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História

Postais da era do rádio amador

A história dos postais trocados com amigos feitos por meio do rádio

De sua bolsa, Lena Rocha tira boa parte dos 500 cartões postais que herdou da coleção de seu pai. Agrupados por região de origem, os cartões vêm de todos os cantos do mundo e têm estilos bem diferentes: uns são coloridos, outros em preto e branco, uns com ilustrações, caricaturas, e outros com fotos, uns num papel mais fino, mole, outros mais firmes. Mas há algo um pouco esquisito em comum: todos eles têm uma espécie de código formado por duas letras, um algarismo e mais três letras. Lena explica: todos aqueles cartões foram recebidos por seu pai nos anos 1980 quando ele atuava como radioamador — alguém que se comunica com outras pessoas por hobby por meio do rádio. Cada cartão veio de alguém com quem seu pai conversou e o código é a identificação do rádio. As duas primeiras letras, por exemplo, indicam o país da pessoa com quem ele se comunicou. “É como se fosse uma placa de carro”, ela diz.

Esses cartões são chamados de QSL, uma confirmação escrita do contato entre duas estações de rádio. Geralmente, são enviados depois do primeiro contato entre elas. No verso, em vez de longos textos, como se espera num cartão postal comum, há algumas informações sobre o contato e talvez uma ou outra mensagem curta como “foi ótimo conversar com você”. Há a hora e a data do contato, a frequência de rádio, a banda utilizada… Os cartões, feitos por cada radioamador, têm um formulário atrás, preenchido depois à mão.

Verso de um cartão enviado da Alemanha
Verso de um cartão enviado da Alemanha em 1980

Os 500 cartões em posse de Lena faziam parte de uma coleção ainda maior, que seu pai, Isnard (chamado de Nard nos cartões, uma confusão dos radioamadores que ouviam “my name is Isnard”), jogou fora. Esses foram aqueles que ela conseguiu resgatar e que, agora, colocou à venda — está de mudança para a Europa e guardou apenas alguns exemplares. Do começo dos anos 1970 até metade dos anos 1980, seu pai conversava com outros radioamadores pelo mundo, primeiro em código morse e depois por voz, com microfone. Fez contato com a União Soviética — de onde vêm alguns dos mais belos cartões –, com a Alemanha Oriental e com a Ocidental, com o Japão, os Estados Unidos, a Suíça, o Vaticano, entre outros países. Lena só não sabe sobre o que eles falavam. “Eu era criança, mas possivelmente ele passava recados”, ri.

“Ele foi por dez anos radioamador e fez amizades através do rádio com gente do mundo todo. Cada pessoa com quem ele conversava mandava um cartão pra ele”, conta Lena. “Minha infância foi ouvir os negócios de rádio. Tem uns barulhinhos do código morse, das transmissões. Era no quarto do lado do meu, ele ficava a madrugada falando no rádio”, continua. “A gente sempre morou em apartamento, e em Belo Horizonte as antenas dele davam interferência nas antenas de TV do prédio. A gente levava multa.”

Lena conta a história enquanto mostra os cartões que ainda tinham sobrado, poucos dias após o início da venda, a preços baixos (no máximo de R$ 5). A coleção do Japão, por exemplo, foi vendida para uma pessoa só. Os da Alemanha Oriental foram todos enviados para Brasília — como no caso da União Soviética, havia uma variedade menor de imagens e ela tinha vários repetidos. Os do Brasil ela nem trouxe à conversa, pois são os mais simples. Em vez de fazer um cartão personalizado, como os estrangeiros, os brasileiros costumavam comprar cartões postais normais, desses que se acham em banca, e preenchiam à mão as informações do contato.

Com os endereços e informações de alguns dos radioamadores em mãos, Lena procurou alguns dos radioamadores que falaram com seu pai. Vários já haviam morrido. “Não era muito moleque quem fazia isso”, diz. Mas encontrou no Facebook, por exemplo, o bisneto de um húngaro que Isnard conhecia. “E a gente ficou amigo assim. Engraçado, né?” Também procurou na internet foto das fachadas das casas. “Fui pro Japão, levei os cartões, mas não consegui achar ninguém, acho que as pessoas tinham se mudado.” Menos de uma semana depois, Lena já encerrado a venda — mas as imagens, com as histórias de Isnard, ficaram guardadas.

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Frente de cartões da União Soviética
Frente de cartões da União Soviética

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Cartões ilustrados da Alemanha
Cartões ilustrados da Alemanha

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Cartões da antiga Tchecoslováquia
Cartões da antiga Tchecoslováquia

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Cartões recebidos por Isnard do Japão
Cartões recebidos por Isnard do Japão

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Cartões de origens variadas, parte da coleção de Lena
Cartões de origens variadas, parte da coleção de Lena

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Cartões britânicos
Cartões britânicos

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Frente de cartões vindos dos Estados Unidos
Frente de cartões vindos dos Estados Unidos

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