fazer. Parece clichê, mas você ouve não, não e não e continua insistindo e consegue um sim”, diz Chris. “Também digo: escolha bem sua equipe. Cinema é um esforço colaborativo. E tem muita gente que não te leva a sério quando você tem 14 anos, mas não aceite não como resposta. Continue perguntando. E, finalmente: sempre termine. É quase milagroso terminar um filme. Mas se você não termina, aquilo vira só uma coleção de imagens que não vai ter aquele impacto na vida das pessoas, então é importante terminar o projeto mesmo que seja difícil”, completa Eric.

Nesse processo, Eric e Chris — que hoje têm uma pequena produtora chamada Rolling Boulder Films (em referência à pedra que rola em “Caçadores”) — conheceram Steven Spielberg, uma experiência que foi tudo aquilo que eles imaginavam. “Ele foi muito caloroso, paternal e gentil. No nosso encontro ele disse: ‘Ei, vi o filme de vocês, gostei muito, e queria conhecer vocês pra dizer que vocês me inspiraram’”, diz Chris. O diretor inclusive mostrou para eles erros de gravação e cenas que não entraram no corte final. “Foi tipo: ‘O que acabou de acontecer?’. É ótimo conhecer seu herói de infância e ver que você escolheu bem”, lembra Eric.

Diferente do que se imagina, porém, “Os Caçadores da Arca Perdida” não é o filme favorito da dupla. “Eu amo, mas definitivamente não é meu preferido, porque representa muitas outras coisas que a experiência de ver um filme geralmente não representa. Virou quase um… Não sei. Parece bobo dizer, mas virou quase um estilo de vida esquisito”, diz Chris. “Está numa categoria à parte, porque mudou minha vida”, completa Eric.

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