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Doutor nem tão Estranho assim

Tudo que “Doutor Estranho” tem de esquisito está no nome. Se fosse uma comida, o filme, que estreia na quinta (3), estaria mais para um prato que você comia na infância do que para um de um restaurante de vanguarda. Num ano cheio de filmes cheios de personagens, com vários heróis (ou vilões) eutando juntos ou uns contra os outros, “Doutor Estranho” chama a atenção por ser, de certa forma, mais tradicional. É um filme sobre as origens de um herói só: o Doutor Estranho do título — sua versão do clássico “tio Ben + mordida de uma aranha radioativa” que já vimos mil vezes.

No início da história, Stephen Strange (Benedict Cumberbatch) é um cirurgião tão brilhante quanto arrogante. Tempos atrás, teve um romance com Christine (Rachel McAdams, infelizmente desperdiçada), que naufragou por causa de — tudo leva a crer — seu ego inflado. Stephen trata seus colegas como inferiores e seleciona a dedo os casos que pega: têm que ser difíceis, para serem dignos de seu tempo, mas não tão difíceis a ponto de significar uma possível mancha em seu currículo. Sua vida é operar — e gastar o dinheiro com relógios, carros, um apartamento incrível em Nova York –, até que ele sofre um acidente de carro que destrói suas mãos.

Christine, a clássica ex-namorada compreensiva que dá apoio ao herói atormentado, lhe diz que a vida continua. Ele não pode mais salvar vidas com seu bisturi, mas certamente pode arranjar outras formas de fazê-lo, afirma, prevendo o resto da trama. Obcecado, Strange ouve falar que há uma cura possível em Catmandu, no Nepal. Lá, ele conhece a Anciã (Tilda Swinton), uma maga que, com seus discípulos, protege a Terra de forças do mal. Um de seus alunos (Mads Mikkelsen), porém, vai para o lado negro da força, rouba uma página de seu livro secreto de rituais, e tenta colocar o mundo nas garras do supervilão Dormammu.

Stephen quer aprender magia só para curar as mãos e, no começo, não liga muito pra essa história de salvar o mundo. Bom, como essa história termina você já deve saber mesmo sem ter visto nenhum filme de super-herói. “Doutor Estranho” é um filme clássico desse gênero, sem grandes surpresas, mas com muito mais cores e visuais saídos de uma viagem de ácido. É “A Origem” elevado à enésima potência, com muito mais psicodelia. Visualmente, é interessante — o tipo de filme que fica melhor numa sala de cinema, e no qual o uso de 3D não é completamente desnecessário.

Depois de ver Apocalipse (dois, igualmente horríveis: o de “Batman vs Superman” e “X-Men”) e Magia (“Esquadrão Suicida”), Kaecelius, o vilão mais proeminente de “Doutor Estranho”, é uma alegria. É bom ver a cara dele e o ator atuando (parece uma coisa óbvia, mas não é). Também é possível entender qual é seu plano e qual é sua motivação (novamente: nem todo vilão cumpre esses requisitos que parecem básicos). É interessante também ver a história de Mordo (Chiwetel Ejiofor), um vilão nos quadrinhos, mas parte dos discípulos da Anciã, lutando pelo bem nesse filme. Dá pra ver que é um filme construído com o futuro em mente.

Strange também é bem construído e tem um bom arco: de médico metido a vítima desesperada, passando por cético que só acredita na ciência até se tornar um super-herói, disposto a arriscar seu pescoço pela humanidade. Apesar dessa jornada ser meio rápida (afinal, o filme não é tão longo), cada etapa do seu percurso faz sentido. Benedict Cumberbatch, acostumado a fazer papéis de gênios hiper-racionais, mostra aqui seu carisma e chega até a fazer umas piadinhas — é um filme com referências bem pop, que chega a citar Beyoncé.

Mas apesar do visual bonito e de ser um filme competente, “Doutor Estranho” não se diferencia muito de outros filmes de super-heróis. Tem a mulher doce e inteligente, mas pouco desenvolvida, a figura sábia que ensina tudo o que o herói sabe, o vilão todo poderoso, a cidade destruída, um portal no céu. O que mudam são os detalhes. Não é um problema, nem todo prato precisa de ser vanguarda — familiar também é bom. “Doutor Estranho” só não é lá muito memorável. No fim das contas, o filme não é tão estranho assim.

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‘Esquadrão Suicida’:
que bagunça, hein?

Termos como bom e ruim não bastam para explicar o que você sente quando vê um filme. Existem filmes ruins que você pode ver mil vezes (pra mim, “Diário de uma Paixão”), filmes bons que são um suplício de assistir (“A Árvore da Vida”), filmes ruins que te ofendem (“Tudo Vai Ficar Bem”) e filmes bons que são prazerosos de ver sempre (“Quanto Mais Quente Melhor”). É importante deixar isso claro ao falar de “Esquadrão Suicida”. Primeiro, a má notícia: o filme, que estreia na quinta (4) é ruim — como a péssima avaliação no Rotten Tomatoes, de 32%, deixa claro. Mas tem uma boa notícia: não é um filme ruim que te deixa irritado.

É uma pena porque, no papel (ou mesmo no trailer), “Esquadrão Suicida” é promissor. Em meio a uma série de filmes com vários super-heróis lutando contra uma ameaça comum lançados em um intervalo de poucos meses (“Capitão América: Guerra Civil”, “X-Men – Apocalipse”, “Batman vs Superman”), “Esquadrão” parecia ser diferente: engraçado, anárquico, sem pieguismo. Pelo trailer sabemos que a personagem de Viola Davis é uma funcionária do governo americano que irá juntar uma equipe de supervilões para combater uma ameaça, conhecemos os protagonistas e suas habilidades e ouvimos mais piadas do que no “Batman” inteiro. Parece bom.

Porém, há muito que o trailer não revela: o plano de Viola Davis não faz sentido, os supervilões não são tão maus assim, praticamente não descobrimos nada sobre boa parte dos personagens além daquilo que o trailer mostra e o filme está bem longe de ser engraçado. “Esquadrão Suicida” começa com o que vemos no trailer, logo depois dos acontecimentos de “Batman vs Superman”. Num jantar, Amanda Waller (Davis) apresenta a uma equipe seu plano de formar um time com os mais malvados dos malvados, atualmente presos, para proteger a cidade do “próximo Superman”. Seu raciocínio: caso outro ser poderoso dê as caras por ali, sem as boas intenções de Superman, o mundo precisará se defender. Então antes que qualquer ameaça concreta apareça e esquecendo-se de que o Batman já cumpre essa função, Amanda resolve soltar no mundo alguns dos criminosos mais perigosos do pedaço.

Não chega a ser um plano tão sem pé nem cabeça quanto o de Lex Luthor em “Batman vs Superman”, mas é uma ideia bastante idiota. Até porque a missão do esquadrão no filme é resolver um problema criado pela própria existência do esquadrão — uma das vilãs selecionada por Amanda, chamada Magia (Cara Delevingne), escapa do seu controle e destruirá a humanidade se o grupo de vilões não entrar em ação. A premissa estúpida poderia ser perdoada se houvesse alguma qualidade na vilã. Não há. Delevingne, mais conhecida por fazer parte de outro esquadrão famoso na vida real (o de Taylor Swift) e por sua carreira como modelo, é uma péssima atriz em um péssimo papel. Sua única função no filme é rebolar enquanto cria uma espécie de portal da destruição (sabe aquele portal no céu aberto em “Os Vingadores”? Aquele mesmo) e cospe clichês numa língua estranha com uma voz de monstro que parece ter saído de um aplicativo. Perto dela o Apocalipse de “X-Men” é um vilão quase do calibre de Darth Vader — nem vamos comentar do outro vilão do filme, que parece saído de um filme B dos anos 90.

O esquadrão suicida não é muito melhor desenvolvido. Logo no início, Amanda apresenta os vilões que selecionou, com uma ou duas frases sobre cada um. Pistoleiro (Will Smith) é um matador de aluguel que nunca erra um tiro, Arlequina (Margot Robbie) é a namorada louca do Coringa (Jared Leto), El Diablo (Jay Hernandez) controla o fogo e agora quer viver uma vida pacata, Crocodilo (Adewale Akinnuoye-Agbaje), bem, se parece com um crocodilo, e Capitão Bumerangue é um assaltante que usa um bumerangue como arma. Todos eles são controlados pelo militar Rick Flag (Joel Kinnaman), sobre quem não há muito o que dizer além de que ele é o centro moral da história. Em algum momento aparecem ainda Katana (Karen Fukuhara) e Amarra (Adam Beach), mas não dá pra entender quem eles são ou por que eles foram parar naquela história. Tudo isso é apresentado no trailer e é tudo isso, praticamente, que você saberá sobre eles ao fim da sessão.

Tirando Pistoleiro e Arlequina, nenhum vilão é bem explorado. Durante meses ouvimos os atores falando sobre como ficaram amigos, como fizeram tatuagens juntos e como isso contribuiu para a química em cena. Se isso é verdade, pedaços importantes foram cortados na edição, porque parece que todos se conheceram ontem. Em nenhum momento eles parecem verdadeiramente um time, apesar de o filme tentar convencer o público de que eles são uma espécie de família.

Pistoleiro e Arlequina são o que o filme tem de melhor a oferecer — dá para imaginar algum filme com uma história melhor centrado nos dois. Will Smith é quem mais se aproxima de um protagonista e é carismático o suficiente para fazer com que você se sinta curioso a seu respeito. Margot Robbie, com sua personagem ao mesmo tempo infantil e hipersexualizada, também se destaca na multidão — as poucas vezes em que você sorri ou dá risada são cortesia de sua Arlequina. É só uma pena que o filme esteja mais interessado em dar closes em sua bunda ou desenvolvê-la pouco além do seu relacionamento com Coringa, cuja presença não acrescenta absolutamente nada na história — ela é bem mais legal quando interage com os outros personagens e, apesar de provavelmente não agradar a todos, tem potencial e chama a atenção.

“Esquadrão Suicida” é uma bagunça. O roteiro não faz muito sentido, a edição é atrapalhada (em uma cena um personagem abandona o grupo, no quadro seguinte ele está de volta sem explicação), a trilha sonora é tão óbvia que distrai (a personagem de Viola Davis é apresentada ao som de “Sympathy for the Devil”, dos Rolling Stones, pra ficar num exemplo), os vilões são caricaturas com planos que se resumem a “quero dominar o mundo”, a maior parte dos personagens são simplórios demais. Mas vários desses defeitos são também encontrados em “Batman vs Superman” ou “X-Men – Apocalipse” e o filme fica cada vez pior à medida em que você pensa nele. É bom? Não. Mas não é do tipo de filme ruim que ofende, que te faz querer sair do cinema ou que será incluído na lista de piores filmes da história de muita gente. Tem filme ruim estreando no cinema toda semana. É frustrante porque poderia ser bom, porque tem um orçamento gigante e porque a expectativa em torno dele era alta. Mas se estiver passando no avião, pode ver tranquilo. Vai ser melhor que olhar pela janela.

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‘Deadpool’ quebra o molde de heróis

Logo de cara, na abertura, “Deadpool” mostra que, sim, você vai ver um filme de super-herói — apesar da insistência do protagonista em dizer que não é herói coisa nenhuma –, mas um filme que não se leva a sério e está ciente de todos os clichês por trás do gênero. “Deadpool” não tem músicas épicas, olhares dramáticos para o vazio, lágrimas ou a mensagem de que com grandes poderes vêm grandes responsabilidades. Nos créditos iniciais, o filme anuncia “uma garota gostosa”, “uma adolescente geniosa”, “um personagem feito digitalmente”, “um vilão britânico”, “uma participação especial gratuita”. Sim, está tudo lá, mas pelo menos o filme tira um sarro.

Do ponto de vista de alguém que nunca tinha ouvido falar em Deadpool até ver o trailer, é refrescante poder ver um filme da Marvel sem precisar estar em dia com uma penca de outros longas (é bom ver o primeiro “Capitão América” antes do primeiro “Vingadores” e ver o segundo “Vingadores” antes do terceiro “Capitão América” e por aí vai num grande loop). Os X-Men aparecem de leve, mas dá para entender a história toda sem saber quem é Mística ou Ciclope — apesar de que uma boa piada com as diferentes versões do Professor Xavier se perde se você não souber absolutamente nada sobre os mutantes no cinema.

Em tempos em que o Homem-Aranha ganha uma terceira cara em menos de 15 anos, qualquer novidade é bem-vinda. E “Deadpool” é cheio de pequenas novidades. Para começar, como em todo filme que apresenta um herói, há uma história de origem (a aranha radioativa, a chegada de Clark Kent à Terra… Wolverine ganhou um filme inteiro sobre seu passado), mas que só vem depois de já termos conhecido Deadpool e ligarmos minimamente para ele. Já sabemos que Deadpool, interpretado por Ryan Reynolds, é bocudo, convencido e vingativo quando conhecemos Wade Wilson, um mercernário que passa por um tratamento experimental para curar um câncer e ganha uma habilidade de cura rápida e uma aparência pouco atraente.

Wilson não tem intenções honradas nem a menor vontade de se juntar aos X-Men para combater o mal e salvar o mundo. Sua motivação é encontrar o homem que o deixou assim (o tal vilão britânico, papel meio canastrão de Ed Skrein) para que ele recupere sua cara normal e possa voltar para a namorada, a prostituta Vanessa (Morena Baccarin, que nos faz esquecer de que um dia já foi a chatíssima Jessica Brody de “Homeland”).

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Morena Baccarin e Ryan Reynolds em 'Deadpool'
Morena Baccarin e Ryan Reynolds em ‘Deadpool’

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Vanessa, aliás, é um capítulo à parte. Deadpool, que também narra o filme e conversa o tempo todo com o espectador, diz em certo ponto algo como “os homens no cinema devem ter convencido as namoradas a ver o filme falando que era uma história de amor”. Uma história de amor é completamente desnecessária para levar uma mulher ao cinema. Mulheres também gostam de quadrinhos, filmes de ação e super-heróis. O problema é a ausência de boas personagens femininas nos filmes do gênero (cadê o filme da Viúva Negra? É capaz de o Gavião Arqueiro ter um longa solo antes dela).

Ao lado de outras personagens femininas menores Vanessa cumpre esse papel em “Deadpool”. Mesmo quando é colocada na posição de vítima ela parte para a ação e não deixa Deadpool resgatá-la sozinha. Ela não é a mocinha perfeita e inatingível, não é a Mary Jane do “Homem Aranha”, nem a Rachel de “Batman Begins” (um Google foi necessário para lembrar o nome da personagem de Katie Holmes no filme, de tão pouco memorável), e sim alguém que poderia perfeitamente existir no mundo real, com seus defeitos e qualidades.

“Deadpool” não é perfeito porque é tão piadista que às vezes exagera na dose. Ryan Reynolds já tinha feito uma piada consigo mesmo, citando seu fracasso em “Lanterna Verde”, quando faz um comentário sobre o fato de que o ator é mais conhecido pelo rostinho bonito do que pela atuação. Ok, já entendemos que vocé capaz de rir da própria cara. Mas às vezes o filme parece querer ser engraçado demais, fazendo uma piada atrás da outra só para mostrar que consegue. “Deadpool” é tão pop e tão frenético que parece saído de um fórum na internet.

É uma referência atrás da outra, do começo ao fim — na última cena, depois dos créditos, “Deadpool” remete a “Curtindo a Vida Adoidado”, de 1986, um filme “muito, muito velho”, segundo um adolescente que saía da sala de cinema impressionando o amigo por ter captado uma referência tão cult (já eu, por outro lado, não reconheci Stan Lee — a participação especial gratuita anunciada no início. Tem citações para todos os gostos).

O filme era um projeto caro a Ryan Reynolds, que batalhou por anos para conseguir fazê-lo. Foi só quando uma cena teste vazou na internet e empolgou os fãs que o estúdio resolveu de fato fazer o filme, com um orçamento menor do que produções como “Os Vingadores”. E a aposta deu tão certo que o filme bateu o recorde de bilheteria nos Estados Unidos para a estreia de um filme em que menores de 17 anos devem entrar acompanhados, arrecadando 132,7 milhões de dólares de sexta a domingo. É uma prova de que dá para fazer filmes de heróis diferentes do molde tradicional. Dá para fazer humor, dá para inovar na trilha sonora (que tem de George Michael a Salt-N-Pepa), dá para ter bons personagens femininos, dá para ter um herói que não seja um machão, dá para fazer com menos dinheiro e mesmo assim ser um sucesso.