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Jessica Jones, a anti-heroína

Das séries inspiradas em personagens da Marvel e da DC Comics, “Jessica Jones” é a com menos cara de série de super-heróis que existe. Jessica é a mais humana das heroínas. Não tem uniforme, não quer salvar ninguém, não usa um codinome e não explica direito como ganhou seus superpoderes. Seus poderes, aliás, nem são tão super assim. Ela é forte o suficiente para parar um carro em movimento (em baixa velocidade, ela ressalta) e pula bem alto. E é meio que isso. Sem ofensa às produções de heróis, talvez por esse motivo “Jessica Jones”, que estreia na sexta (20) no Netflix, seja uma das melhores do gênero.

A própria escolha de Jessica para protagonizar uma série é interessante. Diferente do Demolidor, que também ganhou uma série do Netflix neste ano, ela é pouco conhecida pelo público não iniciado nos quadrinhos. Criada por Brian Michael Bendis em 2001, ela aparece pela primeira vez na história “Alias” já como uma heroína aposentada, que trabalha como investigadora particular, em um dos quadrinhos mais adultos que a Marvel já fez.

Nas páginas dos quadrinhos, aos poucos, sua história sombria foi revelada. Colega de Peter Parker — o Homem-Aranha — na escola e apaixonada por um dos membros do Quarteto Fantástico, ela fez parte dos Vingadores usando o nome Safira durante um tempo. Sua trajetória mudou quando ela conheceu o vilão Zebediah Kilgrave — o Homem-Púrpura –, capaz de controlar a mente das pessoas e fazer com que elas obedeçam a todas as suas ordens, mesmo as mais macabras. Quando ele ordena que Jessica assassine o Demolidor, ela quase é morta pelos Vingadores e, depois disso, decide aposentar o uniforme e tentar levar uma vida normal.

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Marvel's Jessica Jones
Jessica Jones dando o famoso enquadro. Crédito: Divulgação

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Na série (ou pelo menos em seus sete primeiros episódios, que o Netflix liberou para a imprensa), não há nada desse preâmbulo. No primeiro capítulo Jessica (Krysten Ritter) já aparece como investigadora e seu passado como super-heroína quase não é mencionado. Sabemos de cara que ela só se veste de preto, vive em seu escritório mal-ajambrado, bebe muito e tenta afastar os poucos amigos que tem. Como nos quadrinhos, sua trajetória é trágica e tem o dedo de Kilgrave (David Tennant).

Em seu primeiro caso na série, um casal a procura para pedir que encontre a filha, uma atleta universitária que desapareceu. Durante a investigação, Jessica acaba chegando a Killgrave, que ela acreditava estar morto. Diferente da HQ, Kilgrave não tem a pele roxa. No início, inclusive, ele mal aparece e fica sempre encoberto por sombras. Mesmo assim, sua simples presença assusta bem mais do que qualquer vilão fortão de séries como “The Flash” ou “Supergirl”.

Se o embate com Kilgrave fosse físico, Jessica teria chances. Mas é psicológico e, fora a força, Jessica é uma pessoa normal, vulnerável, suscetível a esse tipo de abuso, sobre o qual ganhamos mais detalhes a conta-gotas. O que Kilgrave consegue fazer com suas vítimas é aterrorizante. Ver o Super-Homem em ação é previsível. Ver Jessica Jones, nem um pouco. Tanto pelo fato de ela não ser invencível como pelo fato de não ter só bondade no coração e tomar decisões questionáveis. Ela é uma mistura curiosa de herói com anti-herói. Em vez de tentar salvar Nova York ou o mundo, Jessica quer salvar a si mesma.

Uma boa produção de super-herói precisa de um bom vilão. O de “Jessica Jones” é excelente. Durante a temporada, Jessica enfrenta só um inimigo, mas é um inimigo tão poderoso, que fez tão mal a ela, que você quase torce para que ela não chegue perto dele. É como ver o mocinho procurar o monstro num filme de terror. Sem saber quem está dominado por Kilgrave ou onde ele está, paira um clima de filme de terror na série. O impulso é gritar toda hora para que Jessica não abra a porta ou não vire aquela esquina. Da trilha sonora à paranoia da protagonista e à pouca luz, tudo contribui para deixar a série mais tensa a cada episódio.

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Crítica

O final sombrio de ‘Jogos Vorazes’

Desde que o último livro da série “Harry Potter” foi dividido em dois no cinema, em 2010, outras sagas best-seller para “jovens adultos” — “Crepúsculo”, “Divergente” e “Jogos Vorazes” — seguiram o mesmo caminho. Faz sentido para os estúdios, que aproveitam mais um ano de grandes bilheterias, mas não muito para os espectadores. O primeiro filme geralmente sai prejudicado: é devagar, anticlimático, cheio de cenas que poderiam muito bem ter caído na sala de edição. É o caso de “Jogos Vorazes: A Esperança – Parte 1”, do ano passado, o mais fraco da série.

Aviso: este texto contém spoilers do filme.

Felizmente, “Jogos Vorazes: A Esperança – O Final” é bem melhor. Talvez seja, inclusive, o melhor da franquia. O longa começa praticamente do ponto onde parou a primeira parte, como se fosse um filme só e o espectador tivesse feito uma pausa para ir ao banheiro e beber uma água que se estendeu por um ano. Não há uma cena de contexto ou nada que ajude a lembrar o que aconteceu no filme anterior. O bonde já está andando, e rápido — o que pode ser um choque (a pergunta “quem é esse cara mesmo?” pode passar algumas vezes na cabeça de alguém menos apaixonado pela franquia).

Em pouco tempo, porém, o estranhamento passa. O ritmo continua rápido no resto do filme, mas isso é uma qualidade. “O Final” mistura bem os pontos fortes de seus antecessores: a ação e a tensão dos jogos vorazes dos primeiros filmes com a trama política do terceiro. Um breve resumo para quem precisa: depois de ser resgatada da arena da 75ª edição dos jogos — em que os participantes devem se matar até que só sobre um vencedor –, Katniss (Jennifer Lawrence) vira um símbolo da rebelião contra a capital de Panem e seu presidente, Snow (Donald Sutherland).

Após passar “A Esperança” escondida, gravando propagandas para estimular a revolução e esperando o resgate de Peeta (Josh Hutcherson), sequestrado pela capital no fim dos jogos, Katniss finalmente parte para a ação. Com outros rebeldes ilustres, como Gale (Liam Hemsworth), Finnick (Sam Claflin) e o próprio Peeta, Katniss parte para a capital com uma equipe de vídeo encarregada de filmá-los em ação a tiracolo. Como sempre, porém, ela desobedece as ordens que tem e resolve ir atrás de Snow para matá-lo por conta própria.

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Jennifer Lawrence como Katniss. Crédito: Divulgação
Jennifer Lawrence como Katniss. Crédito: Divulgação

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Nesse trajeto, “Jogos Vorazes” mostra que é um bom filme de ação, capaz de agradar a todos os públicos, inclusive quem torce o nariz para a literatura de “jovens adultos” e suas franquias distópicas. Enquanto tenta chegar até Snow, o grupo se depara com armadilhas dignas das arenas de jogos vorazes: bombas, pisos que desabam com o toque, armas que disparam ao sentir a presença de alguém, avalanches de lama, muros que sobem do nada e fecham passagens, bestantes (animais geneticamente modificados pela capital) furiosos.

O perigo está sempre ali do lado — literalmente, já que Peeta sofreu um tipo de lavagem cerebral durante o sequestro e tenta matar Katniss sempre que pode. Depois de um filme menos movimentado, a ação é bem-vinda. Até porque é bem executada (pense na batalha final de “Harry Potter”. É o oposto).

ZONAS CINZENTAS

Mas “A Esperança” é mais que um filme de ação: é um filme político. “Star Wars” ou “Harry Potter” também falam da luta de rebeldes contra vilões em prol da democracia e da igualdade, por exemplo, mas “Jogos Vorazes” mostra também os efeitos dessa guerra nas pessoas e as zonas cinzentas que há nessa batalha. É uma trama mais próxima da realidade. Katniss não é, como Harry ou Luke Skywalker, “a escolhida” ou predestinada a nada. É uma garota razoavelmente comum, que, por circunstâncias além do seu controle, se torna líder de uma revolução. Como uma pessoa normal numa situação dessas, às vezes ela surta, chora, diz que não consegue ser o modelo que todos esperam, trava.

Não é o ideal de herói, mas é alguém com quem o público consegue se identificar. Katniss tem várias camadas, que Jennifer Lawrence leva bem para a tela — não dá pra dizer o mesmo das outras pontas do triângulo amoroso que ela forma com Peeta e Gale. Justiça seja feita, Hutcherson está bem melhor nesse filme que nos outros, retratando as consequências psicológicas de ter sido torturado pela capital.

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Jennifer Lawrence e Liam Hemsworth
Jennifer Lawrence e Liam Hemsworth. Crédito: Divulgação

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O filme também mostra como até pessoas que lutam do mesmo lado podem ter opiniões diferentes. Para Gale, por exemplo, todos que não se rebelaram estão automaticamente aliados à capital e merecem morrer — e para atingir esse fim todos os meios são válidos. Katniss, por outro lado, não acha que na guerra vale tudo e é contra matar civis. São dois “mocinhos” e duas posições opostas.

Por pensar assim, Katniss quase perde a vida. A cena é interessante: ao destruir o local onde um distrito pró-capital guardava suas armas, ela pede para que uma passagem seja aberta para que quem quiser se render possa sair de lá. Um desses homens, em quem ela não quer atirar, a coloca na mira de sua arma. Por que ele deveria poupar sua vida, ele pergunta. Não foram os rebeldes quem destruíram seu distrito e mataram seus companheiros? Katniss não tem explicação para lhe dar e responde: “Não sei”.

Aos poucos ela descobre também que os objetivos da líder dos rebeldes, Alma Coin (Julianne Moore), não são tão nobres assim. Entre essas sagas para jovens adultos, “Jogos Vorazes” é provavelmente a menos maniqueísta. Katniss e Peeta, por exemplo, matam quando precisam para sobreviver e (mais ela do que ele) não são imunes à vontade de se vingar, da forma que for.

É um filme sombrio, mas o que esperar de uma série que tem como premissa prender 24 crianças numa arena cheia de armas e armadilhas até que só uma delas sobreviva?