“O Pequeno Segredo”, filme escolhido pelo Brasil para disputar uma indicação ao Oscar de filme estrangeiro em 2017, é inspirado no livro homônimo escrito por Heloisa Schurmann. A obra é dirigida pelo seu filho, David Schurmann. O roteiro retrata, mais uma vez, os Schurmann e sua principal temática é, adivinhe, as relações familiares. Não surpreende que o resultado seja uma pieguice sem fim, tão estimulante quanto uma piada do pavê no almoço de domingo.
O problema nem é tanto o fato de as personagens enfrentarem conflitos já manjados no cinema, mas sim a forma como são apresentados. A garotinha púbere que não se encaixa entre os amigos, a mãe que se preocupa com o bem-estar ameaçado de sua filha, o casal vindo de mundos diferentes que luta pelo amor… É possível retratar angústias comuns de maneiras interessantes. O cinema também serve para isso. Não é um feito que Schurmann consiga.
O roteiro não ajuda por carecer de profundidade ou qualquer graça que fizesse a produção parecer menos monótona. É comum adivinhar o fim da piada antes mesmo de os atores terminarem a fala, ou já saber exatamente as próximas palavras de um diálogo. A obviedade e os clichês tornam difícil não levar a mão à testa em constrangimento. Falta realidade ao filme. Deficiência no mínimo paradoxal, já que estamos falando de uma trama baseada em fatos reais.
Material não faltaria. Enquanto vivência, a história é inegavelmente bonita e emocionante. Aliás, se o filme tem alguma chance de levar a estatueta, é por essa razão. Em meio a um mar de sentimentalismo barato, as cenas que realmente emocionam falam da AIDS e da aceitação do fim que o soropositivo tem de enfrentar. Há tato na maneira com que a doença é retratada. Isso é facilitado pelo elenco talentoso, bem escolhido e fiel aos papéis, encabeçado por Julia Lemmertz. Uma pena artistas de tanta destreza terem de trabalhar com personagens tão mal construídos.
O tempo em que os acontecimentos sucedem não segue linearidade, mas o vaivém é tanto que fica desnecessário e pouco demarcado. O recurso dá vez a furos no roteiro. Em uma cena, por exemplo, a brasileira Jeanne (Maria Flor) e o neozelandês Robert (Erroll Shand) nem se conhecem. Na cena seguinte, o rapaz a persegue por uma rua, ela o confronta, ele pede desculpas e… Pronto, já estão perdidamente apaixonados depois de trocarem literalmente duas frases. É um erro narrativo que pode facilmente ser confundido com o estereótipo da “morena que fisga o gringo”. Perigoso, ainda mais em um filme que faz questão de evidenciar este preconceito entre “civilizados” e “selvagens”. A própria Fionnula Flanagan é colocada para interpretar uma caricatura forçada da estrangeira preconceituosa, que fala em “tribos brasileiras” e “morar na floresta”.
A fotografia lembra papéis de fundo em vídeo de karaokês e aquelas fotos que vêm dentro de porta-retratos novos. Não é esteticamente feio, mas é cafona. Para se ter noção, a primeira cena abre com uma borboleta amarela sobrevoando o oceano. O figurino de Julia Lemmertz frequentemente apresenta estampas ou acessórios com desenhos de aves voando — a vida ao mar, sem amarras, livre como um pássaro.
Dentro da polêmica sobre a indicação à Academia, tudo o que falta de realidade em “O Pequeno Segredo” está presente em “Aquarius”. São filmes com fins diferentes e compará-los soa desastrado. No entanto, analisados em sua singularidade, “Aquarius” tem um enredo instigante, de takes mais originais. Um filme sobretudo inteligente porque esse é seu propósito em uma época marcada por turbulências políticas, embates sociais e crise econômica. A Clara de Sônia Braga tem mais força e vigor que vários personagens de David Schurmann reunidos. Até quando aborda a família, Kleber Mendonça Filho consegue uma perspectiva mais genuína, como na cena da briga entre mãe e filha, na figura da matriarca, nos trabalhadores que são estranhamente agregados como quase-parentes em nossa cultura.
“O Pequeno Segredo”, por sua vez, pode até atrair grandes públicos e fugir da temida categoria de “filme de arte”, mas não tem a autenticidade de tantas outras produções nacionais. Nem em sua missão de querer insistentemente fazer chorar ele é bem sucedido. Quem sabe daqui 20 anos a obra não vira um clássico das tardes televisivas no Brasil.