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O que podemos esperar de ‘Westworld’?

Rodrigo Santoro tira um papel dobrado do bolso e diz: “Eu realmente não posso falar sobre a série. Tenho uma lista de ‘talking points’ e tudo é muito sobre o conceito”. Estamos — um grupo de jornalistas e o ator — num evento da HBO para apresentar a série “Westworld”, que estreia em 2 de outubro às 23h no canal, mas ele escapa de quase todas as respostas. Pode falar sobre ideias, temas, coisas gerais. Detalhes, não. “Se eu fizer, eles, sei lá, me processam. Coisa assim. Eu assinei um papel, um termo de compromisso. A gente não revela. A série vive disso. Do mistério.”

Embora “Westworld” seja inspirada num filme de 1973 de mesmo nome, não se trata de um remake: os dois só usam a mesma premissa. Tal qual o filme, a série tem como cenário uma espécie de parque de diversões que imita o Velho Oeste americano, com caubóis, bordéis, xerifes e duelos armados. Ali, vivem criaturas chamadas de “anfitriões”, robôs tão perfeitos que quase parecem humanos — e que desconhecem o fato de que não o são. Os visitantes do parque, que os robôs recebem como hóspedes recém-chegados na cidade, podem satisfazer ali suas fantasias mais primitivas: passar horas com prostitutas, estuprar, matar. Respeitando as leis de Asimov, faz parte da programação dos anfitriões que eles sejam incapazes de machucar os visitantes. É um espaço seguro, então, para as pessoas mostrarem suas piores facetas sem medo das consequências.

Não haveria série sem um conflito e, se há robôs no meio, é seguro apostar que em algum momento eles se voltarão contra os humanos que o criaram. É o que a série indica que irá acontecer: no primeiro episódio, depois que seu criador (Anthony Hopkins) faz uma atualização para deixá-los com gestos ainda mais humanos, alguns anfitriões começam a apresentar defeitos e a agir fora do roteiro que são programados a seguir.

É o caso, por exemplo, do pai da protagonista Dolores (Evan Rachel Wood), a anfitriã mais antiga do parque. Dolores, uma mocinha sonhadora que só vê a beleza no mundo, é apaixonada pelo forasteiro Teddy (James Marsden), sobre o qual pouco se sabe de início. Os outros personagens principais incluem Hector (Santoro), um bandido procurado pelo xerife, Maeve (Thandie Newton), uma prostituta local, Bernard (Jeffrey Wright), programador dos robôs, e um personagem cujo nome desconhecemos, mas com muito sangue nos olhos, interpretado por Ed Harris. Ao fim da primeiro episódio, tudo ainda é meio vago.

Tudo é mistério também para os atores, diz Santoro. “Foi muito desafiador o laboratório, porque não deu pra fazer laboratório. Porque eu não tenho informação, a gente não tem informação”, conta. “O que a gente sabe é o que nos é passado, e a gente recebe o roteiro um pouco antes do dia de filmagem.” Sem poder se aquecer, preparou-se para estar preparado. “Trabalhei o corpo, porque a gente trabalha com esses anfitriões que não são humanos, mas são muito próximos dos humanos. Não são robôs. A gente tem, claro, um corpo diferente, uma forma diferente, mas ao mesmo tempo não é robotizada. Mas tudo isso ainda está sendo desenvolvido enquanto a gente está trabalhando.”

James Marsden e Evan Rachel Wood em 'Westworld'
James Marsden e Evan Rachel Wood em ‘Westworld’

Santoro diz que escolher um papel é um pouco como fazer um amigo: quando sente uma química ao ler o roteiro, sabe que é o personagem certo. “Não existe uma fórmula e nem sempre é da mesma forma. Mas é como quando você encontra a Maria, vai pra casa e fala ‘po, a Maria é legal, né’. Por que ela é legal? Você nem conhece ela direito. Não sabe por que, mas tem alguma coisa que aconteceu ali e essa relação eu vejo quando leio as coisas de um personagem”, afirma. “Eu recebi o [roteiro do] piloto, o primeiro, quando tive o convite pra fazer a série. Eu adorei o que eu li. Claro que tem todo o pacote, os atores envolvidos, um monte de coisa que era muito sedutor.”

Hector e os outros robôs têm a possibilidade de se transformar de cena a cena. Suas ações dependem da interação com os visitantes e é interessante ver como uma mesma situação — como o encontro de Dolores e Teddy, que segue o mesmo roteiro todos os dias — pode se desenrolar de formas levemente diferentes dependendo de quem está no parque. Na mesma cena, portanto, os atores podem colocar nuances diferentes. Também pode acontecer de os manipuladores dos robôs trocarem o papel de uma das máquinas, mudando completamente o personagem. Um dia você pode ser bandido e no outro, o xerife. Dessa forma, no primeiro episódio, entendemos como o mundo de “Westworld” funciona, mas não há muitos acontecimentos: vemos as mesmas pequenas cenas cotidianas (Dolores acorda, conversa com o pai, vai até a cidade, encontra Teddy) repetindo-se várias vezes, com resultados diferentes. É uma boa introdução, mas deixa muito no ar.

O papel de Santoro, por exemplo, termina o capítulo como uma grande incógnita. Apesar de no papel Hector ser o bandido daquele cenário de faroeste, não dá pra saber de cara se ele bom ou mau — ou, de modo geral, quem são os vilões e os mocinhos (a figura do mal mais clara é Ed Harris). “Essa questão de quem é vilão e quem é mocinho é a grande pergunta da série. É isso que a gente vai mostrar. O Hector teria a embalagem, mas a gente vai muito mais fundo, as coisas vão começar a ser reveladas e aí a gente vai deixar pro espectador fazer sua própria escolha”, diz Santoro. Dá para entender os criadores, que controlam os robôs? Os visitantes que satisfazem seu apetite pela violência “matando” os robôs? Os robôs que se rebelam?

Para Santoro, a série — produzida por J.J. Abrams e Jonathan Nolan, corroteirista de “O Cavaleiro das Trevas” — é um estudo profundo sobre a natureza humana. “É uma série que trabalha muitas metáforas, muitas entrelinhas. Claro que o entretenimento está ali. Até porque no mundo de hoje, de tanto entretenimento e tão digital, a gente precisa disso pro espectador também se conectar. Mas ali vem muito alimento pro cérebro, eu acho.”

Um dos grandes atrativos para o projeto, o elenco de “Westworld” também foi motivo de nervosismo para Santoro, especialmente ao gravar uma cena sozinho com Ed Harris. “Na van começou a me dar um nervosismo, desconfortável, comecei a ficar ansioso, não tava gostando daquilo. Falei pra ele: ‘Olha, é uma honra e tal’. E ele: ‘Tá tranquilo’. E eu: ‘Tranquilo pra você, que é comigo. Pra mim não tá tranquilo, você é o freaking Ed Harris, tenho o maior respeito pelo seu trabalho, é uma cena grande só eu e você’”, conta. “É uma sensação de estar jogando com a seleção, mesmo. É outro lugar. É um lugar onde a bola vem e tem que voltar legal.”

No set, para relaxar, deitou-se numa cama que havia por ali, para tentar relaxar. Harris sentou-se ao seu lado. “Daqui a pouco ele bota a mão na minha bota. Aí ele falou uma frase, que não me lembro exatamente, mas era: ‘A gente vai fazer isso junto. Quando estiver bom a gente vai embora. Enquanto não estiver bom a gente fica aqui. Estou aqui contigo’. Aí ele levantou, a gente fez a cena e foram dois takes”, lembra Santoro. “O psicológico é uma coisa tão difícil de controlar, ainda mais quando a gente está ansioso. É tão sutil, mas aquelas palavras foram muito importantes, de companheirismo. Mostra que mesmo sendo um cara super reconhecido, é um artista, trabalhador. Sem muita firula também, não segurou na minha mão.” Foi a terceira vez que se sentiu assim intimidado na vida, conta Santoro. As outras vezes haviam sido com Benicio Del Toro, em “Che”, e Paulo Autran.

Anthony Hopkins foi outra história: logo de cara, chegou e quebrou o gelo. “Anthony vem e faz isso com todas as pessoas, vem e quebra. ‘Call me Tony.’ Olha bem no seu olho, te abraça, faz uma piada”, diz. “Almoça com todo o mundo, conta história, imita que é uma coisa. Fez uma imitação do Brando que a galera… Nossa, incrível. É um compositor, pinta, dirige. É uma lenda.” Preso à lista de tópicos autorizados, porém, Santoro não conta se chegou a contracenar com Hopkins ou se só cruzou com ele no set. “Aí você vai ter que assistir à série, não posso contar. Ele é o criador. Quando a criatura encontra o criador, coisas acontecem.”

Com tanto mistério por parte de Santoro e tendo visto apenas um episódio, bastante introdutório, dá só para prever quais serão as questões levantadas pela série para “alimentar o cérebro”, clássicas quando se fala de inteligência artificial e da relação de criador/criatura, desde os tempos de Frankenstein. Na estreia, Anthony Hopkins é uma presença bem coadjuvante, que deve ganhar importância. Sabe-se que ele é o grande cérebro por trás do parque e quer humanizar cada vez mais suas criaturas, acrescentando nelas uma espécie de memória, de subconsciente, que se reflete em gestos mais naturais baseados nas lembranças. Não sabemos, porém, quais são seus objetivos, sua verdadeira natureza ou o que sente pelas criaturas. “Westworld” também parece questionar o apetite pela violência: é moral matar uma figura que parece humana, ainda que seja uma máquina? Veremos o que a série tem a dizer.

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Um faroeste arroz com feijão

Como premissa, “Sete Homens e um Destino” não é dos filmes mais originais. Não só pelo fato de ser um remake de um faroeste de 1960 (o pôster acima é dele), que por sua vez é uma releitura de um filme de 1954 de Akira Kurosawa — seria difícil esperar algo de incrivelmente novo num caso desses, embora a esperança seja a última que morre. É um filme todo convencional, da premissa à estrutura, não há nada que surpreenda realmente. Mas nem todo filme precisa inventar a roda e o faroeste de Antoine Fuqua, que estreia na quinta (22), faz aquilo que se propõe a fazer. Nem mais, nem menos do que o estritamente necessário.

Logo na primeira cena somos apresentados ao vilão e à mocinha, que depois terão pouco impacto na história, mas que colocam a trama toda para funcionar. Ele é Bartholomew Bogue (Peter Sarsgaard), um homem rico e poderoso que só falta torcer a ponta do bigode para ser um estereótipo. Ela é Emma Cullen (Haley Bennett), moradora de uma cidadezinha americana que é alvo de Bogue — ele quer que todo o mundo saia dali e dá aos moradores as alternativas de Pablo Escobar: prata (20 dólares para quem quiser vender suas terras para ele) ou chumbo (quem se recusar a sair por esse dinheiro sairá morto).

Emma é uma personagem corajosa, mas “Sete Homens e um Destino”, como o título avisa, não é uma história revolucionária em que uma mulher do velho oeste americano resolve seus problemas com as próprias mãos. Com todo o dinheiro que consegue juntar, ela contrata o caçador de recompensas Sam Chisolm (Denzel Washington) para proteger a cidade e não deixar os vilões, que voltarão em algumas semanas, cumprirem a promessa. Chisolm é bom com armas, mas incapaz de cumprir a missão sozinho, e para isso recruta outros seis golpistas/criminosos/mercenários para se juntar a ele na missão suicida.

É um grupo heterogêneo: Faraday (Chris Pratt) é o malandro que faz piadas, Goodnight Robicheaux (Ethan Hawke) é uma lenda da Guerra Civil traumatizada pelo passado, Billy Rocks (Byung-hun Lee) é seu escudeiro asiático, hábil com facas, Vasquez (Manuel Garcia-Rulfo) é um mexicano procurado pela polícia, Jack Horne (Vincent D’Onofrio) é um religioso bom em perseguições, e Red Harvest (Martin Sensmeier) é um índio solitário — os protagonistas de verdade são Washington, Pratt e, em menor grau, Hawke. Apesar da intenção de Fuqua de ter um elenco diverso, sabemos pouco sobre os personagens que não são homens brancos — quando você precisa apelar ao IMDb para lembrar do nome de um personagem, é um mau sinal.

Em resumo, é o “Esquadrão Suicida” do Velho Oeste. Mas um Esquadrão Suicida mais consistente, sem buracos na história: dá para entender por que boa parte daqueles mercenários resolveu aceitar uma missão tão perigosa, seu objetivo faz sentido e há uma sensação bem mais forte de perigo em “Sete Homens e um Destino”, com os capangas de Bogue armados até os dentes, do que no filme de super-heróis, em que os vilões são quase onipotentes. A história é bem simples e se desenrola da maneira que se espera — os tais sete magníficos transformam a cidadezinha numa espécie de casa do Kevin em “Esqueceram de Mim”, cheia de armadilhas, e recebem os vilões numa grande batalha que entretém quem gosta de cenas de ação.

“Sete Homens e um Destino” pode não ter os defeitos de um “Esquadrão Suicida”, mas é um filme arroz com feijão, do qual é pouco provável que alguém se lembre no mês seguinte. Falta a ele algo a mais. O vilão é simples, pouco memorável; tem personagens com histórias interessantes, mas não exploradas, como Red Harvest e Billy (por que o primeiro anda sozinho, estilo lobo solitário? Como o segundo foi parar no velho oeste americano?) e apesar de as cenas de ação serem bem feitas, falta um pouco de diversão. Chris Pratt até tenta, colocando em seu personagem aquele seu jeito clássico de adolescente engraçadão, mas parece deslocado ali no meio. Em tempos de blockbusters mais ou menos, cheios de histórias que não fazem sentido, “Sete Homens e um Destino” não decepciona. Mas só isso não deveria ser motivo para comemorar. Nem todo filme precisa ser revolucionário, mas ser só corretinho é se contentar com pouco.

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O estupro segundo ‘O Silêncio do Céu’

Com o celular desligado na bolsa, é impossível precisar quanto tempo dura a primeira cena de “O Silêncio do Céu”, escolhido como o melhor filme do Festival de Gramado pelo júri da crítica e vencedor do prêmio especial do júri neste mês. Mas a sensação é de que, logo na abertura, Diana, personagem de Carolina Dieckmann, é estuprada por uma eternidade. Não há nenhum tipo de introdução. Se há trilha sonora, não se ouve. O filme de Marco Dutra, que estreia na próxima quinta, dia 22, começa com Diana imobilizada por dois homens, que se alternam na hora de estuprá-la, enquanto uma faca é apertada contra seu pescoço. Ela grita e chora enquanto a câmera fica bem perto de seu rosto, alternando entre mostrar sua reação e aquilo que ela está vendo. A sensação de assistir àquilo é horrível.

Como o espectador, seu marido, Mario (Leonardo Sbaraglia, de “Relatos Selvagens”), também vê a cena, como aprendemos logo na sequência. Novamente o público é obrigado a assistir a Diana sendo estuprada, dessa vez do lado de fora do quarto, acompanhando o ponto de vista de Mario, que chegou em casa mais cedo e, ao ver a cena, não faz nada para interromper. “Pra mim, a questão do ponto de vista era essencial. Por isso eu tratei a primeira cena com duas formas de encenação”, disse Marco Dutra a jornalistas depois da exibição do filme. “Isso teria que contaminar o filme todo, essas variações de ponto de vista. Pra incomunicabilidade dos dois pontos de vista ficar palpável, ficar forte”, continua. “Os dois estão vivendo uma situação de trauma, mas não é o mesmo trauma, apesar de ser o mesmo evento. A consequência não é a mesma pros dois personagens e era muito importante ter acesso a ambos. Por isso era importante cada um ter seu espaço, seu momento, e pegar as rédeas de seu ponto de vista.”

Depois que Diana é estuprada, ela toma um banho, prepara o jantar, e não conta a Mario o que aconteceu durante o dia. Ele também não conta a ela que viu o que aconteceu, e tenta arrancar dela uma confissão ao mesmo tempo em que vai atrás dos culpados. Apesar de o diretor afirmar que era uma preocupação retratar o ponto de vista dos dois, é mais uma história sobre como o estupro afeta Mario do que sobre as consequências para a Diana, um defeito comum em produções em que há violência contra a mulher, muitas vezes um acontecimento para dar o pontapé na história de um homem. “O Silêncio do Céu” começa e termina com a perspectiva de Diana, mas o verdadeiro narrador da trama é Mario, um homem cheio de medos e fobias tentando enterrar o que aconteceu e salvar o relacionamento, que já andava em crise. Até os 45 do segundo tempo só vemos Diana sob seu olhar — sempre de longe, no chuveiro, pela janela da loja onde trabalha. No terceiro ato, lá para o final do filme, ela assume a narração.

Segundo o produtor, Rodrigo Teixeira, o estupro é um assunto que “tem que ser discutido, todo o mundo é contra a violência doméstica”. Mas o que o atraiu no projeto foi a questão do silêncio entre o casal e a reação de Mario vendo a mulher sendo violada por dois homens e não fazendo nada. “Aquilo era uma premissa, independente da violência da cena, que eu não tinha visto em nenhum lugar. É tão forte que a gente tem um agente de vendas que comercializou o filme fora que fala pra mim que se esse filme feito em língua inglesa, ele teria um impacto muito grande”, afirma. Quando o filme foi feito, as conversas no Brasil sobre violência contra a mulher estavam bem mais fortes, e aí os produtores perceberam que o filme geraria ainda mais discussão por isso. “Não gosto de me aprofundar muito pra não entrar num lado político da história, mas eu sou contra a atitude feita pelo personagem da Carolina. Acho que foi extremamente bem retratado no roteiro, pelo diretor, pelos dois atores. Foi um mega desafio pra Carolina, que se entregou pra fazer essa cena.”

Carolina Dieckmann em 'O Silêncio do Céu'. Crédito: Pedro Luque/Divulgação
Carolina Dieckmann em ‘O Silêncio do Céu’. Crédito: Pedro Luque/Divulgação

O SILÊNCIO

Sbaraglia conta que retratar o porquê de Mario não ter entrado no quarto quando vê Diana sendo violentada foi uma de suas maiores dificuldades. No livro “Era el Cielo”, de Sergio Bizzio, no qual o filme é baseado, está explicado que Mario tem tantas fobias que não conseguia reagir. “No romance está muito bem descrito. Contar isso no cinema, através de imagens, é muito difícil. Isso foi o mais complicado, que me preocupava. Ele queria se meter, mas não podia, afirma. Também foi complicado entender por que Mario não conversou abertamente com Diana sobre o que aconteceu. “Creio que o filme fala disso, como esse drama, essa tragédia que vivem esses personagens, é uma metáfora desse silêncio que termina sepultando uma relação. Terminei encontrando o personagem por aí, tratando de entender isso que não podia ser dito”, diz. “Encontrei o personagem de momento em momento, cena em cena. É um personagem de detalhe. Foi um trabalho muito bonito.”

Sobre filmar a cena do estupro, Carolina diz que quando vê que terá uma cena forte, a primeira coisa que sente é alegria. “Adoro uma cena difícil pra fazer, adoro um desafio.” Só queria fazê-la mais para o fim das filmagens, para se sentir confortável com a equipe — o filme foi gravado no Uruguai e é praticamente todo falado em espanhol. “[Eu queria] que eu tivesse com eles um pouco mais de intimidade pra lidar com aquilo, porque sei que é uma cena difícil, que é um desafio, que apesar de eu ser a única pelada tá todo o mundo um pouco exposto”, conta. Seu desejo não se realizou e ela gravou a cena na primeira semana de filmagem, mas diz que todos foram muito delicados com ela. “Emocionalmente a gente se conectou.”

Quando Carolina entrou no projeto, a ideia era que o filme fosse gravado no Brasil — o personagem de Sbaraglia seria um estrangeiro morando aqui. Por questões de produção a história migrou para o Uruguai e Carolina se tornou a estrangeira da produção, falando em espanhol a maior parte do tempo. “Foi um trabalho muito duro pra mim, porque eu sou uma atriz muito natural. Eu gosto de ir ficando cada vez mais natural. E você ficar natural numa língua que você não conhece exige um trabalho de mesa muito duro mesmo. Eu tive que dissecar o texto e criar uma margem praquele texto pra chegar na filmagem e não me sentir amedrontada diante do texto. Precisei criar uma intimidade maior com o que estava sendo dito”, diz.

Ela não tem muito diálogo, é verdade. Sua personagem fala pouco durante praticamente todo o filme, mas Carolina consegue transmitir bastante mesmo em seu silêncio. Sbaraglia, que tem mais tempo em cena (além dos dois, há poucos personagens de destaque), também é bom e o clima de suspense e tensão dura o filme inteiro. A última cena, como a primeira, é bem silenciosa e a sala de cinema permaneceu assim por bastante tempo — enquanto os créditos passavam, quase todo o mundo presente na sessão ficou sentado em silêncio, sem levantar ou dizer nada.

Mas mesmo que Marco Dutra reconheça que os protagonistas tiveram traumas diferentes após o estupro de Diana e que era importante ter o ponto de vista dos dois, quando o filme finalmente apresenta o lado dela é muito pouco e muito tarde. A situação foi difícil para Mario, mas foi muito mais para Diana, e no fim das contas saímos sem saber muito sobre sua experiência, não importa quão expressivo seja o olhar de Carolina Dieckmann — o silêncio dele é tratado no filme como mais importante que o silêncio dela, mais significativo. Teria sido melhor se fosse realmente uma história sobre o casal, e não só outro filme sobre um homem em crise.

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Revisitando ‘Gilmore Girls’

“Gilmore Girls” não era um sucesso de audiência. Tampouco ganhou muitos prêmios — tem apenas um Emmy, numa categoria secundária (maquiagem), e uma indicação ao Globo de Ouro para Lauren Graham, a Lorelai. Depois de seu fim, em 2007, os principais envolvidos na série não tiveram lá trajetórias de muito destaque — Graham fez a série “Parenthood”, Alexis Bledel, a Rory, fez alguns episódios de “Mad Men” (e pouco mais do que isso), e a criadora Amy Sherman-Palladino não emplacou nenhuma outra série de sucesso. Como o casal Ryan Gosling e Rachel McAdams, “Gilmore Girls” parecia mais uma coisa do início dos anos 2000: foi bom, pena que acabou, as lembranças são carinhosas, mas parece ter acontecido em outra vida.

E então, em janeiro, o Netflix deu uma nova vida à série. Em 25 de novembro, em pleno dia de Ação de Graças nos Estados Unidos, quando as famílias se reúnem em casa, serão lançados quatro episódios de uma hora e meia de duração cada sobre a relação entre Lorelai Gilmore, sua filha, Rory, e sua mãe, Emily — o intérprete de Richard, seu pai, o ator Edward Herrmann, morreu em 2014. A estreia dos novos episódios, quase dez anos após o fim da sétima temporada, foi recebida com a festa na internet que faltou a “Fuller House”, revelando uma demanda surpreendente por “Gilmore Girls”.

Não só “Gilmore Girls” não ficou datada — surpreendente para uma série com um número tão alto de referências pop por capítulo — como rever a série dez anos depois é uma experiência quase nova, em que as percepções a respeito dos personagens mudam dramaticamente e de repente você se pega se identificando com os avós da trama. Na série, Lorelai é uma mulher que nasceu em uma família riquíssima e que fugiu de casa aos 16 anos, depois de ter um bebê e se recusar a satisfazer a vontade dos pais casando com o pai da criança. A relação com os pais é praticamente inexistente até que Rory, que sonha em estudar em Harvard e leu Proust quando criança, é aceita numa escola excelente, mas que custa os olhos da cara. Lorelai se vê obrigada a pedir um empréstimo para os pais, que impõem uma condição: para receber o dinheiro ela e Rory devem jantar com eles todas as sextas.

Lorelai e Rory são, como a série desenha pra você entender em vários momentos, mais que mãe e filha: são melhores amigas. “Gilmore Girls” pinta as duas como pessoas maravilhosas. Rory é uma gênia, leu mais livros do que é humanamente possível em seu período de vida, é paciente, educada, amada por todos os garotos que colocam os olhos nela. Melhor aluna na escola, aceita em todas as faculdades, editora do jornal universitário, contratada para cobrir as eleições presidenciais assim que ganha seu diploma. Lorelai faz monólogos como ninguém, dispara piadas e referências para todo lado, sabe costurar como uma profissional, é excelente no trabalho e querida por todos na cidadezinha em que vive. As duas comem quantidades impressionantes de hambúrguer, pizza e doces e nunca viram um vegetal na vida, mas continuam magérrimas.

Era, pelo menos, a impressão que a série me causou aos 13, 14 anos, quando comecei a assistir à série, e compartilhada pelas amigas na época – “Gilmore Girls” nunca fez muito sucesso com o público masculino. Rory, que começa a série com 16 anos de idade, representava um futuro perfeito no plano teórico: aquele em que você consegue as melhores notas, entra na melhor faculdade, mantém uma ótima vida social, tem tempo para ler e ver todos os filmes do mundo e parece destinada ao sucesso (como Rory, eu queria fazer ciência política e virar jornalista — plano que virou realidade). Lorelai, por outro lado, representava tudo o que era mais divertido naquela época. Era o futuro perfeito no plano prático, ela podia não ter a trajetória mais convencional, mas tinha personalidade e se saía de qualquer encrenca na base do humor e do carisma.

Sob esse ponto de vista, Emily e Richard são o outro lado da moeda: caretas, intransigentes, difíceis de lidar, incapazes de entender o espírito livre que é Lorelai. Julgam todas as escolhas da filha, desaprovam os namorados menos abastados de Rory, querem controlar a vida das duas a todo custo. Na adolescência, Lorelai é a mãe dos sonhos, aquela que tenta te convencer a faltar na escola e dar festas quando ela viaja. Emily é a mãe cheia de expectativas e cobranças, que não entende quem você é. Numa disputa entre Emily e Lorelai como mãe do ano não havia nem competição — Lorelai era a mocinha e Emily, a vilã.

Rever “Gilmore Girls” como uma pessoa adulta é uma experiência bem diferente e é um choque descobrir que nem Lorelai nem Rory são tão legais assim. Lorelai é o sonho dos adolescentes porque se comporta praticamente como uma. Nas suas próprias palavras, ela é flexível, mas só quando as coisas funcionam do seu jeito. Seus problemas de relacionamento com os pais são bem mais culpa dela do que deles: quando eles se oferecem para pagar a faculdade de Rory, ela se ofende; quando Rory se diverte ao passar uma tarde com o avô, ela sente ciúmes. O fato de ela passar anos tratando a hipótese de Rory estudar em Yale, onde os avós estudaram, como se fosse o pior cenário do mundo é irracional para dizer o mínimo. O mesmo vale para sua relação com o pai de Rory: ela passa a série inteira dizendo que ele é ausente, mas quando ele pede sua autorização para que a filha vá visitá-lo nas férias ela nem repassa o convite porque as férias da filha são prioridade dela.

Emily, Lorelai e Rory em novo episódio de "Gilmore Girls"
Emily, Lorelai e Rory em novo episódio de “Gilmore Girls”

Falemos de Rory, então: em vez de ser a criatura mais perfeita a pisar na Terra, como todos os personagens da série fazem questão de afirmar e reafirmar constantemente, ela é uma das adolescentes mais mimadas da televisão. Quando o dono do jornal em que ela faz um estágio lhe diz que ela não tem o que é preciso para ser uma grande repórter, qual sua atitude? Roubar um barco e largar a faculdade. Quando ela não consegue um emprego no New York Times logo após a formatura, ela não consegue ficar feliz pela amiga que conseguiu as vagas dos sonhos. Quando vê Jess, de quem ela gosta, com outra pessoa, ela joga ovos no seu carro mesmo que ela mesma tenha namorado. Quando ela transa com um ex-namorado que agora é casado e a mãe critica, o que ela diz? “Mas ele era meu primeiro.” Com o passar dos anos, inclusive, a voz de Rory vai ficando cada vez mais infantil e cada vez mais você pensa que, nossa, ainda bem que seu futuro não era esse.

Vendo a série numa outra idade, é mais fácil se identificar com Emily. Ela tenta criar Lorelai da maneira que acha melhor e, apesar de não entender que a filha não é como ela, tenta se aproximar o tempo todo e é constantemente recebida com quatro pedras na mão. Emily está longe de ser perfeita, mas, do jeito dela, ela tenta — é mais do que se pode dizer de Lorelai em boa parte da série.

“Gilmore Girls” envelhece bem porque é uma série sobre relacionamentos, principalmente entre mulheres (Richard, apesar de ser um dos protagonistas, é menos central que Emily). Em diferentes épocas da vida, é possível encontrar ali diversas camadas, interpretar as coisas de outra forma. Também por isso novos episódios são bem-vindos: dá vontade de saber que rumo a carreira de Rory tomou (segundo relatos iniciais, não está sendo fácil pra ela arrumar emprego como jornalista), a quantas anda sua vida amorosa, como está o relacionamento de Lorelai e Luke, o dono da lanchonete da cidade, como Emily se adaptou à vida sem Richard. É diferente de “Friends”, por exemplo, que é uma série sobre uma fase da vida — não faria sentido fazer episódios agora, com os personagens beirando os 50 anos. “Gilmore Girls” tem algo bem mais difícil de conseguir do que um prêmio no Emmy (afinal, vivemos em um mundo em que Jon Cryer ganhou um troféu por “Two and a Half Men”): longevidade.

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A anatomia de uma capa

Diz o ditado que não se deve julgar um livro pela capa, mas para Paul Buckley, diretor de arte da editora Penguin, uma boa capa é fundamental. “A capa é com frequência a maior peça publicitária que um livro terá e representa a diferença entre ‘eu quero levar isso pra casa’ e um potencial comprador nem notá-lo”, afirma. Colocar uma foto genérica com um título em cima, por exemplo, é preguiça sem inspiração. “E gente sem inspiração precisa seguir em frente e abrir espaço para gente que curte exercer essa habilidade.”

Produzir uma capa de livro é bem mais do que só escolher uma foto qualquer e uma fonte para o título e o nome do autor. É um processo que pode levar de três horas a três meses, diz Buckley. “Clássicos são uma experiência bem mais agradável do que ficção nova, que pode ser um trabalho bem dramático”, opina. “Todo o mundo envolvido pode amar o seu primeiro instinto e a primeira coisa que você cria, ou podem odiar tudo até que o cara do correio esteja batendo em sua porta.” Na Penguin Random House, um diretor de arte é responsável pela identidade visual de um só selo, enquanto o diretor criativo coordena todos os diretores de arte e designers para supervisionar as capas dos 16 selos, que incluem centenas de autores. “Bem mais do que mil capas únicas passam por esse departamento em um ano”, conta.

Entre o manuscrito e a capa — mesmo aquelas em que há uma foto do filme a que o livro deu origem — há muitas etapas a serem cumpridas. A editora pode envolver, além de seu próprio time, uma equipe externa de ilustradores, designers, responsáveis por fontes feitas à mão e pesquisadores, e outros participantes do ciclo de vida de um livro: autores, agentes e até grandes compradores, que dão opiniões sobre o resultado.

“Nenhum projeto de design é algo completamente individual. Design é essencialmente um diálogo. Numa capa, por exemplo, você precisa dialogar com o conteúdo, com a editora, com o potencial leitor, com o orçamento de impressão, com o autor… É um grupo grande de interlocutores. Algumas capas de livro, contudo, possibilitam discursos gráficos e abordagens bastante subjetivas. E, nesses casos, a individualidade de cada designer pode emergir com força Digamos, portanto, que é um trabalho em grupo que, em certas ocasiões, possibilita também uma expressão individual”, conta Gustavo Piqueira, da Casa Rex, que já fez capas para editoras como a Martins Fontes e a Lote 42. (A Casa Rex também assina a identidade visual do Risca Faca.)

Para o designer, a liberdade na hora de criar uma capa depende muito da editora. “Algumas te dão liberdade criativa completa e outras querem te dizer exatamente qual fonte usar. Só posso falar por mim, mas tenho certeza de que a maioria dos designers prefere pouca ou nenhuma direção a excesso de direção”, diz Catherine Casalino, que trabalhou em editoras como Simon & Schuster, Hachette e Random House.

Seu primeiro passo ao começar um projeto é ler o material que a editora fornece, do plano de marketing ao manuscrito completo — se houver (no caso de livros de não ficção, é menos comum que o texto esteja pronto até o momento de chegar ao capista). “Tem muita informação no texto que pode te ajudar com o design da capa e ler o livro te dá uma ideia melhor do humor do escrito — é sério? Bem humorado? Literário? Tudo isso pode te ajudar a fazer uma capa apropriada.”

James Jones, designer responsável por capas como a de “A Brief History of Seven Killings”, vencedor do prêmio Man Booker no ano passado, diz que é importante também entender por que o editor se interessou pelo livro. “Aí meu trabalho é visualizar isso para o leitor. Eu gosto de ler pelo menos uma parte do livro para sentir o ritmo da escrita. Cada livro tem um ritmo diferente, que eu tento encontrar. Enquanto leio esboço muitas ideias. Tenho sorte de nunca faltar ideia, mas melhorei na seleção de quais levar em frente. Desenvolvo algumas das ideias iniciais, antes de esperar um pouco e deixá-las descansar. Quando volto ao projeto, espero que a direção a seguir esteja mais clara”, diz Jones.

“Eu tento visualizar o design da capa como um problema visual que precisa de solução. O próximo passo é olhar exaustivamente referências visuais. É um tipo de processo aleatório, até que engatilha uma ideia”, conta David Drummond, da Salamander Hill Design. Na hora de achar referências, vale tudo. Justine Anweiler, da editora Pan Macmillan, busca inspiração na Amazon e no Pinterest. “A Amazon é boa para o pensar no marketing, enquanto o Pinterest é bom para expandir as paredes que meu cérebro criativo levantou depois de dar uma primeira olhada no projeto.”

Capa de David Drummond
Capa de David Drummond

Uma vez que a editora dá sua aprovação à capa, é a vez de o projeto ser apresentado ao autor. “Isso às vezes pode fazer o projeto começar de novo”, diz Catherine. O papel do escritor na escolha da capa que seu livro levará varia, segundo Paul Buckley. “Mas é importante lembrar que o livro é do autor, que viveu com ele por anos. Então quer você queira quer não ele terá opiniões, que podem ser muito nervosas e não muito divertidas, ou ele pode ser bem tranquilo e acreditar que você é um profissional naquilo que você faz. E pode ser qualquer coisa no meio disso”, diz Buckley. “O autor tem uma voz, porque o livro é seu bebê e meu trabalho é vesti-lo”, conta Justine.

Com os clássicos é outra história. “Eles foram feitos tantas vezes ao longo de tantos anos que isso às vezes assusta os designers. ‘Meu Deus, isso já foi feito cem vezes, como vou criar algo novo?’ Em vez de entrar pela porta da frente, entre pela de trás, pela chaminé, suba pela janela e ligue essa valsa. Traga nova música, abra as janelas e deixe o ar fresco entrar. Faça uns coquetéis e se divirta. Faça uma festa a fantasia e dê ao protagonista novas roupas. O que as pessoas se esquecem é que a beleza dos clássicos é que já conhecemos o livro. Já entendemos, então sinta-se livre pra abordá-lo de um jeito novo”, diz Buckley. “Divirta-se com ele e destaque para um público novo que os clássicos não estão presos num tempo e num lugar. Seus desafios, esperanças e sonhos são os mesmos de hoje. Só que sem smartphones.”

Ser original não é sinônimo de ser o primeiro, diz James Jones. “Significa ser diferente e melhor”, afirma. Dá como exemplo a coleção de capas vintage dos livros de James Bond na qual trabalhou. “Os livros tinham muitas capas icônicas, mas trabalhamos duro para fazer uma série que se mantivesse próxima aos fãs, mas mudasse um pouco pela abordagem tipográfica. Você tem que ter a confiança de que vai representar o conteúdo de um livro de uma forma original.” Catherine diz que é divertido ter o desafio extra de trabalhar em algo que tantos outros já trabalharam. “Isso te força a se esforçar um pouco mais. Trabalhei num projeto pessoal há cerca de um ano em que fiz cem ilustrações em cem dias para os livros da ‘Alice’, de Lewis Carrol. Amei tentar encontrar uma perspectiva fresca num livro que foi ilustrado tantas vezes.”

Capa de James Jones para o livro "Live and Let Die", da série de James Bond
Capa de James Jones para o livro “Live and Let Die”, da série de James Bond

Faz parte do cardápio da Penguin, de Paul Buckley, uma seleção de clássicos, que a editora tenta embalar em nova roupagem. Há uma linha, por exemplo, de capas com ilustrações de tatuadores, e outra feita em bordado. Algumas delas fazem parte do livro “Classic Penguin: Cover to Cover”, lançado recentemente para comemorar os 70 anos da Penguin Classics. Entre seus maiores orgulhos, aliás, estão dois livros antigos: “Kama Sutra” e “Fear of Flying”, de Erica Jong, de 1973, que trata da sexualidade feminina. “Em geral, acho que os Estados Unidos ainda têm muito de sua velha ética puritana, e muito do que move a sociedade é ridiculamente pudico, então quando consigo fazer algo sexy de bom gosto, me sinto particularmente bem por isso. Você sabia que se eu, ou qualquer um, colocar uma obra-prima da pintura do século 15 que mostre um peito (que todos temos) numa capa de livro, muitas livrarias grandes se recusam a vendê-lo? Em toda grande editora já tiveram várias conversas estilo ‘sim, sim, eu sei que é Rembrandt, mas você tem que cobrir isso com texto ou outro recurso. A gente não pode mostrar isso ou vamos perder X% das vendas em potencial’.”

Ilustrar a obra de outra pessoa imprimindo seu próprio estilo é um dos desafios dos capistas. “Gosto de pensar que meu estilo é ditado pelas palavras do autor. Às vezes não posso fazer isso sozinho, e é aí que chamo ilustradores e designers para trabalhar comigo. Definitivamente muda de livro para livro. É algo a que sou grato. Tipografia é algo importante pra mim. Independente do estilo ou do tamanho, é algo que me deixa obcecado”, comenta James, em linha seguida por Catherine. “Tento muito resistir a um estilo. Trabalho com livros tão variados que acho que é importante ser um camaleão”, diz ela.

Capa com design de Justine Anweiler
Capa com design de Justine Anweiler

Para Justine, todo designer gosta de pensar que não tem um estilo, mas os bem-sucedidos foram espertos o suficiente para entender seu estilo e transformá-lo numa marca. “Embora eu não goste de usar as mesmas fontes na minhas capas, admito que há linhas em comum. Gosto de algo simples, conceitual e arrojado. De vez em quando coloco algo visualmente congestionado por aí e sou obcecada por isso, mas só se o livro pedir. Acho que no coração de cada capa precisa ter uma ideia clara.”

Se um passeio pela livraria revelar capas semelhantes, não é mera coincidência. “Estilos mudam constantemente. Às vezes por coincidência, mas principalmente porque editores querem capitalizar sobre o sucesso de outro livro”, opina James Jones. “As cores da pantone do ano sempre acabam sendo utilizadas, porque as vemos em todos os lugares — então por que não usá-las em livros. Livros que têm sucesso comercial ou são premiados ditam a maior parte das tendências”, diz Justine. “No momento, temos três tendências de design. Capas normalmente são uma das três: fria (sem vida presente), minimalista e gerada no computador (parecem polidas); expressivas, acidentais e cruas (têm algum elemento de desenho à mão); ou uma combinação dos dois estilos — algo estéril justaposto a algo muito humano”, afirma. “Na última década vi uma mudança de capas com fotos para mais capas ilustradas. Mas todas as tendências voltam…”, completa Catherine. “Design gráfico, em essência, é isso: define onde e quando estamos”, resume Gustavo Piqueira.

Se para Paul Buckley a capa é a maior peça publicitária que um livro pode ter, para designers como Gustavo não dá para analisar uma capa como “sucesso” ou “fracasso” com base nas vendas. “Busco, em meu trabalho, evitar tratar a capa como mero paratexto ou instrumento de venda de um produto. Penso que o design gráfico, como linguagem visual que reflete o mundo a nossa volta, tem um valor para além do mercadológico ou do meramente decorativo”, diz.

Livro com capa de Catherine Casalino
Livro com capa de Catherine Casalino

Ao fim do processo, o que se espera é que a capa do livro tenha personalidade. “Não sei como seria a capa ideal, mas ela geralmente me dá aquele momento de ‘ah ha’ quando eu a pego — você sabe que é uma capa boa quando vê uma”, opina Catherine Casalino. “A capa perfeita é diferente de todas as outras na prateleira e fica na sua cabeça. Isso se atinge com um conceito inteligente, brilhantemente executado em cada detalhe do design. A cor, a composição, a escolha da fonte, as imagens — tudo isso deve refletir o conceito e reiterar a voz do autor”, diz Justine Anweiler. “O maior defeito que vejo é quando uma capa de apoia no sucesso de outra. Sempre acho que é uma pena e um desserviço ao autor, que tem uma voz única e individual e merece uma capa igualmente única.”

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Televisão

Quem é quem no mundo dos talk shows

Na mesma semana, Record e Globo decidiram lançar seus dois novos talk shows: a primeira emissora foi de Fábio Porchat, e a segunda, de Marcelo Adnet. Os dois canais tentam emplacar na televisão brasileira um programa no estilo que tanto faz sucesso nos Estados Unidos e que, por aqui, não faz muito verão — tínhamos, até então, só Jô Soares e Danilo Gentilli como apresentadores, e nenhum talk show incrível. Como nesses casos convidados importam, e muito, Adnet sai com a vantagem de poder entrevistar contratados da Globo. Mas Porchat pode achar seu nicho: na TV estrangeira o que não falta são modelos de talk shows.

Entrevistas, brincadeiras, esquetes, convidados interagindo ou não, e até um pouco de álcool fazem parte do cardápio dos talk shows americanos ou britânicos. Elaboramos um pequeno guia para você saber quem é quem na noite televisiva.

***

Jimmy Fallon é o bonzinho do grupo. A companhia perfeita pra uma mesa de bar ou, melhor ainda, uma noite de jogos. Se você precisa de um parceiro de mímica, vá com Jimmy Fallon. Também é o talk show mais musical do grupo. No programa dele você vai descobrir que Paul Rudd nasceu para dublar músicas, que Christina Aguilera faz uma imitação perfeita de Britney Spears e que as celebridades estão dispostas a fazer uma quantidade absurda de coisas idiotas na televisão. Se você quer uma entrevista boa e não só uma historinha engraçada, Jimmy não é o cara. Ele não consegue conversar dois minutos sem dar risada (falsa, na opinião de alguns) e só diz coisas gentis para as pessoas, inclusive para Donald Trump. Mas está sempre aberto a fazer um papel de bobo e, não à toa, é o rei dos vídeos virais e da audiência.

Durante cinco anos Seth Meyers apresentou o resumo da semana “Weekend Update” no “Saturday Night Live”, onde também fazia esquetes. Dá pra ver que essa experiência foi aproveitada em seu talk show. As entrevistas de Seth não são a melhor parte do programa. Os destaques são as cenas curtas que ele faz e seus comentários políticos satíricos feitos como se ele fosse um apresentador de telejornal. É lá que você vai ver, por exemplo, como seria se Jon Snow, de “Game of Thrones”, fosse a um jantar na casa de Seth. E é também possivelmente o melhor talk show pra se informar sobre as notícias da semana.

James Corden é um inglês fofíssimo e ainda meio novo no mundo dos talk shows — ele começou o seu no ano passado. Como Jimmy Fallon, ele não tem medo de se colocar em situações ridículas e de fazer piadas consigo mesmo (conversando com Matt Damon, disse que o maior elogio que tinha recebido era: “Você parece o Matt Damon gordo”). James ainda é menos famoso que seus concorrentes e, talvez por isso, receba menos celebridades. Em compensação, seu formato é dos mais originais: os convidados são recebidos de uma só vez e interagem entre si, como numa sala de estar. Corden também aprendeu com Fallon que sucesso na internet é tão importante quanto audiência na TV, e já tem dois quadros de sucesso: Carpool Karaoke, em que ele canta com seus convidados num carro, e Drop the Mic, uma batalha de rap em que ele insulta algumas celebridades.

Jimmy Kimmel, assim como Jimmy Fallon, sabe como fazer conteúdo bom para internet, não só para a televisão. A diferença é mais de estilo: Kimmel geralmente faz a piada com os outros, mas não se coloca nela –seu quadro mais famoso envolve celebridades lendo tweets malvados sobre si. Kimmel gosta de expor a burrice das pessoas na rua (exemplo, questionar transeuntes sobre coisas que nunca aconteceram. Spoiler: elas respondem como se soubessem do que ele está falando) e pedir a opinião de crianças sobre as coisas. É também capaz de sustentar piadas por muito tempo. Tem uma “briga” com Matt Damon que dura mais de dez anos e é uma das melhores coisas em seu programa.

Graham Norton é um irlandês cheio dos trejeitos cuja principal característica é fazer entrevistas com várias pessoas de uma só vez, sentadas num sofazão, como no programa de James Corden. Mas Norton acrescenta ainda uma dose de álcool. É lá que você verá Jake Gyllenhaal, Emilia Clarke e Cara Delevingne (por que essas três pessoas juntas?) brigando pra ver quem tem as melhores sobrancelhas. É onde Tom Hiddleston pode mostrar a Robert De Niro sua imitação de Robert De Niro. É onde Matt LeBlanc tem que explicar para Rebel Wilson e Kit Harrington a trama de “Friends” antes de cantar duas músicas de Joey na série. O cenário é hipercolorido, as pessoas bebem enquanto conversam e a experiência é às vezes bem surreal.

Stephen Colbert ainda é um enigma. Ele interpretava um cara superconservador na TV paga e migrou para a TV aberta no ano passado, ocupando o lugar de David Letterman, sem a máscara de seu personagem. Seus primeiros programas prometiam um Colbert mais afastado do entretenimento: menos atores, mais políticos e juízes. Mas sem a mordacidade de seu personagem, não engrenou muito e tem perdido para Seth Meyers no quesito “fazer humor com as notícias”. Depois que o sinal de alerta se acendeu na emissora, Colbert tem melhorado, trazendo de volta, inclusive, quadros de seu antigo programa. Tem alguns poucos quadros fixos com celebridades, como um em que debate com elas questões bizarras (do tipo: o que faz o Papai Noel quando não é Natal?).

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Cinema

A era polêmica de ‘Aquarius’

No momento em que a presidente afastada Dilma Rousseff apresentava sua defesa ao Senado, o diretor Kleber Mendonça Filho, de “O Som ao Redor”, apresentava seu filme “Aquarius” à imprensa. Desde o dia 17 de maio, quando a equipe do filme levantou placas que diziam, entre outras coisas, “o Brasil está passando por um golpe de Estado” no Festival de Cannes, a história do filme se interligou com o impeachment. As polêmicas em torno do filme, intensificadas na última semana, culminaram numa acusação de censura prévia a “Aquarius”, que recebeu uma classificação indicativa de 18 anos.

Um pequeno resumo do entrevero: cerca de duas semanas atrás o jornalista Marcos Petruccelli anunciou em redes sociais que havia sido convidado pelo secretário do Audiovisual do governo interino de Michel Temer, Alfredo Bertini, para fazer parte da comissão que vai escolher o representante brasileiro para a disputa do Oscar. Petruccelli, porém, sem ter visto “Aquarius” já havia tecido críticas ao filme e ao diretor nas redes sociais.

“O posicionamento estridente do senhor Petruccelli em relação a esse filme parece ter como base a sua insatisfação pessoal com o protesto democrático e que terminou sendo divulgado em mídia mundial, realizado por dezenas de trabalhadores do audiovisual brasileiro e pela equipe de ‘Aquarius’ no Festival de Cannes (…) Foi naquele momento do mês de maio que, vale lembrar, o MinC passou alguns dias extinto –decisão do governo interino que, depois, voltou atrás, ressuscitando a pasta”, escreveu Mendonça Filho no jornal Folha de S.Paulo sobre a escolha do jornalista.

Depois disso, outros membros da comissão, como Ingra Lyberato e Guilherme Fiúza Zenha, desligaram-se dela e cineastas como Anna Muylaert, Aly Muritiba e Gabriel Mascaro retiraram seus filmes (respectivamente “Mãe Só Há Uma”, “Para Minha Amada Morta” e “Boi Neon”) da disputa por uma indicação ao Oscar. No dia 12, também foi determinada pelo Ministério da Justiça que a classificação de “Aquarius”, que estreia na próxima quinta, seria de 18 anos, por conter cenas de sexo explícito e drogas. A distribuidora do filme, Vitrine, recorreu da decisão, mas teve o pedido negado. Pelo Facebook, Mendonça Filho compartilhou publicação que dizia: “Esperar completar 18 anos para assistir ao filme Aquarius é muito fácil. Difícil é ter que esperar 16 anos para tentar vencer uma eleição nas urnas”.

Não à toa, a primeira resposta do diretor na coletiva de imprensa realizada num hotel em São Paulo, pouco depois de o filme ter sido exibido a jornalistas, relembrou Cannes. Falando sobre a imprensa, Mendonça Filho disse que algumas mentiras já foram contadas sobre seu filme. “O jornalismo pode existir num blog, num site, por menor que esse blog ou site seja, ou pode estar na grande mídia. Ele pode estar, inclusive, numa rede social, que tem informação compartilhável que começa a circular um pouco como um vírus e passa a ser informação. Eu diria que a [mentira] que mais me chamou a atenção foi a acusação de que fomos a Cannes pagos pelo governo”, disse. “Estávamos de férias. No chute, cada um de nós, numa equipe de 30 pessoas, estaria recebendo cerca de 500 euros por dia. É uma das coisas mais estapafúrdias, absurdas e nojentas que poderiam escrever. Isso virou assunto, e bizarramente virou informação, por mais equivocada que seja.”

“Aquarius”, que estreou em Cannes, onde participou da competição oficial, conta a história de Clara (Sonia Braga), última moradora do edifício Aquarius, em Boa Viagem, em Recife. Todos os outros apartamentos foram comprados por uma construtora, representada pelo herdeiro Diego (Humberto Carrão), que acaba de voltar dos Estados Unidos e tem como primeiro projeto demolir o velho Aquarius para construir um prédio novo. Clara, porém, não quer nem ouvir a proposta de compra, causando um problema para a construtora e as famílias que já saíram de lá. Ela não precisa ficar, mas quer ficar, lutando sozinha contra a especulação imobiliária.

“Quando recebi esse roteiro do Kleber fiquei muito impressionada, porque realmente foi o melhor roteiro que recebi na vida. Imediatamente se juntou com a minha alma, com meu corpo. Na realidade, ele me deu uma voz novamente. Todas as palavras que estavam naquele roteiro eram uma voz pra cidadã Sonia Braga. Eu estava precisando dessas palavras, desse posicionamento, que eu já estava tendo como cidadã, mas sem plataforma”, disse ela.

Sonia é o centro do filme: a câmera não desgruda enquanto ela nada no mar, passeia com o neto, vai para a balada com as amigas, transa. Os outros personagens apenas giram em torno de Clara: os filhos aparecem para discutir a venda do apartamento numa conversa tensa, o salva-vidas da praia aparece como ombro amigo, o grupo de amigas está ali para tentar estimulá-la a aproveitar a vida.

É um filme completamente de Sonia, um papel raro para uma mulher de 65 anos de idade, ressalta a atriz, hoje com 66. “Acho que a mídia ainda trata as mulheres como nos anos 1940. Nos anos 1940 uma mulher de 60 anos era uma velhinha”, diz. “Mas as coisas mudaram muito, o mundo mudou muito, o ser humano se desenvolveu. Dentro da sociedade a mulher tomou uma posição mais forte, mais presente. A indústria não acompanhou muito isso.” Maeve Jinkings, que interpreta a filha de Clara, completa: “Historicamente, o cinema é predominantemente um ambiente feito pro olhar — não só feito por — masculino, hétero, obcecado pela juventude e pela mulher objetificada. Hoje a gente está num tempo em que as mulheres, como outras minorias, estão chamando a atenção para sua representatividade”.

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Humberto Carrão, Zoraide Coleto e Sonia Braga. Crédito: Victor Juca/Divulgação
Humberto Carrão, Zoraide Coleto e Sonia Braga. Crédito: Victor Juca/Divulgação

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É um filme crítico, atual, que tem uma temática recorrente do cinema de Mendonça Filho. “Dá muito trabalho fazer um filme em que você esterilize o Brasil ou os problemas de viver em sociedade. Filmes, que a gente vê, eles existem, parece que a casa das pessoas é um mostruário da Tok & Stok”, diz o cineasta. “Não consigo pensar que daqui pra frente vou mudar o discurso de alguma maneira. A tendência é piorar, porque se forem colocados obstáculos para a produção de filmes no Brasil…”

Humberto Carrão, dono do segundo maior papel de destaque, o do antagonista de Clara, é uma caricatura desse mercado. Recém-chegado dos Estados Unidos, onde fez um curso de “business”, pensa que vai convencer Clara a sair dali mudando o nome do novo prédio, em inglês, para Aquarius, como homenagem ao antigo edifício (Clara ressalta que o edifício, na verdade, ainda está de pé). Seu Diego representa a visão de que para que o progresso aconteça o velho deve ir abaixo, discussão também abordada na relação de Clara, jornalista e escritora, com os discos de vinil e o MP3: dá para gostar dos dois?

O filme propõe mais reflexões que respostas. Para Carrão, essa discussão sobre progresso versus destruição do passado é fundamental. “Eu venho de uma cidade em que isso acontece o tempo inteiro. Nas Olimpíadas, pessoas foram tiradas do morro da Providência pra passar um teleférico, que a organização disse que não queria. Oitocentas famílias foram retiradas. O problema é esse, quando em nome do progresso, entre muitas aspas, você ignora o espaço, o afeto, a memória. Isso continua acontecendo. Estelita, em Recife, a praça Onze, no Rio de Janeiro. É um discurso que tem que ser repensado.”

Sobre a classificação indicativa, o diretor diz que sabe o filme que fez. “Tinha em mente questões de tabu de imagem relacionada a sexo. ‘Aquarius’ não tem uma cena de violência física, sangue, facada, tiros. Tem três momentos de sexualidade que foram filmados corretamente, com a lente correta, na distância correta, costurados na narrativa. São imagens fortes da narrativa, mas não acredito que elas mereçam, no todo, uma classificação de 18 anos”, avalia.

Nenhuma das cenas de sexo é particularmente longa, mas há nudez frontal tanto de homens quanto mulheres — um pênis aparece ereto numa orgia, ainda que não em primeiro plano. Segundo um guia do Ministério da Justiça, filmes com classificação de 18 anos são aqueles com sexo explícito (“com reações realistas dos personagens participantes do ato sexual, com visualização dos órgãos sexuais”) ou com situações sexuais complexas (como incesto). Não é bem o caso de “Aquarius”, que não é um filme sobre sexo ou mesmo com muito sexo — e o diretor argumenta que um pênis ereto em segundo plano não transforma o filme em “Ninfomaníaca”.

“Se você pega uma safra recente de cinema brasileiro, ‘Boi Neon’, ‘Para Minha Amada Morta’, ‘Bruna Surfistinha’, ‘Tatuagem’, são filmes que encaram a sexualidade de uma forma franca. Não acho que ‘Aquarius’ seja mais chocante. Não acho que mereça estar na mesma prateleira de ‘Ninfomaníaca’, ‘Love’ ou ‘Calígula'”, afirma.

Pênis à parte, “Aquarius” não era pra ser um filme do tipo que polariza. É a história de uma mulher e a história da luta contra um tipo de progresso, bem contada, mas não exatamente polêmica. Segundo o cineasta, sua maior surpresa no processo foi justamente descobrir que fez um filme controverso — mas que isso não é negativo. “Isso faz parte do cinema, às vezes filmes chegam com muita expectativa, às vezes pelos motivos errados. Conversa sobre censura, possíveis perseguições políticas e coisas assim. Mas a melhor parte disso é que toda vez que ele passa ele gera energia como filme. Pelo que percebi, o filme está muito quente e é bom a gente estar estreando logo, na quinta. É bom pro filme esse debate. E a melhor coisa é que as pessoas vão poder discutir tendo visto o filme”, reflete o diretor.

“Daqui pra frente ninguém sabe. Hoje é um dia histórico, decisivo na nossa história recente, e realmente não sei como ficarão as políticas de incentivo. Não sei. O que eu sei é que momentos de tensão no país geram reações artísticas. Imagino que a gente pode ter daqui pra frente, talvez, filmes mais combativos. É uma teoria.”

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História

Que zona boa

São 10h30 de um sábado e já é impossível entrar no Armazém Santa Filomena, na zona cerealista, em São Paulo. O trecho entre a rua Santa Rosa e a avenida Mercúrio, a cinco minutos do Mercado Municipal, está praticamente intransitável. Há carros parados em fila dupla, manobristas instruindo motoristas a estacionar nas apertadas e raras vagas, famílias empurrando carrinhos de feira cheios de comida pela calçada, procurando espaço entre os vendedores de diferentes tipos de produtos, de ricota defumada a doces. Em duas horas, o movimento não diminui e as lojas continuam cheias. Ainda é impossível colocar o pé dentro do armazém, tamanho o número de pessoas apinhadas ali. De algum lugar não identificado na rua vem o alto som da música “Quem de Nós Dois”, de Ana Carolina, em uma versão em espanhol.

Sábado é o ponto alto do trânsito semanal de pessoas na zona cerealista, no Brás, no centro de São Paulo. Mas o movimento é constante: segunda o fluxo é maior entre quem compra no atacado — hotéis, restaurantes, outras lojas da cidade que abastecem suas prateleiras de castanhas, farinhas, frutas secas e grãos variados. Há também a reposição daquilo que se foi no sábado. Às terças e quartas as ruas são mais transitáveis e o público, menor. Na quinta já começa a preparação para o fim de semana. Sábado é o caos e domingo, a calmaria, quando a maior parte das lojas fecha. Mas mesmo nos dias que parecem tranquilos a zona cerealista não para. Para além da Santa Rosa há um mar de galpões, abastecidos constantemente por caminhões cheios de produtos desde a madrugada.

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Cebolas descarregadas de caminhão para depósito na zona cerealista. Foto: Anna Mascarenhas/Risca Faca

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Nas lojas da zona cerealista há uma variedade imensa de alimentos e bebidas. É possível encontrar vinhos, queijos, vários tipos de comida sem glúten ou lactose, ervas, chás, grãos e mil tipos de farinha (aparentemente é possível fazer farinha de maracujá). Para desbravar as lojas é melhor ir munido de uma lista de compras, porque as opções são muitas e o tempo geralmente é curto. Em boa parte das lojas você pega uma senha e espera para ser atendido. Você diz o que procura, fala a quantidade desejada, o vendedor embala o produto num saco, pesa e etiqueta. “Que mais?”, pergunta, e assim vai. É um pouco como ir ao Spoleto: fale agora o que quer ou cale-se para sempre.

Há também produtos industrializados ou já embalados, mas tem muita venda a granel e, nos dois casos, os preços são bem mais em conta. A goji berry seca, fruta rica em vitamina C e que virou moda poucos anos atrás, por exemplo, é vendida na Drogaria São Paulo a R$ 21,99 (100g). Na Bendito Grão, na rua Santa Rosa, o preço do quilo é R$ 69,90. No caixa da loja na Santa Rosa, a funcionária checa três vezes todos os itens da minha numerosa compra, apesar da imensa fila, para ter certeza de que o valor, de R$ 70, estava correto (“Muito alto. Você comprou algo super caro?”, ela pergunta).

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Azeites na Laticínios Camanducaia, na rua Santa Rosa. Foto: Anna Mascarenhas/Risca Faca

O bairro do Brás, onde se localiza a zona cerealista, se desenvolveu com a cultura do café. Os imigrantes que chegavam ao Brasil em Santos iam de trem até o Brás, de onde eram encaminhados para o interior de São Paulo para trabalhar nos cafezais. Alguns imigrantes, porém, principalmente italianos, optavam por ficar na cidade e se estabeleciam no bairro, montando fábricas e pequenas lojas. Segundo a Prefeitura, em 1886 o Brás tinha 6 mil habitantes e, sete anos depois, o número era cinco vezes maior.

“As produções eram escoadas para cá e daqui eram distribuídas: café, feijão, arroz, grãos diversos. Aí começaram a montar os armazéns aqui”, conta Bruno Lopes, do Laticínios Camanducaia, que está na zona cerealista desde 1952 — jovem e vestindo uma roupa despojada, trabalha há cinco anos na loja da família de sua mulher. “Os imigrantes que ficavam aqui precisavam fazer alguma coisa. Como era aqui o centro de São Paulo eles começaram a montar os comércios pra cá. A rua Santa Rosa começou com esses empórios, não tinha supermercados. Eles vendiam pra tudo quanto é tipo de cliente, mas principalmente abasteciam os pequenos comércios que iam surgindo nos bairros.”

Bruno diz que hoje o mercado na zona cerealista está em transformação. “Ainda tem parte de atacado — você abastece muita loja por aqui –, mas tem também lojas para um público que vem buscar produtos diferentes, por estilo de vida”, afirma, num galpão em que, numa sexta de manhã, dezenas de pessoas trabalham descarregando produtos de caminhões. “Ainda mais de uns dois anos pra cá, com a crise econômica, tem um público que vem atrás de preço, que migra do mercado e vem pra cá. Porque aqui é realmente muito mais em conta.”

José Bispo, da Casa Flora, presente há mais de 40 anos na Santa Rosa, concorda que a busca por produtos saudáveis fez o fluxo aumentar nos últimos anos — ele trabalha ali há 30. Preço e qualidade de vida — a zona cerealista é ótima para quem está naquela dieta ou tem curiosidade com os super ingredientes da moda — são os dois fatores que mais levam o público para lá.

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Foto: Anna Mascarenhas/Risca Faca
Foto: Anna Mascarenhas/Risca Faca

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Sobre os produtos que mais saem, Bruno faz uma lista eclética: tapioca, sal rosa, derivados de soja, leite, cacau, farinhas diversas, azeitonas, cereja para bolo. “Tem uma turma que vem atrás de proteína, sem gosto, whey, e compra cacau ou farinha de morango pra misturar e fazer shake”, diz. Também são muito procurados produtos que se acham em supermercados, mas mais baratos se comprados em grandes quantidades. Em vez de levar uma lata padrão de leite condensado, por exemplo, pode-se comprar logo um quilo, já que o preço compensa. O mesmo vale para macarrão, granola e molho de tomate, por exemplo. “Na nossa loja quase todo produto vende muito. Tem muito giro”, diz Bruno enquanto mais e mais caixas são carregadas para dentro do depósito da Camanducaia.

As lojas também precisam ficar atentas aos ingredientes do momento — como o hibisco e o sal rosa do Himalaia, presentes nas prateleiras de todas as lojas. O hibisco, por exemplo, potencializa a queima de calorias e combate o inchaço, enquanto o sal rosa tem menos sódio, um dos inimigos da vez. As lojas lá costumam ter painéis que informam as características de cada ingrediente e funcionários que sabem tirar dúvidas — e que, com sorte, te darão comida para experimentar.

De tempos em tempos, novos ingredientes ganham o cardápio de quem faz dieta ou quer levar uma vida mais saudável e a zona cerealista é o lugar ideal para quem busca reproduzir as receitas da Bela Gil. As lojas têm de ficar atentas às modas. “Quando o ‘Globo Repórter’ fala de uma castanha, por que comer, no sábado abarrota e o estoque vai embora. E hoje, com esses programas culinários em alta, na TV a cabo e o ‘Masterchef’, eles usam alguns produtos no preparo e reflete aqui também. Você vai na internet procurar onde achar cúrcuma e vai chegar na zona cerealista, vai acabar vindo pra cá”, diz Bruno, citando o ingrediente que Bela Gil usa como pasta de dente.

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Caixas de alho em depósito. Foto: Anna Mascarenhas/Risca Faca

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Boa parte dos produtos vendidos na rua Santa Rosa e na avenida Mercúrio, vitrines da região, vem do próprio bairro, de estabelecimentos que não vendem ao público. Saindo um pouco da região mais movimentada descobre-se outra faceta da zona cerealista, por onde praticamente só circula quem trabalha ali e onde as câmeras fotográficas do Risca Faca são observadas com curiosidade.

Portas abertas revelam grandes galpões abarrotados de sacos, do chão ao teto, enquanto caminhões bloqueiam completamente as ruas. Na sexta de manhã, um pequeno grupo de homens ensaca feijão em frente a um depósito. O feijão solto é colocado em sacos, costurados ali mesmo, e uma máquina os levanta para ajudar a colocá-los nas costas dos carregadores. “O feijão fica saindo o dia inteiro e vai abastecer o atacado. Você tem o cara do milho, o cara que torra o amendoim, faz paçoca, um monte de coisa. Batata ainda é muito forte aqui. Alho. Você cansa de contar as carretas de alho que chegam: alho argentino, importado da China, nacional. Tudo quanto é tipo de alho. E tudo isso acontece pra trás”, conta Bruno.

As calçadas são cheias de grãos e cascas de alho, que vendedores compram e descascam ali mesmo para vender no farol. É mais sujo que na Santa Rosa, onde a Prefeitura pressiona por mais limpeza. “A maioria dos nossos fornecedores está por aqui. Quando você não compra de fora tem tudo aqui, o próprio fornecedor está aqui, mas não tem loja”, diz Bruno. Entramos em um desses galpões e ele mostra os sacos de 25 quilos de hibisco empilhados. “Esse é um dos maiores fornecedores nossos, muita coisa que a gente pega vem daqui. Aí a gente porciona ou vende a granel. Esse saco rosa é de hibisco, muito bom. A gente compra feijão, milho, lentilha, grão de bico, ervilha, chia… Tudo. Acho que nossa lista de compras tem mais de cem itens daqui.” O saco rosa de hibisco que ele aponta é o melhor, em sua opinião. Em outros sacos pode-se encontrar bitucas de cigarro, penas de galinha, lascas de madeira.

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Vendedor de frutas numa esquina da rua Santa Rosa. Foto: Anna Mascarenhas/Risca Faca

Mas há também coisa de fora, de vários cantos do mundo, na zona cerealista. É quase a regra na Casa Flora, onde o forte são as bebidas — a loja também é uma importadora, e por isso vende mais barato que supermercados, apesar de ter garrafas na casa dos 3 mil reais expostas. José Bispo lembra que nem sempre foi assim. A loja começou pequenininha, vendendo bacalhau, queijos e produtos enlatados. Bispo estava lá quando os primeiros vinhos começaram a chegar e fez curso para entender bem do produto — é comum que fregueses apareçam atrás de um vinho que tomaram na viagem e, caso eles não tenham aquela garrafa, lá eles sabem te indicar um produto que se aproxime.

Bispo, gerente que circula pela loja, conta que já conhece alguns clientes faz tempo e que é comum que fregueses novos venham se apresentar e peçam ajuda para conhecer a loja. Com prazer, ele mostra algumas de suas garrafas mais especiais, aquelas com rótulos mais bonitos (há uma coleção com o rosto de divas do cinema), com garrafas diferentes ou mais antigas (é comum que clientes peçam, por exemplo, um vinho do mesmo ano do nascimento de um conhecido).

Se a maioria das lojas da zona cerealista lembra armazéns do interior, a Casa Flora está mais para Empório Santa Luzia, o supermercado chique localizado nos Jardins. No meio de muitas lojas que vendem a mesma coisa, é importante se diferenciar. Ali os grãos, frutas e farinhas são vendidos em embalagens da Casa Flora e, além das bebidas, há uma boa variedade de queijos. Há produtos importados e nacionais, incluindo uma marca própria — o primeiro produto de lá foi o queijo Flora, produzido a partir de 1955 por Antônio Pereira Carvalhal, em Flora, distrito de Três Corações, em Minas Gerais. Basicamente, segundo Bispo, se o seu produto for bom as portas da Casa Flora estão abertas.

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José Bispo na Casa Flora. Foto: Anna Mascarenhas/Risca Faca

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Além das pessoas que se aglomeram na calçadas aos sábados tentando vender seus produtos na rua mesmo, há produtores batendo na porta das lojas direto querendo vender, com variados graus de qualidade. Queijos, por exemplo, devem respeitar algumas especificações para que possam ser vendidos. Produtos baratos demais também devem levantar suspeitas. O sal rosa, por exemplo, tem grandes variações de preço na própria zona cerealista. Se for muito barato, segundo Bruno, provavelmente o sal não será do Himalaia, e sim da Bolívia. “Você é obrigado a ter laudo de todo produto que você vende. Você pode pedir o laudo do hibisco. Tem que ter. Tem que ter uma garantia.”

Outra dica: ao comprar uva-passa, fique atento a grãos de açúcar ali. Se houver pontinhos brancos na fruta, é sinal de que ela recebeu um banho de groselha para ficar mais doce e com aparência mais fresca. Mas essas coisas só se aprende com a experiência. “Esse sal é bom, olhe a cor, bem rosa”, aponta Bruno numa loja concorrente. Além da Camanducaia, ele cita como lojas mais tradicionais a Casa Flora, o Empório Casmar, o Arroz Integral, o São Vito, o Filomena, o Empório Rosa — mas, basicamente, o ideal é ir ao bairro com calma e testar, se possível em dias de semana, dica unânime por ali. A cada visita é possível descobrir algo novo: diferentes tipos de lentilha, temperos, ervas, chás, grãos, e até cereal matinal de açaí ou bacon em flocos. Dá vontade de cozinhar mais.

No encontro entre a avenida Mercúrio e a Santa Rosa está sendo construído uma unidade do Sesc, que deve trazer ainda mais movimento no local — já há alguns eventos culturais no espaço. Entre os prédios baixos e mal conservados, começam a apontar também alguns edifícios altos e modernos residenciais, que parecem não pertencer ao bairro. Boa parte das lojas da zona cerealista fica no térreo de edifícios antigos, com salões pouco espaçosos nos quais é difícil circular — não é bem um local turístico, como o vizinho Mercadão. Os lojistas não ignoram o desconforto e alguns já expandiram os negócios para a internet — embora a maioria das lojas ainda não tenha aderido.

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Estoque de alho na zona cerealista. Foto: Anna Mascarenhas/Risca Faca

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“A gente ainda não tem a parte de internet e está desenvolvendo esse meio de venda. É muito solicitado, mas como a gente vende muito a granel tem dificuldade com transporte e embalagem. A gente não encontrou um meio bom de fazer isso ainda. Tem muito produto de geladeira, precisa dar uma encaixada melhor nisso. Tem uma empresa já vendo isso pra gente, é um passo que a gente tem que dar”, diz Bruno, sobre a Camanducaia. Outras lojas, como a Empório Rosa e o Armazém Santa Filomena, já vendem pela internet — mas é uma minoria. No caso da Casa Flora, dá pra ver os produtos que eles têm, mas para comprar é preciso ir até o local.

De lá é possível ver o Mercadão, localizado do outro lado da avenida do Estado, primo rico da zona cerealista. O que se encontra na Santa Rosa também se acha lá, mas a preços mais turísticos. Sobre a zona cerealista, apesar do forte movimento aos sábados, sabe-se menos, vai-se menos a passeio e ainda há gente com um pé atrás. “Qual é o metrô mais próximo daqui?”, pergunta uma mulher com quatro sacolas pesadas, cheias de grãos, na porta da Casa Flora. Respondo que é o Pedro II, mas que não sei o melhor caminho. “Tudo bem, chegar lá eu sei. Só que tenho medo, dizem que aqui é perigoso, né?”, diz ela às 16h, com as ruas ainda bem cheias e iluminadas. Mas Bruno é otimista. Além do movimento crescente, diz que tem aumentado também o conhecimento sobre o local. “As pessoas não sabem tanto sobre a zona cerealista. Mas agora estão conhecendo.”

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História

Postais da era do rádio amador

De sua bolsa, Lena Rocha tira boa parte dos 500 cartões postais que herdou da coleção de seu pai. Agrupados por região de origem, os cartões vêm de todos os cantos do mundo e têm estilos bem diferentes: uns são coloridos, outros em preto e branco, uns com ilustrações, caricaturas, e outros com fotos, uns num papel mais fino, mole, outros mais firmes. Mas há algo um pouco esquisito em comum: todos eles têm uma espécie de código formado por duas letras, um algarismo e mais três letras. Lena explica: todos aqueles cartões foram recebidos por seu pai nos anos 1980 quando ele atuava como radioamador — alguém que se comunica com outras pessoas por hobby por meio do rádio. Cada cartão veio de alguém com quem seu pai conversou e o código é a identificação do rádio. As duas primeiras letras, por exemplo, indicam o país da pessoa com quem ele se comunicou. “É como se fosse uma placa de carro”, ela diz.

Esses cartões são chamados de QSL, uma confirmação escrita do contato entre duas estações de rádio. Geralmente, são enviados depois do primeiro contato entre elas. No verso, em vez de longos textos, como se espera num cartão postal comum, há algumas informações sobre o contato e talvez uma ou outra mensagem curta como “foi ótimo conversar com você”. Há a hora e a data do contato, a frequência de rádio, a banda utilizada… Os cartões, feitos por cada radioamador, têm um formulário atrás, preenchido depois à mão.

Verso de um cartão enviado da Alemanha
Verso de um cartão enviado da Alemanha em 1980

Os 500 cartões em posse de Lena faziam parte de uma coleção ainda maior, que seu pai, Isnard (chamado de Nard nos cartões, uma confusão dos radioamadores que ouviam “my name is Isnard”), jogou fora. Esses foram aqueles que ela conseguiu resgatar e que, agora, colocou à venda — está de mudança para a Europa e guardou apenas alguns exemplares. Do começo dos anos 1970 até metade dos anos 1980, seu pai conversava com outros radioamadores pelo mundo, primeiro em código morse e depois por voz, com microfone. Fez contato com a União Soviética — de onde vêm alguns dos mais belos cartões –, com a Alemanha Oriental e com a Ocidental, com o Japão, os Estados Unidos, a Suíça, o Vaticano, entre outros países. Lena só não sabe sobre o que eles falavam. “Eu era criança, mas possivelmente ele passava recados”, ri.

“Ele foi por dez anos radioamador e fez amizades através do rádio com gente do mundo todo. Cada pessoa com quem ele conversava mandava um cartão pra ele”, conta Lena. “Minha infância foi ouvir os negócios de rádio. Tem uns barulhinhos do código morse, das transmissões. Era no quarto do lado do meu, ele ficava a madrugada falando no rádio”, continua. “A gente sempre morou em apartamento, e em Belo Horizonte as antenas dele davam interferência nas antenas de TV do prédio. A gente levava multa.”

Lena conta a história enquanto mostra os cartões que ainda tinham sobrado, poucos dias após o início da venda, a preços baixos (no máximo de R$ 5). A coleção do Japão, por exemplo, foi vendida para uma pessoa só. Os da Alemanha Oriental foram todos enviados para Brasília — como no caso da União Soviética, havia uma variedade menor de imagens e ela tinha vários repetidos. Os do Brasil ela nem trouxe à conversa, pois são os mais simples. Em vez de fazer um cartão personalizado, como os estrangeiros, os brasileiros costumavam comprar cartões postais normais, desses que se acham em banca, e preenchiam à mão as informações do contato.

Com os endereços e informações de alguns dos radioamadores em mãos, Lena procurou alguns dos radioamadores que falaram com seu pai. Vários já haviam morrido. “Não era muito moleque quem fazia isso”, diz. Mas encontrou no Facebook, por exemplo, o bisneto de um húngaro que Isnard conhecia. “E a gente ficou amigo assim. Engraçado, né?” Também procurou na internet foto das fachadas das casas. “Fui pro Japão, levei os cartões, mas não consegui achar ninguém, acho que as pessoas tinham se mudado.” Menos de uma semana depois, Lena já encerrado a venda — mas as imagens, com as histórias de Isnard, ficaram guardadas.

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Frente de cartões da União Soviética
Frente de cartões da União Soviética

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Cartões ilustrados da Alemanha
Cartões ilustrados da Alemanha

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Cartões da antiga Tchecoslováquia
Cartões da antiga Tchecoslováquia

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Cartões recebidos por Isnard do Japão
Cartões recebidos por Isnard do Japão

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Cartões de origens variadas, parte da coleção de Lena
Cartões de origens variadas, parte da coleção de Lena

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Cartões britânicos
Cartões britânicos

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Frente de cartões vindos dos Estados Unidos
Frente de cartões vindos dos Estados Unidos

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Cinema

Herói contra herói

Ainda estamos em agosto e quatro filmes com um monte de super-heróis lutando juntos (ou uns contra os outros) já deram o ar da graça nas salas de cinema. A série começou com “Capitão América: Guerra Civil”, que colocou dois grandes grupos de heróis em lados opostos: um lado a favor do controle de suas atividades pelos governos e outro contra. Depois, veio o “Batman vs Superman”, que começa como um embate entre os heróis (como o título já diz) para depois uni-los, ao lado da Mulher Maravilha, contra uma ameaça comum.

Pouco tempo depois, foi a vez de “X-Men – Apocalipse”. Bem, filmes dos X-Men sempre têm mais de um super-herói, né. Então nesse também tem briga: de um lado, os discípulos do professor Xavier e, do outro, o todo poderoso Apocalipse e seus quatro capangas, entre eles Magneto e Tempestade. Por último, estreou o aguardado “Esquadrão Suicida”, que variou um pouco o padrão ao transformar em heróis uma equipe de vilões.

E se botássemos todos esses filmes de heróis contra heróis uns contra os outros? Quem sairia ganhando e quem sairia perdendo? Bem, depende do critério…

(Este texto tem spoilers dos quatro filmes.)

Cara Delevingne, a Magia
Cara Delevingne, a Magia

Pior vilão: Magia (“Esquadrão Suicida”)

Lex Luthor pode ter tido um plano absurdo, mas pelo menos ele parou para fazer um plano — Apocalipse, de “X-Men”, e Magia, de “Esquadrão Suicida”, queriam apenas dominar o mundo, assim genericamente mesmo. Mas entre os dois a disputa é acirrada. Apocalipse parece um inimigo dos Power Rangers e tem péssima noção de prioridades: gastou um tempão melhorando o visual de seus quatro capangas e perseguindo o professor Xavier quando poderia ter pensado num plano melhor. Magia passa boa parte do filme rebolando num cenário apocalíptico, falando com uma voz de monstro e criando um portal no céu para destruir o mundo de alguma forma. Chato e clichê. Apocalipse tem um pouquinho mais o que fazer em seu filme e, por isso, é levemente melhor que Magia.

Melhor cena de luta: batalha do aeroporto (“Capitão América”)

Uma boa batalha é bem mais que muitos socos e bons efeitos especiais. Precisa de um propósito, de consequências, de emoção, de variedade, de cada um dando seu melhor. A batalha entre os times do Homem de Ferro e do Capitão América em “Guerra Civil” teve tudo isso. E mais: com humor, cortesia do Homem Formiga e do Homem-Aranha. O ponto alto de um filme muito bom.

Melhor novo personagem: Homem-Aranha (“Capitão América”)

Mais um ano que chega, mais um Homem-Aranha no cinema. Depois de Tobey Maguire e Andrew Garfield era compreensível que a nova encarnação do herói fosse encarada com ceticismo ou preguiça. Mas nos poucos minutos que fica em cena Tom Holland diverte mais que “Batman vs Superman”, “Esquadrão Suicida” e “X-Men” juntos.

Gal Gadot, a nova Mulher Maravilha
Gal Gadot, a nova Mulher Maravilha

Maior esperança feminina: Mulher Maravilha (“Batman vs Superman”)

“Capitão América” não só não introduziu nenhuma boa heroína como continua não dando a atenção que a Viúva Negra merece — a personagem de Scarlett Johansson não tem muito o que fazer no filme. Arlequina, apesar de ser uma das presenças mais marcantes de “Esquadrão Suicida”, tem um relacionamento abusivo com o Coringa (fato que o filme não discute) e ainda tem o tempo todo uma câmera grudada em sua bunda. Jean Grey parecia promissora, mas é completamente esquecível. Quem tem mais potencial para se tornar uma boa personagem em outros filmes é a Mulher Maravilha de Gal Gadot. Sim, ela aparece pouco (e aparece fazendo coisas triviais como sacar dinheiro). Mas mesmo assim foi um dos pontos altos do filme — e o trailer de seu longa solo dá margem para otimismo.

Plano mais absurdo: Lex Luthor (“Batman vs Superman”)/Amanda Waller (“Esquadrão Suicida”)

Empate técnico. O plano de Amanda Waller, de “Esquadrão Suicida” é pura burrice. Formar um time de vilões presos por super-heróis como Batman e Flash não faz sentido por vários motivos. Não havia ameaça e, caso houvesse, os tais heróis como o Batman poderiam ajudar. Na hora do vamos ver o Batman e o Flash seriam bem mais úteis que o Capitão Bumerangue, cujo poder, pelo que o filme mostra, é jogar um bumerangue com precisão. Todo o problema do filme, aliás, só acontece porque Waller resolveu se manter onde não devia. Já o plano de Lex Luthor requer que tantas etapas deem certo para que seu objetivo seja atingido que é absurdo pensar que poderia dar certo. E seu plano envolve colocar urina num pote. Sem pé nem cabeça e nojento. Empate.

Deu pra reconhecer? É Oscar Isaac em "X-Men"
Deu pra reconhecer? É Oscar Isaac em “X-Men”

Maior desperdício de ator: Oscar Isaac (“X-Men”)

Oscar Isaac é um bom ator faz tempo, mas está tendo um ótimo ano pós-lançamento de “Star Wars”: a internet está toda apaixonada por ele. Escalá-lo como vilão de “X-Men” parecia uma escolha perfeita. Mas não só esconderam o ator sobre camadas e camadas de maquiagem e próteses que o deixaram com uma aparência tosca, como lhe deram o pior vilão possível (é o que parecia antes de “Esquadrão Suicida”, pelo menos). Poderia ser qualquer um no seu lugar, não faria diferença.

Resolução de conflito mais tonta: Momento Martha (“Batman vs Superman”)

Virou piada. Depois de passarem um tempão brigando por um motivo absurdo (Superman não gosta do Batman porque ele é um justiceiro que não respeita leis e Batman acha que o Superman pode fazer muito mal às pessoas caso queira — como se as duas coisas não valessem para os dois), eles ficam amigos ao descobrirem que suas mães têm o mesmo nome: Martha. Beleza então.

Maior surpresa: Ben Affleck (“Batman vs Superman”)

Ben Affleck pode ter ficado triste com o resultado do filme no qual apostava tanto, mas tem um motivo para se alegrar: sua interpretação do Batman era um dos elementos menos ruins num filme ruim.

O amor
O amor

Maior “bromance”: Bucky e Steve (“Capitão América”)

Se o último “X-Men” fosse um filme melhor, Magneto e professor Xavier poderiam ser bons concorrentes para Bucky e Steve, de “Capitão América”. Mas infelizmente eles mal interagem e a química entre James McAvoy e Michael Fassbender é desperdiçada. Por outro lado, a maior sintonia em “Capitão América” é entre os dois amigos (esqueça o romance entre Steve e Sharon). O filme todo é uma ode à relação dos dois e mostra o quanto o Capitão América está disposto a sacrificar pelo amigo.

Personagem menos explorado: Anjo e Psylocke (“X-Men”)

A lista de concorrentes é grande. Por “Esquadrão Suicida”, Capitão Bumerangue e Crocodilo são fortes oponentes. Cada um tem meia dúzia de falas e nenhuma motivação. Bumerangue é tão inconsistente que em uma cena abandona o grupo e na seguinte está com eles sem explicar por que mudou de ideia. O Crocodilo praticamente entra mudo e sai calado, mas tem uma piada ali no meio, pelo menos. Sabemos também que eles são criminosos, que Crocodilo gosta de TV e que Bumerangue gosta de unicórnios de pelúcia. De Anjo e Psylocke, de “X-Men”, não sabemos nada. Quem são? O que querem? Onde vivem? Puro mistério.

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Cultura

Elke Maravilha
por David Drew Zingg

“Nunca soube o que queria ser quando crescer e, até hoje, não sei”, disse Elke Maravilha aos 70 anos, em 2015, em entrevista ao Extra. Elke, que morreu na madrugada da última terça (16), aos 71 anos, foi um pouco de tudo na vida: tradutora, professora, modelo, atriz e jurada em programas de televisão, como o do Chacrinha. Na vida pessoal tampouco era convencional. Nascida na Rússia com o nome Elke Georgievna Grunnupp (o Maravilha veio de um jornalista), teve a cidadania cassada. Também perdeu a nacionalidade brasileira ao ser enquadrada na Lei de Segurança Nacional, depois de passar seis dias presa por desacato na época da ditadura. Apátrida, viajava com um passaporte da ONU e morreu alemã, como sua mãe.

Elke não tinha problemas em falar de política, drogas ou sexo. Disse em entrevista que fumou crack, contou ao mundo todo que abortou três gestações, casou-se oito vezes e, quando lhe perguntavam se era travesti, respondia que sim e ainda perguntava se queriam ver seu pau. Entendia porque perguntavam se ela era uma drag queen: dizia que mulheres pedem sempre “menos” nos salões de beleza, e travestis pedem “mais”. Mais maquiagem, mais volume, mais tudo. “Então, eles veem uma pessoa que é mais… Tem que ser homem.”

Mesmo quem não sabe detalhes de sua história sabe que Elke era artista — assim mesmo, de forma ampla — e que tinha um visual único, reconhecível à distância. Sua imagem foi eternizada nos anos 70 pelas lentes de David Drew Zingg, fotógrafo de quem ficou amiga quando trabalhava como modelo. “O David enxergava a alma da gente”, disse Elke. “Ele tinha um humor deslumbrante. Viajávamos para Búzios e ficávamos dias enchendo a cara e rindo juntos.” Zingg fotografou Elke como Marilyn Monroe e também com seu visual característico: cabelos loiros volumosos, esvoaçantes e alegre, como ela sempre será lembrada.

As imagens foram cedidas com autorização pelo IMS.

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Foto: David Drew Zingg / Acervo IMS
Foto: David Drew Zingg / Acervo IMS

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Foto: David Drew Zingg / Acervo IMS
Foto: David Drew Zingg / Acervo IMS

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Crédito: David Drew Zingg / Acervo IMS
Crédito: David Drew Zingg / Acervo IMS

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Televisão

O rap é compromisso
em ‘The Get Down’

Lançados todos de uma só vez, os episódios de séries do Netflix costumam ser perfeitos para serem vistos em uma ou duas sentadas. Não é o caso com “The Get Down”, que estreia na próxima sexta, dia 12. Talvez por isso sua primeira temporada tenha seis episódios lançados agora e mais seis a serem lançados no início do ano que vem: a produção de Baz Luhrmann é melhor consumida em pequenas doses. Como “Mad Men”, por exemplo, cujos capítulos tinham descrições excitantes como “Don conhece uma mulher, Peggy trabalha demais, Pete pega o trem”, “The Get Down” é uma série em que pouca coisa acontece de fato. O que importa é ver como elas acontecem.

Ambientada no fim dos anos 1970 no Bronx, no norte de Nova York, a série gira em torno de Ezekiel (Justice Smith), um adolescente com grande habilidade para as palavras e poucas perspectivas para o futuro. Sabemos de cara, porém, que ele ultrapassará as dificuldades e se tornará um rapper famoso, já que sua história começa a ser contada dos anos 1990, quando ele se lembra do passado nas músicas que canta em um grande show. Com uma hora e meia de duração — praticamente um filme — o primeiro episódio narra o início dessa guinada, quando Ezekiel conhece o grafiteiro e aspirante a DJ Shaolin Fantastic. É ele quem apresenta Ezekiel, até então fã de música disco, às festas nas quais o rap nasceu, com DJs fazendo a batida para os MCs colocarem as letras.

Poeta, Ezekiel logo encontra ali o seu lugar e começa a frequentar o incipiente circuito do hip-hop com os amigos — um deles interpretado por Jaden Smith. Além da música, Ezekiel se dedica à sua outra paixão, a amiga Mylene (Herizen Guardiola). Ela também quer ser cantora, mas de música disco, e sofre com a proibição do pai, pastor na igreja em que ela canta. Mylene é responsável pela maior parte dos momentos musicais da série, embalando a história de Ezekiel com a sua voz. A trilha sonora, como dá para imaginar pela sinopse, é excelente e os protagonistas são talentosos — um dos melhores momentos dos três primeiros episódios que assistimos é quando Ezekiel recita pela primeira vez um poema sobre sua vida, com a cadência de um rapper, para uma professora na escola. Nesse um minuto em que ele conta sua história em verso você sente que quer acompanhá-lo até o fim.

Histórias sobre a música nos anos 1970 não são raridades — só neste ano Martin Scorsese lançou sua “Vinyl”, sobre o rock. Mas “The Get Down” tem uma vantagem sobre a já cancelada série da HBO: histórias de rock — e sobre homens brancos e suas ideias super revolucionárias — há muitas. Sobre o rap (e a música disco, em menor grau), não. O australiano Luhrmann, tanto pela origem quanto pelo estilo, parece uma escolha estranha para retratar a origem do hip-hop e a realidade do Bronx em 1977, e, é divertido imaginar o que sairia numa série dessas nas mãos de Spike Lee. O retrato de Luhrmann é mais ensolarado e fantasioso do que realista — há drogas, gangues e violência, mas tudo contado de uma forma razoavelmente leve e bem pop. Embora seja menos excessivo e estilizado — menos “Luhrmann” — que “Romeu + Julieta” ou “O Grande Gatsby”, “The Get Down” é claramente uma produção do diretor, com momentos de cantoria estilo “Glee”, grandes números de dança, alguns personagens mais para o lado da caricatura e um pé no surrealismo. Para Luhrmann, o rap é compromisso, mas também pode ser um pouco viagem.

Colocar a forma à frente do conteúdo às vezes faz com que seja fácil se distrair no meio de uma cena e torna ir ao banheiro no meio do episódio uma decisão relativamente simples. Às vezes a história não sai muito do lugar, às vezes ela quer estar em muitos lugares ao mesmo tempo — além de Ezekiel, Shaolin e Mylene, os protagonistas, há o núcleo da tia de Ezekiel, sua professora que o incentiva, uma gângster poderosa e seu filho dono de boate, o DJ que ensina Shaolin, os amigos de Ezekiel, as amigas de Mylene, os pais de garota, seu tio, que é um político influente. Nenhum desses personagens ganha espaço suficiente para que a gente se interesse por eles — de memória, é difícil citar o nome de mais de dois coadjuvantes.

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“The Get Down” é a série mais cara já produzida pelo Netflix (foram US$ 120 milhões nessa primeira temporada). Isso ajuda a explicar como ela é ambiciosa e quer ser muita coisa: parte comédia romântica, parte drama, parte série de ação, parte musical e inclui até algumas cenas documentais aqui e ali, sem muita conexão com o resto. Pode não ser a série mais empolgante, que te faz querer ver um episódio atrás do outro, mas “The Get Down” é cheia de bons momentos, principalmente quando fica mais focada e se volta para Ezekiel e Mylene. Ele é um personagem pelo qual você tem prazer em torcer, tão talentoso quanto vulnerável — a performance de Justice Smith é excelente e, ainda que ele apareça pouco na fase adulta, ajuda o fato de ser interpretado por Daveed Diggs, vencedor de um prêmio Tony neste ano por “Hamilton”. Já Mylene poderia ser a mocinha sofredora clássica que tem os sonhos destruídos pelo pai autoritário, mas é muito mais complexa que isso.

É, também, uma série bem bonita de se ver. Luhrmann pode não ser especialista em hip-hop (apesar de contar com a consultoria de Nas e Grandmaster Flash, duas lendas do rap, ambos produtores da série), mas é o diretor de “Moulin Rouge”: ou seja, sequências de canto e dança são parte de suas especialidades. Com poucos episódios vistos, a sensação que “The Get Down” deixa é de que não há urgência para terminar a série, não há grandes mistérios que vão te atormentar ou deixar a internet em polvorosa (tal qual “Stranger Things”, último grande lançamento do Netflix) — embora o ritmo melhore gradativamente. Segundo classificação do próprio Netflix, há séries para devorar e para degustar, e é bom que haja oferta dos dois tipos. “The Get Down” se encaixa, com certeza, na segunda categoria e, apesar de ter um começo um pouco confuso, tem qualidades o suficiente para valer uma tentativa.