Quando o “Xou da Xuxa” deixou a Globo em 1993, Boni precisava tapar um buraco na programação. Para isso, chamou o grupo gaúcho de teatro de bonecos 100 Modos para bolar alguma coisa curta. Eram só alguns meses no ar até Angélica assumir o horário. Luiz Ferré teve uma ideia: fazer um programa de TV sobre um programa de TV todo feito por cachorros.
A “TV Colosso”, que inicialmente ficaria só quatro meses no ar, acabou por ocupar as manhãs da Globo por quatro anos — por volta do meio-dia, quando o programa acabava, um cachorro com chapéu de chef de cozinha anunciava, com sotaque francês, “atención, tá na hora de matar a fome, tá na mesa, pessoal!” Quase mil episódios, um filme e dois discos depois, a “TV Colosso” acabou em 1997, dando lugar ao “Angel Mix”, de Angélica. Mas até hoje a sheepdog Priscila saracuteia por aí, aparecendo em programas de televisão ou eventos.
Quase 20 anos após seu fim, quem fez a “TV Colosso” conta ao Risca Faca as histórias por trás do programa.
As entrevistas foram levemente editadas para facilitar a compreensão.
AS ORIGENS
Luiz Ferré, criador do programa: Quando trabalhava como artista gráfico, queria fazer animação. A gente não tinha recursos, não tinha como fazer. Comecei a fazer bonecos de massinha e fotografar. Fazia esse tipo de ilustração, caricaturas de personagens políticos, músicos, fotografava e publicava no jornal. Mas eu queria animar. Encontrei com alguns amigos e a gente começou a fazer coisas de animação. A gente não sabia o que que era, mas era teatro de animação. Eu usava bonecos. Eram espetáculos de esquetes. A gente criou um grupo chamado 100 Modos e fez um espetáculo, sem saber o que era teatro de bonecos, de animação. A gente só fazia um espetáculo e sabia que as pessoas estavam curtindo. Nesse ano a gente ganhou todos os prêmios de teatro.
A gente se apresentava num café muito pequenininho, o palco era do tamanho de uma mesa, os bonecos eram muito pequenos. Era um negócio experimental. Faz 25 anos, foi quatro anos antes da TV Colosso. Foi muito rápido. A gente passou por São Paulo e apareceu na Veja, na Folha, no Estadão. Era um espetáculo muito sem pretensão, era muito pequeno. Mas tinha um texto muito bacana. Foi um trabalho muito notado.
Quando a gente foi pro Rio de Janeiro a Globo fez matérias e a gente virou meio pauta geral, onde a gente passava a Globo fazia matéria. Era cinética, colorido, novidade. A Globo ficou de olho na gente. A gente fez o “Clip Clip”, um programa de clipes, com o Boninho. A gente fez “Plunct, Plact, Zuuum” com o Raul Seixas, Cazuza. Isso bem no início da história do grupo. Aí a gente começou a se apresentar um pouco em televisão.
O CONVITE
Luiz Ferré: Teve um momento em que o Boni e o Boninho já conheciam nosso trabalho em televisão. A Xuxa estava saindo do projeto Globo e iam entrar com a Angélica. A Angélica fez alguns pilotos do projeto, mas não agradavam muito. Não é que não agradavam, mas não dava muito certo. Não era ainda o que o Boni queria. Recebi um telefonema, estava em Porto Alegre, e ele falou: “Olha, Ferré, você me ajuda aqui? Eu tô com uma dificuldade de horário na parte da manhã, não tô conseguindo acertar um projeto que eu quero muito, com a Angélica. Se você pensar, você que faz bonecos, fez o ‘Clip Clip’, tem esse grupo de teatro, você não quer pensar em alguma coisa?”. “Qual é a pauta?” “Pensa no que você bem entender.” Tinha uma liberdade muito grande de pensar, de propor. Pensei que era um pepino, entrar no horário da Xuxa. Era pra ficar quatro meses, um tampão. “Quatro meses, faz aí, sem compromisso com nada, faz o que você curtir.”
[olho]”Pensa no que você bem entender”[/olho]
Roberto Dorneles, criador do programa: Em 1992 quando o programa infantil da Xuxa saiu pela primeira vez do ar (depois mais tarde voltou na Globo), o Boni precisava colocar algo no lugar que chamasse a atenção da audiência, e assim pensou num programa de bonecos. Mas não simples bonecos, e sim bonecos animatronics. A razão disso foi o seriado americano “A Família Dinossauro”, que na época estava fazendo um super sucesso. Até onde me contaram, ele abriu o leque com três opções: produzir os complexos bonecos dentro da própria Globo, trazer bonecos e equipe dos Estados Unidos ou chamar o 100 Modos. Ganhamos a concorrência com um protótipo de boneco que produzimos e trouxemos para gravar no Rio. E melhor: nos foi dada liberdade criativa desde que fizéssemos pelo menos alguns animatronics. Pronto! Penso que boneco agrada de cara a quase todo mundo, principalmente se você juntar a ele a forma de um animal, mais ainda se for de estimação e ainda mais se for cachorro.
O INÍCIO
Luiz Ferré: Pensei, putz, acho que vou fazer uma TV. Uma TV de cachorro. Acho que pode ser meio que uma cápsula em volta da Terra, uma nave capturando desenhos e filmes e mandando pra Rede Globo. Não sei se você conhece aquele seriado com bonecos, os “Thunderbirds”, um seriado inglês da década de 60. É muito divertido. Tinha um pouco essa estética de um espaço futurista retrô. A estética especulava um pouco sobre o que seria o futuro. Desenhei os cenários inspirado um pouco nos “Thunderbirds”, um pouco na ficção científica B, aquelas coisas de filmes americanos de viagens espaciais.
Já queria fazer um negócio com cachorro, porque cachorro tem uma empatia muito grande. Levei pro Boni o projeto e ele só mandou aterrissar, não era pra ficar no espaço. Tanto que a abertura da “TV Colosso” parece uma nave espacial, e é uma nave, que é a construção da TV Colosso. Quem batizou o projeto foi o Boni. “Tem que chamar TV Colosso.” Falei: “Ok, legal”. Ele compôs a música de abertura, a letra é dele e do Massada, que era o hit maker da época.
MONTANDO O TIME
Monica Rossi, dubladora da Priscila: Mário Jorge de Andrade foi convidado para dirigir a dublagem do programa. Foi ele quem indicou todos os dubladores, que foram aprovados pela direção geral do programa. Eu e todo o elenco ficamos muito contentes com a aprovação, pois a concepção do programa era genial e seria a oportunidade de trabalharmos na construção dos personagens já que era um produto brasileiro, um projeto ousado e diferente de tudo o que estávamos acostumados a fazer na dublagem, onde temos que obedecer com a máxima fidelidade a obra que já está pronta.
Luiz Ferré: Pra escrever, roteirizar todos os quadros, eu tinha um briefing inicial, mas precisava de alguém, porque era um volume muito grande de texto. A gente fez 998 programas. Quase mil! Sem contar os especiais, com os especiais a gente passou de mil. Eu sou cartunista, gosto de charges, falei: “Vamos chamar uns camaradas cartunistas, que tenham uma coisa gráfica, que usam grafismo como ferramenta de ideia”. Chamei Laerte, Luiz Gê, Glauco… Conhecia alguns deles, como era cartunista, tive uns trabalhos no Salão do Humor de Piracicaba, cruzei com eles. A gente montou um time de super caras gráficos, com opinião, engajados, que não escreviam pra criança, mas que trabalhavam com humor.
Roberto Dorneles: Um humor sarcástico, nonsense, diferente e inesperado era o que buscávamos.
Luiz Gê, roteirista: Eu fiquei sabendo porque os cartunistas todos estavam meio dentro da proposta. Eu estava meio atrapalhado, sem emprego, sei lá. Estava precisando de trabalho. Aí falei com o Laerte e ele me pôs e foi assim que eu entrei.
OS ROTEIROS
Luiz Ferré: A gente tinha reuniões de pauta em que eu participava, em que passava todas as ideias. Aí todo o mundo ia pra casa e começava a mandar os textos pro Laerte, que fazia um filtro e mandava pra Globo. Na Globo tinha um pouquinho de calibragem, mas ia muito seco, quase direto. Depois a gente começou a aumentar um pouco o hall de redatores, manipuladores e personagens, na segunda temporada. É um processo muito raro pra uma TV que nem a Globo. A gente teve uma liberdade muito grande.
Luiz Gê: A proposta era meio diferente no começo. Era uma TV de cachorros no espaço. Era pra ser uma espécie de estação de orbital em que os cachorros estavam. Mas logo isso caiu e ficou uma estação normal mesmo. A partir dessa ideia que era muito incipiente, ainda muito no começo, a gente começou a se reunir, todo o mundo começou a propor coisas e a gente foi criando todo o universo da coisa. Aí ficava uma coisa meio difícil de estabelecer onde começava e onde terminava certas ideias, mas algumas eram bem claras quem tinha bolado, quem tinha tido a ideia. Essas reuniões eram muito engraçadas, era todo o mundo cartunista, a gente dava muita risada.
Roberto Dorneles: [A gente tinha] praticamente [carta branca]. O Boni teve todos os méritos nesse aspecto, porque sabia do nosso potencial, entendeu e nos deu total condições de realizar uma proposta tão arrojada. Uma ou outra ideia ou personagem foi barrado, mas, hoje, pensando bem, também agradeço a ele, porque se era difícil manipular e cuidar de 50 bonecos… Aqui também faço uma menção ao Boninho que foi nosso diretor e grande parceiro dentro da Globo (ainda é), desde os tempos do programa “Clip Clip”.
[olho]”Laerte foi uma figura fundamental, era diretor de redação, editor de texto”[/olho]
Luiz Gê: O mais legal era que a gente se via bastante. As reuniões eram muito engraçadas. Tinha pelo menos umas dez pessoas [no roteiro], mas era trabalho pra caramba. E o dinheiro não era lá essas coisas.
Luiz Ferré: Eu tinha uma teoria em relação ao projeto. Não precisava ser educativo. Tinha que ser divertido. Se você é divertido, você educa. Nosso briefing para todos era esse. Os redatores entraram com muito afinco, tinham uma liberdade grande. O Luiz Gê é um cara muito voltado pra assuntos de militaria. Ele gosta de aviões, máquinas. Não que seja um cara bélico, mas gosta de militaria. Ele teve liberdade pra criar um quadro chamado “na trincheira”: os cachorros na trincheira. Era inédito, era divertido ver isso. Laerte foi uma figura fundamental, era diretor de redação, editor de texto. É o Laerte que a gente conhece, maravilhoso. Uma figura generosa, com uma cabeça muito fora do que a gente costuma ter. Foi um cara muito importante pra gente.
Luiz Gê: Nenhum de nós estava muito preocupado com didatismo, coisa que no “Rá-tim-bum” tinha, toda uma didática. Eu estava fazendo coisa pra criança, mas quando eu era criança eu lia Tintim, Pato Donald desenhado por caras bons, que eram curtidos por gente de tudo quanto é idade. Essa maneira de estar fazendo a história desde que seja legal pode ser muito mais rica do que uma questão didática toda presinha. Como o Tintin era: muito informativo, formativo, que não precisa ser pedagógico. Eu inventava cenários, truques, e desenhava e mandava pra eles. Muita coisa eles fizeram e ficou muito bom. Outras não tão boas, outras feitas 50%.
OS PERSONAGENS
Luiz Ferré: Desenhei todos os personagens. Tem que ter um sheepdog, os vira-latas, o cara que é operador de mesa. Eu trabalhava em cinema e lembrei de muitos amigos, de figuras que trabalhavam comigo, produtores. A Priscila é super inspirada em três amigas que são produtoras. JF é inspirado em chefes que eu tive. Capachão é um personagem que a gente vê muito em filmagem. Eu trouxe essas figuras.
Luiz Gê: Eu criei o Capachão. Mas a minha ideia era que ele fosse um capacho mesmo, com cara de cachorro [ri]. Mas eles não conseguiram fazer e fizeram um cachorro normal. Não era nada difícil ter conseguido fazer ele dessa forma. [Quando chegamos no projeto] tinha alguns personagens. Já estava adiantado o JF e a Priscila. Essa questão do Capachão mostra uma das coisas que foi um dos maiores problemas do ponto de vista de roteiristas, criadores. Porque a gente também era cartunista, normalmente a gente tinha controle total sobre nossa criação e depois [na “TV Colosso”] não tinha mais. Acho que essa coisa de [a produção] estar no Rio e a gente estar aqui [em São Paulo] atrapalhou muito. Se a gente tivesse mais controle, a gente poderia ter feito um negócio muito mais legal, muito melhor. A gente ficava insatisfeito com muita coisa, porque eles não sabiam interpretar aquilo, não entendiam o humor.
Monica Rossi: O sucesso da Priscila veio de um conjunto de fatores. É uma figura realmente “colossal”, enorme e espaçosa, dengosa, charmosa, vaidosa… Enfim, uma personagem carismática. Muito menina!
Luiz Ferré: No início do projeto, quem ensaiou o andar da Priscila foi a Deborah Colker. Olha só, olha só. Era difícil, porque a Priscila tem uma frequência como personagem muito curiosa. É um bicho, mas é uma menina, é um boneco grande e peludo. É super charmosa, ela pesa 200 kg, mas entra voando. Precisava desenvolver a caminhada, como ela andava, como ela rebolava, como ela se movimentava dentro da fantasia. E a Deborah Colker fez esse primeiro trabalho com a Priscila.
Luiz Gê: Tinha dois tipos de texto, basicamente. Um pros cachorrões grandes, que tinham muito equipamento: Priscila, JF, Capachão… E tinha os cachorros pequenininhos, manipulados com a mão. Esses dois tipos de textos eram muito diferentes porque a mobilidade que existia pra uns e outros era diferente. Os grandões tinham que ser muito mais estáticos, dentro de um cenário determinado, ao passo que com os pequenos a gente tinha muita mobilidade de mudar a história, de inventar. Então eu — e outros roteiristas — preferia muito mais os pequenos. Os grandes era meio que uma camisa de força, tinha que criar pra eles de uma forma muito presa. Nos pequenos, eu desenhava muito: cenários, como que era.
BRONCA
Luiz Gê: Um dia eu falei pro Laerte: bolei uma história assim, com vários blocos. Contei pra ele os blocos todos e o Laerte pegou minha ideia de roteiro, escreveu. Eu fiz isso porque a gente tinha muito trabalho, era muito trabalhoso. Tinha texto pra caramba. Você não sabe como é ter que escrever uma manhã inteira de televisão todo dia. Muito trabalhoso. Então fiz isso e passei pro Laerte. Ele passou pros caras, fez o maior sucesso com os caras e no fim nunca reconheceram que eu tinha bolado o negócio. Isso eu sempre fiquei meio puto, foi minha ideia. A partir daí começou a se fazer isso, umas histórias grandes, que ocupavam a manhã inteira ou às vezes mais de um dia. E eles chegaram a comercializar isso, colocaram no supermercado os vídeos dessas histórias completas. Bolei muitas dessas histórias. Em geral era um cara só que fazia essas histórias. Eu já tinha começado antes a fazer umas coisas mais longas. No fim das contas houve essa coisa dessas histórias mais compridas, eles chegaram a comercializar. Mas eu não tenho nada, nunca comprei os vídeos.
QUADROS MARCANTES
Luiz Gê: Tinha um que eu fiz que era uma galera, daquelas que ficam uns caras remando dentro, com um monte de cachorrinho segurando os remos. Eu mostrava como era: amarra os bonequinhos assim, a hora que a pessoa fizer o movimento fora vai todo o mundo fazer assim. Tinha o cara que batia aquele tambor pra dar o ritmo, coisa de galera, que era uma espécie de DJ. Tocava vários tipos de música e eles tinham que remar conforme a música [ri]. Isso era legal você ver sendo feito. Mas dava uma vontade enorme de mexer, porque a gente manja. Dava vontade de cortar, montar. Essa questão básica de a gente estar em contato com a realização.
Eu fazia um personagem chamado Roberval, o ladrão de chocolates. Eu fiz uma história em que o Roberval ficava passando uma lábia pro cara entregar o chocolate pra ele. Ele passava uma lábia, mas estava tendo um caso de um terrorista que estava pondo bomba. Ele achou que era chocolate, mas era uma bomba. Quando chega no final, o cara que está fazendo a gravação fala “bom, estoura aí”. Nesse caso eu estava no Rio, vendo. E eu falei “o que vocês acham de fazer assim…”, mas estava no roteiro. Eu falei assim pra ser contemporizador. Quando ele conseguia passar a mão no chocolate tocava “chocolate, chocolate” [canta a música “Chocolate”]. Quando ele passa a mão e sai todo vitorioso, ele sai de cena, toca “chocolate, chocolate”, e aí que explode. Ficava muito mais engraçado. Eu tive que chegar e falar “o que vocês acham…”. E dessa vez ficou certo. Numa dessas eles destruíam o seu humor.
Fiz o doutor Aftasardem [ri]. Um dos que eu mais gostava era o “cãobate”. Eu fiz vários de “cãobate”.
Uma das primeiras ideias que tive… Sabe quando você está andando na rua e um cachorro começa a “auauau” e você leva um susto? Era de um cachorro que gostava de fazer isso e o cachorro vizinho era bonzinho e ficava “por favor, não faça isso, a dona Amelinha sofre do coração” [fala com uma voz fina, de boneco, e dá risada]. Tinha que ter pelo menos as pernas das pessoas vindo, mas os caras não quiseram fazer isso porque ia sair da coisa do programa, de ser só cachorro. Mas sei lá, a dona Amelinha podia ser cachorro.
Eu fazia uma também que era uma gozação de novela, essa também era famosinha. Como chamava mesmo? “Os filhos da Cadela.” [ri] Uma coisa assim. Isso também era uma experiência de linguagem legal. Fiz uma espécie de bloco feito de várias historinhas super curtas. Lá também eu inventava bastante, mudava bastante cenário, esse tipo de coisa. Os filhos da cadela acho que eram mais famosos que o “cãobate”, mas eu preferia o “cãobate”.
FAZENDO CACHORROS
Luiz Ferré: A gente tinha liberdade de encenação. Falei que queria explorar todas as possibilidades de boneco: boneco de fantasia, bonecos de luva, bonecos pequenos, animatronics, tinha um robozinho — o buldogue era completamente robótico, andava pelo cenário. Eles falavam “ok”. A Priscila foi feita por quatro caras. Tem o cara que fica dentro da fantasia, dois caras que fazem manipulação via rádios japoneses de aeromodelismo e a voz, a Monica Rossi, que fica fora. Outra coisa muito legal foi o orçamento aberto. A gente podia fazer o que quisesse de produção que a Globo pagava. A gente desenvolveu o pelo da Priscila num lugar chamado National Fur, uma fábrica em Boston que faz pelo pra bichos pra Hollywood. A gente foi até lá e desenvolveu o pelo. A gente trouxe os melhores motores.
Roberto Dorneles: Ninguém acreditava que a TV Colosso tivesse sido totalmente feita na rua Surupá, n° 225, meu endereço em Porto Alegre, RS, é do Brasil! Era um misto de espanto e desconfiança. Se foi fácil mandar produzir? Sim, muito fácil! Falei para mim mesmo: faça!
CONTROLANDO CACHORROS
Roberto Dorneles: Digo que manipulei todos os bonecos. Calma aí, não estou mentindo! Vou explicar: eu sempre testava e criava os trejeitos de cada personagem para depois passar para algum outro manipulador que fizesse daquela forma. Mesmo assim, eu manipulei alguns personagens nas gravações do começo ao fim, por puro prazer e também, confesso, por ciúmes. Como eram numerosos bonecos, a equipe também era. No auge foram 22 pessoas. Essa equipe era dividida em manipuladores e atores-manipuladores. Manipuladores manipulavam os bonecos pequenos e os rádios que produziam as expressões faciais dos bonecos grandes. Bonecos grandes esses que eram vestidos pelos atores-manipuladores.
Eram fantoches com mãos controladas por varinhas, marotes [técnica de manipulação onde o manipulador empresta parte de seu corpo para o boneco] e fantasias de vestir. Todos esses bonecos tinham algum tipo de mecanismo, dos mais simples como o Gilmar, com um movimento (pálpebras), passando pelos médios com até dez movimentos como o Borges e finalmente os mais complexos como o chefe JF que tinha quase 20 movimentos.
Acho que os mais difíceis eram os que precisavam de três manipuladores. Um controlando a cabeça, outro vestindo os braços e um terceiro de fora produzindo as expressões faciais com o rádio. Isso sem contar com o dublador guia de estúdio. Total de quatro malucos tentando coordenar um boneco, e conseguindo!
[olho]”No auge, a semana de trabalho era bastante intensa, com apenas um dia de descanso”[/olho]
Eu não era somente responsável pela equipe de manipulação. Também era responsável pela equipe de manutenção dos bonecos porque construí e coordenei a construção dos mesmos. Como eram quase 50 bonecos e gravávamos em média quatro dias na semana, acontecia muito desgaste e quebra. Para manter tudo funcionando perfeitamente era necessário manter uma equipe de em torno de dez pessoas. A equipe era dividida em formas e látex, manutenção plástica e manutenção mecânica e eletrônica. Assim como eu, uma parte dessa equipe também manipulava no estúdio, por isso, no auge, a semana de trabalho era bastante intensa, com apenas um dia de descanso.
Monica Rossi: Foi uma época de muito trabalho, pois durante a elaboração da personalidade dos bonecos, nós gravávamos no estúdio durante a ação – a nossa interpretação ajudava os bailarinos e manipuladores a fazer o corpo dos bonecos. Depois que já estava bem definida a personalidade de cada um, foram contratados dubladores para fazer a “voz guia” e nós colocávamos a voz definitiva na fase de finalização do programa. No início nós já acreditávamos no projeto mas não tínhamos a noção exata do sucesso que seria.
RECEPÇÃO
Luiz Ferré: Foi rolando, não teve o acerto de outro projeto e o nosso projeto foi ficando mais interessante comercialmente também. A Globo nunca teve tanto patrocínio dentro da janela… Quer dizer, a Xuxa tinha um merchand violento, mas a gente não tinha dentro do programa, só em break. A gente virou um negócio muito interessante. A gente começou a ser notado fora do país. O grupo Jim Henson, que trabalha com Vila Sésamo e Muppets, eles vieram pro Brasil e viram a gente em cena. A gente foi convidado pra fazer um estágio em Nova York, fui eu e o Betinho [Dorneles], acompanhou todo o processo deles. Eles ficaram pasmos com o número de cenas que a gente filmava, era muita coisa. Acharam a técnica incrível. Aí a Globo falou “a gente pode dar mais um ano”.
SUCESSO
Roberto Dorneles: Desde o início estávamos bastante confiantes no sucesso do programa, mas eu, que ficava mais tempo dentro do estúdio, não percebia bem a dimensão do que estava acontecendo. Foi então que o Luiz Ferré montou o “Show Colosso”. A estreia foi em São Paulo e por estar sempre em estúdio no Rio, não tinha nem como assistir a algum ensaio. Mas na estreia eu estava, e naquele dia assistindo e sentindo a incrível reação da plateia, me bateu uma forte emoção, um tremendo orgulho pelo trabalho tínhamos produzido, um prazer por estar em sintonia com todas aquelas pessoas. Pensei: poxa, as pessoas gostam exatamente do eu gosto, e fiz. Inesquecível!
[olho]”A gente tinha uma mágica de encenação”[/olho]
Luiz Ferré: A gente não sabe qual é o segredo. Trabalhei um tempo em Los Angeles e fui com projetos super legais, conversei com o produtor dos Simpsons e ele falou: “Cara, a gente fez os ‘Simpsons’, aí a gente falou que tinha a fórmula. Vamos fazer ‘Futurama’, era tudo igual, mesmo humor, mesma pegada, só uma diferente cenografia, e foi um fiasco. A gente nunca sabe o segredo”. Eu tenho algumas teorias sobre o sucesso da “TV Colosso”. Acho que a liberdade criativa, esse não compromisso com regras estabelecidas, o não compromisso de ser educativo e a encenação. Acho que a gente tinha uma mágica de encenação, a gente trazia isso do teatro. A Priscila tem mágica. A sorte de acertar em personagens legais, de encontrar profissionais legais. Foi um momento ali. A gente fez outras coisas legais que não foi no momento. Não tenho o segredo. Essas coisas você não sabe.
Roberto Dorneles: A risada não tem idade, ela só não está na boca dos muito mal-humorados. A “TV Colosso” não era um programa apenas direcionado às crianças. Os bonecos agradavam muito às crianças, mas não só a elas, e a faixa alargou com o enredo, a temática e as piadas, atingindo assim os adolescentes e até adultos. Sim, já tínhamos feito espetáculos infantis, mas também tínhamos feito espetáculos à noite, abertos a qualquer idade. A linguagem que sempre buscamos é a linguagem que nos faz rir, dessa forma acreditamos que algumas pessoas rirão junto conosco.
Luiz Ferré: Só tem dois projetos na Globo que tiveram essa amplitude de público bem grande: “Trapalhões” e “TV Colosso”. Amplitude de classe A, B e C e idade, do público escolar até os 60 anos. O boneco surgiu na humanidade pra fazer tudo aquilo que nós, atores, pessoas normais, não podem fazer. O boneco vem pra isso. Você não podia sair na rua e falar “o rei tem o nariz grande”, mas o boneco podia e até o rei aplaudia.
O FIM
Luiz Ferré: Tinha uma força grande da Xuxa ainda dentro do projeto comercial. Ela tinha uma força muito forte, muito forte. E também a gente estava muito cansado. A gente achou que era quatro meses, ia pro Rio e tirava férias. Que nada, a gente enlouqueceu. Teve um desgaste criativo muito grande também. Foi bom, porque parou, o projeto continuou lá fora, tava em 36 países. A gente gravava todo dia, isso cansou muito. Era uma rotina muito difícil.
[olho]”Teve um desgaste criativo muito grande também”[/olho]
Monica Rossi: Todo projeto tem um tempo de vida. Por mais sucesso que faça o produto, tem uma hora que chega ao fim. No caso da “TV Colosso”, acabou o programa, mas ficou o legado. Todos que viveram aquela época tem guardado no coração cada personagem. Quem tem a oportunidade de rever os programas fica feliz. Já vi gente chorando ao ver a Priscila ao vivo. Sem dúvida, é sempre uma grande emoção.
FUTURO
Luiz Ferré: A gente vai ser o primeiro grupo a criar conteúdo original pro portal Play Kids. É “TV Colosso”, a Priscila e o Gilmar. O legado nunca sumiu. Saiu da Globo, mas ficou transitando, a gente nunca deixou de trabalhar. Ficou muito presente no imaginário de muita gente, então a gente está sempre fazendo. Esse é um projeto novo, pra criança pequena, pra criança um pouquinho maior e pros antigos fãs. É um projeto super pop, eu faço em português e espanhol, mas vai ser dublado em francês, inglês e mandarim. Vai pro mundo inteiro.