Os policiais estavam com medo, dentro de suas bases, esperando novos ataques ou novas instruções. O que viesse primeiro. Perto do meio-dia, os telejornais vespertinos passavam imagens dos ataques no dia anterior — nos bastidores, os produtores tentavam confirmar o boato de que um tiroteio teria acontecido em Higienópolis, bairro nobre no centro da cidade. Falavam sobre portas de universidades metralhadas. Histórias desencontradas.
A população estava assustada. Três em cada dez estudantes não foram às aulas na manhã daquele dia — e nada menos que 5,5 milhões de pessoas, aproximadamente metade da população da Grande São Paulo, não tinham como chegar ao trabalho por causa da falta de ônibus. Afinal, os motoristas também estavam apavorados. Da 25 de Março à Daslu, o comércio fechou antes do cair do sol.
Por volta das 18 horas daquela segunda-feira, 15 de maio de 2006, São Paulo era uma cidade fantasma.
Passados dez anos dos ataques promovidos pelo Primeiro Comando da Capital em maio de 2006, parece improvável que a facção repita uma ação coordenada capaz de paralisar o Estado, mobilizar todas as forças políticas e deixar um rastro de mortes — foram 493 em nove dias, de acordo com o Instituto Médico Legal. Desde então, especialistas e autoridades buscam entender a motivação dos ataques, com opiniões divergentes.
Uma pesquisa inédita, porém, traz evidências que apontam um novo caminho para compreender por que o PCC resolveu parar São Paulo. E a explicação tem a ver com a queda nos índices de criminalidade. A partir de dados do Disque-Denúncia e da Secretaria de Segurança Pública do Estado, dois economistas e um sociólogo encontraram indícios fortes de que o PCC aproveitou o levante de 2006 para expandir seu domínio territorial sobre as favelas paulistanas.
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“Tudo isso não passa de ficção. Em São Paulo, não existe crime organizado”, disse o então secretário de Segurança Pública, Benedicto de Azevedo Marques, em maio de 1997. Ele havia sido confrontado com um suposto estatuto do PCC, divulgado à época. Essa é outra mudança perceptível: após os ataques, declarações de autoridades buscando diminuir o poder da facção praticamente sumiram. Ninguém duvida da autoridade de Marco Willians Herbas Camacho, nome completo de Marcola, chefão do PCC que começou sua carreira criminosa aos 10 anos de idade e hoje, aos 48, é o bandido mais influente do país à exceção de alguns políticos.
Em todos os presídios pelos quais passou, distribuídos por cinco Estados e o Distrito Federal, Marcola causou preocupação às autoridades. Em maio de 2006, o governo paulista decidiu transferir o detento a um presídio de segurança máxima no interior do Estado, no qual seria submetido ao regime disciplinar diferenciado — sem direito a TV, rádio, livros e jornais e com apenas duas horas diárias de banho de sol.
Não saiu como planejado.
Simultaneamente ao início da transferência de 735 presos, que segundo o governo seriam ligados ao PCC, a facção pôs em execução um plano para instaurar o terror em São Paulo. “A ordem para os ataques já tinha sido dada antes de a remoção dos presos ser efetuada”, afirma o procurador de Justiça Criminal Márcio Christino, um dos pioneiros no Ministério Público de São Paulo a investigar o PCC. Uma versão divulgada, mas jamais confirmada, dava conta de que os ataques seriam um revide por Marcola ter sido extorquido por policiais corruptos, sem qualquer relação com as transferências. “A remoção dos presos foi efetuada para tentar evitar que as ordens fossem cumpridas, ou seja, para tentar pressionar ou segurar os atentados”, acrescenta Christino. Os primeiros ataques ocorreram na periferia paulistana e na Grande São Paulo na noite do dia 12 de maio, sexta-feira pré-Dia das Mães, somados a três rebeliões em penitenciárias no interior. Como quem não quer nada, o caos entrou pela porta da frente, puxou uma cadeira e se fez presente, especialmente na capital.
No sábado, Marcola e outros líderes do PCC chegaram à sede do Departamento Estadual de Investigações Criminais (Deic), onde deveriam ficar incomunicáveis por até 20 dias, antes de serem finalmente levados à prisão de segurança máxima de Presidente Bernardes. Enquanto isso, lá fora, o levante foi escancarado: ocorreram 63 atentados em 23 cidades, deixando 25 agentes públicos mortos — policiais militares e civis, agentes penitenciários e guardas municipais. À noite, o delegado Godofredo Bittencourt, diretor do Deic, se reuniu com Marcola na tentativa de negociar uma saída. “Agora é tarde”, retrucou o bandido, segundo uma das testemunhas do encontro. Na tentativa de responder à altura, a cúpula do governo paulista se encontrou, já durante a madrugada, para traçar estratégias. O secretário de Segurança Pública, Saulo de Castro Abreu Filho, definiu a tática que considerava ideal: “Distribua os armamentos de grosso calibre e vamos partir para cima”, ele afirmou, segundo se recorda o advogado Nagashi Furukawa, então titular da pasta de Administração Penitenciária presente na reunião.
O Dia das Mães passou com a certeza de que a efetividade da Polícia Militar havia aumentado. Ao passo em que o PCC expandiu sua tática de terror, com 80 presídios paralisados a mando da facção e 156 atentados realizados, as mortes causadas pelas ações diminuíram em comparação aos dias anteriores. E, naquele dia, diversos suspeitos foram mortos em combate com a PM. Segundo as informações coletadas nos boletins de ocorrência daquele período, o Dia das Mães apresentou o pico de mortes durante toda a crise — 107 civis foram mortos a tiros num único dia, no Estado de São Paulo.
Na segunda-feira, escolas e comércios fecharam, menos ônibus circularam e a capital paulista ficou deserta. Numa época em que os celulares cumpriam principalmente sua função inicial, as ligações telefônicas em São Paulo atingiram seu recorde histórico. A população, aterrorizada, buscava informações confiáveis em meio a um sem-fim de boatos e das respostas lacônicas do governo paulista. Os ataques e rebeliões cessaram na terça-feira, dia 16, mas mortes ligadas ao levante ocorreram pelo menos até o dia 20. As estimativas de vítimas no período variam de 493, número adotado pelo IML com base em laudos necroscópicos, a 564, quantidade calculada pelo sociólogo Ignácio Cano, da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, com base em boletins de ocorrência.
A possível ação de agentes públicos em grupos de extermínio, durante o período, foi investigada, mas ninguém foi denunciado. O Ministério Público requisitou à PM, judicialmente, os registros dos pedidos de checagem de antecedentes criminais feitos por policiais no período dos ataques. O objetivo era descobrir se algum dos civis mortos e com indícios de execução tiveram seus antecedentes consultados. Em resposta à Justiça, o coronel Ailton Araújo Brandão, comandante da PM à época, disse que o sistema “parou de funcionar por problemas de desgaste natural pelo uso, não mais gravando as comunicações do Centro de Operações da Polícia Militar”. Christino, que tentou investigar o caso pelo Ministério Público, encontrou a mesma situação. “Nós chamamos o fabricante, pedimos para ele fazer uma perícia, e o fabricante disse que havia um defeito na máquina, uma tomada que tinha saído.”
Para Fernando Delgado, advogado e professor de direito na Universidade Harvard, “o Estado tomou uma postura de revide, que teve fortes indícios de execuções sumárias e envolvimento de autoridades estatais em grupos de extermínio”. Ele coordenou uma pesquisa que analisou causas e consequências para os ataques do PCC. Além de equívocos na política prisional e a corrupção de agentes públicos, Delgado aponta a resposta do governo aos ataques como um dos erros cometidos. “Esse revide seria ilegal e não contribuiria para a segurança pública, pelo contrário, alimenta-se um ciclo de violência que está instalado”, argumenta o advogado.
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Para entender como o PCC foi capaz de executar uma ação articulada de tamanho porte — que ocorreu, lembre-se, com boa parte de seus líderes sob guarda 24 horas da Polícia Civil — é necessário, antes, compreender a origem da facção. A célula inicial do Primeiro Comando da Capital foi formada, em 1993, no anexo da Casa de Custódia de Taubaté, local notório tanto por abrigar detentos perigosos como por suas más condições de habitação. O estado precário do Piranhão, como os detentos chamavam o presídio, foi uma das justificativas para a criação do PCC. Sob o mote “liberdade, justiça e paz”, presente em seu estatuto, a facção dizia lutar “contra as injustiças e a opressão dentro das prisões”.
Conforme os membros fundadores foram transferidos para outras cidades, o PCC se difundiu no sistema prisional. Idemir Carlos Ambrósio saiu do Piranhão em 1994. Mas Sombra, como era conhecido um dos oito integrantes iniciais do PCC, continuou no sistema prisional paulista, transferido para Araraquara. “Com seu espírito de liderança, conquistou rapidamente dezenas de adeptos”, escreve o repórter Josmar Jozino, no livro “Cobras e Lagartos: A Vida Íntima e Perversa nas Prisões Brasileiras”, em que narra a história do Primeiro Comando. “Por ser o primeiro batizado da facção, Sombra sempre teve o direito de batizar novos ‘soldados’ e de dizer quem era ou quem não era ‘irmão’.”
Passaram-se anos e o PCC manteve-se abaixo do radar das autoridades, crescendo por meio de “batizados” feitos entre “irmãos”. As primeiras menções à facção na imprensa datam de 1997, quatro anos após seu surgimento, e aparecem com pouca frequência. Desde então, as principais fontes de renda do grupo mantiveram-se as mesmas: mensalidades de integrantes — tanto dos que estão presos como dos que estão soltos —, crimes de oportunidade (como roubos a banco e sequestros) e, principalmente, tráfico de drogas. A expansão territorial do PCC aconteceu em duas direções: para dentro das prisões e para cima das bocas de fumo paulistas. De modo geral, em troca de uma parcela dos negócios, o PCC fornece segurança para seus membros. E segurança, quando se atua em um mercado ilegal, é um bem muito importante. Assim, a receita do PCC só fez aumentar desde que a facção foi criada. O procurador Christino estima em “alguns milhões de reais” a receita mensal deles atualmente.
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Especialistas e autoridades concordam que a estrutura capilar estabelecida durante mais de uma década pelo PCC foi crucial para a eficiência do levante, em maio de 2006. As interpretações para entender o que a facção ganhou com os ataques, no entanto, variam. Logo após os atentados, o governo de São Paulo continuou sob críticas pelo descontrole nos presídios do Estado. Uma das respostas foi a demissão do secretário de Administração Penitenciária, Nagashi Furukawa, e a nomeação de Antônio Ferreira Pinto, mais alinhado ao titular da Segurança Pública, como seu substituto. Ex-promotor e ex-policial militar, Ferreira Pinto era visto como linha-dura, e a primeira medida de sua gestão determinou que amotinados que destruíssem suas celas não fossem transferidos a outros presídios.
“Com isso, eles entenderam a mensagem de que eram apenas manobrados pela facção, porque os presídios ocupados pelas lideranças sempre permaneceram inteiros, e eles nunca perderam um dia de visita, nunca perderam um dia de sol”, afirma o ex-secretário, hoje aposentado. Ferreira Pinto acredita que os líderes do PCC exercem sua influência para tornar os membros de baixo escalão meros peões, sujeitos somente aos interesses dessas próprias lideranças. Seria uma forma de buscar legitimidade, o que o ex-secretário rechaça. “Nunca nós os dignamos a conversar com eles, bandido é bandido e polícia é polícia”, ele afirma. “Eles não têm status nenhum”, posiciona-se.
O procurador Christino argumenta no mesmo sentido, mas reconhece que o PCC conseguiu seu lugar à mesa de negociação. “Muito embora eles não tenham nenhum lucro, nenhum ganho patrimonial, eles tiveram um ganho político muito grande, porque se lançaram como uma entidade influente socialmente”, afirma o membro do Ministério Público. A destruição dos presídios, para Christino, também teve influência na definição dos ataques: “O que o PCC pretendia naquela época era inutilizar o presídio que não fosse do agrado deles, para que ele fosse desmobilizado e não fosse mais usado”.
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Uma pesquisa inédita traz dados que sugerem outro motivo para a facção ter realizado os ataques: expansão territorial. O economista João Manoel Pinho de Mello, professor do Insper, investigou a hipótese em parceria com o economista Ciro Biderman e o sociólogo Renato Sérgio de Lima, ambos professores da Fundação Getulio Vargas. A partir de bases de dados do Disque-Denúncia e da Secretaria de Segurança Pública paulista, à qual Mello teve acesso durante uma pesquisa financiada pelo Banco Mundial, o trio estudou como o PCC expandiu seu território nas favelas em São Paulo.
Antes dos ataques, a facção estava presente em pouco mais de 40% das favelas paulistanas, aproximadamente, índice que saltou para mais de 70% até o fim de 2006 — e manteve crescimento estável até pelo menos o fim de 2009, até onde vão os dados da pesquisa. A partir de menções à facção em ligações do Disque-Denúncia e aos dados do governo, os pesquisadores foram capazes de estabelecer uma linha do tempo comparando a entrada do PCC em determinado local e uma possível influência nos índices criminais de lá.
No mesmo período, a tendência geral das ocorrências de tráfico e de porte de entorpecentes foi de queda. Entre 2013 e 2015, de acordo com os dados da Secretaria de Segurança Pública, ambos os tipos de ocorrência variaram pouco: apresentaram queda em 2014, em comparação ao ano anterior, e subiram em 2015, para patamar equivalente ao inicial. O Risca Faca solicitou ao governo de São Paulo uma entrevista com o secretário de Governo, Saulo de Castro Abreu Filho — titular da Segurança Pública durante a crise de 2006 —, para falar sobre o PCC, mas o pedido foi negado.
Para o ex-secretario Ferreira Pinto, o sucesso comercial do PCC é resultado de uma política de combate às drogas que deixou de atrapalhar: “A facção ganha muito dinheiro no tráfico. Por que eu, pertencente à facção, vou atentar contra o Estado, se o Estado não me incomoda?”, ele critica. Mello, do Insper, coloca o mesmo argumento em outras palavras, a partir de outra perspectiva: “Se o poder público está disposto a ser cínico o suficiente para conviver com o tráfico de drogas, ótimo”, resume o economista.
Esse é um dos mais delicados temas relacionados ao crime organizado. Afinal, uma facção é capaz de atuar por conta própria a fim de diminuir os índices criminais? “O que a gente estima é que o PCC, ao entrar numa favela, comparado com uma favela onde ele não está, causa uma queda nos crimes violentos — homicídio, agressão e homicídio culposo”, afirma Mello em seu escritório na faculdade, buscando uma resposta científica ao problema. “Só que a gente não encontra nenhum efeito sobre crimes contra o patrimônio, que inclusive era mais fácil de encontrar, porque crime contra o patrimônio é uma coisa comum.”
Ele cogitava duas hipóteses para explicar a queda nos índices: a da competição, na qual os crimes violentos caem simplesmente porque o PCC deixa de ter adversários, e a da justiça, na qual o PCC assume o papel de provedor do bem público no lugar do Estado. Como apenas os crimes violentos apresentaram queda, Mello pende a confirmar a primeira hipótese.
O Primeiro Comando da Capital jamais repetiu uma mobilização tão grande quanto a realizada há dez anos. Por quê? “Dentro do paradigma proibicionista, a evidência que está sendo construída é que é melhor enfrentar um grupo só”, analisa o economista. Em outras palavras, enquanto as políticas antidrogas não mudarem, tende a ser melhor para o governo enfrentar um PCC só, em vez de vários cartéis, como ocorre no México. Além disso, a facção conseguiu se manter sem dissidências. “É simples, a liderança que está prevalecendo hoje é uma liderança forte, que está conseguindo se manter”, afirma Christino.
A pesquisa de Mello, do Insper, vai no mesmo sentido. O estudo mostra que há formas de diminuir os crimes causados pelo comércio ilegal de drogas, sem necessariamente acabar com o tráfico. Por exemplo, incentivando a venda apenas em lugares fechados, como bares, para tirar traficantes das ruas, onde tiroteios são mais prováveis. Ou, como cantaram os Racionais MCs: “O movimento dá dinheiro sem problema, e o consumo tá em alta como manda o sistema”.
Durante a perseguição a um caminhão colorido, cheio de luzes e personagens, um garoto de bicicleta aborda o fotógrafo Felipe Larozza. Papo vai, papo vem, ele descobre que somos de São Paulo e, com um olhar curioso, indaga: “Como são os trenzinhos de São Paulo?”. Em São Paulo não tem disso, não, mas em Ribeirão Preto, onde vive o pequeno, todo mundo tem uma história com trenzinho. Contarei algumas das que ouvi e todas que vivi ao desbravar o mundo de reluzentes colossos mecatrônicos, seres antropozoomórficos, casamentos entre profano e sagrado e confrontos de todos os tipos em uma cidade rodeada por um denso cinturão de cana de açúcar no interior de São Paulo.
Distantes do centro da cidade, nas quebradas onde as classes se confundem, jovens de máscaras e corpos vestidos com roupas malucas dançam, pulam, correm, brincam. Veículos imensos arrastam pequenas multidões ao som dos últimos lançamentos musicais em meio a uma erupção de cores. O povo admira, interage, para ou vira a esquina. Correm luzes como as das aparelhagens de Belém, gambiarras de baile funk, sistemas de som de trio elétrico, referências carnavalescas, símbolos infantis e delírio adolescente.
A nossa bandeira foi investigativa e nossa entrada, pacífica. A ideia platônica de trenzinho da alegria estava em nossa mente: um veículo mais ou menos comum que reboca vagões coloridos seguido por pessoas fantasiadas formando um pitoresco comboio cuja única função é circular pelos pontos turísticos de cidades pequenas — a orla, o coreto, a igreja, a ponte mais bonita. Sabíamos, contudo, que em Ribeirão Preto havia alguma coisa diferente por causa do trenzinho mais famoso do Brasil, o Trenzinho Carreta Furacão.
Ele foi o primeiro tipo exportação da cidade. No vídeo que correu a internet em 2010, Homem-Aranha, Fofão, Palhaço, Capitão América e Popeye marcam a cultura popular do país ao deturpar nosso imaginário lúdico com molejo, suíngue e mistura que só um Brasil brasileiro é capaz de oferecer. “Samba do Mestiço”, na trilha do vídeo original, canta para seguir em frente e olhar para os lados. E nessa toada o Carreta Furacão chegou aos canais de TV aberta naquele ano.
Os trenzinhos hoje são marco na internet brasileira em novos clássicos como Fofão sobe o muro, mas eles também são parte fundamental de Ribeirão Preto há pelo menos trinta anos. E isso não fica evidente na piada do meme ou do programa de auditório. A cidade tem a única organização exclusiva da classe no país, a Associação de Trenzinhos, com 14 empresas. Esse é apenas mais um detalhe de um fenômeno cultural interessante e de muita festa.
[olho]”Tem que fazer por merecer pra ser o Fofão”[/olho]
Seus protagonistas são garotos como Renan e André Luiz “Sheyck”. Os irmãos de 17 anos, com apenas meses de diferença de idade, vivem na periferia de Ribeirão Preto. Eles estudam e trabalham de dia. À noite, saem de casa com uma fantasia remendada e um capacete de isopor embaixo do braço. De 20h a 23h, são estrelas do Trio Big Folia, trenzinho da empresa Dominium — também proprietária do Carreta Furacão. Um dos maiores da cidade, o mastodôntico duplex ambulante de luminosos e som potentes é palco para Renan, o Palhaço, e André, o Fofão.
“Tem que fazer por merecer pra ser o Fofão”, diz André. O cruzamento de espécies que resultou no personagem original não previa a aparição de uma linhagem hábil nas peripécias que ele faz. O Fofão de André sobe um muro e posa sob a luz em seu topo ao som de MC Sapão, dá um mortal apoiado na parede como Jackie Chan e treme os quadris freneticamente como uma integrante do Bonde das Maravilhas — tudo em cinco minutos. “Tem que ser louco!”, completa Renan. “Tem que passar dos limites!”
Encarnar o Fofão é atingir o mais alto nível no plano de carreira dos trenzinhos. O Palhaço vem a seguir. “É como qualquer empresa: quer subir?”, me perguntou Renan. “Tem que fazer por merecer.” Os personagens com as cabeleiras vastas são os mais cobiçados entre os dançarinos. Com trejeitos femininos, eles jogam as madeixas de lã de um lado para o outro. Nasce um novo gênero com uma dança que mistura passinhos do funk paulista, breakdance e footwork.
A coreografia é liderada pelo dançarino que dispara à frente. “Trenzinho é um pouco de tudo: axé, sertanejo, funk, arrocha, eletrônica”, explica Renan. Tem também parkour aplicado aos obstáculos próprios de uma cidade do interior, destreza de pixadores na escalada de muros e acrobacias circenses e humor pastelão de grupos como Os Trapalhões ou Os Três Patetas — ainda não tenho certeza se um cachorro realmente mordeu a bunda de um dos dançarinos que rebolava junto ao portão de uma casa.
Os garotos pouco ensaiam e de vez em quando vão a um parque para tentar uns passos. Quedas e acidentes são frequentes, mas a máscara dos personagens não cai. Enquanto dão voltas pelas quadras, os trenzinhos disputam espaço com carros e motos acostumados à festa itinerante. Entendi por que o Popeye é atropelado enquanto o Fofão sobe o muro quando eu mesmo corria ao lado dos trenzinhos. “Eu já fui atropelado por bike, moto, carro”, diz Renan. “Teve uma moto que me jogou pro alto, mas nem me machucou.”
Garotos com suas bicicletas também disputam o espaço durante a noite nas ruas de Ribeirão Preto. No decorrer do trajeto do trenzinho, aumenta a quantidade de moleques sobre duas rodas naquela carreata pela cidade. Uma senhora descontente sai de casa. “Eu acho isso horrível. Tem até consumista aí no meio”, diz ela, sobre o uso de drogas. Uns garotos baforam loló, outros fumam cigarro artesanal. A maior parte só passa em alta velocidade ao lado dos dançarinos. “Eles trombam na gente e falam: você está na minha quebrada!”, explica André.
Contei trinta desses garotos em uma das voltas do Trio Big Folia numa noite de sexta no entorno da desleixada praça Rômulo Morandi. Do chão, eles observam o espetáculo com reverência e desprezo por um motivo evidente: garotas, cujos olhares se voltam para os dançarinos. Mais de vinte meninas compõem o público. De roupas de festa e maquiagem pesada, elas gritam, batem palmas e rebolam até o chão. Enquanto mães e filhos pequenos ficam no térreo, as adolescentes desfilam pela cidade no topo do trenzinho.
O andar de cima parece acessível somente a quem está na puberdade. Vitória Teodoro comemora seu aniversário de 15 anos naquela noite. Passa das 22h. Sua irmã pequena, Sofia, acompanha o cortejo bocejando vez ou outra, mas suas amigas aproveitam o passeio como quem vai a uma animada festa de aniversário. Dançando, elas chamam a atenção dos garotos de bicicleta; esgoelando-se, elas chamam a atenção dos dançarinos que correm no chão.
Vitória diz que sempre acompanha o Trio Big Folia. Os grandes trenzinhos da cidade têm seu séquito fiel. No Facebook existem páginas dos fã-clubes formados exclusivamente por garotas, como as Trenzetes. As Dominiunzetes, por exemplo, adoram os trenzinhos da Dominium — Carreta Furacão incluso. Como qualquer grupo do tipo, seu álbum online tem fotos e vídeos dos ídolos, os personagens.
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Fama, mulheres e brigas
Alguns dançarinos me falaram que em Ribeirão Preto existe até o apelido de “Maria Trenzinho”, dado às garotas que têm preferência pelos personagens de trenzinho. “Tem uns caras que zoam a gente, mas a gente pega muita mulher!”, diz João Victor Urbines, dançarino do Trio Trem Balada. Propriedade da Tony Leme Eventos, esse trenzinho de dois andares, som potente e muitos luminosos disputa o título de maior da cidade com o Trio Big Folia da Dominium.
João tem 21 anos, seis deles dedicado a dançar como personagem. Há pouco tempo ele se tornou pai, então arranjou um emprego comum para os dias da semana. Nos fins de tarde de quinta a domingo, contudo, ele vai até o bairro Planalto Verde para encontrar seus amigos de equipe. Muitas vezes ele tem de ajudar na manutenção do trenzinho do qual faz parte, carregando alto-falantes, ou soldando alguma peça com os olhos fechados — não há máscara para protegê-lo das faíscas. Quando a noite chega, é hora de sair.
O Trio Trem Balada tinha uma agenda cheia a cumprir naquele sábado. A bordo, os moleques na faixa dos vinte anos estão mais acostumados ainda. Eles bebem uma mistura alcoólica no andar debaixo. Em cima, seguram uma caixa de som atentos a árvores e fios elétricos que passam rentes à cabeça.
Pouco a pouco eles entram no personagem. Trocam as camisas do Barcelona e bermudas da Hollister por panos puídos sobrepostos em camisetas velhas, meias longas de cores berrantes, calças largas de material leve e tênis baixos de sola aderente. Eles enfiam a cabeça nos elmos depois de vestir as armaduras de tecido. Quando pisam no asfalto, os garotos formam uma gangue de máscaras: Mario, Luigi, Patolino, Patati, Patatá, Mickey, Cebolinha e Fofão — personagem encarnado por João.
O primeiro compromisso é em um buffet a quinze minutos do centro. Francieli Esteves, recepcionista de 33 anos, tinha contratado o Trio Trem Balada para a festa de aniversário do filho, Rafael Lopes, de 2 anos. “A gente é mais chegado nesse trenzinho”, diz ela ao descer do veículo. “Toda quinta-feira a gente vai pra praça ver esses personagens.” Astros da festa, os dançarinos abrem o espetáculo com apresentações individuais. Dali em diante se vê um rebuliço, uma zona, um alvoroço vistos em poucos lugares do mundo.
Um outro trenzinho cruza o caminho logo na primeira esquina. Trata-se do Carreta Tremendão, com cinco dançarinos. Um veículo dá preferência ao outro, mas no chão os garotos disputam o espaço como guerreiros tribais. Cercada por meninos de bicicleta, a aglomeração com mais de dez personagens parece um círculo aberto para bate-cabeça em um show de death metal. Pisando com força no asfalto, ficando cara a cara a poucos centímetros das máscaras e simulando chutes e socos, os dançarinos quase partem pra porrada.
João já tinha me mostrado um vídeo em que está prestes a brigar com outro personagem. Vestido como Fofão, ele toma um soco do Mickey de outra equipe. “A gente sabia que a gente tinha treta, ele acha que é bonzão”, diz. “Eu estava dançando, aí ele veio e eu fiquei bravo”. A confusão foi evitada pelos seus companheiros, mas nem sempre é assim. No YouTube é possível encontrar vídeos de tensos encontros entre trenzinhos — outro sinal da ocorrência dos conflitos.
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“Todo mundo já brigou”, me conta Renan, o Palhaço do Trio Big Folia. “Às vezes alguém briga por sentir inveja de outra pessoa que está com a mesma fantasia de Palhaço ou fantasia de Fofão”. Além do ego, rivalidades entre grupos, desentendimentos por namoradas e provocações simples podem dar em confusões perigosas. “Acho que antes de existir Associação a molecada que trabalha com trenzinho era mais unida que agora”, diz João. “Tinha menos briga, mas tinha umas que dava até morte.”
O clima pesado ficou apenas na ameaça naquela noite. Após o encontro com o outro trenzinho, o Trio Trem Balada segue em um frenesi dantesco. O volume da música é nocivo ao lado dos alto-falantes, as luzes piscantes confundem os olhos. O alarme de um carro dispara. O Patolino acende um rojão que explode a poucos metros do chão. O Patati entra em uma casa, o Patatá toca a campainha de outra. Mario e Luigi sobem rapidamente em um beiral de três metros de altura — atendendo a pedidos do público. Num pedaço de terreno baldio, o grupo se espalha dançando numa coreografia feita para levantar poeira.
[olho]”Às vezes alguém briga por sentir inveja de outra pessoa que está com a mesma fantasia de Palhaço ou fantasia de Fofão”[/olho]
De repente, todos os dançarinos sobem na caçamba de um carro utilitário. A suspensão do veículo sente o peso. O motorista buzina. Ele ri de alegria. Uma pequena que tem a idade do aniversariante da noite está no banco de passageiros com cara de quem adora aquela farra mesmo sem entendê-la. Crianças são prioridade dos personagens. Algumas pessoas saem de suas casas para saudar a bagunça. “A gente gosta, passam vários por dia”, diz uma senhora.
Apenas convidados da festa podem subir no trenzinho — nas praças, basta pagar três ou quatro reais para embarcar. Além da garotada nas bicicletas, do fotógrafo e de mim, outro grupo o acompanha do chão. Como os personagens, eles têm máscaras, roupas coloridas, muito pique e uma destreza com o corpo que lhes permite fazer o quadradinho de oito do funk, o top rocking do breakdance e até o espacáte do balé clássico. No entanto, é tudo mais mambembe, malajambrado. E o grupo tem média de um metro e meio de altura.
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Eles são os seguidores: garotos com menos de 15 anos que se fantasiam, brincam e atuam como os dançarinos oficiais. Eles aguardam os trenzinhos nas noites de quinta a domingo nas imediações de praças e buffets marcando território como a gangue de menores do filme “Cidade de Deus”. A lei natural que passa de boca a boca os autoriza a ficar ao lado do veículo oposto ao lado reservado aos dançarinos oficiais. De vez em quando, todos dançam juntos na frente dos trenzinhos. É um encontro de gerações.
Alguns seguidores dão nomes para seus grupos. A equipe que dança ao lado do Trio Trem Balada naquela noite se autodenomina “Os Tremedeira”. “Isso aqui é uma diversão que você nem imagina”, diz Pedro dos Santos, um dos integrantes do time. Durante o dia, estuda; à noite, fica em busca de trenzinhos no seu bairro. Ele sonha em ser um dançarino oficial das equipes. Por quê? “Estou fazendo uma criança feliz e fazendo algo que eu gosto: dançar no trenzinho.” Pedro usa a máscara do Pica-pau. Ele tem 13 anos.
O garoto reproduz o discurso dos mais velhos que, por sua vez, reproduzem o discurso de ídolos: jogadores de futebol, cantores populares e celebridades unânimes. A grana que os dançarinos de trenzinho ganham, no entanto, está bem aquém da remuneração nessas categorias. Deydison Santos é o Mickey no mesmo grupo do João. Ele diz que ganha sete reais por festa. Isso dá, em média, sessenta reais por fim de semana. Ele trabalha durante o dia e vai ao trenzinho por prazer. “Isso aqui pra mim é um rolê”, diz ele.
Tiquinho, como é apelidado Deydison, tinha desistido da vida de dançarino há alguns meses por causa do trabalho na organização de festas e shows em Ribeirão Preto. Ele fez 20 anos em março de 2015, mas o fim da linha para a maior parte dos personagens de trenzinho costuma chegar mais tarde, aos vinte e poucos. Além da vida adulta, até relacionamentos botam fim à carreira. “Tem namorada que diz ‘ou eu ou o trenzinho!'”, diz André, o Fofão do Trio Big Folia.
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Um de seus amigos, Gabriel Lopes, é outro exemplo de quem faz participações especiais por causa da saudade. Ele tem 17 anos, mas parou com a vida de dançarino logo cedo porque seu joelho esquerdo não suportava mais a frenética rotina de saltos, correria e passos sensuais que dura até cinco horas por noite. Se dá vontade, ele volta à ativa. “Quando eu ponho a fantasia não dá pra ficar parado, aí eu só sinto o joelho depois”, diz ele. “Isso é um vício: se você entrou, nunca mais quer sair.”
Sem fantasia, os garotos passam despercebidos até entre eles mesmos. Eles são apenas jovens com espinhas na cara às portas da vida adulta. O bom-humor e o erre retroflexo típico do interior fazem parte deles tanto quanto as incertezas adequadas à idade. Não fosse por alguma ótima oportunidade, Renan diz que não faria as estrepulias que faz desprovido de seu traje super poderoso. O que você sente quando coloca sua fantasia? “Emoção”, diz ele.
[olho]”Isso é um vício: se você entrou, nunca mais quer sair”[/olho]
O fim do encantamento está marcado para meia-noite. As festas ou as voltas na praça terminam por volta de 23h. Os personagens tiram suas fantasias. Uns vão gastar o curto soldo em outras festas e outros vão descansar para o dia seguinte. Na cidade não há rastro da barulheira dos vários alto-falantes, nem sombra das lâmpadas cintilantes dos trenzinhos. Nas ruas por onde passou uma tempestade de gente fantasiada, o dia vai nascer sob a imperativa calmaria do Brasil profundo.
Trenzinho para tudo
Todo tipo de evento tem um trenzinho em Ribeirão Preto. Festa de aniversário de senhoras centenárias, festa de aniversário de animais de estimação, casamentos, festas de 15 anos, rodeios, inauguração de supermercado, encontro empresarial, balada universitária, dia das crianças. Das mais impensáveis que ouvi, pude viver a pregação de uma igreja evangélica sobre um trenzinho. A louvação em forma de cortejo neon aconteceu no sábado à noite a pedido da Igreja Batista do Simioni, bairro da periferia da cidade.
O Trio Trem Balada fora contratado para o evento. Ao se aproximar da igreja, o som emitido pelo trenzinho muda de “Farra, Pinga e Foguete” para uma canção da cantora gospel Aline Barros. Os dançarinos são dispensados quando o veículo para. Três equipes de fiéis são formadas: enquanto uma embarca, outras duas ficam encarregadas de panfletar com santinhos pelo trajeto. Os times de jovens adultos, homens e mulheres, se revezam a cada 15 minutos entre o chão e o trenzinho.
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“A gente se juntou com outras igrejas para falar de Jesus para outras pessoas”, me explica Nemias Magalhães, 26 anos, organizador do evento. “O trenzinho é só um meio de chamar atenção, a gente quer falar de Jesus Cristo.” É a primeira vez que eles chamam um veículo daquele tipo para pregar os ensinamentos cristãos pelas ruas da cidade. Isso fica flagrante com o andamento do trenzinho. “Grita quem vai pro céu” e “cuidado com o galho!” são duas frases ditas com frequência — ainda assim, duas árvores me acertam.
Nemias volta a falar comigo quando voltamos a ficar de pé, ultrapassados os obstáculos. “A gente está acostumado com o trenzinho aqui e, por onde ele passa, as pessoas param, olham, acham legal”, diz ele. “Agora a gente uniu o útil ao agradável: evangelizar e chamar a atenção das pessoas.” No chão, seus colegas conversam com transeuntes. No trenzinho, os fiéis gritam: “Ah! Eu sou de Cristo!” enquanto balançam seus cartazes de cartolina.
Silmara Gonçalves é uma das passageiras da noite. Ela tem 35 anos e afirma sem pestanejar que tem trenzinho em Ribeirão Preto desde que era criança — uma época em que eles eram menores, seu público era essencialmente infantil e suas canções falavam de temas lúdicos. Silmara também não titubeou ao dizer o que pensa das músicas que geralmente fazem a cabeça da molecada que frequenta o trenzinho: “É algo muito imoral para crianças”.
O mecânico Pélcio Ferreira reforçou o coro: “Hoje em dia tem que tocar esses raio desses funks”. Mineiro de Governador Valadares, ele saiu da cidade a bordo de seu trenzinho em 1983. Foram anos numa vida de circo. “A gente ficava uns seis meses em cada cidade”, diz ele. “A gente alugava uma casa e no fim de semana ficava na pracinha”. A rotina andante chegou ao fim em Ribeirão Preto por caprichos do coração: Pélcio conheceu sua amada, casou-se, fixou pouso e virou o maior mecânico de trenzinhos na cidade.
Ele abriu sua oficina em 1998 e, hoje, boa parte dos trenzinhos da região saem de lá. “O trenzinho começa do zero”, explica ele. “Às vezes é um chassi de caminhão pra fazer e às vezes é ônibus, aí a gente corta e utiliza a estrutura mecânica.” Diferencial de um, motor de outro, câmbio daquele e sistema de freio daquele outro dão forma a um frankenstein metálico sobre rodas. Sem pintura ou acabamento, um trenzinho fica pronto em dois meses por R$ 80 mil. “Você pensa, nós faz”, diz ele.
O mecânico tem seu próprio trenzinho: o carcomido City Bus, construído em 1992. Além de fabricação, ele também faz manutenção dos brilhantes veículos. O trabalho é preventivo, embora às vezes ele tenha de socorrer um ou outro trenzinho que para no meio do trajeto. A demanda de construção e cuidados cresceu desde os anos 90. Hoje, metade do faturamento da sua oficina vem do trabalho com Carretas, Trios, Naves, entre outros, mas os negócios estagnaram. “Com essa crise, está tudo parado.”
Dos pés à cabeça
Alguns motoristas de trenzinho sabem lidar com problemas mecânicos urgentes dado o tempo de dedicação. Fabio Jeferson, 29 anos, dirige trenzinhos há sete anos. Ele trabalhou como personagem dos 14 aos 25 anos. Hoje, fica atrás do volante do Trio Big Folia mantendo o motor entre a primeira e a terceira marcha. “Dou uma volta de 45 minutos e volto pra descarregar o pessoal”, diz ele. “Tem que prestar atenção em velocidade, galhos, fios, altura do som, meninos que ficam tumultuando na lateral.”
Quem ajuda Fabio na labuta é João Quaglio, 17 anos. Ele trabalha ao lado dos passageiros como DJ de trenzinho. Suas funções são selecionar as melhores músicas em um aparelho similar a um rádio de carro, regular o som em uma mesa de som adaptada e abaixar o volume quando passam em frente a igrejas ou hospitais. Seu naipe bonachão, sua voz empostada e o microfone na mão denunciam algo mais. “Sou locutor também e tenho de agitar a galera”, diz ele. “Sempre foi meu sonho trabalhar com trenzinho.”
Apesar da diferença de idade, Fabio e João frequentam trenzinhos desde moleques. Fabio começou a brincar como seguidor aos 10 anos. A vontade de participar daquilo era tamanha que levou o então garoto a fazer suas próprias cabeças de personagem. “Você faz uma máscara com um bloco de isopor, vai fazendo no formato da cabeça”, diz Fabio, esculpindo o ar. “Depois tem a fibra de vidro, o mesmo material usado em capacetes de moto.” Cada máscara leva três dias para ser feita ao preço médio de R$ 250.
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A identidade dos personagens está quase somente no rosto que carregam. Como poucas fantasias são fiéis aos modelos originais, não é raro encontrar um Patolino com regata vermelha da Quiksilver ou um Ben 10 com colete de brechó — uma colcha de retalhos. Ainda assim, existe um mercado de roupas específicas para os dançarinos. “Se eu vejo na rua, eu sei exatamente qual fantasia eu fiz”, diz Tania Cardoso, 52 anos, costureira que confecciona roupas para trenzinhos há dez anos.
Seu primeiro molde foi feito em 2005. Ele foi destinado a seu próprio filho que era personagem de trenzinho. Hoje em dia, ela costura camiseta e macacão em apenas um dia cobrando R$ 50 pela mão de obra. O trabalho é constante: como a correria é grande, as fantasias rasgam com frequência. Cabe ao dançarino cuidar do seu uniforme de trabalho, às vezes até facilitando o reconhecimento do público com um detalhe ou uma estampa. “São eles que colocam os nomes dos personagens na fantasia”, diz Tania.
Além do isopor, os materiais mais usados na confecção do conjunto são cetim e lã para o cabelo e acabamento das mãos e pés. A Palhaçaria, única loja especializada da cidade, vende seus melhores trajes por cerca de R$ 420 — um baita presente para crianças que se divertem nos trenzinhos. “Os pais que podem dão a festa de aniversário e compram a roupa do Fofão, mas alguns trocam a festa pela roupa”, diz Sandra Cruz, 42 anos, gerente e coproprietária da loja. “Tem crianças que dizem: ‘eu só quero ganhar a roupa!'”
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Segundo Sandra, 60% do rendimento da empresa vem de fantasias. Cerca de 60 conjuntos de vários tamanhos e modelos são vendidos mensalmente. “Temos fantasias para outros estilos também, mas as fantasias do trenzinho são carro-chefe”, diz ela. Os personagens são vários: Mario, Luigi, Cebolinha, Cascão, Mônica, Magali, Ben 10, Máscara, e por aí vai. Adivinhe quais os mais procurados? “Fofão e Palhaço são os personagens que mais vendem.”
[olho]Não é raro encontrar um Patolino com regata vermelha da Quiksilver ou um Ben 10 com colete de brechó[/olho]
Sandra e sua irmã fundaram a loja há quatro anos. A mãe delas faz fantasias desde 2008 e a demanda aumentou com o sucesso da confecção. Sandra lembra que sua casa vivia cheia de garotos e donos de trenzinho em busca de fantasias. O bico virou emprego em tempo integral quando os rendimentos aumentaram. “Eu e minha irmã deixamos nossos trabalhos para investir nisso”, me conta ela. “Hoje nós vivemos da loja, praticamente três famílias vivem da loja.”
Que trem é esse?
Como não há literatura a respeito, existem poucas informações confirmadas sobre a cultura dos trenzinhos no Brasil. Em arquivos da década de 50 é possível encontrar as primeiras menções ao termo. Em 1956, um trenzinho dava voltas pelos gramados ainda pelados do Parque do Ibirapuera, em São Paulo. Em 1958, uma loja da falida rede Mappin contratou um trenzinho para comemorar o Natal. Segundo uma carta enviada por um leitor ao Estadão, coube a um funcionário empurrar o trambolho pelas ruas no centro de São Paulo.
A Trenzinho Star Tolomelli, de Governador Valadares, é uma das empresas mais antigas do ramo ainda em atividade. Criada em 1979, ela hoje tem um dos mais famosos trenzinhos da cidade mineira. Seu fundador não revela o nome por receio de se tornar muito conhecido. Ele tampouco confirma a lenda de que construiu seu primeiro trenzinho inspirado após uma visita à Disney nos anos 70 — os recorrentes casos de valadarenses que migram para os Estados Unidos dão um toque de realidade ao mito fundador.
Em uma conversa por telefone, contudo, o senhor responsável pela Star Tolomelli conta vantagens de alcance nacional. Apoiando-se em conversas de colegas de trabalho, ele afirma ter sido o primeiro a construir um veículo de dois andares no Brasil, há 30 anos, e ter estreado os tipos de caminhões usados hoje em trios elétricos baianos, também há três décadas. Ele arrisca uma cifra. “Os trenzinhos empregam mais de cinco mil pessoas, direta e indiretamente, em todo o Brasil.”
Hoje, o plantel de trenzinhos da Star Tolomelli diminuiu de cinco veículos espalhados em São Paulo, Minas Gerais e Bahia para um único representante em Governador Valadares. O modelo é sofisticado: tem Wi-Fi, banheiro, DJ profissional, palco e, claro, personagens. “O pessoal universitário aderiu ao trenzinho, tem gente que me fala que vinha no trenzinho quando era filho e agora traz o neto e o sonho das crianças aqui é trabalhar no trenzinho Star Tolomelli”, afirma o anônimo empresário. “Passou a ser uma cultura.”
À exceção da alta velocidade dos seus trenzinhos, a cidade mineira repete o esquema de Ribeirão Preto: exímios dançarinos fantasiados, público adolescente, músicas de sucesso, veículos gigantes e ostensivas turnês locais e regionais. A cultura dos trenzinhos ribeirão-pretana, no entanto, se apoia na fraqueza do equipamento e do sistema públicos de lazer, esporte e cultura; no elevado índice populacional frente a outras cidades do interior; e na relevância regional da cidade.
Para 2015, por exemplo, a despesa da prefeitura de Ribeirão Preto com as pastas de cultura, lazer e esporte foi orçada em cerca de R$ 24 milhões. Isso corresponde a 1,2% do R$ 1,8 bilhão investido ou R$ 36 por ano para cada um dos 666 mil habitantes estimados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas (IBGE). Segundo a mais recente classificação do órgão, a cidade apresenta o 28º maior PIB do país, uma pirâmide etária larga nas faixas de 15 a 34 anos e IDH 0,800 — índice muito alto.
A pujança interiorana se deve parcialmente a séculos passados. O campus da Universidade de São Paulo que alimenta a cidade com novos profissionais ocupa o que fora uma fazenda cafeeira até meados de 1950. As lavouras da região agora são lembranças em ruas asfaltadas como a principal via de acesso a USP, a Avenida do Café. Segundo um recente levantamento, a cada quatro habitantes de Ribeirão Preto, três estão empregados no setor de comércio e serviços. E eventos como o último Agrishow mostram que o agronegócio diminuiu.
Esse misto de importância socio-econômica, desenvolvimento relativo, políticas públicas lenientes, população jovem e clima de interior criou um cenário favorável ao agigantamento metamórfico dos trenzinhos na cidade. “O pessoal de Ribeirão Preto é festeiro pra caramba também”, me explica Wellington Cardoni, 37 anos. Ele e sua esposa, Fabiana Cardoni, 34 anos, são proprietários da Dominium, maior empresa de trenzinhos da região. Com cinco veículos e quarenta funcionários, eles chegam a fazer cento e sessenta festas por mês.
“Quando era criança, eu andei muito no trenzinho Pancadão porque tinha um supermercado que chamava ele toda semana das crianças”, me conta Wellington. “Tinha gente virando a esquina na fila, tinha a Cuca, o Fofão… Eu não imaginava que esse trenzinho ia ser meu.” Esse foi o terceiro trenzinho comprado pela sua empresa. O primeiro foi o singelo Encantado. O segundo foi o clássico Carreta Furacão. Até hoje, ele é a maior locomotiva do sucesso da Dominium.
Quem vê o sorridente rosto estampado na frente desse trenzinho mal sabe que ele não passava de tristes ferragens largadas em uma garagem em Franca, cidade do interior de São Paulo, em 2010. O antigo proprietário tinha começado a montar o veículo havia alguns meses, mas ele não pôde finalizar obra. Ao saber disso, Wellington e Fabiana arremataram o potencial trenzinho por R$ 50 mil. Ele só foi à rua após ganhar reforma e nome. Naquele mesmo ano, o Carreta Furacão foi ao mundo na filmagem de um segurança da equipe.
“Quando o cara que vendeu descobriu o sucesso, ele ligou pedindo pra gente vender de volta”, diz Fabiana. No meio da conversa, ela atende à chamada de algum cliente da capital. O marido lembra de algumas histórias do trenzinho: a ligação feita pelo cantor Leandro Lehart agradecendo a divulgação involuntária da sua música ou os jovens dançarinos do Guarujá que cogitaram pedir emprego na Dominium. “Não tem como vender o Carreta Furacão”, sentencia Wellington. “Muitos já ligaram pedindo, mas não tem como.”
Ainda assim, a menina dos olhos é estimada pelo empresário em R$ 200 mil. O valor aumentou com a reforma concluída em outubro. A reestreia do Carreta Furacão será no Dia dos Trenzinhos, evento organizado pelo casal junto de outras empresas da cidade. Como todo dono de trenzinhos, Wellington puxa sardinha para seu lado — com um fundo de razão. “O Carreta Furacão levou o nome dos trenzinhos pro mundo”, diz ele. “Você veio de São Paulo por causa da Carreta Furacão.”
Tamanha fama não viria sem efeitos indesejados. Segundo o casal, há trenzinhos que aproveitam a relevância conquistada pelo seu trabalho. Eles relatam dois casos em que empresas fecharam contratos em nome do Carreta Furacão, mas, na verdade, outros trenzinhos foram usados nas festas. A concorrência, que chegava a seis ou oito representantes nos anos 90, hoje chega a 40 veículos em uma única cidade.”É um mercado desleal”, afirma Fabiana.
A competição fica mais acirrada com a presença de trenzinhos de outros lugares. O contrato para uma festa com trenzinho de Ribeirão Preto varia entre R$ 200 e R$ 350, mas trenzinhos forasteiros cobram até 100 reais a menos que isso. Embora Wellington tenha excursionado com sua equipe em outras cidades, ele se opõe a essa prática em sua própria terra. “Eles não pagaram o que a gente pagou pra manter advogado, assessoria, os laudos dos veículos da Associação”, diz ele.
A Associação de Trenzinhos de Ribeirão Preto foi formada em 2011 para impedir a presença de trenzinhos de outras cidades. Desde as primeiras reuniões ela é presidida por Tony Leme. Ele construiu seu primeiro trenzinho há quarenta anos — uma Variant adaptada. Hoje, seu filho comanda o trenzinho Trio Big Folia. Presidente da Associação, o patricarca também cuida da empresa com seu nome. “Minha preocupação como presidente é ajudar os donos de trenzinho que querem ser ajudados”, diz ele.
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Nem mesmo o neto pequeno balbuciando a palavra trenzinho consegue derrubar o semblante turrão do empresário. Para ele, outro problema no mercado é a crise econômica. Na sua análise, ela reduziu até mesmo a procura por atividades de lazer baratas. “A crise cai sobre a população”, diz ele. “O único divertimento que uma pessoa pobre tinha até então era o trenzinho: se for ao shopping, ela gasta R$ 150; se for ao parque, ela gasta R$ 20; se for à praça, não tem nada porque está tudo destruído.”
Os proprietários da Dominium também pensam dessa maneira. Fabiana reconhece que a maior parte de seu público é formado pela camada de menor poder aquisitivo da população. O trenzinho é o único divertimento acessível a crianças e adolescentes dessa parcela. “Ribeirão Preto não tem o que fazer, é uma cidade muito grande e não tem nada”, diz ela. “Se uma pessoa tem quatro, cinco filhos, como ela vai levar todos pra um parque de diversão?”
Seu marido afirma que a Associação surge para proteger os trenzinhos, mas que ela não atua nesse sentido. “Hoje, a Associação não exerce o papel dela”, afirma Wellington. Ele também diz que há queixas de vários associados a gestão da entidade, da qual ele mesmo faz parte. Segundo o proprietário da Dominium, chegou ao fim o mandato da chapa atual da Associação, mas não houve novo pleito. “O presidente tem vantagens com trenzinhos, pra ele não é interessante essa votação”, diz ele.
Segundo o presidente da organização, nem todos associados pagam a taxa de manutenção exigida em estatuto. Tony também alega que poucos filiados ajudam nos trâmites burocráticos. Para ele, vale aquela máxima: a união faz a força. “Nós, da Associação, somos desunidos. Se alguém vier aqui, eu passo o cargo porque isso é só bucha, dor de cabeça”, afirma ele. “Mas eu não vi ninguém que vista a camisa como eu visto.”
Cultura pra quem?
A Associação de Trenzinhos de Ribeirão Preto também nasceu para defender os interesses da classe ante as regulações do governo. Em 2011 a câmara legislativa da cidade deu início às primeiras discussões sobre a atividade dos trenzinhos. “A gente percebeu que, de fato, era uma atividade cultural irregular da cidade que estava trazendo uma série de situações de risco para os trabalhadores e para seus próprios usuários”, afirma Gláucia Berenice, vereadora do PSDB, em seu gabinete no prédio de inspiração brutalista que abriga a Câmara Municipal da cidade.
Segundo ela, há vários relatos de cidadãos incomodados com trenzinhos. As reclamações em geral recaem sobre o comportamento do público ou sobre as músicas dos veículos — não só o volume. “Tem letras de conotação sexual e muita apologia a criminalidade”, diz ela. A vereadora conta a história de uma mãe que acenava com o filho de colo para o personagem Homem-Aranha em um trenzinho. “Quando levantou a máscara, ele tinha um cigarro de maconha enorme na boca!” Acidentes também estão na lista de problemas.
O aumento da quantidade de trenzinhos acentuou o número de denúncias. Segundo Glaucia, o Ministério Público da cidade era favorável à proibição da atividade, mas o legislativo buscou uma alternativa. Em julho de 2013 foi aprovada a lei nº 13.030, a “lei dos trenzinhos”, após debates entre bombeiros, policiais, engenheiros, fiscais, legisladores e representantes do trenzinhos — em um dia de protesto, eles levaram os poderosos veículos para a frente da Câmara.
A lei, no entanto, criou um limbo jurídico por dois motivos. Ela prevê que todos os trenzinhos da cidade recebam um alvará da prefeitura para circular e cria um departamento de fiscalização para atender denúncias dos cidadãos, mas não determinava qual representante da prefeitura desempenharia essas funções. Sem documentos, empresários como Tony Leme e o casal Wellington e Fabiana eram clandestinos na própria cidade. Sem fiscalização, qualquer trenzinho agia como bem queria.
No papel, esses problemas foram solucionados com um novo decreto de lei publicado em diário oficial no fim de agosto. O dispositivo legal coloca o Departamento de Fiscalização Geral da Prefeitura de Ribeirão Preto para atuar junto aos trenzinhos. Segundo Osvaldo Braga, diretor do setor, uma questão simples, mas de grande importância seria resolvida até o fim de outubro. “Nós teremos a realidade de quantos trenzinhos existem na cidade porque todos terão de apresentar documentação”, diz ele.
Segundo Osvaldo, houve um grande período de debates e revisões até que a lei fosse sancionada pela prefeita. “Coube a nós estudar mais a lei e foram feitas várias reuniões no Departamento junto aos profissionais dos trenzinhos”, diz ele. Embora o alto volume do som dos veículos entre 22h30 e meia-noite seja a causa de maior parte das reclamações, os empresários do setor estavam mais preocupados com o estilo das músicas: eles queriam funk. “Era uma briga grande dos profissionais, mas prevaleceu que esse tipo de música não será executado.”
A atuação das empresas de outras cidades em Ribeirão Preto também será verificada pela fiscalização. Para Osvaldo, é preciso que todos os trenzinhos tenham CNPJ e firma aberta no município. “Temos uns três ou quatro trenzinhos de outras cidades que vêm atuar aqui e agora vamos agir no rigor da lei”, diz ele. “Será uma fiscalização árdua, principalmente nesse início, e daremos prioridade para os casos do pessoal de fora que vem trabalhar aqui.”
A punição para empresas que cometerem infrações varia de multas entre R$ 501 e R$ 11 mil a cassação do alvará. O departamento recebe denúncias no 156. Dois funcionários verificam as denúncias feitas à noite, mas eles também estão encarregados pelos casos de perturbação do sossego em toda a cidade. Por isso, Osvaldo pede que as reclamações sejam realizadas com imagens dos veículos infratores. “Se eu recebo uma denúncia, na hora que o fiscal chega o trenzinho já passou e foi embora”, diz ele.
Perto do fim da conversa, Osvaldo me conta de uma recente visita que tinha feito a Caldas Novas, no interior de Goiás: “Lá os trenzinhos não têm música alta, eles ficam andando pela cidade com um sininho.” Estranho. Caldas Novas é conhecida por dionisíacos festivais sertanejos, beberranças homéricas, canhões de luz tão potentes quanto o sinal do Batman, paredões de alto-falantes que fazem o som da percussão de qualquer arrocha estalar pelos ossos. Seriam os trenzinhos de lá meros bibelôs?
Este vídeo me mostra que sim. Depois da descoberta no interior de São Paulo, contudo, não deixo de pensar que há um potencial, um devir maior em qualquer carroça férrea que circule pelo interior do Brasil. Na saída de Ribeirão Preto, em uma calorenta tarde de domingo, vi uma dessas correndo pela estrada. A pintura opaca do dia, as lâmpadas ofuscadas pelo sol, as cadeiras vazias, o motorista oculto, os personagens ausentes. Tudo isso, mas um nome estampado. Trenzinho da Alegria.