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Crítica

O Frankenstein de Tarantino

“Os Oito Odiados” é uma grande reciclagem de ideias do próprio diretor.

Quentin Tarantino tem uma autoestima invejável. Em entrevista à revista “GQ” em dezembro, disse que queria ter mais Oscars de roteiro original que “qualquer um que já tenha vivido”. Quatro prêmios — um a mais que Woody Allen e dois a mais do que já tem — já seria o bastante. “E isso em dez filmes, para quando eu morrer eles nomearem o Oscar de roteiro original de ‘o Quentin’”, afirmou. Bem, se houver justiça no mundo, seu terceiro Oscar não virá de “Os Oito Odiados”. Seu principal problema, talvez, seja justamente o excesso de autoestima de Tarantino. Primeiro, faltam cortes ao filme — são três horas, o que por si só não é um problema, mas são três horas desnecessárias. Nem toda ideia do diretor merece estar na tela. E, mais importante, termina-se o longa com a sensação de já ter visto algo assim antes, na obra do próprio Tarantino. É uma grande reciclagem de ideias.

“Os Oito Odiados”, que estreia hoje (7), carrega um pouco de cada projeto de Tarantino. No filme, Kurt Russell é John Ruth, um caçador de recompensas que quer levar a prisioneira Daisy Domergue (Jennifer Jason Leigh) para ser executada e embolsar uma bela quantia. Uma nevasca, no entanto, faz com que ele tenha que interromper sua jornada e procurar abrigo numa hospedaria com outros sete homens, todos igualmente misteriosos e “odiosos” (melhor tradução para o título original, “The Hateful Eight” do que “odiados”).

Samuel L. Jackson é Marquis Warren, também caçador de recompensas; Walton Goggins é Chris Mannix, o novo xerife local; Tim Roth é o carrasco Oswaldo Mobray; Brude Dern é Sandy Smithers, general que lutou na Guerra Civil americana do lado dos Estados Confederados; Demián Bichir é o mexicano Bob, que cuida da hospedaria na ausência da dona; Michael Madsen é o caubói Joe Gage e James Parks é o cocheiro O.B, o único ali que parece não ter interesses escusos. Pelo menos é isso o que cada um diz ser, de cara dá para ver que não se deve colocar a mão no fogo por nenhum deles.

Como em “Cães de Aluguel”, todos ficam confinados no mesmo espaço, ninguém (nem o espectador) sabe quem é confiável ou não e, como é de praxe com Tarantino, muito sangue é derramado até o fim do filme. Nem as reviravoltas chegam a ser muito surpreendentes se você viu o primeiro trabalho do diretor. De “Django Livre”, o filme tem um pé no faroeste, boa dose de sadismo e os impropérios racistas. De “Pulp Fiction”, tem a estrutura, com uma divisão de capítulos que não respeita a ordem cronológica e histórias que se amarram no fim. Como “Bastardos Inglórios”, tem a vingança como um dos temas principais.

Samuel L. Jackson em "Os Oito Odiados". Crédito: Divulgação
Samuel L. Jackson em “Os Oito Odiados”. Crédito: Divulgação

Basicamente, “Os Oito Odiados” é um Frankenstein de outros longas de Tarantino. Isso não torna o filme ruim ou chato (é bom deixar claro: ele não é). Seu maior problema talvez tenha sido o excesso de cenas cortáveis, que não são nem essenciais nem particularmente boas. Edição é importante e saber cortar é quase tão essencial quanto saber fazer. O ponto alto: o filme é lindo (lindo mesmo, é uma pena que tenha “O Regresso” como forte concorrente ao Oscar de fotografia). Há imagens muito bonitas na neve, cada cor no figurino dos personagens tem razão de ser e as cenas são muito amplas, o que dá uma sensação bem teatral de estar vendo um palco inteiro, em que todos atuam o tempo todo. As performances, aliás, também são ótimas e ajudam a segurar até os momentos meio modorrentos. Jennifer Jason Leigh, a única mulher do filme (parece regra nessa safra de potenciais indicados ao Oscar), é maravilhosa — ameaçadora, mordaz e poderosa, apesar de passar o tempo todo presa –, Bruce Dern é demais mesmo falando pouco e Samuel L. Jackson é Samuel L. Jackson, ame ou odeie.

Mas nos filmes do cineasta a surpresa é importante e os finais tendem a ser impactantes. “Os Oito Odiados” é construído para ter o mesmo impacto, espera-se que você saia com aquela sensação de “uau” e, caso você já tenha visto um Tarantino na vida, dificilmente será um caso. Se você tiver que levar um só filme do diretor para uma ilha deserta ou colocar numa caixa para gerações futuras acharem, não é a melhor escolha. Todos os originais são melhores que a cópia.

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