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‘Esquadrão Suicida’:
que bagunça, hein?

Termos como bom e ruim não bastam para explicar o que você sente quando vê um filme. Existem filmes ruins que você pode ver mil vezes (pra mim, “Diário de uma Paixão”), filmes bons que são um suplício de assistir (“A Árvore da Vida”), filmes ruins que te ofendem (“Tudo Vai Ficar Bem”) e filmes bons que são prazerosos de ver sempre (“Quanto Mais Quente Melhor”). É importante deixar isso claro ao falar de “Esquadrão Suicida”. Primeiro, a má notícia: o filme, que estreia na quinta (4) é ruim — como a péssima avaliação no Rotten Tomatoes, de 32%, deixa claro. Mas tem uma boa notícia: não é um filme ruim que te deixa irritado.

É uma pena porque, no papel (ou mesmo no trailer), “Esquadrão Suicida” é promissor. Em meio a uma série de filmes com vários super-heróis lutando contra uma ameaça comum lançados em um intervalo de poucos meses (“Capitão América: Guerra Civil”, “X-Men – Apocalipse”, “Batman vs Superman”), “Esquadrão” parecia ser diferente: engraçado, anárquico, sem pieguismo. Pelo trailer sabemos que a personagem de Viola Davis é uma funcionária do governo americano que irá juntar uma equipe de supervilões para combater uma ameaça, conhecemos os protagonistas e suas habilidades e ouvimos mais piadas do que no “Batman” inteiro. Parece bom.

Porém, há muito que o trailer não revela: o plano de Viola Davis não faz sentido, os supervilões não são tão maus assim, praticamente não descobrimos nada sobre boa parte dos personagens além daquilo que o trailer mostra e o filme está bem longe de ser engraçado. “Esquadrão Suicida” começa com o que vemos no trailer, logo depois dos acontecimentos de “Batman vs Superman”. Num jantar, Amanda Waller (Davis) apresenta a uma equipe seu plano de formar um time com os mais malvados dos malvados, atualmente presos, para proteger a cidade do “próximo Superman”. Seu raciocínio: caso outro ser poderoso dê as caras por ali, sem as boas intenções de Superman, o mundo precisará se defender. Então antes que qualquer ameaça concreta apareça e esquecendo-se de que o Batman já cumpre essa função, Amanda resolve soltar no mundo alguns dos criminosos mais perigosos do pedaço.

Não chega a ser um plano tão sem pé nem cabeça quanto o de Lex Luthor em “Batman vs Superman”, mas é uma ideia bastante idiota. Até porque a missão do esquadrão no filme é resolver um problema criado pela própria existência do esquadrão — uma das vilãs selecionada por Amanda, chamada Magia (Cara Delevingne), escapa do seu controle e destruirá a humanidade se o grupo de vilões não entrar em ação. A premissa estúpida poderia ser perdoada se houvesse alguma qualidade na vilã. Não há. Delevingne, mais conhecida por fazer parte de outro esquadrão famoso na vida real (o de Taylor Swift) e por sua carreira como modelo, é uma péssima atriz em um péssimo papel. Sua única função no filme é rebolar enquanto cria uma espécie de portal da destruição (sabe aquele portal no céu aberto em “Os Vingadores”? Aquele mesmo) e cospe clichês numa língua estranha com uma voz de monstro que parece ter saído de um aplicativo. Perto dela o Apocalipse de “X-Men” é um vilão quase do calibre de Darth Vader — nem vamos comentar do outro vilão do filme, que parece saído de um filme B dos anos 90.

O esquadrão suicida não é muito melhor desenvolvido. Logo no início, Amanda apresenta os vilões que selecionou, com uma ou duas frases sobre cada um. Pistoleiro (Will Smith) é um matador de aluguel que nunca erra um tiro, Arlequina (Margot Robbie) é a namorada louca do Coringa (Jared Leto), El Diablo (Jay Hernandez) controla o fogo e agora quer viver uma vida pacata, Crocodilo (Adewale Akinnuoye-Agbaje), bem, se parece com um crocodilo, e Capitão Bumerangue é um assaltante que usa um bumerangue como arma. Todos eles são controlados pelo militar Rick Flag (Joel Kinnaman), sobre quem não há muito o que dizer além de que ele é o centro moral da história. Em algum momento aparecem ainda Katana (Karen Fukuhara) e Amarra (Adam Beach), mas não dá pra entender quem eles são ou por que eles foram parar naquela história. Tudo isso é apresentado no trailer e é tudo isso, praticamente, que você saberá sobre eles ao fim da sessão.

Tirando Pistoleiro e Arlequina, nenhum vilão é bem explorado. Durante meses ouvimos os atores falando sobre como ficaram amigos, como fizeram tatuagens juntos e como isso contribuiu para a química em cena. Se isso é verdade, pedaços importantes foram cortados na edição, porque parece que todos se conheceram ontem. Em nenhum momento eles parecem verdadeiramente um time, apesar de o filme tentar convencer o público de que eles são uma espécie de família.

Pistoleiro e Arlequina são o que o filme tem de melhor a oferecer — dá para imaginar algum filme com uma história melhor centrado nos dois. Will Smith é quem mais se aproxima de um protagonista e é carismático o suficiente para fazer com que você se sinta curioso a seu respeito. Margot Robbie, com sua personagem ao mesmo tempo infantil e hipersexualizada, também se destaca na multidão — as poucas vezes em que você sorri ou dá risada são cortesia de sua Arlequina. É só uma pena que o filme esteja mais interessado em dar closes em sua bunda ou desenvolvê-la pouco além do seu relacionamento com Coringa, cuja presença não acrescenta absolutamente nada na história — ela é bem mais legal quando interage com os outros personagens e, apesar de provavelmente não agradar a todos, tem potencial e chama a atenção.

“Esquadrão Suicida” é uma bagunça. O roteiro não faz muito sentido, a edição é atrapalhada (em uma cena um personagem abandona o grupo, no quadro seguinte ele está de volta sem explicação), a trilha sonora é tão óbvia que distrai (a personagem de Viola Davis é apresentada ao som de “Sympathy for the Devil”, dos Rolling Stones, pra ficar num exemplo), os vilões são caricaturas com planos que se resumem a “quero dominar o mundo”, a maior parte dos personagens são simplórios demais. Mas vários desses defeitos são também encontrados em “Batman vs Superman” ou “X-Men – Apocalipse” e o filme fica cada vez pior à medida em que você pensa nele. É bom? Não. Mas não é do tipo de filme ruim que ofende, que te faz querer sair do cinema ou que será incluído na lista de piores filmes da história de muita gente. Tem filme ruim estreando no cinema toda semana. É frustrante porque poderia ser bom, porque tem um orçamento gigante e porque a expectativa em torno dele era alta. Mas se estiver passando no avião, pode ver tranquilo. Vai ser melhor que olhar pela janela.

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É possível contar a história do Tarzan sem ser racista?

Refazer “Tarzan” a essa altura do campeonato não parece, a princípio, a mais sábia das decisões. Na história original de Edgar Rice Burroughs, publicada em 1912, Tarzan (nome que significa “homem branco” — dá pra imaginar o que vem por aí) é um filho de ingleses criado por macacos na África. Inimigo dos negros que lá vivem, tratados como bárbaros, Tarzan é o rei (branco) das selvas africanas. É uma história espinhosa para um filme, ainda mais em um ano de forte debate racial, principalmente nos EUA – do movimento Black Lives Matter ao Oscar com baixa representatividade. “A Lenda de Tarzan”, que estreia na quinta, dia 21, é um filme ciente dessas questões e cheio de boas intenções. Mas só isso.

Sua Jane (Margot Robbie) é uma mulher com opiniões, destemida, engenhosa, nada submissa. Os vilões são brancos europeus colonialistas que escravizam e matam congoleses para poder explorar os recursos naturais do país. Há um herói negro, George Washington Williams (Samuel L. Jackson), que encara qualquer perigo para denunciar os horrores que acontecem no Congo e seus nativos não são retratados como inimigos nem como selvagens. Mas, no fim das contas, continua sendo a história de Tarzan, o homem branco responsável por salvar tanto sua mulher — que apesar de dizer com todas as letras que não é “a donzela em perigo”, é a donzela em perigo — quanto os africanos, incapazes de se libertar sem ele.

Logo no início, um letreiro explica que na Conferência de Berlim o continente africano foi dividido por países europeus e que o Congo, rico em diamantes, ficou com a Bélgica. Dado esse contexto, a história começa com Tarzan (o sueco Alexander Skarsgård, cujo abdômen faz Chris Evans parecer um cara normal) diferente daquele que conhecemos, descamisado e cruzando a selva por seus cipós. Casado com Jane, vive na mansão de sua família na Inglaterra e atende por seu nome de batismo, John — ou por seu título, Lorde Greystoke. Leva uma vida pacata, até que recebe um convite do rei da Bélgica, Leopoldo II, para ir ao Congo numa missão diplomática. Tarzan não quer voltar às origens, mas é convencido por Jane, saudosa da África e das aventuras, e por Washington Williams, um americano que quer a ajuda de Tarzan para coletar provas de que a Bélgica está escravizando os congoleses.

O que Tarzan não sabe é que o convite para ir ao Congo é uma armadilha arquitetada por Leon Rom (Christopher Waltz, adicionando mais um vilão à sua coleção), braço direito do rei belga. Ele promete entregar Tarzan para o líder de uma tribo no Congo, que quer sua cabeça, em troca de diamantes, dos quais a Bélgica precisa para sair de uma situação financeira delicada. Como o trailer revela, Jane é capturada por Rom e cabe a Tarzan tirar a camisa para salvar não só a África como a mulher que ama, com Washington Williams ao seu lado.

A partir daí “A Lenda de Tarzan” vira um tipo de filme de super-herói. Os poderes de Tarzan são uma força descomunal (ele luta com um gorila. Crescer com gorilas não torna alguém forte como um gorila, é bom notar), uma capacidade de se mover por cipós que praticamente equivale a voar, e a habilidade de se comunicar com animais. Em vez de salvar Nova York, como os Vingadores, ou outra cidade americana qualquer, Tarzan quer libertar a África da escravidão e tornar o mundo um lugar melhor. Seu arqui-inimigo, um vilão que só falta torcer o bigode, também tem um ou outro truque na manga. E o que não faltam são efeitos especiais e cenas grandiosas.

Mas, se você quer ver um filme de super-herói, é melhor alugar um da Marvel em casa. Não ajuda que o foco seja colocado no personagem menos interessante entre os protagonistas — tanto Jane quanto George Washington Williams, ou até Rom, seriam melhores escolhas, personagens mais interessantes, complexos e divertidos que Tarzan. Skarsgård claramente se preparou horrores para o papel e passou meses em dieta para ficar com aquela barriga, mas seu Tarzan meio soturno, meio atormentado, não gera muita empatia. “A Lenda de Tarzan” tenta ser um Tarzan moderno, mas é previsível do começo ao fim. Da primeira cena ao confronto final, passando pelos flashbacks da origem de Tarzan, que todo o mundo conhece, não há surpresas, não há emoção.

Na tentativa de ser uma versão mais politicamente consciente do que as outras, “A Lenda de Tarzan” não só não atinge plenamente seus objetivos (não tem como, enquanto Tarzan for protagonista ele será um “branco salvador”) como é pouco original — um pecado grave no cinema. Depois de “Caça-Fantasmas” e com um novo “King Kong” à vista, fica o desejo de ver algo novo. Refazer “Tarzan” não é a mais sábia das decisões.