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Cinema Crítica

Em ‘Creed’, Rocky ainda é o cara

De cara, “Rocky” e “Star Wars” não têm muito em comum. Talvez dê pra achar uma semelhança forçando a barra, mas são filme bastante diferentes. Isso deixa ainda mais curioso o fato de que, quase 40 anos depois do lançamento das franquias, após filmes que não emplacaram muito, novos longas das séries sejam lançados com tanto sucesso usando mais ou menos a mesma receita. Diante da tarefa de ter que agradar uma multidão de fãs ansiosos e frustrados com a trilogia iniciada nos anos 90, J.J. Abrams fez praticamente um reboot da história original de George Lucas. “O Despertar da Força” tem muito de “Uma Nova Esperança”. Deu certo: o público recebeu o que queria e todos saíram contentes. O mesmo acontece com “Creed”: você viu algo muito parecido em “Rocky”. E é incrível.

No filme, Michael B. Jordan é Adonis, filho que Apollo Creed — o boxeador rival de Rocky no primeiro filme, que depois vira seu amigo — teve fora do casamento. Depois de uma temporada em orfanatos e reformatórios, Adonis vai morar com a viúva do pai, que quer para ele uma vida diferente do pai. A princípio tudo vai bem: Adonis vive numa casona, tem um carrão e acaba de ganhar uma grande promoção em seu trabalho num escritório. Mas a sombra de Apollo ainda paira ao seu redor e o que ele quer mesmo é lutar.

Para realizar o sonho, Adonis deixa Los Angeles rumo à Filadélfia para pedir a Rocky que seja seu treinador. No começo ele recusa, mas não é surpresa pra ninguém quando ele volta atrás. E, é claro, antes do fim do filme o sobrenome de Adonis terá chamado a atenção de um campeão de boxe, que o desafia. Como Rocky, Adonis é um azarão. Como Rocky, ele é muito melhor do que todos pensam. E dá-lhe cenas de treino: Adonis corre pelas ruas, pega galinhas para ganhar velocidade, treina onde dá. Tudo saído do início da série, em referências que o próprio filme escancara (“as galinhas estão ficando mais lentas”, reclama Rocky ante o desempenho do pupilo).

São poucas as surpresas — principalmente para quem assistiu ao trailer –, mas não importa. “Creed” é o tipo de filme que faz rir, chorar (sim, quem for do tipo que chora no cinema faz bem em levar uns lenços) e torcer por Adonis como se você o conhecesse há anos e ele estivesse disputando uma luta real. Michael B. Jordan é muito bom, mas o filme tem dois grandes trunfos: Sylvester Stallone, que foi aplaudido de pé ao ganhar o Globo de Ouro de ator coadjuvante, e Ryan Coogler, diretor de 29 anos em seu segundo longa — e que foi contratado nesta semana pela Marvel para dirigir “Pantera Negra”.

Ao receber o prêmio, Stallone disse que Rocky Balboa é seu melhor amigo. Parece verdade. Talvez o ator nunca faça outro papel tão bem, mas Rocky parece uma extensão dele. Quando criou Rocky, numa história já famosa, lhe ofereceram centenas de milhares de dólares pelo roteiro, desde que ele desse o papel do protagonista para outro ator. Stallone, tão azarão quanto seu personagem, não tinha cara de ator de Hollywood. Mas bateu o pé e ficou com o papel, que lhe rendeu uma indicação ao Oscar em 1977. Essa conexão com Rocky é visível. Stallone está super engraçado, comovente quando precisa, sem medo de rir de si mesmo e muito fofo — adjetivo talvez inusitado para Stallone, mas fazer o quê, é verdade. Os prêmios são merecidos. Rocky ainda é o cara.

Michael B. Jordan e Sylvester Stallone
Michael B. Jordan e Sylvester Stallone

Mas a principal arma do filme é Coogler, que também assina o roteiro. De vez em quando “Creed” coloca um pé no piegas, mas o diretor nunca o deixa ficar cafona. É um filme sobre um boxeador azarão, é um filme de amor, é um filme sobre pai e filho — tudo isso foi feito muitas e muitas vezes. Mas o diretor dá a sua cara ao negócio e deixa “Creed” um pouco diferente daquilo que já vimos. Adonis treina correndo na rua e batendo em sacos de pancada, mas também se coloca em frente à imagem de seu pai lutando com Rocky num telão, imitando seus movimentos, e trava lutas contra sua própria imagem num espelho. São cenas simples, mas esteticamente bonitas. A luta final, então, é demais. Dá pra se sentir dentro do ringue. É difícil explicar por que, mas “Creed” dá a impressão de que estamos vendo algo novo, apesar da história pouco original.

Ava DuVernay, de “Selma”, recusou a direção de “Pantera Negra” dizendo sentir que não conseguiria fazer dele um filme seu. Talvez ela esteja certa e seja mais difícil fazer algo diferente e colocar sua marca em franquias, em histórias que todo o mundo conhece. Mas Ryan Coogler mostra que pode dar certo. Pode dar muito certo.