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A crise de 2008 para leigos

‘A Grande Aposta’ é um filme político, quase educativo, sem ser chato

A certa altura de “A Grande Aposta”, alguém faz um comentário super complicado sobre economia e o personagem de Ryan Gosling diz algo como: “Esse papo faz você se sentir burro ou entediado? Bem, é esse o objetivo. Wall Street adora usar termos confusos pra você achar que só eles conseguem fazer o que fazem”. A crise de 2008, para quem não acompanhou com atenção ou estava mais preocupado com o nascimento dos gêmeos de Angelina Jolie e Brad Pitt e a greve dos roteiristas americanos, é um pouco assim. Todo o mundo sabe que ela aconteceu, alguns sabem mais ou menos como ela aconteceu e nem tantos sabem realmente como foi. “A Grande Aposta” desenha para você entender.

Baseado em um livro de Michael Lewis, cujos textos inspiraram também “O Homem que Mudou o Jogo” e “Um Sonho Possível”, o filme conta a história de alguns personagens reais que perceberam antes dos outros que a bolha imobiliária iria estourar e ficaram ricos com isso. Pela sinopse não parece, mas é uma comédia — afinal, o diretor é Adam McKay, de “O Âncora” e ex-roteirista do “Saturday Night Live” — e tudo é feito para facilitar. Quase um “a crise de 2008 para leigos”.

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Christian Bale em 'A Grande Aposta'
Christian Bale em ‘A Grande Aposta’

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O filme, que estreia em janeiro no Brasil, tem três núcleos principais que não conversam um com o outro. Christian Bale é Michael Burry, um investidor que trabalha descalço e de bermuda enquanto escuta rock num volume altíssimo, e o primeiro a perceber que a crise era inevitável por fazer algo que ninguém tinha feito antes: olhar o que estava acontecendo. Antecipando-se ao estouro da bolha, começou a apostar contra o mercado imobiliário, comprando em diferentes bancos uma espécie de seguro para caso as hipotecas que todos os americanos faziam não fossem pagas — para a alegria dos banqueiros, que acreditavam que o mercado imobiliário era o mais seguro de todos.

Ryan Gosling é Jared Vennett, funcionário de um banco que descobre o que Burry está fazendo, vê que aquilo tudo faz sentido e leva a informação para Mark Baum (Steve Carell), que também começa a apostar contra o mercado. Por fim, dois jovens investidores (Finn Wittrock e John Magaro) leem o plano de Vennett e também entram na jogada, com a ajuda do ex-banqueiro Ben Rickert (Brad Pitt, produtor do filme). Os protagonistas fazem uma aposta arriscada e é normal torcer para que eles vençam. Só que como Rickert aponta, se eles ganharem boa parte do país vai perder suas casas, suas economias, suas aposentadorias. Não tem mocinhos ali.

É possível entender a trama com zero conhecimento de economia, até porque McKay é didático. Depois de algumas cenas mais complexas, celebridades aparecem em diferentes situações explicando os termos para leigos. Margot Robbie (“O Lobo de Wall Street”) toma um banho de espuma enquanto toma champanhe, Selena Gomez joga blackjack num cassino e Anthony Bourdain reaproveita peixes velhos em seu restaurante enquanto explicam conceitos de economia. Mas como a explicação vem depois das cenas complexas, ajuda ir para o cinema com uma base mínima do que aconteceu.

Em termos bem (bem) simples, o que Burry descobre é que muita gente havia financiado suas casas nos Estados Unidos sem ter condições de arcar com empréstimos. Os bancos americanos juntavam diversas hipotecas em pacotes com vários níveis de risco e as vendiam para investidores. As mais seguras rendiam menos juros, mas mesmo assim tinham um retorno bom. Empolgados, começaram a emprestar mais e mais dinheiro para quem quisesse comprar casas, mesmo sem entrada ou garantias de que essas pessoas pudessem pagar. Burry percebeu que isso não poderia durar e investiu mais de 1 bilhão de dólares num seguro contra a inadimplência. Enquanto o calote não acontecesse, ele deveria pagar altos prêmios aos bancos. Mas quando a bolha finalmente estourasse, ele ficaria rico.

O que aconteceu todo o mundo já sabe: Burry estava certo, cada vez mais pessoas deixaram de pagar seus empréstimos e entregaram suas casas aos bancos, a oferta de imóveis cresceu, o valor de cada um deles caiu, bancos e investidores se viram com um monte de batatas quentes nas mãos e a economia quebrou. No fim das contas, o governo americano salvou os bancos da falência, deixando a população que perdeu tudo arcar com as consequências. Os protagonistas do filme se dão bem, mas não tem final feliz.

Imagens reais (fotos, clipes musicais, vídeos) são misturadas às descobertas devastadoras que os personagens fazem: casas abandonadas por pessoas que não conseguiram pagar suas dívidas, gente com vários empréstimos ao mesmo tempo, vendedores inescrupulosos de hipotecas, que nem se preocupavam em explicar as cláusulas aos clientes, agências de risco que avaliavam investimentos de risco como seguros. Havia problemas em todas as engrenagens do sistema e, sete anos depois, muita gente já se esqueceu deles. McKay não quer que as pessoas se esqueçam. É um filme político, quase educativo, mas sem ser chato.

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