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Cinema Crítica

‘Spotlight’ é o novo ‘Argo’

Um dos favoritos ao Oscar usa a cartilha certinha para levar a estatueta.

Quase seis meses antes do Oscar deste ano, ainda em setembro, um crítico da revista New York afirmou: “Spotlight” era o favorito a levar o prêmio de melhor filme. O tempo passou e o panorama continua parecido. Não dá pra dizer que o filme de Tom McCarthy esteja com a estatueta no bolso, mas se você quiser fazer uma aposta pouco arriscada, “Spotlight” é uma ótima opção. É, realmente, o típico filme pra Oscar: história real, elenco famoso (Michael Keaton, Rachel McAdams, Mark Ruffalo e por aí vai), personagens inspiradores. Não muito diferente de, digamos, “Argo” ou “O Discurso do Rei”, que carregam uma bênção e uma maldição: ok, levaram o Oscar, mas ninguém mais se lembra muito deles hoje. “Spotlight” tem cara de quem vai seguir o mesmo caminho.

Isso não quer dizer que o filme, que estreia na próxima quinta, não seja bom. Ele é. É pouco provavél que alguém saia arrependido por ter gastado duas horas do seu dia no cinema vendo “Spotlight”, o que é sempre uma vitória. Mas o filme não é essa coca-cola toda, apesar de ter uma nota de 97% no Rotten Tomatoes. Uma tese para explicar tanto confete: “Spotlight” foi feito sob medida para jornalistas. É aquele filme capaz de fazer um adolescente pensar “hum, talvez eu queira ser repórter”, que dá ao recém-formado a esperança de mudar o mundo com um texto e que faz repórteres e editores pensarem que, bem, talvez tenham escolhido a profissão certa. “Spotlight” é o sonho de quem trabalha em uma Redação.

 

Spotlight é o nome de uma equipe do jornal americano Boston Globe que existe desde a década de 1970 com liberdade para passar meses ou até anos investigando uma história, a fundo, sem ter que se preocupar com as notícias do dia em circunstâncias normais. Em 2001, em sua primeira reunião de pauta com os editores do jornal, o recém-chegado editor-executivo Marty Baron (Liev Schreiber) pede para que os jornalistas do Spotlight engavetem tudo o que estavam fazendo para se dedicarem a uma reportagem sobre um caso de pedofilia envolvendo um padre da cidade. Segundo uma colunista do jornal, um advogado local teria provas sigilosas de que o alto clero da Igreja Católica sabia e havia acobertado o escândalo. Baron quer essas provas para abalar o sistema.

Essa era só a ponta de um novelo desenrolado ao longo de meses pelos jornalistas Sacha Pfeiffer (Rachel McAdams), Michael Rezendes (Mark Ruffalo), Walter Robinson (Michael Keaton) e Matt Carroll (Brian d’Arcy James). A apuração começa com um padre e vai crescendo, crescendo, até que eles chegam a uma lista de quase 90 padres molestadores de crianças. Durante meses os repórteres conversam com vítimas, com advogados que tinham a dimensão do problema e ajudaram a empurrá-lo pra debaixo do tapete, procuram padres, esmiúçam documentos, vão a bibliotecas, fóruns, gastam a sola do sapato na rua e vão ao jornal nos fins de semana para continuar trabalhando, num esforço que rendeu mais de 600 histórias.

É o jornalismo dos sonhos: contar histórias relevantes, que façam diferença na vida das pessoas, com tempo para investigar de verdade. Em suas pesquisas, a equipe percebe que boa parte das pistas estavam disponíveis para todos, ali mesmo no jornal, em pequenas matérias picotadas escondidas nas páginas internas dos cadernos, pras quais ninguém deu muita atenção. As mesmas evidências que eles encontravam tinham sido enviadas anos antes para outros jornalistas do Boston Globe e ignoradas. Só que ninguém havia juntado as peças para formar o quebra-cabeças. Não foi um furo de reportagem que caiu no colo de alguém: foi fruto de muito trabalho, árduo e pouco glamouroso. Não à toa, os repórteres do Spotlight ganharam o Pulitzer. Suas reportagens mostram, basicamente, como o jornalismo é importante. É um filme que deve agradar todos os públicos, mas, nesse sentido, é especialmente irresistível para a crítica.

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Michael Keaton e Mark Ruffalo. Crédito: Divulgação
Michael Keaton e Mark Ruffalo. Crédito: Divulgação

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De certa forma, “Spotlight” lembra “A Grande Aposta”, outro filme que provavelmente disputará o Oscar. São duas boas histórias reais, com elencos enormes cheios de coadjuvantes e nenhum protagonista (e, ressalte-se, quase nenhuma mulher), sobre pessoas que olharam ao redor e entenderam a dimensão verdadeira de algo importante.

Mas “A Grande Aposta”, que conta a história de um grupo de pessoas que previu antes do mundo a crise econômica de 2008 e enriqueceu com isso, é mais original. Adam McKay, que foi roteirista do “Saturday Night Live” e diretor de “O Âncora”, consegue transformar uma crise difícil de entender em algo compreensível e engraçado. O diretor tenta fazer algo diferente, como colocar famosos em situações esdrúxulas para explicar termos econômicos (Margot Robbie numa banheira tomando champanhe, Selena Gomez num cassino…), personagens quebram a quarta parede e o filme todo é salpicado de cultura pop.

“Spotlight” é legal? Sim. É bem feito? Sem dúvidas. Conta uma história relevante? Definitivamente. O elenco é bom? Muito. Vale o ingresso? Com certeza. Mas é quadradinho. Pode até ganhar o Oscar, mas não é lá muito marcante.

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