Categorias
Cultura

O fenômeno ‘Hamilton’

Na próxima semana Lin-Manuel Miranda e boa parte de seus companheiros de elenco deixam o musical “Hamilton”, em cartaz na Broadway há cerca de um ano. Mesmo que você estivesse em Nova York até lá, as chances de colocar as mãos num ingresso para o espetáculo seriam próximas de zero. Não só os valores são altíssimos (um recorde de US$ 849 pelo ingresso mais caro) como os poucos ingressos são disputados a tapa. Mas de alguma forma, apesar de toda essa exclusividade, o frisson em torno de “Hamilton” saiu da Broadway, de Nova York, dos Estados Unidos, e atingiu até pessoas que nunca viram um musical na vida e nem gostam particularmente do gênero. É um fenômeno — e felizmente pode ser aproveitado mesmo por quem não for ao teatro.

Para entender o sucesso de “Hamilton” é necessário conhecer seu criador. Lin-Manuel Miranda trabalhava como professor de inglês na escola em que estudou quando começou a escrever seu primeiro musical, “In the Heights”, que usava o hip hop para contar a história de uma comunidade latina em Nova York. O espetáculo de 2008, que vai virar filme e teve uma versão no Brasil anos atrás, ganhou quatro prêmios Tony, o mais importante do teatro. Foi o suficiente para colocar Miranda no mapa. No ano seguinte, ele foi chamado à Casa Branca para se apresentar numa noite de poesia e música. “Estou muito feliz por a Casa Branca ter me chamado para hoje. Estou trabalhando num disco de hip hop, conceitual, sobre alguém que acho que encarna o hip hop: o Secretário do Tesouro Alexander Hamilton. Vocês riem, mas é verdade!”, disse ele na ocasião.

Miranda havia comprado uma biografia de Hamilton num aeroporto para levar numa viagem e não conseguiu mais largá-la. A história de Hamilton, um dos pais fundadores dos Estados Unidos e autor de vários artigos de “O Federalista”, era, para ele, puro hip hop. Foi graças à escrita que Hamilton conseguiu sair do Caribe, onde levava uma vida pobre, ir para Nova York e se tornar braço-direito de George Washington. Com isso em mente, Miranda escreveu uma primeira música. Só por ela dá para ter uma ideia do que é o musical “Hamilton”, e como é possível aproveitá-lo sem ir à Broadway. Veja a cara do Obama.

Lin-Manuel Miranda, 36, nasceu em Nova York, filho de porto-riquenhos e, já na faculdade, fez parte de um grupo de hip hop chamado Freestyle Love Supreme. Sua capacidade de improvisação é impressionante e documentada em vários vídeos — de aparições em talk shows até em discursos de agradecimento ao receber prêmios. No programa de Jimmy Fallon, competiu com um dos membros do grupo The Roots numa batalha de freestyle e conseguiu misturar as palavras “dinossauro”, “torta de abóbora” e “Darth Vader” em um rap curto. Dê duas palavras para ele e ganhe uma canção. Miranda tem o pensamento rápido e, como Hamilton, é hábil com as palavras. Não só no rap — recitou um soneto escrito naquele dia ao receber um Tony semanas atrás, falando do atentado em Orlando e de sua família numa tacada só.

Ganhador do Prêmio para Gênios da Fundação MacArthur no valor de US$ 625 mil (para o qual não se candidata, se é escolhido), Miranda escreveu uma canção para o sétimo episódio de “Star Wars”, está fazendo a trilha sonora da animação da Disney “Moana” e fará parte do elenco de uma nova versão de “Mary Poppins”, com Emily Blunt. Do jeito que as coisas andam, é um forte candidato a completar o grand slam das artes, o EGOT — que significa levar prêmios no Emmy, Grammy, Oscar e Tony (ele venceu o Emmy em 2014 por uma música escrita para a cerimônia do Tony). Em breve será muito difícil escapar de Miranda, mesmo para quem não tem o menor interesse em teatro.

Mas voltemos a “Hamilton” e à primeira apresentação para os Obama. Naquela época, o musical não era nem um embrião e o conceito de um espetáculo em hip hop sobre Hamilton era no mínimo esquisito. “Sete anos atrás um jovem rapaz veio a um evento de poesia que Michelle e eu organizamos na Casa Branca”, disse Barack Obama ao apresentar o musical no Tony neste mês. “Ele estava trabalhando num projeto sobre a vida de alguém que representava o hip hop: o primeiro Secretário do Tesouro americano, Alexander Hamilton”, completou Michelle. “Eu confesso que dei risada. Quem está rindo agora? ‘Hamilton’ virou não só um sucesso, mas uma aula de cívica da qual nossas crianças não se cansam”, disse o presidente americano, fã do musical. Anos depois daquela primeira visita, Lin-Manuel Miranda se apresentou de novo para os Obama na Casa Branca, acompanhado por seu elenco, e cantou a mesma música, dessa vez no arranjo que se tornou conhecido.

Nessa segunda visita, “Hamilton” já era uma realidade, um musical que estreou na Broadway em agosto de 2015 e vendeu perto de US$ 30 milhões em ingressos mesmo antes de abrir por lá — tinha tido uma temporada no circuito fora da Broadway antes. Neste ano, recebeu 16 indicações ao Tony, um recorde, e levou 11 troféus para casa, incluindo melhor musical, ator (Leslie Odom Jr.), ator coadjuvante (Daveed Diggs) e atriz coadjuvante (Renée Elise Goldsberry). Também levou um Pulitzer e um Grammy.

“Hamilton” é um sucesso de público, arrasa-quarteirão em premiações e também queridinho da crítica. Um exemplo, do New York Times. O texto, com o título “Hamilton: jovens rebeldes mudando a história e o teatro”, começa com a frase “sim, é tão bom assim”. “Reluto em dizer às pessoas que coloquem suas casas na hipoteca e aluguem suas crianças para conseguir ingressos para um hit da Broadway. Mas ‘Hamilton’, dirigido por Thomas Kail e estrelado pelo Sr. Miranda, talvez valha isso — pelo menos para quem quiser provas de que os musicais americanos não estão só sobrevivendo, mas também evoluindo de formas que devem permitir que eles prosperem e se transformem nos próximos anos”, escreveu o crítico Ben Brantley na estreia.

Com os poucos trechos de apresentações disponíveis na internet, em premiações como o Grammy e o Tony, dá para ter uma ideia de como os figurinos e coreografias impressionam, mas só as músicas de “Hamilton”, disponíveis no Spotify, valem a pena. São canções que poderiam tocar no rádio, misto de rap, balada e músicas pop que estariam no repertório de Beyoncé, executadas por um elenco e tanto (Daveed Diggs canta a música mais rápida da história da Broadway, “Guns and Ships”, com 6,3 palavras ditas por segundo, e Renée Elise Goldsberry não fica atrás em habilidade com a linda “Satisfied”). As canções são tão boas que a Atlantic elegeu o disco como o melhor de 2015. Não o melhor disco de trilha sonora. O melhor disco do ano, em qualquer gênero, de qualquer artista. E como o espetáculo é praticamente todo cantado, com poucos diálogos, ouvir o álbum inteiro é uma experiência próxima de ir ao teatro (quer dizer, falando como alguém que não foi ao teatro, é bom deixar claro. Pode ser ilusão, claro, mas é a sensação que fica).

Miranda chegou a passar um ano compondo uma só música, “My Shot” (“Hamilton é tão mais inteligente que eu. Essa é a música em que ele entra na sala e impressiona todo o mundo com a força da sua oratória. Todo verso tem que ser incrível”, disse ele), e o esmero é perceptível. O Wall Street Journal criou até um algoritmo para analisar os versos, constatando diferentes tipos de rimas e paralelos com músicas de artistas como Kendrick Lamar e Lauryn Hill. Tudo isso enquanto constrói personagens complexos como Aaron Burr, o antagonista, e Angelica Schuyler, que se apaixona por Hamilton e abre mão dele por causa de sua irmã, Eliza — gaste alguns minutos escutando “Helpless” e “Satisfied” na sequência, com as letras em mãos e os comentários de Lin-Manuel Miranda, mostrando as inspirações por trás de cada verso e suas bases em documentos históricos (sim, você ainda sai tendo aprendido alguma coisa. Dois pelo preço de um).

Soma-se à qualidade do trabalho de Lin-Manuel Miranda a modernidade do musical. Alexander Hamilton viveu de 1755 a 1804, mas em tempos de grandes discussões sobre imigração mundo afora — e particularmente nos Estados Unidos de Donald Trump –, “Hamilton” traz algumas lições importantes (“Imigrantes, nós fazemos o trabalho”, diz um verso). “É uma lembrança de que os imigrantes construíram este país, seguidas vezes, repetidamente, ao longo de seus cerca de 200 anos. Alexander Hamilton foi uma das primeiras histórias disso”, disse Miranda à Folha. “Acredito que, dada a retórica anti-imigrante que está meio que dando as cartas nessa temporada eleitoral, é bom ter algo para lembrar que o cara que construiu o nosso sistema financeiro não havia nascido aqui [risos]. É um contrapeso a essa narrativa.” Suas letras falam de feminismo, ativismo, preconceito. Escolha um tema do noticiário e provavelmente encontrará algum paralelo no musical.

Para contar essa história, Lin-Manuel Miranda selecionou um elenco com negros, latinos e descendentes de asiáticos para interpretar personagens brancos. “Nosso elenco tem a cara da América de hoje e é certamente intencional”, disse ele ao New York Times. “É uma forma de te puxar para dentro da história e de permitir que você deixe qualquer bagagem cultural que tenha sobre os pais fundadores na porta. Hollywood tem muito a aprender com “Hamilton.”

Antes de deixar o elenco, Lin-Manuel Miranda filmará duas apresentações de “Hamilton” com o elenco original, inclusive com membros que já deixaram a produção, caso de Jonathan Groff (que também fez “Glee”). Ele ainda não sabe o que fazer com as gravações, nem dá para saber se algum dia as veremos. Pode ser também que um dia “Hamilton” vire filme, como tantos outros musicais da Broadway, mas segundo Miranda isso é coisa para daqui uns 20 anos. Por enquanto, já ajuda o fato de termos as músicas disponíveis. “Hamilton” é um fenômeno (não à toa ajudou a manter o rosto de Alexander Hamilton na nota de dez dólares). Vale cada segundo.

Categorias
Cultura

MC Soffia, 11: “Duro é seu preconceito”

São 15h10 de uma terça-feira e cerca de 200 pessoas estão acomodadas num auditório da Fábrica de Cultura da Vila Nova Cachoeirinha, na zona norte de São Paulo, enquanto o rapper Thaíde se apresenta. O show vai bem, o cantor caminha pela plateia, há um clima meio família no ar. Mas a coisa esquenta mesmo quando Thaíde diz, depois de três músicas, que tem uma convidada. “Quem vem aí?”, pergunta ele. E o público urra em coro: “Soffia!”.

Em meio a palmas e gritinhos, Thaíde fala: “É uma honra apresentar… Apresentar não, porque ela já é conhecida. Mas é uma honra ter aqui a MC Soffia!”. Parte do público — maioria de crianças e pré-adolescentes — fica de pé para receber Soffia, menina de 11 anos que entra no palco como se o fizesse há anos. Com um laço azul no cabelo black power, MC Soffia chega comandando a massa: “Todo o mundo de pé, família!”. Seu pedido é prontamente atendido.

MC Soffia é diferente dos também jovens MCs Pedrinho, Brinquedo, Pikachu e Melody, que cantam um funk mais pesadão, com citação a uma penca de drogas e muita putaria. O negócio de Soffia é hip hop, com rimas feministas que exaltam a cultura negra. Antes de chamar Soffia ao palco, Thaíde diz que cantar é divertido, mas que é um trabalho “responsa”. A música tem que ter algo positivo, algo a dizer que as pessoas precisem ouvir. Soffia tem a mesma filosofia.

Seus primeiros versos são “joga a mão pra cima pra entrar no clima” e depois vêm “na escola eu apavoro e só tiro dez”, “represento as crianças e o público feminino”, “África, onde tudo começou, África, onde está meu coração”, “eu sou negra e tenho orgulho da minha cor”. As crianças na plateia respondem dançando, cantando junto e tirando fotos enquanto Thaíde e os MCs que o acompanham ficam ao fundo do palco, fazendo backing vocal, claramente se divertindo enquanto Soffia manda suas rimas. “Eu me encho de alegria ao ver uma menina dessa idade falando da sua negritude”, diz ele.

Aí vem o hit de Soffia, “Menina Pretinha”, cujo refrão resume sua mensagem: “Menina pretinha, você não é bonitinha. Você é uma rainha”. Nessa hora, a cantora chama “quem tiver coragem” para subir no palco e dançar com ela. Entre os voluntários há meninos e meninas, que acompanham a rapper até o fim da canção. Thaíde toma de novo a frente e diz que o que falta no mundo hoje é respeito e o reconhecimento de que todos somos iguais. O show continua, mas Soffia sai do palco e o assédio do público começa.

[imagem_full]

soffia4
Crédito: Rodrigo Esper

[/imagem_full]

 

No caminho para o camarim, algumas crianças pedem para tirar selfies com ela. Sorridente, atende todos. Chega então uma mulher, que diz que só tirou na vida fotos com dois cantores antes dela: Chico César e Luiz Melodia. Ela fala para Soffia que só quer registro de artistas que admira. Diz ainda que tem um projeto educacional e adoraria que a cantora falasse com seus alunos, já que ela tem tanto a dizer.

Na fila para falar com ela tem também um fotógrafo, que pede para fazer só quatro fotos, prometendo que é rápido. O tempo é curto, ela tem mais gente para atender (entrevistas, fãs, outros fotógrafos), mas ela topa, desde que seja ali mesmo no camarim. Sorri e faz pose de modelo — apoia o pé na parede e coloca as mãos na cintura. “Ergue o queixo”, pede o fotógrafo. Ela ajusta a pose rapidamente e se senta para conversar.

Começa a responder a primeira pergunta quando abrem a porta do camarim: “Soffia, o Thaíde está te chamando pra voltar pro palco. Desce lá um minutinho?”. Ela pede licença e continua a jornada de trabalho. E era só o começo da semana: ela ainda se apresentaria com Thaíde até a outra segunda, com folga apenas no sábado, em outras Fábricas de Cultura — Capão Redondo, Brasilândia, Jardim São Luís e Jaçanã — e em Araras, no interior de São Paulo.

CRIANÇAS DO HIP HOP

De volta ao camarim Soffia conta que sempre gostou de música. “Meu biso tocava vários instrumentos de corda, e eu comecei a cantar quando tinha seis anos”, diz. Como ídolos musicais, cita várias mulheres negras: Beyoncé, Nicki Minaj, Rihanna, Jennifer Lopez, Karol Conká, Flora Matos, Divas do Hip Hop. “Gosto de todas as mulheres que cantam”, resume, depois de pensar um pouco. Entre homens cita Dexter, Racionais, Jay Z.

Sua mãe, Camila Pimentel, foi quem a apresentou ao hip hop. “Eu frequentava os eventos. Trabalhava na Coordenadoria dos Assuntos da População Negra [da Prefeitura de São Paulo] e procurava levar a Soffia. Sempre levei em shows, eventos culturais de hip hop”, conta.

Soffia sempre gostou de cantar. “Mas não assim, em lugares. Cantava em casa.” Foi quando fez uma oficina do projeto Futuro do Hip Hop — que dá aulas de MC, DJ, dança break — que começou a fazer isso em público. Viu seu amigo Tum Tum, outro MC mirim, cantando e quis fazer o mesmo. Aos sete anos, tomou gosto pela coisa.

[citacao credito=”Mc Soffia” ]Meu cabelo não é duro, meu cabelo é cacheado. Duro é seu preconceito[/citacao]

Depois, entrou para o coletivo Hip Hop Kidz — formado por sua mãe –, que desenvolve o intercâmbio cultural com crianças e jovens da periferia e que conta com seis rappers mirins. “Nas periferias tem muitas crianças sem perspectiva, que não têm oportunidades, referências ou acesso à cultura”, diz Camila. “Criei esse projeto com algumas crianças que eu já conhecia, trabalhando os quatro elementos do hip hop. Fui contemplada por um edital e fizemos um circuito pelas periferias de São Paulo. Mas não consegui mais incentivo e eu preciso disso pra transporte, alimentação, ajuda de custo.”

Na plateia dos shows, conta Camila, havia uma maioria de crianças, sempre interessadas. “Elas viam uma possibilidade de um futuro diferente, uma outra possibilidade de vida na periferia.” Às vezes o grupo ainda faz shows, mas não com tanta frequência. “Está meio parado, já mandei o projeto pra dois editais. Mas é acertar na loteria, não é garantido.”

[imagem_full]

soffia3
Crédito: Rodrigo Esper

[/imagem_full]

 

Com o Hip Hop Kidz, Soffia começou a fazer seus primeiros shows. Só recentemente passou a se apresentar sozinha. Foi se apresentando com o grupo, inclusive, que conheceu Thaíde. “Fiz um show na Praça das Artes e encontrei com ele. A gente começou a conversar. A mulher dele ligou depois pra minha mãe pra falar desse show. Vai ter a semana inteira”, diz, animada.

Antes de subir no palco sente “muito, muito medo”. Quando está lá, porém, o nervosismo passa. “No palco é normal”, afirma. Minutos antes havia mostrado que tem mesmo jeito pra coisa: pedia para a galera ficar de pé e bater palmas, apontava o microfone para a plateia na hora de seus refrões e puxava coros.

Está se acostumando à rotina cheia, às sessões de foto e às entrevistas. “Fui na Fátima agora”, conta, referindo-se ao programa “Encontro com Fátima Bernardes”, na Globo, para o qual foi chamada em setembro. Naquele mês, também foi a Brasília ao ser convidada pelo Ministério da Educação para abrir um seminário internacional de direitos humanos e desenvolvimento inclusivo.

DURO É SEU PRECONCEITO

No começo, as letras de Soffia eram escritas nas oficinas. Agora já começa a compor suas próprias rimas sozinha. “Estou fazendo uma que diz que não tem essa de brincadeira de menino e de menina”, conta. As letras exaltam o estudo, falam do empoderamento feminino e da cultura negra. Quando era mais nova, Soffia sofreu racismo na escola e disse para a mãe que queria ser branca. Camila conversou com ela e hoje Soffia exibe orgulhosa o cabelo black power. “Meu cabelo não é duro, meu cabelo é cacheado. Duro é seu preconceito” é a resposta da menina para racistas.

O feminismo também tem o dedo da mãe. Elas estavam em Maceió quando se depararam com um livro sobre mulheres que fizeram história no Brasil, do qual ela não se lembra o nome. “Ela leu o livro e eu disse que ela poderia aproveitar e fazer uma pesquisa mais aprofundada sobre alguma dessas mulheres”, diz Camila. “Falei: ‘Você escolhe algumas delas pra citar na sua música’. Ela pesquisou algumas e agora está pesquisando sobre outras.”

Os estudos sempre foram estimulados em casa. “Crianças da periferia não costumam ter esse incentivo. Sempre incentivei ela a ler, a interpretar texto. Fiz isso dentro de casa até perceber que ela tinha criado o gosto. A professora dela diz que ela é uma das poucas alunas que faz as pesquisas e depois dá seu parecer”, conta a mãe. “Ainda hoje eu falo pra ela: vamos pegar um livro aí.”

A matéria favorita de Soffia na escola, não por acaso, é história, diz ela sem titubear. “Estudo bastante, gosto muito de pesquisar.” E só tira dez como diz na música? “Aham”, sorri. Ela confirma o depoimento da mãe e conta que gosta de pesquisar particularmente a história de mulheres negras. “Estudo Anastácia, Clementina de Jesus, Carolina de Jesus, Chica da Silva, Cleópatra. Já pesquisei sobre todas elas” — todas as mulheres são citadas em suas canções. Na escola, diz, é só Soffia e não MC Soffia. Todo o mundo sabe que ela canta e faz shows, mas lá é uma criança como as outras.

[imagem_full]

soffia1
Crédito: Rodrigo Esper

[/imagem_full]

 

Agora, Soffia faz uma campanha na internet para arrecadar fundos para seu primeiro disco, chamado “Menina Pretinha”. Entre seus planos para o futuro mais distante está continuar a cantar, mas também quer ser médica e trabalhar como modelo e atriz. “Agora eu falo tudo isso, mas vamos ver quando eu crescer”, ri. Por enquanto quer estudar medicina para poder ajudar as pessoas, e quer atender especialmente negros e índios. “Eu quero dar medicamentos, fazer hospitais melhores. Quero ser uma médica negra.”

A essa altura da conversa, Thaíde e o resto dos músicos já estão no camarim e Soffia tem muito o que fazer. Vai posar para fotos com os companheiros de palco e depois atender as crianças que fazem fila para dar um oi para ela. Antes de a porta se fechar, ainda dá tempo de ouvir Thaíde elogiar a garota. “Mandou ver, hein, Soffia!”