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Cinema Crítica

‘Joy’ é propaganda de esfregão

O filme “Joy” começa com um aviso que diz algo como: “A todas as mulheres corajosas (talvez o adjetivo não seja esse. Mas insira aqui uma característica positiva que está valendo) do mundo. Essa é a história de uma delas”. Parece um bom prenúncio em uma temporada de filmes predominantemente masculinos — “Spotlight”, “A Grande Aposta”, “Os Oito Odiados”, “O Regresso”, “Creed”. Maravilha, veremos uma história bem contada sobre uma mulher? Não é bem isso que vem pela frente. Mas o filme foi indicado como melhor comédia no Globo de Ouro, então pelo menos dá pra rir, certo? Quem dera. Talvez tenha uma boa história para ser contada sobre Joy Mangano, criadora de um esfregão milagroso, mas certamente não é a que está no filme. “Joy”, que estreia no dia 21, é tão desinteressante que o melhor contexto para assistir a ele é num avião, pra matar o tempo antes de dormir.

Jennifer Lawrence, de novo em parceria com o diretor David O. Russell, estava cotada para o Oscar antes que qualquer um tivesse assistido ao filme — o que é uma maluquice, ainda que a previsão estivesse certa. Mas sua escalação para o papel de Joy, na verdade, é um equívoco. Não que Lawrence não esteja bem. Só que é esquisitíssimo ver alguém dizer para a atriz de 25 anos que ela não tem a vida toda pela frente, “só alguns bons anos”.

Joy é uma mulher divorciada, que não foi à faculdade para ajudar os pais a tocar a vida depois da separação deles, com dois filhos que tem dificuldade para sustentar e que tem pesadelos (literalmente, falta muita sutileza ao filme) sobre como sua vida foi desperdiçada. Difícil de comprar vendo alguém de 25 anos na tela. Difícil de vender também, apesar de Lawrence ganhar pontos (e prêmios, como o Globo de Ouro) pela tentativa.

Mas esse não é o principal problema do filme. Lawrence já viveu mulheres mais velhas nos filmes de O. Russell – “O Lado Bom da Vida” e “Trapaça”, ambos melhores que “Joy”. O problema é o roteiro, com personagens profundos como um pires. A meia-irmã de Joy é uma chata que implica com ela aparentemente sem motivo (se o cinema é cheio de “bromances” e grandes amizades masculinas, o mesmo não se pode dizer de parcerias entre mulheres, quase sempre rivais), a mãe passa o dia no quarto vendo novela sabe-se lá por que, a avó só está no filme para fazer uma narração hiper cafona que serve de muleta para o diretor. Lá pelas tantas aparece Bradley Cooper num papel que não vai a lugar nenhum. Robert De Niro também está lá para fazer um discurso de “não sei por que deixei você acreditar que era mais que uma dona de casa” para a própria filha sem que entendamos o motivo da crueldade.

Joy é uma inventora desde pequena, como o filme não para de jogar na sua cara. A avó, narradora, reforça esse ponto constantemente e mais de uma vez vemos um flashback da pequena Joy construindo uma fazenda de papel e dizendo que não precisa de um príncipe, só de suas invenções, como se não desse pra ter tudo na vida. Quando finalmente ela cria o esfregão, o filme deixa um pouco sua família de lado e se volta para as dificuldades de uma mulher entrar no mundo dos negócios. Parece que vai deslanchar, mas é uma esperança vã. Tudo dá errado, até o momento em que Joy corta os próprios cabelos em frente ao espelho (alerta de clichê) e os problemas se resolvem magicamente. Nada como um bom cabelo curto para conferir força e determinação a alguém.

A mensagem é que se você realmente quiser algo e persistir, vai dar certo. Nem sempre é assim. O filme tem bons momentos aqui e ali, mas não passa muito disso. O esfregão, pelo menos, é bom. “Joy” seria excelente se fosse uma propaganda: se você não tem um desses em casa, ele te convence a comprar.