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As referências nostálgicas de ‘Stranger Things’

Da trilha à fonte dos letreiros, série é colagem de influências dos anos 80

Matt e Ross Duffer, criadores da série “Stranger Things”, que estreou na sexta no Netflix, contaram em entrevista ao site AV Club que, na hora de vender seu projeto ao serviço, mostraram um vídeo com imagens de 26 filmes, numa espécie de trailer para mostrar o que eles tinham em mente. Tinha ali trechos de clássicos do terror, como “Poltergeist” e “Halloween”, de filmes de ficção mais recentes, como “Looper”, e até da homenagem de J.J. Abrams aos filmes de sua infância, “Super 8”. É uma síntese do que é a série, uma colagem de referências — às vezes sutis, às vezes explícitas –, reconfortante para quem cresceu vendo filmes nos anos 1980 e 1990.

Afinal, não dá pra ser mais nostálgico dos anos 90 do que escolher Winona Ryder, o ícone da década, como protagonista.

Na série do Netflix, o garotinho Will Byers desaparece misteriosamente após passar o dia jogando com seus amigos em uma pacata cidadezinha em Indiana, nos Estados Unidos. Ao longo de oito episódios, vemos como sua família e seus amigos lidam com seu sumiço enquanto acontecimentos misteriosos vão se multiplicando. “Stranger Things” não é só uma série ambientada nos anos 80, e sim uma homenagem declarada à década. Poderia ter sido uma cópia mal feita, uma imitação barata, mas os irmãos Duffer conseguiram apelar para a nostalgia na medida certa, misturando todo tipo de influências, filtrando-as e “trazendo sua sensibilidade”, em suas próprias palavras. E se você já assistiu aos 8 episódios, separamos algumas das referências cinematográficas, musicais e estéticas da série.

Referências do cinema

Logo no primeiro capítulo fica evidente um parentesco entre “Stranger Things” e “E.T.”, de Steven Spielberg. Como em “E.T.”, a série começa com um grupo de pré-adolescentes jogando RPG; um dos protagonistas é criado só pela mãe, as crianças andam pela cidadezinha em que vivem e pela floresta em suas bicicletas; elas encontram uma criatura misteriosa, que praticamente não fala e deve ser escondida dos adultos que querem capturá-la. Em “Stranger Things” não é um alien fofo, e sim uma garotinha que cresceu num laboratório, onde foi vítima de vários experimentos científicos. Mas como o extraterrestre, a menina Eleven é fã de doces e é disfarçada com um vestido e uma peruca loira e comprida para poder circular sem chamar a atenção. Com Eleven, Mike (o líder do grupo de crianças) também descobre o amor depois de uma fase “garotas? Eca” — um pouco de “Anos Incríveis” e “Meu Primeiro Amor”, talvez?

E.T. e Eleven depois do make-over
E.T. e Eleven depois do make-over

Tem também um quê de “Goonies”, filme produzido por Spielberg sobre um grupo de garotos carismáticos que embarcam numa aventura bem Sessão da Tarde. São filmes que não poderiam ser feitos hoje, em tempos em que crianças pouco brincam na rua e são praticamente todas munidas de celulares. Nesses filmes dos anos 80, a que as crianças dos anos 90 cresceram assistindo, as crianças tinham muito menos supervisão e, com isso, mais liberdade e mais facilidade de se encontrarem em situações perigosas. Para faltar na escola, bastava usar o velho truque de colocar um termômetro no abajur e prometer à mãe que passaria o dia em casa debaixo das cobertas. Depois, era só sair para passear no bosque com os amigos — e ninguém saberia seu paradeiro.

Aos temas clássicos dos filmes infantis os irmãos Duffer acrescentaram um toque de John Hughes, o rei da Sessão da Tarde (breve currículo: “Esqueceram de Mim”, “Curtindo a Vida Adoidado”, “Beethoven”). Mais precisamente de seus filmes sobre a adolescência, como “Clube dos Cinco” e “A Garota de Rosa-Shocking”. É a trama menos interessante de “Stranger Things”, pelo menos no início, mas tinha que estar presente numa homenagem aos anos 80: o triângulo amoroso entre a garota certinha, o popular meio bad boy que se redime ao se apaixonar, e o quietão zoado pela turma popular. De “As Patricinhas de Beverly Hills” a “Clube dos Cinco” a “Atração Mortal” a “Ela É Demais”, os anos 80 e 90 foram cheios de filmes de “high school” — aqueles ambientados nos corredores das escolas americanas. Nancy, Jonathan e Steve cumprem aqui esse papel.

Cher, de "As Patricinhas de Beverly Hills" e Nancy, de "Stranger Things" nos corredores da escola
Cher, de “As Patricinhas de Beverly Hills” e Nancy, de “Stranger Things” nos corredores da escola

Mas “Stranger Things” não é uma série solar, como boa parte dessas produções. É também uma série de terror. Há um pouco de “A Hora do Pesadelo”, por exemplo: quando imersa na água, Eleven consegue acessar outra dimensão, uma espécie de mundo dos sonhos. Mas como em “A Hora do Pesadelo”, o que acontece nesse mundo pode sim ter consequências no plano real. Não é porque Freddy Krueger aparece em pesadelos que ele não seja perigoso, algo como o monstro de “Stranger Things”, coisa que Eleven sabe muito bem. Nancy, aliás, é o nome da mocinha de “Stranger Things” e de “A Hora do Pesadelo” — e as duas se propõem a entrar no mundo dos sonhos para enfrentar o vilão. Como em “Poltergeist”, há uma cena de criança atraída por uma luz perigosa. A cena em que o policial Hopper digita um relatório afirmando que Will sumiu é praticamente idêntica a uma de “Tubarão”, numa homenagem explícita dos criadores. Dá pra passar o dia todo pescando pequenas referências (no Reddit, há uma discussão só sobre isso).

Garotinhas atraídas por luz misteriosa em "Poltergeist" e "Stranger Things"
Garotinhas atraídas por luz misteriosa em “Poltergeist” e “Stranger Things”

Referências na trilha sonora

As músicas que acompanham a série ajudam um bocado a dar o peso nostálgico dos anos 80:

The Clash, New Order, Dolly Parton e Toto tocando seu grande hit do sintetizador, “Africa”. E, falando em sintetizadores, a música de abertura da série, composta pela dupla S U R V I V E, é uma mistura de referências oitentistas, seguindo o padrão do revival musical da década, que agora não é mais vista como a década maldita da música (esse movimento em forma de homenagem ficou mais claro com as trilhas sonoras de filmes como “Drive” e “A Corrente do Mal” e de jogos como Hotline Miami). Assim, a música de apoio de filmes de terror, como “Chamas da Vingança“, filme baseado em um livro de Stephen King, ou de praticamente todos os filmes de John Carpenter, foram grandes influências em “Stranger Things” e colaboram para criar o clima tenso e nostálgico ao mesmo tempo.

A fonte (e o pôster, claro)

Se há detalhes sutis que fazem a diferença na série, a fonte escolhida para o letreiro que acompanha os capítulos também é simbólica. A ITC Benguiat foi criada em 1977, tem grande influência de Art Nouveau e aparece em alguns momentos importantes da cultura dos anos 80 e 90: ela foi a escolha para a capa de diversos livros de Stephen King, aparece na arte de “Strangeways Here We Come”, dos Smiths, e também fez parte de uma das mudanças de fonte da série “Star Trek”, já nos anos 90.

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Na primeira cena de “Stranger Things”, a fonte nostálgica.

E, se nada disso te convenceu, este pôster pode resolver a questão. Não é preciso falar uma só palavra sobre ele, apenas sentir:

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