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A anatomia de uma capa

Diz o ditado que não se deve julgar um livro pela capa, mas para Paul Buckley, diretor de arte da editora Penguin, uma boa capa é fundamental. “A capa é com frequência a maior peça publicitária que um livro terá e representa a diferença entre ‘eu quero levar isso pra casa’ e um potencial comprador nem notá-lo”, afirma. Colocar uma foto genérica com um título em cima, por exemplo, é preguiça sem inspiração. “E gente sem inspiração precisa seguir em frente e abrir espaço para gente que curte exercer essa habilidade.”

Produzir uma capa de livro é bem mais do que só escolher uma foto qualquer e uma fonte para o título e o nome do autor. É um processo que pode levar de três horas a três meses, diz Buckley. “Clássicos são uma experiência bem mais agradável do que ficção nova, que pode ser um trabalho bem dramático”, opina. “Todo o mundo envolvido pode amar o seu primeiro instinto e a primeira coisa que você cria, ou podem odiar tudo até que o cara do correio esteja batendo em sua porta.” Na Penguin Random House, um diretor de arte é responsável pela identidade visual de um só selo, enquanto o diretor criativo coordena todos os diretores de arte e designers para supervisionar as capas dos 16 selos, que incluem centenas de autores. “Bem mais do que mil capas únicas passam por esse departamento em um ano”, conta.

Entre o manuscrito e a capa — mesmo aquelas em que há uma foto do filme a que o livro deu origem — há muitas etapas a serem cumpridas. A editora pode envolver, além de seu próprio time, uma equipe externa de ilustradores, designers, responsáveis por fontes feitas à mão e pesquisadores, e outros participantes do ciclo de vida de um livro: autores, agentes e até grandes compradores, que dão opiniões sobre o resultado.

“Nenhum projeto de design é algo completamente individual. Design é essencialmente um diálogo. Numa capa, por exemplo, você precisa dialogar com o conteúdo, com a editora, com o potencial leitor, com o orçamento de impressão, com o autor… É um grupo grande de interlocutores. Algumas capas de livro, contudo, possibilitam discursos gráficos e abordagens bastante subjetivas. E, nesses casos, a individualidade de cada designer pode emergir com força Digamos, portanto, que é um trabalho em grupo que, em certas ocasiões, possibilita também uma expressão individual”, conta Gustavo Piqueira, da Casa Rex, que já fez capas para editoras como a Martins Fontes e a Lote 42. (A Casa Rex também assina a identidade visual do Risca Faca.)

Para o designer, a liberdade na hora de criar uma capa depende muito da editora. “Algumas te dão liberdade criativa completa e outras querem te dizer exatamente qual fonte usar. Só posso falar por mim, mas tenho certeza de que a maioria dos designers prefere pouca ou nenhuma direção a excesso de direção”, diz Catherine Casalino, que trabalhou em editoras como Simon & Schuster, Hachette e Random House.

Seu primeiro passo ao começar um projeto é ler o material que a editora fornece, do plano de marketing ao manuscrito completo — se houver (no caso de livros de não ficção, é menos comum que o texto esteja pronto até o momento de chegar ao capista). “Tem muita informação no texto que pode te ajudar com o design da capa e ler o livro te dá uma ideia melhor do humor do escrito — é sério? Bem humorado? Literário? Tudo isso pode te ajudar a fazer uma capa apropriada.”

James Jones, designer responsável por capas como a de “A Brief History of Seven Killings”, vencedor do prêmio Man Booker no ano passado, diz que é importante também entender por que o editor se interessou pelo livro. “Aí meu trabalho é visualizar isso para o leitor. Eu gosto de ler pelo menos uma parte do livro para sentir o ritmo da escrita. Cada livro tem um ritmo diferente, que eu tento encontrar. Enquanto leio esboço muitas ideias. Tenho sorte de nunca faltar ideia, mas melhorei na seleção de quais levar em frente. Desenvolvo algumas das ideias iniciais, antes de esperar um pouco e deixá-las descansar. Quando volto ao projeto, espero que a direção a seguir esteja mais clara”, diz Jones.

“Eu tento visualizar o design da capa como um problema visual que precisa de solução. O próximo passo é olhar exaustivamente referências visuais. É um tipo de processo aleatório, até que engatilha uma ideia”, conta David Drummond, da Salamander Hill Design. Na hora de achar referências, vale tudo. Justine Anweiler, da editora Pan Macmillan, busca inspiração na Amazon e no Pinterest. “A Amazon é boa para o pensar no marketing, enquanto o Pinterest é bom para expandir as paredes que meu cérebro criativo levantou depois de dar uma primeira olhada no projeto.”

Capa de David Drummond
Capa de David Drummond

Uma vez que a editora dá sua aprovação à capa, é a vez de o projeto ser apresentado ao autor. “Isso às vezes pode fazer o projeto começar de novo”, diz Catherine. O papel do escritor na escolha da capa que seu livro levará varia, segundo Paul Buckley. “Mas é importante lembrar que o livro é do autor, que viveu com ele por anos. Então quer você queira quer não ele terá opiniões, que podem ser muito nervosas e não muito divertidas, ou ele pode ser bem tranquilo e acreditar que você é um profissional naquilo que você faz. E pode ser qualquer coisa no meio disso”, diz Buckley. “O autor tem uma voz, porque o livro é seu bebê e meu trabalho é vesti-lo”, conta Justine.

Com os clássicos é outra história. “Eles foram feitos tantas vezes ao longo de tantos anos que isso às vezes assusta os designers. ‘Meu Deus, isso já foi feito cem vezes, como vou criar algo novo?’ Em vez de entrar pela porta da frente, entre pela de trás, pela chaminé, suba pela janela e ligue essa valsa. Traga nova música, abra as janelas e deixe o ar fresco entrar. Faça uns coquetéis e se divirta. Faça uma festa a fantasia e dê ao protagonista novas roupas. O que as pessoas se esquecem é que a beleza dos clássicos é que já conhecemos o livro. Já entendemos, então sinta-se livre pra abordá-lo de um jeito novo”, diz Buckley. “Divirta-se com ele e destaque para um público novo que os clássicos não estão presos num tempo e num lugar. Seus desafios, esperanças e sonhos são os mesmos de hoje. Só que sem smartphones.”

Ser original não é sinônimo de ser o primeiro, diz James Jones. “Significa ser diferente e melhor”, afirma. Dá como exemplo a coleção de capas vintage dos livros de James Bond na qual trabalhou. “Os livros tinham muitas capas icônicas, mas trabalhamos duro para fazer uma série que se mantivesse próxima aos fãs, mas mudasse um pouco pela abordagem tipográfica. Você tem que ter a confiança de que vai representar o conteúdo de um livro de uma forma original.” Catherine diz que é divertido ter o desafio extra de trabalhar em algo que tantos outros já trabalharam. “Isso te força a se esforçar um pouco mais. Trabalhei num projeto pessoal há cerca de um ano em que fiz cem ilustrações em cem dias para os livros da ‘Alice’, de Lewis Carrol. Amei tentar encontrar uma perspectiva fresca num livro que foi ilustrado tantas vezes.”

Capa de James Jones para o livro "Live and Let Die", da série de James Bond
Capa de James Jones para o livro “Live and Let Die”, da série de James Bond

Faz parte do cardápio da Penguin, de Paul Buckley, uma seleção de clássicos, que a editora tenta embalar em nova roupagem. Há uma linha, por exemplo, de capas com ilustrações de tatuadores, e outra feita em bordado. Algumas delas fazem parte do livro “Classic Penguin: Cover to Cover”, lançado recentemente para comemorar os 70 anos da Penguin Classics. Entre seus maiores orgulhos, aliás, estão dois livros antigos: “Kama Sutra” e “Fear of Flying”, de Erica Jong, de 1973, que trata da sexualidade feminina. “Em geral, acho que os Estados Unidos ainda têm muito de sua velha ética puritana, e muito do que move a sociedade é ridiculamente pudico, então quando consigo fazer algo sexy de bom gosto, me sinto particularmente bem por isso. Você sabia que se eu, ou qualquer um, colocar uma obra-prima da pintura do século 15 que mostre um peito (que todos temos) numa capa de livro, muitas livrarias grandes se recusam a vendê-lo? Em toda grande editora já tiveram várias conversas estilo ‘sim, sim, eu sei que é Rembrandt, mas você tem que cobrir isso com texto ou outro recurso. A gente não pode mostrar isso ou vamos perder X% das vendas em potencial’.”

Ilustrar a obra de outra pessoa imprimindo seu próprio estilo é um dos desafios dos capistas. “Gosto de pensar que meu estilo é ditado pelas palavras do autor. Às vezes não posso fazer isso sozinho, e é aí que chamo ilustradores e designers para trabalhar comigo. Definitivamente muda de livro para livro. É algo a que sou grato. Tipografia é algo importante pra mim. Independente do estilo ou do tamanho, é algo que me deixa obcecado”, comenta James, em linha seguida por Catherine. “Tento muito resistir a um estilo. Trabalho com livros tão variados que acho que é importante ser um camaleão”, diz ela.

Capa com design de Justine Anweiler
Capa com design de Justine Anweiler

Para Justine, todo designer gosta de pensar que não tem um estilo, mas os bem-sucedidos foram espertos o suficiente para entender seu estilo e transformá-lo numa marca. “Embora eu não goste de usar as mesmas fontes na minhas capas, admito que há linhas em comum. Gosto de algo simples, conceitual e arrojado. De vez em quando coloco algo visualmente congestionado por aí e sou obcecada por isso, mas só se o livro pedir. Acho que no coração de cada capa precisa ter uma ideia clara.”

Se um passeio pela livraria revelar capas semelhantes, não é mera coincidência. “Estilos mudam constantemente. Às vezes por coincidência, mas principalmente porque editores querem capitalizar sobre o sucesso de outro livro”, opina James Jones. “As cores da pantone do ano sempre acabam sendo utilizadas, porque as vemos em todos os lugares — então por que não usá-las em livros. Livros que têm sucesso comercial ou são premiados ditam a maior parte das tendências”, diz Justine. “No momento, temos três tendências de design. Capas normalmente são uma das três: fria (sem vida presente), minimalista e gerada no computador (parecem polidas); expressivas, acidentais e cruas (têm algum elemento de desenho à mão); ou uma combinação dos dois estilos — algo estéril justaposto a algo muito humano”, afirma. “Na última década vi uma mudança de capas com fotos para mais capas ilustradas. Mas todas as tendências voltam…”, completa Catherine. “Design gráfico, em essência, é isso: define onde e quando estamos”, resume Gustavo Piqueira.

Se para Paul Buckley a capa é a maior peça publicitária que um livro pode ter, para designers como Gustavo não dá para analisar uma capa como “sucesso” ou “fracasso” com base nas vendas. “Busco, em meu trabalho, evitar tratar a capa como mero paratexto ou instrumento de venda de um produto. Penso que o design gráfico, como linguagem visual que reflete o mundo a nossa volta, tem um valor para além do mercadológico ou do meramente decorativo”, diz.

Livro com capa de Catherine Casalino
Livro com capa de Catherine Casalino

Ao fim do processo, o que se espera é que a capa do livro tenha personalidade. “Não sei como seria a capa ideal, mas ela geralmente me dá aquele momento de ‘ah ha’ quando eu a pego — você sabe que é uma capa boa quando vê uma”, opina Catherine Casalino. “A capa perfeita é diferente de todas as outras na prateleira e fica na sua cabeça. Isso se atinge com um conceito inteligente, brilhantemente executado em cada detalhe do design. A cor, a composição, a escolha da fonte, as imagens — tudo isso deve refletir o conceito e reiterar a voz do autor”, diz Justine Anweiler. “O maior defeito que vejo é quando uma capa de apoia no sucesso de outra. Sempre acho que é uma pena e um desserviço ao autor, que tem uma voz única e individual e merece uma capa igualmente única.”

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Flip 2016

Karl Ove e eu

Sinto que Karl Ove Knausgard e eu somos amigos — a recíproca, infelizmente, não é verdadeira. É modo de dizer, claro. Mas sinto como se, de alguma forma, o conhecesse e como se ele fosse me entender também caso tomássemos uma cerveja. Não é um tipo de sensação de todo incomum com celebridades: você vê tantas coisas sobre elas, tantas entrevistas, posts em redes sociais, fotos, vídeos, que sente como se soubesse de fato como elas são na vida real. Com Karl Ove (sinto que somos íntimos, então o chamo pelo nome) a ilusão é ainda mais intensa. Em seus livros ele revela coisas sobre si que não se sabe nem sobre os amigos mais próximos e que provavelmente poucos assumiriam pra alguém, quanto mais pro mundo todo. Um parágrafo de Karl Ove vale mais que mil selfies ou entrevistas para Jimmy Fallon.

Minha história com ele começa três Flips atrás, em 2013, e ganha novos episódios todo mês de junho, quando um novo livro seu é lançado no Brasil. Karl Ove era um dos convidados do evento e lançaria aqui “A Morte do Pai”, o primeiro livro de sua série autobiográfica “Minha Luta”. Chegaram alguns exemplares na redação em que eu trabalhava e uma amiga, com indicações sempre certeiras, me deu um. “Lê esse, é bom.” Abri o livro no metrô, voltando para casa e fui fisgada na primeira frase, devidamente anotada num caderno para referência: “Para o coração a vida é simples: ele bate enquanto puder. E então para”.

Que ele também ache esse trecho particularmente bom é mais uma evidência de que estamos na mesma sintonia, digo para mim mesma. Numa conversa com James Wood publicada na Paris Review, Karl Ove diz: “O tempo todo em que escrevi esses seis livros senti que não era uma boa escrita. O que é bom, acho, são as primeiras páginas do primeiro livro, a reflexão sobre a morte. Quando estávamos publicando aquele primeiro livro meu editor me pediu para remover aquelas páginas, porque elas eram muito diferentes do resto e ele estava certo. Ele está certo, seria melhor, mas eu precisava de um trecho do livro em que a escrita fosse boa. Passei semanas e semanas naquele pedaço e acho que é uma prosa modernista, de alta qualidade. O resto do livro não está no meu nível”.

“A Morte do Pai” me acompanhou em bares, pautas, trajetos de metrô e ônibus e desde então aguardo ansiosamente o dia do ano em que o volume seguinte será lançado — algo como esperar o novo “Harry Potter” quando eu era criança. Comprei para mim um exemplar autografado de um dos livros, de um sebo americano. Dei os livros do Karl Ove de presente para um monte de gente. Fiz minha parte para ajudar a espalhar sua palavra pelo mundo. Para cada momento da vida há um trecho do Karl Ove que cai bem – ele tem bons conselhos. Exemplo prático, de uma frase de “Um Outro Amor”, que também integra meu caderno: “(…) que pecar é se colocar numa posição onde o pecado se torna possível. Encher a cara, quando você sabe o que está pensando e conhece o impulso que existe dentro de você, é se colocar nessa posição”. Sábio.

A sinopse de um livro de Karl Ove não faz jus a ele. “Mas… É um livro sobre a vida do cara?”, perguntou meu irmão quando tentei convencê-lo de comprar “A Morte do Pai” para ler durante as férias. Se é pra ser direto e confuso: sim, é — mas não é. A vida dele não tem nada de muito especial, no fim das contas. Mas é como ele disse numa entrevista (vou ter que confiar na minha memória nessa, já li tantas dele que agora não consigo mais achá-las): toda vida merece esse tipo de atenção, mesmo que nada de extraordinário te aconteça. O que faz com que os livros de Karl Ove se destaquem não é o enredo, mas a forma como ele conta as coisas, com uma honestidade brutal sobre si mesmo e todos à sua volta. Ele não pinta um autorretrato favorável. Coloca na página as mesquinharias, os defeitos, as humilhações, passagens vergonhosas que preferiríamos esquecer. Todo o mundo pode achar algo em Karl Ove, porque na escrita dele a vida é como ela é.

Karl Ove Knausgard em Nova Yprk, em novembro de 2015. Crédito: Charles Sykes/Invision/AP
Karl Ove Knausgard em Nova York, em novembro de 2015. Crédito: Charles Sykes/Invision/AP

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Um ano depois, em junho de 2014, perto da Copa do Mundo no Brasil, fiz uma entrevista com ele por telefone. Há quem diga que é melhor não conhecer seus ídolos e por alguns dias, enquanto tentava marcar de falar com ele, temi pelo pior. Temi que ele fosse chato e temi que eu fosse perder a compostura. Mandei um e-mail para ele para acertarmos o horário e escrevi tentando ser ao mesmo tempo formal (ele não podia saber que eu o amava) e simpática (eu queria que ele me amasse). Ele respondeu assim:

Hi Fernanda,

Hope this reach you well! I´m fine, thank you – as everybody else here occupied with football in your country (hopefully, Chile will beat Holland, for Brazil will beat Holland, but Chile, that´s a tough one!) I´m honored that you will interview me. Tomorrow between 11 and 13 is fine!

All my best,
Karl Ove

Pura simpatia. Grande uso de exclamações. Conversamos sobre futebol! Ele estava honrado em ser entrevistado por mim. Marcamos para as 11h no horário dele, na Suécia. Uma escolha estratégica da minha parte: seriam 6 horas da manhã aqui e a redação estaria vazia. Não contei com o fato de que no dia anterior a gente sairia de madrugada do jornal e eu praticamente não dormiria. Mas eu queria privacidade.

Karl Ove é tão bom entrevistado quanto escritor. Seu tom de voz, seu sotaque e sua cadência são reconfortantes e suas respostas são inteligentes e assertivas. Escritores, em geral, são bons de conversa, e Karl Ove não é exceção. Conversamos por pouco menos de uma hora, bem mais do que coube no papel, principalmente sobre a série “Minha Luta” — na época o segundo volume, “Um Outro Amor”, era lançado no Brasil. Enquanto o primeiro se debruça mais sobre sua complicada relação com o pai, o segundo fala de seus filhos e do segundo casamento. Os dois são igualmente bons — depois, o próprio Karl Ove admite que segurou um pouco a mão, soltando-se de novo no último. Consequências do bafafá gerado pelo lançamento dos livros na Noruega — nem todas as pessoas citadas na obra ficaram contentes.

Novamente conversamos sobre futebol e ele revelou que estava escrevendo com um amigo sobre a Copa do Mundo no Brasil. Não me disse, porém, para quem estava torcendo (“Não dá pra falar isso pra uma brasileira!”). Chuto que era para a Argentina — país que ele sonhava em conhecer e que daria nome à série “Minha Luta”. Não polemizamos e terminamos a conversa em bons termos. Pensei em dizer que eu gostava muito do trabalho dele, mas uma das primeiras lições que recebi como trainee de jornalismo foi: “Não bata palmas em um jogo de futebol se você estiver trabalhando”. Transferindo a lição para o jornalismo cultural, achei que não era de bom tom eu me revelar assim para a fonte, mesmo que não tivesse ninguém ali para presenciar e mesmo que provavelmente eu nunca mais fosse falar com ele de novo. Quando minhas previsões no futebol se concretizaram e as dele caíram por terra, pensei em escrever um e-mail. Não o fiz.

***

Três anos depois de ter cancelado sua vinda à Flip, Karl Ove veio a Paraty. Cruzei com ele a primeira vez no hotel em que ele estava hospedado com seu filho, John. Eu saía de uma entrevista coletiva com Misha Glenny quando um jornalista à minha frente esbarrou em um homem alto, de camisa de manga comprida, de cor clara como suas calças. “Sorry”, disse ele. Levantei os olhos para ver quem era e fiquei em choque: Karl Ove Knausgard, o próprio. Mais alto do que eu imaginava, bastante imponente. Nos segundos que levei para me recuperar da surpresa e voltar a fazer sinapses, ele já tinha desaparecido. Tudo bem, horas mais tarde seria a vez da coletiva dele.

A sala estava bem mais cheia na entrevista de Karl Ove que na de Misha Glenny. Dessa vez vestido de preto, entrou sorrindo, cumprimentando todos que estavam ali. Durante uma hora, interrompida pela organização do evento, Karl Ove falou sobre literatura, Brexit e, claro, o 7 a 1 que levamos da Alemanha. A bem da verdade, quando você lê todas as entrevistas com Karl Ove que aparecem pela frente as novidades já não são muitas. Todo o mundo quer saber de “Minha Luta”, a obra que provavelmente o definirá para sempre.

Sobre como consegue lembrar de tantos detalhes sobre a sua vida, desde a infância, ele é sincero: “Quando comecei, a premissa era de que tudo devia ser verdade. Tinha que ter vivido tudo que escrevi, não devia inventar nada. Mas, ao mesmo tempo, não fiz pesquisa alguma. Queria escrever um livro sobre memória, sobre o que tinha na minha cabeça. Há coisas nos livros que tem gente que me disse que nunca aconteceu, ou não aconteceu daquele jeito, e estão lá. Queria explorar a memória. Há detalhes romanceados, que inventei”. Em suma, em suas próprias palavras, trata-se de um romance não ficcional. Tudo é verdade, mas uma verdade subjetiva.

Seu principal tema de interesse é a noção de identidade, em todas suas formas: nacional, pessoal, sexual, masculina… Criamos imagens de nós mesmos como se estivéssemos contando uma história. Quando falamos de nós para alguém, há toda uma narrativa por trás. Tudo é organizado por histórias, mas ao mesmo tempo a vida é muito mais complexa que isso. Vida e narrativa: as duas estão em constante batalha em sua obra. Durante anos, aliás, tentou escrever sem êxito, sem conseguir colocar para fora aquilo que tinha dentro de si. Foi quando conseguiu desaparecer na escrita, aos 26 anos, que as coisas começaram a dar certo. “Não sei como aconteceu, mas era como se eu sumisse na escrita. Não percebia a mim mesmo. É a experiência que você tem quando lê um livro muito bom, mergulha nele e desaparece. Você faz isso mesmo quando escreve sobre si.” Ao mesmo tempo em que conta uma história muito pessoal, fala de algo que vai além dele. “É muito estranho, mas é o mais alto que você chega como escritor. É quase budista. A sensação é ótima.”

Quando começou a escrever “Minha Luta”, achou que ninguém — nem seus amigos — teria interesse em ler algo tão narcisista. Era só algo pessoal que ele tinha que escrever. “Mas quando me encontro com leitores eles sempre falam de si, sempre sobre algo que apareceu na leitura que está conectado a eles. Percebi que somos muito mais parecidos do que achamos”, afirma. Seus livros, diz, não são sobre sua vida. “É uma vida bem comum, não fiz nada de muito espetacular. Os livros são uma forma de explorar, de tentar entender, e isso é o que um romance faz. Então os chamo de romances. Posso escrever 20 páginas sobre mascar chiclete, se isso me interessar. Você não leria isso numa autobiografia de um político”, fala. “Por que ler um livro sobre a vida do cara?”, perguntou meu irmão. Karl Ove responde, com mais eloquência que eu: “É o mesmo que ler Marcel Proust. A vida dele é um lugar em que todo o tempo e a cultura acontecem. Ele escreve sobre arte, música, sociedade. Pra mim, a vida dele é chata e pouco interessante. Mas seus livros não são”.

Escrever “bonito” não era uma preocupação, afirma. O que importa é ser livre na escrita, escapar de todas as regras de “isso pode, isso não pode”. A literatura é o único lugar onde se pode experimentar de tudo, desafiar as normas, e a pior coisa que ele conhece é a crítica moralista. Conta que às vezes fica irritado lendo alguma coisa, mas se lembra de que, quando lê, é a voz do autor que ecoa em sua cabeça e é essa voz que ele tem que obedecer. Não cabe a ele julgar.

Mesmo afirmando que boa escrita não é fundamental, repete o que disse à Paris Review sobre as primeiras páginas do primeiro livro da série — foram as mais trabalhosas e as melhores. “Trabalhei tanto tempo naquelas dez primeiras páginas. Meses. Polindo, tornando-as grande literatura. E aí falei ‘foda-se’ e só escrevi. Primeiro cinco páginas por dia, depois dez. Meu editor leu e disse que o começo era tão diferente do resto que eu devia cortar. Eu disse que de jeito nenhum, é a única parte do livro em que dá pra ver que eu sei escrever”, diz, rindo. Se você escreve rápido, tem um material mais bruto, mais direto, mas também mais cheio de clichês. Nos livros três e cinco ele utilizou estruturas mais primitivas. São volumes mais simples. “Mas não é esse o ponto, o ponto é pegar algo do meu coração e levar para o coração dos leitores e é isso.” Se para isso você precisa de clichês, vá com os clichês.

Hoje, Karl Ove vive com a mulher, Linda, e quatro filhos num vilarejo de 200 pessoas. Sua vida, basicamente, consiste em levar e buscar as crianças na escola e escrever. Como hobby, cuida de sua editora (“mas aí é literatura também”, reflete). Jogava futebol, mas onde vive agora só adolescentes jogam e ele não aguenta mais o ritmo e a correria. Então assiste a futebol na TV. Depois de tentar descrever que tipo de homem é em mais de 3 mil páginas, diz que é difícil dar uma definição assim de supetão. “Sou um homem de família. Queria fazer algo diferente, tipo ficar bêbado e fazer coisas. Sou um homem de família e odeio essa ideia. Tenho um jardim e odeio a ideia de ter um jardim. Meu pai tinha um jardim. Queria ser outra coisa, mas não sou. Estou lá e tenho aquela vida. E eu amo cuidar do jardim e ficar com meus filhos.”

Com sua editora, publica de dez a 12 livros por ano, só de coisas de que gosta (como Michel Laub, que tentou publicar, mas perdeu os direitos para outra editora). Por enquanto só gastou dinheiro, mas espera que neste ano finalmente não saia no prejuízo. Termina agora uma série de quatro livros, cada um com o nome de uma estação do ano. Os dois primeiros são de textos curtos, explicando para a filha que ainda não tinha nascido no início do projeto várias coisas, numa espécie de enciclopédia de objetos e sentimentos. O terceiro é um romance, “muito sobre o amor”. O quarto, “Verão”, ele ainda está escrevendo. A ideia era não falar de si nem de sua família, mas não deu muito certo. “Não deu pra evitar, e está sendo sofrido de novo. Mas esta é a última vez.”

Karl Ove menciona o livro sobre a Copa do Mundo, sobre o qual me falou brevemente dois anos atrás. O volume é resultado de uma troca de correspondência entre ele e um amigo. Karl Ove escrevia sobre “os times de que vocês não gostam: Argentina, Itália”, conta, antes de perguntar para que times europeus torcemos no Brasil. Portugal?, chuta. Também ficou traumatizado com o 7 a 1. “Eu não queria assistir, doía. Foi uma tragédia. Era uma grande história: era aqui, tinha o Neymar, tinha um fantasma do passado. E acontece isso. Nunca tinha visto um time desse tamanho colapsar completamente. Minha mulher até saiu da sala. Eu senti quase como se não fosse mais esporte, como se fosse outra coisa. Deve ter sido muito difícil.” Depois dessa, Karl Ove foi embora.

***

Do intervalo entre sua entrevista coletiva, na tarde de quinta, e sua mesa na Flip, na tarde de sexta, só soube de pedaços daquilo que ele fez. Alguém disse que o viu comendo com o filho num restaurante na beira do rio, com o cardápio bem levantado em frente ao rosto, como que para se esconder. Na fila para a mesa de Henry Marsh — neurocirurgião cujas operações Karl Ove viu para escrever um texto — outro amigo o viu passar sozinho e tirou uma selfie com ele. Uma amiga o flagrou de bermuda pela cidade e outra o encontrou a caminho de sua mesa na sexta. Na noite de quinta seu nome estava na lista para uma festa lotada, mas ele não apareceu.

Uma hora antes de sua mesa começar, as cadeiras posicionadas em frente ao telão, nos fundos da tenda dos autores, estavam praticamente todas ocupadas — embora boa parte das pessoas ali não soubesse direito quem ele era. “É um holandês”, disse alguém. “Poxa, não vai dar pra entender nada”, respondeu a mulher ao lado. Assistir às mesas do lado de fora, com as pessoas que não compraram ingresso, é uma experiência engraçada — melhor, em certo sentido, que ver a palestra na área de imprensa, rodeado por outros jornalistas empenhados em registrar o máximo possível de frases ditas no computador. Se a mesa é ruim, as pessoas se distraem, levantam e vão embora, ou falam ao celular. Quando a conversa dá certo, o público bate palmas para o telão, o que não faz muito sentido se você parar pra pensar. Então dá para sentir melhor a recepção da coisa. Karl Ove esteve na segunda categoria.

Entre algumas perguntas originais (Karl Ove não experimentou cachaça, informação nova pra mim), várias questões repetidas, que eu mesma havia feito dois anos atrás: como ele se lembra de tudo o que aconteceu?, o quanto daquilo é ficção?, como foi lidar com a repercussão, principalmente na família?, mas ele não tem vergonha de se expor tanto?, o título “Minha Luta”, dividido com o livro de Adolf Hitler, foi uma provocação? Dá pra ter uma ideia.

Mas se você quiser um resumo do que é Karl Ove Knausgard, se quiser explicar para alguém qual é a dele, por que alguém deveria se dar ao trabalho de ler sobre a vida normal de um norueguês, ouvir o que ele disse na Flip é uma grande oportunidade — aliás, ele revelou dias depois, em São Paulo, que essa é sua última turnê mundial para promover “Minha Luta”, então é bom aproveitar. Como alguém que escreve, sempre me intriga ao conversar com escritores sobre aquilo que os leva a escrever, sobre os temas que os interessam, sobre como ter coragem de se expor assim para o mundo em palavras que ficam para sempre, sobre o que constitui uma boa escrita.

“A motivação por trás da escrita é chegar a algo que você não sabia antes. Se você escreve algo e reconhece o que está na página, provavelmente não é muito bom. Se você chega a alguma coisa que não tinha visto, aí está a escrita, é por isso que você escreve. Isso também é leitura, você não quer ler algo em que já pensou. Como é possível, escrever algo e não reconhecer, dizer ‘não sou eu’? É um presente dos céus? Não. Literatura é isso, linguagem é isso, fora de nós. Se você se joga nisso, muda. Você se vê de uma maneira diferente. Aí você está escrevendo. É estranho, quando você escreve sobre si acha que não há nada que não saiba, mas 90% do que sai é de coisas sobre você que você não sabia”, diz. “No fim, não era eu. Eu estava escrevendo um romance. É por isso que pude ser tão duro comigo mesmo, revelar meus segredos. O objetivo era o livro.”

Contar as coisas como elas são não é o motivo mais nobre do mundo e, como escritor, ele sente uma dificuldade em conciliar a vontade de ser uma boa pessoa com a busca pela verdade. “É o que torna fazer isso tão difícil. Quando o que você sacrifica não é você, e sim pertence a outra pessoa… Você está tomando algo de alguém para si. Literatura é uma das coisas mais importantes que temos, mas não funciona no nível pessoal. Você passa por isso todos os dias quando é escritor. Se você tem um amigo que passa por alguma coisa muito importante e você toma isso pra você e escreve… Não é algo que uma pessoa boa faria.”

Ao escrever “Minha Luta”, não pensou nas consequências. Nem pensou que fosse ser publicado, na verdade. Mas quando o livro saiu e 10% da população norueguesa o comprou, viu que tudo tinha mudado. “Fiquei deprimido porque tinha vendido, tinha vendido minha família, minha alma, tudo que eu tinha. Aí tentei nunca pensar nisso, fingir que nunca tinha acontecido. Venho aqui e penso que ninguém me leu. Fico em negação. E funciona.” Mas o fato é que houve reações, “consequências morais”. Seu tio ficou cheio de raiva e quis processá-lo. “Ele é o irmão do meu pai, era como se ele tivesse voltado. Foi terrível, mas eu fiz algo para ele.” A pressão da mídia foi outra consequência. Sua mulher teve uma crise e foi internada antes do fim da série — fato que entrou no último volume. “Foi incrivelmente triste, e tive que escrever sobre isso de novo. Por quê? Porque sabia que seria bom, foi tão terrível assim.” Por isso, a última frase da série diz que ele deixará de ser escritor, porque a dor era muito grande. Não deu exatamente certo.

Karl Ove sente culpa, mas tenta lidar com ela. Sente culpa por causa dos filhos, que vão crescer estando naqueles livros, apesar de não se arrepender de nada que está escrito. “É, de alguma forma, imoral escrever sobre os outros. Mas se você vai escrever sobre sua vida, não dá pra falar só de você, porque viver é se relacionar com outros. É uma posição difícil de estar. Não posso falar que meu livro é mais importante que a sua vida, mas de algum jeito eu o fiz”, fala. Foi uma experiência autodestrutiva, que começou porque ele se sentia frustrado, bravo, como se não tivesse nada a perder. “Eu podia ter deixado minha família, poderia ter feito várias coisas, mas escrevi um livro. Eu não ligava”, diz.

Linda, sua mulher, também é escritora e só pediu para que ele não a retratasse como uma chata. Quando ele lhe deu um manuscrito, ela estava num trem, e primeiro ligou para dizer que aquilo era terrível, mas que ela poderia viver com isso. Depois, ligou mais brava. Na terceira vez, estava chorando. “Mas o problema não era o livro, era o relacionamento. Então conversamos por dias.” Escrever esses livros foi a pior coisa que poderia ter feito, mas ao mesmo tempo foi libertador. “Foi ok, não foi perigoso. As pessoas ficaram bravas, mas ninguém morreu, ninguém se matou.”

Mais do que expor os outros, Karl Ove expôs muito de si, incluindo coisas de que tem vergonha, como o fato de que não tinha se masturbado até os 19 anos, que não tinha dividido com ninguém. Quando contou a um amigo, ouviu dez minutos de risada e achou que não desse pra ficar pior. “Mas ainda tenho vergonha”, diz, rindo. “Ao escrever você tem que ser completamente livre e dizer as coisas mais estúpidas. Vergonha é um tópico nos meus romances desde o comecinho. Se você se interessa por identidade, tem que se interessar pela vergonha.”

Falhar é importante, parte do processo. “A primeira parte dessa história foi passar dez anos tentando escrever, sem sucesso. Quase todo trabalho envolve falhar, falhar, falhar, falhar. Se você pensa em música, se você quer improvisar você tem que ensaiar todos os dias, até fazer sem pensar. Também é verdade na literatura. Pensar é superestimado. Sei coisas intuitivamente porque o faço há muito tempo.”

“O maior desafio é ser honesto, de verdade, e não se repetir. É muito difícil, especialmente se você é bem-sucedido. É por isso que admiro tanto David Bowie. Ziggy Stardust foi um sucesso, e aí o que ele faz? Algo completamente diferente. Isso é muito corajoso”. O importante é continuar. “Às vezes acredito no hype, que fiz algo bom. Depois abro esse livro e penso que não, que tenho que fazer melhor. É assim que lido com isso.”

***

Isenção é importante no jornalismo, mas é impossível pedir para qualquer pessoa que não tenha paixões — por times, ideologias, gêneros de filmes ou autores. Então, desde que a paixão não seja cega e o senso crítico permaneça, não tem problema escrever sobre algo de que você gosta. Eventualmente vai acontecer. Mas desde que liguei para Karl Ove pela primeira vez e decidi por não dizer “ei, gosto muito do seu trabalho” e encerrei com o “obrigada pela entrevista” de praxe me perguntei se teria alguma diferença ou não eu ter falado isso pra ele. Afinal, eu já gostava dele e seria impossível tirar isso de mim pra escrever. Faria alguma diferença ele saber?

Mas sem muito tempo para refletir quando tive a oportunidade de dizer alguma coisa para ele em Paraty, segui um de seus conselhos (“pensar é superestimado”) e disse que, dois anos atrás, a gente tinha conversado e eu tinha me arrependido de não ter dito que eu realmente amava os livros dele. Ele deu uma risadinha e disse algo como “poxa, obrigado, isso é muito legal da sua parte!”. Pensando bem a respeito (agora sim), se há uma coisa que a saga de Karl Ove nos ensina é que escrever de um ponto de vista pessoal, sentindo alguma conexão com o seu tema, é bom. Escrever é transformar aquilo que é extremamente pessoal em uma coisa que já não é mais você. No fim das contas, se pudesse dizer algo mais a ele, o agradeceria por essa lição. Mas sempre teremos junho do próximo ano.

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Flip 2016

Neurociência para humanas

Nem o frio nem a garoa fininha diminuíram o entusiasmo do público na segunda noite de Flip, em Paraty, numa conversa sobre um tema que foge da literatura: a neurociência. Durante a mesa do meio-dia, sobre “a dimensão simbólica e a experiência estética de caminhar pela cidade e seus espaços construídos”, segundo descrição do site do festival, sob sol forte, sobravam metade das cadeiras em frente ao telão que exibe as conversas para quem não tem ingressos. Às 19h30, cenário diferente, e o público aplaudia o engraçado neurocirurgião inglês Henry Marsh e a neurocientista sem meias palavras Suzana Herculano-Houzel.

Marsh, 66, que lança na Flip o livro “Sem Causar Mal”, colocou por terra presunções de fãs inverterados de séries médicas como “Grey’s Anatomy” (não há vergonha em admitir, apesar de o próprio Marsh dizer que não vê). “Cirurgia cerebral não depende de mãos firmes. Depende de tomar decisões, e você aprende mais com seus erros”, afirmou. O problema, complementou, é que quando o médico erra quem paga o pato é o paciente, que pode sofrer danos irreversíveis. Outro mito que caiu por terra: que cirurgiões são ególatras sem sentimentos que ficam mais convencidos a cada sucesso. Marsh contou que, depois de uma operação bem-sucedida, o que sente é alívio e não algum tipo de euforia egoísta. “Porque sei que sou falível. Você fica mais modesto com o tempo”, disse.

E mais: cirurgia é uma atividade em equipe, não um lugar para “Michelangelos e Beethovens da medicina”. Amigos conhecem melhor que você as suas limitações. “Quando penso em meus erros, se eu tivesse perguntado para alguém o que fazer não teria errado.” Até hoje o médico diz sentir medo antes de uma cirurgia e essa sensação que, no fim das contas, é responsável pelo prazer da cirurgia. “Você fica eufórico porque, no fundo, está muito preocupado. Dizem que cirurgiões são psicopatas, mas se fossem eles não ligariam pro paciente e, se não ligassem, não sentiriam prazer ao final.”

Mesmo para quem não tem interesse particular em medicina — é um festival de literatura, afinal — ouvir os dois cientistas foi uma agradável surpresa. Boa parte da conversa, afinal, foi filosófica, com referências a literatura e cultura. Por exemplo: qual a posição dos dois sobre inteligência artificial? Marsh é da opinião de que nem chegaremos a um ponto em que as máquinas ficarão mais inteligentes que os humanos e que isso é papo de ficção científica. “Ciência se baseia na experimentação e há um limite nos experimentos que podemos fazer em um cérebro humano. Por mais que saibamos bastante sobre o cérebro, há muito que não sabemos”, afirmou. Computadores, em sua opinião, não são tão inteligentes quando parecem. No plano teórico, entende que você pode ser contra essas máquinas filosoficamente, e há um impacto econômico se elas começam a substituir os homens.

Suzana concordou. “Há um abismo entre um cérebro e um cérebro desenvolvido”, disse. O de laboratório não tem capacidade de auto-organização, de se adaptar à sua existência. As habilidades que cada pessoa tem e que as diferenciam dos outros são resultado dessa capacidade somada à experiência de cada um. Um cérebro de laboratório pode fazer conexões. Ok, mas não é grande coisa.

[olho]“Queremos escapar da morte e dos impostos, mas não conseguimos”[/olho]

E sobre a vida eterna? Lembraram uma mesa do ano passado em que se discutiu a possibilidade de que pessoas naquela tenda conseguissem chegar não à imortalidade, mas pelo menos a uma vida de uns bons 400 anos. “Improvável”, rejeitou Marsh. “Mesmo que seja possível, é uma ideia péssima. Seria muito custoso, é ruim socialmente. Uma ideia terrível. E por que alguém iria querer viver pra sempre?” Quanto mais velha a população, mais caro fica tratar suas doenças. São maiores os riscos de câncer, demência, etc. O Estado simplesmente não teria condições de bancar. “Queremos escapar da morte e dos impostos, mas não conseguimos.”

O argumento de Suzana é um pouco mais poético. “Morrer é consequência de estar vivo. Você pode atrasar um pouco, envelhecer bem, mas o final dessa história é inevitável. A morte é o estado de equilíbrio”, disse. Pessoalmente, também é contra e cita o livro “As Intermitências da Morte”, de José Saramago, em que ninguém mais morre, como sugestão de leitura – “deveria ser obrigatória!”. A morte tem várias funções, como permitir que novas gerações venham e o mundo siga em frente. Temos que fazer as pazes com o fato de que a vida tem prazo de validade e seguir em frente também.

Sobre sua muito discutida saída do Brasil, Suzana, que em fevereiro deste ano recebeu um convite para lecionar e fazer pesquisas na Universidade Vanderbilt, nos Estados Unidos, disse não só não ter arrependimentos como estar feliz da vida. “Você está falando do fato de que agora eu posso fazer meu trabalho?”, questionou, sob palmas do público. Lá, ela conta, a administração é feita por administradores, a informática é gerida por técnicos de informática e ela não é sua própria agente de viagens. “Essa deveria ser a norma.” Suzana não esperava a repercussão de sua decisão, já que é normal um cientista receber proposta para trabalhar em outra instituição. “Uma brasileira ser convidada e ser motivo de comoção é absurdo. Embora continue achando que não é da conta de ninguém, achei uma boa oportunidade de mostrar como funciona a ciência no Brasil.”

“Fui muito criticada por colegas por desestimular jovens cientistas. O que queriam, que eu mentisse?” Ela contou que sai do trabalho todos os dias se sentindo contente, e acha uma pena que os cientistas que não trabalhem no Brasil não possam viver isso num futuro próximo. Depois veio mais paulada, dessa vez no fato de que o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação foi fundido com o Ministério das Comunicações pelo presidente interino Michel Temer. O orçamento, disse, já era curto e agora é uma fração do que era. “Acho que a população, em geral, não tem noção de como nossa vida depende de ciência e tecnologia. Deixar isso na mão dos outros é uma decisão que eu não tomaria pro meu país.”

[olho]“Fui muito criticada por colegas por desestimular jovens cientistas. O que queriam, que eu mentisse?”[/olho]

Perguntaram se ela acha certo que o Estado invista em pesquisas sem aplicação prática e ela não hesitou. “A pesquisa científica sem aplicação é a ciência.” A única condição necessária para fazer ciência é reconhecer sua ignorância a respeito de algo. “O que se ganha com isso é conhecimento. Quando ele vai ser útil? Só Deus sabe. Se soubesse seria meio para atingir fim e isso é engenharia, não ciência.” Mais aplausos. “E sem ciência não existe engenharia.”

Já para o fim da conversa, o assunto voltou a ser o cérebro e Marsh se derreteu: “O cérebro vivo é lindo, como olhar para a Terra do espaço”. Suzana complementou: os cérebros dos primatas são “uma gracinha”, cérebros de cavalos e zebras são os mais feios e os mais bonitos são os dos guaxininis — “tem três vezes mais neurônios do que deveria. O guaxinim é um primata e não sabe”.

Para quem acha que o povo de biológicas e exatas quer tirar a poesia e a magia da vida, Suzana deu uma resposta, bem, de biológicas e exatas – mas com algum apelo para as humanas, vai. “Pensar que as moléculas se reorganizam para formar um ser, para mim, é poesia suprema. Ver que você é um arranjo de moléculas muito particular…”, diz. “Isso nos dá uma noção mais natural do nosso lugar, da nossa condição. A gente é só mais uma espécie.”

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Flip 2016

Misha Glenny e a história pouco contada da Rocinha

Misha Glenny, jornalista britânico que participa da Flip deste ano, recebe um grupo de jornalistas falando português na manhã de quinta (29), numa pousada em Paraty. “Me coloquei duas condições [ao escrever o livro “O Dono do Morro: Um Homem e a Batalha pelo Rio”, sobre o traficante Nem da Rocinha]. A primeira é que quis tentar aprender português. Isso foi há dois anos e meio, três anos. O início foi bem fácil. É fácil ler português. Mas falar é quase impossível. Foi um choque”, diz, rindo. “ Português não é uma língua muito fonética, é um problema. Mas me empenhei. E quando eu falava com as pessoas na favela elas falavam [o idioma] ‘rocinha’.”

Morar pelo menos dois meses na favela carioca era a segunda condição — e foi o que fez dois anos atrás. “Foi um desafio, a vida na favela é muito difícil. Mas achei que se ia escrever sobre a favela precisava entender as condições de lá. Tinha que entender a condição do Nem.” A ideia de escrever um livro sobre o traficante nasceu em 2011, quando Nem foi preso. Glenny estava no Rio e, ao ver toda a atenção que o acontecimento recebeu por parte da mídia, lembrou-se da prisão de O.J. Simpson, que parou os Estados Unidos. “Todas as redes de televisão foram [atrás]. Foi uma resposta não histérica, mas sensacionalista. Li tudo sobre ele em jornais, vi TV. Metade do Rio achava que o Nem era um demônio e metade achava que era um herói, um tipo de Robin Hood.”

Mas o que chamou particularmente sua atenção foi ver que Nem só tinha entrado no tráfico aos 24 anos, para cuidar da filha, com uma doença rara. Glenny queria ver as condições que o levaram a esse mundo. “Ele, pra mim, era um símbolo da desigualdade da sociedade brasileira e carioca. É uma sociedade bem dividida. Estava procurando um assunto para explicar o Brasil para as pessoas de fora. É um país de quatro ou cinco estereótipos: futebol, samba, Carnaval… Pra mim, é um país muito mais complexo, mas a visão de fora é cronicamente simplista. Buscava um assunto para explicar essa complexidade e Nem me pareceu esse assunto.”

Escreveu para o traficante na penitenciária e ficou surpreso quando, poucas semanas depois, recebeu um convite para ir até lá discutir o projeto. Foram, ao todo, 24 horas de conversas e, logo de cara, Glenny perguntou a Nem sobre sua família. “Ele tinha sido entrevistado dezenas de vezes e nunca tinham perguntado sobre a infância dele. Para mim, essa linha de perguntas rendeu muitos frutos”, conta o jornalista. Os pais de Nem eram alcoólatras e desde cedo ele era testemunha de episódios de violência doméstica. Tinha uma relação particularmente forte com o pai, que trabalhava em um bar em Copacabana. Foi lá que ele levou um tiro no joelho, em meio a um assalto. Saiu do hospital sem conseguir andar e Nem, aos 11 anos, foi o responsável por cuidar dele pelos meses que se seguiram e culminaram em sua morte por infarto.
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No dia 10 de novembro de 2011, Nem foi preso. Crédito: Felipe Dana/AP
No dia 10 de novembro de 2011, Nem foi preso. Crédito: Felipe Dana/AP

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“Sua obsessão é ser um bom pai. E ele tem muitas oportunidades, tem sete filhos, dois adotados”, diz Glenny. Durante a juventude, Nem não trabalhou com drogas, com as quais se envolveu para ajudar a família: entregava revistas da Net na zona sul do Rio, gerenciando uma equipe. “Era visto por todos como uma pessoa do bem. É um diferencial a idade em que entrou pro tráfico. Era muito inteligente e gerenciava uma equipe na zona sul. O Lulu, que era o dono do morro, reconheceu seu talento e ele subiu rápido.” Um entrevistado que não quis ser identificado no livro contou ao jornalista que Nem conseguia olhar para um monte de cocaína e saber de cara quanto aquilo renderia e para onde a droga deveria ser distribuída para otimizar os resultados.

Nem entendia, por exemplo, a importância da informação — fácil de vazar — e a ameaça que celulares e redes sociais representavam para sua organização. Falava pouco ao telefone e tinha um assistente responsável por carregar um monte de celulares para ele, cada um para falar com um membro da organização. A polícia desvendou toda a hierarquia da quadrilha, mas mesmo assim não conseguia fazer a conexão de cada membro com o líder por causa de sua precaução.

O livro, lançado aqui pela Companhia das Letras, não é apenas uma história de Nem, mas também a história da Rocinha. “É parcialmente uma história do desenvolvimento das favelas no Rio e do impacto da cocaína na cidade”, resume o autor. Em 1982, a taxa de homicídios no Rio de Janeiro e em Nova York era igual. Sete anos depois, o número era três vezes maior no Rio. “Isso porque o Brasil se tornou o principal país de trânsito de cocaína da Colômbia para a Europa. Quando um país se torna trânsito principal da droga ele desenvolve o hábito local também. Isso aconteceu aqui, especialmente no Rio”, afirma Glenny. Graças a geografia do Rio, cheia de morros, várias facções rivais se formaram para disputar a hegemonia, situação diferente de São Paulo, controlada pelo PCC.

Essas favelas cariocas não têm a história contada, diz o jornalista. E ele quis contribuir contando aos leitores sobre acontecimentos que pouca gente conhece. Cada morro é diferente: na Maré, há muito medo, medo real. Na Rocinha instaurou-se outro clima, “cool”. “O dono do morro tem três instrumentos para exercer o poder político na favela: o monopólio da violência, o apoio da comunidade e a corrupção da polícia. Nem diz que para ele o mais importante era o apoio.” Ele assumiu o comando da Rocinha em 2005 — em 2004, o Comando Vermelho havia mandado matar o antigo chefe. Sob sua gestão, a taxa de homicídios caiu drasticamente, fato constatado por pesquisadores e confirmado pela polícia.

“Quando morei na Rocinha o que me impressionou é que tem uma atividade econômica feroz”, conta Glenny. “Foi a primeira favela com bancos. Tem todos os tipos de loja, inclusive o primeiro sex shop numa favela. Tem Bobs. Acho que isso parcialmente foi resultado da política do Nem na favela. Ele percebeu que se a taxa de homicídio cai, o lucro dos negócios sobe. Ele nega ter feito isso conscientemente, mas levou parte dos lucros do tráfico para uma espécie de sistema de bem-estar social embrionário na favela.”

Mais segurança na favela impacta o consumo de cocaína, que tem como boa parte do público gente de classe média e classe média alta — fato que Nem logo sacou. “Como era percebido como um lugar seguro, vinha muita gente de fora, que já ficava na boate. A Rocinha virou uma marca na época do Nem, todo o mundo queria ir lá. Artistas faziam shows, políticos tiravam fotos, porque sabiam que não teria problema.” O traficante investiu também na corrupção policial, e assim ficava sabendo com antecedência de batidas na favela. “O tráfico teve um impacto na economia, mas é uma interação muito complexa”, sintetiza Glenny.

Entre os entrevistados do jornalista está José Mariano Beltrame, Secretário de Segurança do Rio de Janeiro. “Ele me disse que a ausência do Estado nas favelas foi um choque para ele e ele quis mudar. A UPP [Unidade de Polícia Pacificadora] foi um experimento muito corajoso e só foi possível porque em 2007, quando Cabral assumiu, as forças políticas em nível federal, estadual e municipal estavam prontas para colaborar.” Para Glenny, Beltrame fez um bom trabalho. “A falha do Estado foi não apoiar a UPP policial com a social. As UPPs diminuíram as taxas de homicídio, mas as taxas de outros crimes, como roubo e estupro, aumentaram”, diz. O sistema, agora, está colapsando, segundo ele, em parte porque Beltrame não tem os recursos para continuar com as UPPs em tempos de crise.

Seu prognóstico para o futuro, porém, é bem pouco otimista, não só para as favelas. “Acho que a situação nas favelas ficará mais ou menos estável até os Jogos Olímpicos. Tenho medo de depois a situação piorar no morro e no asfalto. O morro e o asfalto são intimamente interligados, mesmo que as pessoas não percebam.”

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Cultura

As fanfics da vida real

Anna Todd, 25, parece uma americana como qualquer outra. Às 11h já está de cílios postiços e entra na sala com um copo de Starbucks na mão e um vestido de mangas compridas num calor paulistano de 32ºC (“Vim preparada pro frio, é inverno aqui, não?”). Como outras tantas garotas, começou a publicar alguns textos na internet, escritos no celular, sem grandes pretensões. Mas o motivo da visita de Anna ao Brasil em setembro é pouco comum: lançar um dos volumes de sua série de livros — aqueles digitados no telefone –, fenômeno juvenil que vai virar filme e lhe deu um contrato de milhões de dólares. Livros eróticos com os membros da boy band One Direction.

Na internet, o cantor Harry Styles é um stalker. É também um garoto mimado num mundo distópico. Tem um caso com o companheiro de boyband Louis Tomlinson. É ainda um jovem punk, um rebelde sem causa, um apresentador de TV, um psicopata. O cantor Harry Styles é, em suma, uma tela em branco para suas fãs projetarem suas fantasias em fanfics publicadas na internet. A única semelhança entre a maioria das histórias é: Harry Styles é um deus do sexo.

Há uma quantidade absurda de textos de ficção com os cantores da banda — principalmente Harry, o mais conhecido — por aí. Dá para achar os tradicionais textos de comédia romântica, mas também de terror, ficção científica, ação ou religiosos. Nenhuma novidade aí: ler e publicar fanfics na internet é comum entre pré-adolescentes desde pelo menos o início dos anos 2000, auge da era Harry Potter. Mas agora a moda é escrever sobre ídolos reais. E mais: essas ficções, vistas como gênero literário menor, mostram que podem virar livros best-sellers.

A trama de Anna Todd, “After”, era só mais uma nesse mar de histórias e — sucesso à parte — é um caso clássico de como funciona o universo das fanfics. Anna era uma fã da banda, leitora de outras fanfics, que começou a escrever sem grandes planos, um capítulo de cada vez, contando com os comentários de outros leitores. Mas sua história foi crescendo, crescendo, até ser visualizada mais de 1 bilhão de vezes no site de autopublicação Wattpad.

“Há tantas fanfics de One Direction. Até mais que de ‘Crepúsculo’”, diz Anna, citando outro fênomeno juvenil que inspirou, por exemplo, “Cinquenta Tons de Cinza”, de E.L. James. Ela era uma leitora ávida até que se encontrou sem novos capítulos das histórias que acompanhava e resolveu começar sua própria trama. “Eu escrevia ‘imagines’, sabe?”, conta, falando tão rápido que digo que sim antes mesmo de pensar a respeito. Para os não iniciados, uma pequena explicação: são histórias curtas, às vezes de um parágrafo, publicadas no Instagram ou no Tumblr.

Quando teve uma ideia para uma história maior, migrou para o Wattpad. “As ideias surgiam enquanto eu ia escrevendo, eu não tinha noção de para onde estava indo”, diz. Logo Anna passou a escrever loucamente em seu celular (digita mais rápido no telefone do que no computador, afirma) por até seis horas ao dia. “Eu não fazia mais nada. Meu marido me perguntava se eu queria ir ao cinema e eu dizia que estava ocupada. E ele não sabia o que eu estava fazendo, só achou que eu fosse obcecada por meu telefone.”

Anna tentou manter a atividade em segredo, pois tinha medo do que as pessoas diriam se descobrissem que ela passava tanto tempo escrevendo ficção sobre One Direction. Diz que fanfics já não têm tanto prestígio, e que mesmo entre essas ficções os textos sobre a boyband são malvistos. Foi só quando começaram a fazer matérias sobre ela que resolveu contar para o marido e amigos. E, para sua surpresa, ninguém ligou.

 

Anna Todd. Crédito: JD Witkowski/Divulgação
Anna Todd. Crédito: JD Witkowski/Divulgação

CHRISTIAN STYLES

Sua premissa é bem simples e lembra bastante, em certos pontos, a de “Cinquenta Tons de Cinza”, que teve trajetória parecida com a sua — saiu na internet, foi publicada por uma editora e depois virou filme. Tessa é uma jovem virgem, super careta, que deixa a casa da mãe para ir à faculdade. No primeiro dia por lá, conhece Harry Styles, estudante punk, todo tatuado, do tipo difícil e que não cultiva relacionamentos — até conhecer Tessa (Christian Grey, é você?).

Os capítulos publicados no Wattpad são curtos, para ler em cinco minutos. Quem encarou “Cinquenta Tons” sabe mais ou menos o que esperar: diálogos que beiram o constrangedor e cenas de sexo que não são lá super sexy, mas algo te leva a seguir em frente. Quando você vê, gastou duas horas do seu dia com o casal Hessa, como a dupla ficou conhecida entre os fãs.

Anna diz que demorou para perceber o sucesso que tinha em mãos, apesar de os números não pararem de crescer. O baque veio quando descobriu que haviam criado contas nas redes sociais para seus personagens. Havia o perfil de Tessa, o perfil de Harry, e os dois conversavam como se existissem de verdade. “Como uma fã da banda, sei que quando essas contas aparecem o negócio é grande”, diz. “A conta do Harry no Instagram tinha 25 mil seguidores e eles atualizavam a cada capítulo. Foi aí que vi que os leitores estavam se dedicando à história.”

No Wattpad, pessoas se identificando como agentes literários começaram a procurá-la. “Podia ser real, mas eu pensava: que tipo de pessoa louca iria publicar uma fanfic de One Direction? Eu não respondia, simplesmente ignorava”, lembra. Mas, nos comentários, viu que alguns leitores estavam imprimindo a história para ler no papel e pensou em fazer exemplares para quem quisesse, cobrando apenas o preço de custo. Comunicou a decisão no Twitter e 24 horas depois funcionários do Wattpad mandaram uma mensagem, dizendo que queriam entrar no negócio. Falaram com algumas editoras, Anna foi a Nova York e optou por uma. “Achei que todos os escritores tivessem o privilégio de escolher. Não é verdade.”

MULTIDÃO DE EDITORES

A única exigência que Anna fez foi manter a versão virtual no ar. “A maioria das pessoas tira suas histórias da internet [quando o livro é publicado por uma editora]. A E.L. James tirou. Respeito totalmente essa decisão, cada um tem suas razões, mas acho que o único motivo para o livro ter ficado tão grande foi o fato de que as pessoas estavam lendo. Seria estranho tirar do ar”, diz. “Meu contrato com a editora me permite postar uma parte dos meus próximos quatro livros no Wattpad. As pessoas devem pagar por livros, mas muita gente não pode. Acho importante que eles estejam disponíveis de graça.”

Escrever no Wattpad, em sua opinião, tem como vantagem dar ao escritor uma multidão de editores, fazendo comentários sobre a trama e apontando pequenas discrepâncias que ela não tinha notado — como a cor do carro de Tessa, que era diferente em vários pontos da história. “Geralmente o livro passa pelo editor. O meu foi direto para o público. Eu gostei, porque eu meio que sabia o que estava fazendo, mas não o tempo todo”, ri.

O Wattpad é uma das poucas redes sociais em que quase todos os comentários são positivos, avalia. “Mesmo que fosse algo negativo, normalmente as intenções são boas. Às vezes aparecem uns loucos, mas isso acontece em todo lugar”, diz. “Todo o mundo está lá porque ama ler e escrever. Então não tive medo.”

Quando o texto passou por um editor de verdade, várias pequenas coisas tiveram de mudar para deixar o texto mais com cara de livro e menos com cara de ficção de fã. “Em fanfic você tem liberdade para colocar coisas que não importam para a estrutura da história”, diz. O livro tem mais sexo e “linguagem vulgar”, porque no site crianças poderiam parar ali sem querer. E o fim é diferente, já que ela tinha odiado o desfecho da internet. “Felizmente pude fazer tudo de novo.”

HARRY PUNK

Entre todos os garotos da banda, Harry Styles é o protagonista mais recorrente das fanfics. Por que Harry? “Não faço ideia, de verdade! Geralmente quando leio ficção de One Direction eu prefiro Zayn [Malik]. Mas quando comecei, por alguma razão, ninguém mais me veio à cabeça. Foi estranho.” E, mais importante, por que um Harry punk? “Na época estava na moda a edição punk. As pessoas pegavam fotos dos caras da banda e colocavam tatuagens. Isso antes de eles se cobrirem de tatuagem na vida real. Hoje Harry tem um monte, mas lá atrás só tinha umas duas”, lembra.

Além de achar que ele ficava gato daquele jeito, pensou que teria uma liberdade maior como autora se o personagem não fosse tão parecido com o Harry da vida real. “Eu gosto de fanfics de universos alternativos. Com uma versão oposta, como um Harry punk, posso ser mais criativa. Ele poderia ser totalmente louco por ser tão diferente do Harry real”, explica.

Os textos de fãs sobre One Direction frequentemente deixam de lado a personalidade dos cantores, que são usados apenas pelas suas características físicas. Diferente, por exemplo, das ficções de Harry Potter: apesar de haver algumas mudanças em relação à história de J.K. Rowling (Draco Malfoy gay era uma versão popular), a essência dos personagens era geralmente parecida com a dos livros.

Na versão impressa de “After”, inclusive os nomes dos personagens foram trocados por razões legais. Embora seja permitido criar histórias fictícias sobre celebridades, não se pode vender mercadorias com o nome delas sem sua autorização. Enquanto Anna não ganhava dinheiro, publicando na internet, não havia problema. Mas não poderia usar o nome Harry Styles no livro.

A questão do uso de pessoas reais em livros de ficção não diz respeito só a escritores de livros juvenis. Recentemente, a atriz Scarlett Johansson se envolveu em uma disputa legal pelo uso de seu nome em um livro do francês Grégoire Delacourt. Em “La Première Chose Qu’on Regarde” (a primeira coisa que vemos), o protagonista conhece uma mulher que acredita ser Scarlett. Não se trata, entretanto, da atriz, e sim de uma sósia, com a qual ele começa um relacionamento. Na França, o livro vendeu mais de 140 mil exemplares.

A atriz processou o escritor no ano passado, afirmando que o livro era uma exploração fraudulenta e ilegal de seu nome, sua reputação e sua imagem, e que havia afirmações difamatórias sobre sua vida pessoal. Seu objetivo era impedir a tradução do texto ou uma adaptação para o cinema. Em agosto, porém, suas demandas foram rejeitadas e o livro pôde ser traduzido para o inglês. O juiz concedeu que houve um ataque à sua imagem quando o autor cita dois relacionamentos que ela não teve na vida real e, por isso, ganhou 2.500 euros e uma nova edição do livro sem esses trechos. Delacourt, por sua vez, afirmou que a referência à atriz foi bem-intencionada.

Para evitar esse tipo de problema, Anna tirou os nomes dos cantores, embora toda a publicidade do livro tenha girado em torno do fato de que ele falava do One Direction. Mesmo com essa omissão, alguns fãs da banda não gostaram de ver seu ídolo Harry Styles retratado como um cara tão problemático. “No começo, quase todos os fãs da banda gostavam. Foram eles que fizeram o livro o que é. Mas quando eu fui ficando famosa, eles passaram a se voltar contra mim”, afirma. “Mas são pessoas muito jovens. E não levo as críticas a sério, porque antes elas gostavam e só pararam de gostar porque era ‘cool’ não gostar. Os fãs de One Direction são conhecidos por serem maus na internet.”

Agora, Anna vive o mundo viajando, escrevendo outros livros (inclusive uma versão da história sob o ponto de vista de Harry, tal qual E.L. James fez com “Cinquenta Tons de Cinza”) e acompanhando a versão cinematográfica — na qual não tem direito de palpitar, apesar de agradecer a roteirista por deixar que ela o faça mesmo assim.

Em cada lugar diz ter uma experiência bem diferente. Na Alemanha, por exemplo, seus fãs são homens mais velhos. “Não sei por quê. Cheguei numa sessão de autógrafos e achei que eles fossem pais das meninas, mas não.” Nos países latinos também encontra mais garotos. “Tem uns dez meninos em cada sessão. Nos Estados Unidos tem sempre só um.” E, para provar que fanfic de celebridade não é só coisa de garota, na França encontrou um rapaz de 25 anos que disse imaginar Taylor Swift como Tessa, assim como as meninas veem o protagonista como Harry Styles. “Achei demais.”

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Cultura

Dois séculos de ‘Emma’

Dos livros de Jane Austen (1775-1817), “Orgulho e Preconceito” é provavelmente o mais conhecido. Entre os fãs mais fervorosos, o preferido talvez seja “Persuasão”. Mas para os críticos e estudiosos é “Emma” a obra-prima da escritora. O livro, que completa 200 anos em dezembro, ganha agora uma edição de luxo pela Penguin, e será tema de um curso na Universidade Oxford, no Reino Unido. O interesse de editores e acadêmicos num livro ambientado na Inglaterra do século 19 tem uma explicação: seus temas, como as barreiras entre classes e, principalmente, a independência feminina, ainda ressoam pelo mundo.

Emma, a protagonista do livro, é uma rica mulher de 20 anos mais interessada em arrumar pretendentes para as pessoas ao seu redor do que encontrar um marido. Convencida de que foi responsável por juntar a melhor amiga com o noivo, Emma resolve se tornar casamenteira, metendo constantemente os pés pelas mãos sem jamais reconhecer que está errada. Enquanto trama com a vida alheia, jura que não vai se casar e que prefere passar a vida a cuidar de seu pai e administrar a casa. Emma preza sua independência.

Apesar de bem-intencionada, a personagem é mimada e um pouco esnobe. Em carta enviada a um amigo, Austen afirmou, inclusive, que provavelmente ninguém gostaria de sua heroína. Mas são justamente seus defeitos que tornam a personagem mais interessante do que a quase perfeita Elizabeth Bennet, de “Orgulho e Preconceito”, por exemplo. Emma não é um modelo a ser seguido, mas alguém que qualquer um poderia ser. O amor por ela dificilmente acontece à primeira vista, mas aos poucos ela conquista o público por ser uma personagem cheia de camadas, real, com a qual o leitor consegue estabelecer uma conexão — numa época em que personagens femininas eram menos complexas.

“Certamente as pessoas se identificam com ela por causa de seus defeitos! O celebrado crítico Lionel Trilling (1905-1975) disse uma vez, nos anos 1950, que era notável que Emma tivesse uma vida moral, como homens têm uma vida moral”, diz Emma Clery, professora da Universidade Southampton que pesquisa Jane Austen e dará uma aula no seminário de Oxford em maio do próximo ano. “Ela representa uma grande mudança em relação às heroínas perfeitas da maior parte da ficção do século 18.”

Clery vê, inclusive, semelhanças entre a Emma de Austen e a Emma Bovary de Gustave Flaubert (1821-1880). “Há um descompasso entre a afirmação, no início do livro, de que Emma tem muito pouco para afligi-la ou aborrecê-la e as informações de que ela perdeu a mãe muito cedo, é efetivamente escrava de um pai velho, bobo e exigente, e vive quase sem amigos, aspirações ou esperança de mudança”, avalia. “Ela pode ser materialmente privilegiada e esnobe, mas tem um vazio espiritual que sugere um parentesco com Bovary.”

LEITURAS MÚLTIPLAS

Como sua protagonista, “Emma” melhora com o passar do tempo. Sandie Byrne, pesquisadora de Austen em Oxford, o leu pela primeira vez na adolescência e o releu “muitas vezes” desde então. “Encontro mais coisas para admirar e me divertir a cada vez”, conta. Octavia Cox, que dá um curso online de Jane Austen na mesma universidade, teve o primeiro contato com o livro aos 12 anos. Não gostou nem um pouco. “Era muito nova para entender as nuances. Jane Austen deve ser relida, na minha opinião.”

Já Juliette Wells, editora do novo volume da Penguin, o leu por obrigação na escola. “Se você tivesse me dito que um diria eu faria minha própria edição do livro, não teria acreditado!”, lembra. “Eu me surpreendi com quanto meu apreço por esse romance cresceu trabalhando com ele. Fiquei particularmente impressionada pelo grande domínio da linguagem de Austen. Ela escolheu as palavras com tanto cuidado e tanta inteligência.”

Para ela, “Orgulho e Preconceito” é o livro de Jane Austen mais fácil de se gostar, por causa da memorável história de amor entre Elizabeth e Mr. Darcy. “Razão e Sensibilidade”, por sua vez, se popularizou com o sucesso de sua versão cinematográfica, de 1995. Mas é em “Emma” que Austen se supera como escritora. “Ela cria uma história envolvente com elementos muito banais”, afirma. Diferente de outros livros, em que os personagens viajam e os cenários variam, “Emma” se passa no mesmo lugar, com as mesmas pessoas, e mesmo assim consegue impressionar.

“Os críticos muitas vezes descrevem ‘Emma’ como a obra-prima de Austen: é menos agradável — com uma preponderância de personagens ‘difíceis’, incluindo a heroína –, mas é artístico e complexo. Austen tem um controle notável do enredo, construindo suspense e excitação com meios mínimos”, analisa Clery. “É nesse livro que seu uso do discurso indireto livre, que funde a voz do narrador com a perspectiva interna do protagonista, é usado com um estilo realmente virtuoso.”

Na opinião de Clery, “Emma” é um livro totalmente radical, quase como um protesto. “Austen virou as costas para o sucesso de ‘Orgulho e Preconceito’ e desafiou o gosto da época por melodramas, locações exóticas e eventos fantásticos”, diz. “E apesar de sombrio em espírito, tem muitas cenas engraçadas e alguns dos melhores personagens cômicos de sua obra.”

PATRICINHA DE BEVERLY HILLS

Duzentos anos depois, os temas do livro pouco envelheceram, afirma Wells. “Cada um de nós lida com relacionamento familiares, então reconhecemos algo nas descrições do livro de pais, filhos e irmãos. Todos nós pensamos em como achar um parceiro para a vida, então sua preocupação com namoro e esposos compatíveis é algo que compartilhamos”, diz.

“Os detalhes de nosso cotidiano e oportunidades são muito diferentes dos de seus personagens, mas os personagens em si nos lembram de gente que conhecemos graças à genialidade de Austen em observar e a seu talento para criar diálogos e atitudes críveis”, elogia a editora.

Clery concorda. “Críticos literários demonstram a importância de muitos temas de ‘Emma’ que ainda são atuais — feminismo, classes, a chegada da modernidade, a representação da subjetividade. Eu poderia falar mais e mais sobre isso”, afirma. “Eu me interesso particularmente na ênfase da economia na obra de Austen. Thomas Piketty, autor de ‘O Capital no Século 21’, o best-seller de economia do ano passado, discute bastante sua ficção, assim como a de Balzac.”

Talvez por isso a melhor adaptação de “Emma” para as telas seja justamente aquela que tira a trama do século 19. O livro já foi transformado, por exemplo, em minissérie e em um filme com Gwyneth Paltrow. Nenhuma dessas versões, porém, atingiu o sucesso de longas como “Orgulho e Preconceito”, com Keira Knightley, e “Razão e Sensibilidade”, com Kate Winslet, Emma Thompson e Hugh Grant. A adaptação de “Emma” lembrada até hoje tem outro nome: “As Patricinhas de Beverly Hills”.

No filme, que completou duas décadas neste ano, a história de “Emma” é transportada para os Estados Unidos nos anos 1990. Nele, Alicia Silverstone é Cher, uma adolescente riquíssima e bonita que resolve ajudar Tai (Brittany Murphy) a conseguir um namorado, sem perceber que o pretendente que arrumou está interessado nela e não na amiga, aos moldes do que acontece no livro. Como Emma, Cher gaba-se de não precisar de homens até perceber que seu par perfeito estava ali, ao seu lado, na pele de Paul Rudd.

Clery, Wells, Cox e Byrne são unânimes ao dizer que gostam das “Patricinhas”. “É um filme muito divertido e engenhoso ao encontrar equivalentes modernos aos personagens e situações originais”, opina Clery. “‘Patricinhas’ é otimo porque sua criadora, Amy Heckerling, reinterpretou o livro com muita liberdade. É um olhar novo. Amy pega algumas preocupações centrais de Austen — personagens, linguagem, tom — e inventa um mundo novo e colorido para brincar com elas”, completa Wells.

EDIÇÃO AMIGÁVEL

A nova edição de “Emma” (Penguin, 496 págs., R$ 90, em inglês) esteve na cabeça de Juliette Wells por vários anos. Embora seja considerado o melhor livro de Austen, os leitores de hoje podem ter dificuldades em entendê-lo e apreciá-lo, especialmente se não estiverem acostumados com a literatura do século 19, ela diz. “Já existem várias edições do livro maravilhosas, aprofundadas, com comentários de estudiosos. Mas não tinha nenhuma amigável para os leitores, que eu pudesse recomendar a alguém interessado em ler o livro pela primeira vez, ou depois de anos.”

Foi ela quem levou a ideia à Penguin, que gostou da proposta e lhe pediu para criar uma edição nova e acessível de “Emma” em comemoração a seus 200 anos. Seu objetivo declarado é tornar a leitura prazerosa e fácil, para agradar aos fãs antigos e, principalmente, apresentar Austen a quem não a conhece. “Em vez de notas de rodapé ou no fim do livro, que podem ser frustrantes se você não for estudante ou acadêmico, escrevi pequenos ensaios que dão o contexto e explicam tópicos importantes para o livro, desde relacionamento familiares a dança e comida”, conta.

Na introdução, por exemplo, fala sobre o trabalho de Austen e a importância de Emma para sua carreira e sua reputação. “São as questões que estudantes e leitores mais me fazem.” Há também um glossário com palavras que podem confundir o leitor do século 21. “Fiz essas escolhas pensando mais nos americanos, mas espero que leitores do resto do mundo também o aproveitem”, afirma. Tem ainda ilustrações de edições históricas do livro e sugestões de filmes e outros volumes que podem complementar a experiência.

Em 21 de maio do ano que vem, Sandie Byrne, Octavia Cox, Emma Clery e Freya Johnston darão um curso em Oxford, com inscrições abertas, por a partir de 65 libras. Serão dadas, ao longo do dia, quatro aulas, uma por cada professora: “Emma como experimento literário”, “Emma e voz”, “Austen, Emma e escrita” e “Quebra-cabeças e jogos em Emma”.

Tentando explicar por que Jane Austen é tão popular até hoje, Wells diz acreditar que o cinema e a televisão ajudaram a difundir sua obra, atualizando sua linguagem para agradar às novas gerações. Não há mal nenhum nisso, diz ela. Muitas das adaptações são divertidas e verdadeiras obras de arte por si só. A editora só espera que isso leve os espectadores a se tornarem leitores. E fazer seminários ou novas edições de seus romances ajudam a fazer isso acontecer. “Toda vez que você voltar aos textos de Jane Austen você vai ver que seu brilhantismo continua radiante como sempre”, complementa Clery.