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Ascensão, queda e evolução dos trailers

Uma ameaça, uns super-heróis capazes de enfrentar a ameaça, os socos, pontapés e explosões que acontecem nesse enfrentamento e uma frase espertinha no final. Poderia ser a descrição do trailer de vários filmes de super-heróis — e é. De acordo com Dana Polan, professor do departamento de cinema da Universidade de Nova York, essa é uma das receitas para as prévias de blockbusters de ação. A semelhança entre trailers lançados numa mesma época não é mera coincidência: cada época tem seu tipo. Muita coisa mudou desde o nascimento dos trailers, por volta de cem anos atrás – com as mudanças tecnológicas e socioculturais, transformou-se não só a forma como eles são produzidos e consumidos, como também sua cara.

Segundo Polan, os trailers parecem ter começado por volta do meio da década de 1910 — é difícil precisar a data e definir qual foi o primeiro filme a usar esse tipo de vídeo curto para promover seu lançamento. No início, eram exibidos depois do filme no cinema, e foi daí que nasceu seu nome, já que um dos significados da palavra “trail”, em inglês, é vir em seguida. Os pequenos filmes mostravam alguns trechos importantes do longa, dando ênfase para cenas de ação ou romance, com um aviso de “em breve no cinema”. No início, os trailers serviam como propaganda não só para o filme como também para a indústria cinematográfica. “Eles diziam: ‘Olhem como é dinâmico o mundo dos filmes! Você realmente quer perder isso?’”, diz Polan, lembrando a presença de grandes letreiros e efeitos ópticos que marcavam os trailers até os anos 1950.

Entre os anos 1930 e 1950, as prévias destacavam o elenco. “Enfatizavam muito o nome da estrela e, em segundo lugar, como seu personagem se encaixava no filme sendo promovido. Em outras palavras, não era a trama que era vendida, e sim como a estrela aparecia no filme”, afirma ele. Para Keith Johnston, autor do livro “Coming Soon: Film Trailers and the Selling of Hollywood Technology”, sem edição em português, até 1930 ainda estavam sendo testadas estruturas e diferentes estéticas para os trailers, resultando em vinhetas mais experimentais. Durante os anos 1920, havia três grandes tipos de trailers: os curtos, com menos de um minuto, o título do filme e algumas fotos; os regulares, de um a dois minutos, com o título, animações e uma ou duas cenas; e os de luxo, com dois a três minutos de duração e cenas do filme.

Alexander S. Davis, doutorando do departamento de cinema da Universidade de Nova York, diz que as tendências nos trailers acompanham a evolução da tecnologia no cinema. “Se os trailers são feitos para mostrar o que há de mais único e valioso em um filme, as inovações na tecnologia (uso de widescreen, 3D, efeitos especiais etc.) devem impactar o modo como eles são construídos”, diz. “Com o widescreen os filmes passaram a ser um espetáculo de imagem e os trailers poderiam focar nas grandes paisagens em vez de na narrativa ou no filme em si. Quando essa tecnologia envelhece, os trailers voltam a ser propagandas da narrativa.”

[citacao credito=”Alexander S. Davis” ]Se os trailers são feitos para mostrar o que há de mais único e valioso em um filme, as inovações na tecnologia (uso de widescreen, 3D, efeitos especiais etc.) devem impactar o modo como eles são construídos[/citacao]

Johnston dá outro exemplo. Com a chegada do som ao cinema, começou uma nova tendência, com um mestre de cerimônias apresentando o filme, caso do trailer de “The Jazz Singer”, de 1927. Quando ficou comum ter som no filme e a edição de sons ficou mais sofisticada, aumentou o balanço entre letreiros, cenas, música e narração — o que ficou conhecido como o estilo “clássico” dos trailers.

“Não estou dizendo que a tecnologia ajuda o trailer a evoluir — porque isso não é uma questão de evolução, e sim de tentativa e erro por parte da indústria. Mas há momentos claros em que novas tecnologias forçam ou encorajam produtores de trailers a experimentar”, diz Johnston. Até os anos 1960, o monopólio da produção de trailers estava nas mãos da National Screen Service, que produzia as prévias de modo industrial, com uma fórmula um pouco parecida. Letreiros que contavam um pouco da história e faziam promessas como “se você busca aventura, vai encontrar neste filme”, um narrador, algumas cenas não muito reveladoras do filme e apresentação do elenco e personagens — como o caso de “Casablanca”.

AGILIDADE

Nos anos 1960, começaram a aparecer outras empresas, como a Kaleidoscope, mais dispostas a experimentar. Andrew J. Kuehn, que fundou a companhia em 1968, produziu mais de mil trailers, incluindo os de “Tubarão”, “E.T” e “Star Wars”. Seus trailers eram mais ágeis, ainda com a presença de narração — mas narradores com mais personalidade –, bastante música e que contavam a história por meio de cenas, abrindo mão dos letreiros explicativos. Em uma entrevista citada pela revista Variety em seu obituário, Kuehn afirmou: “Um trailer tem um objetivo: levar o público das suas casas para uma sala de cinema. Para fazer isso você tem que gerar um senso de urgência. No processo de chegar a esse ritmo avançamos o estilo de edição. Realmente forçamos os limites do que o público poderia aceitar”.

Com o sucesso de franquias e blockbusters como “Star Wars”, os estúdios passaram a querer ter mais controle sobre seus trailers, afirma Polan. O lançamento de um filme passou a significar também a venda de outros produtos: livros, quadrinhos, brinquedos, e depois vídeos. “A partir dos anos 1970 cada vez mais a qualidade e a cara dos trailers passou a ficar nas mãos dos estúdios e seus diretores, para que o trailer fizesse parte do mesmo universo narrativo que o filme”, diz ele.

Populares anos atrás, as narrações viraram tão clichê que hoje são mais usadas por comédias que querem tirar um sarro — ou por vídeos engraçadinhos como os do Honest Trailers, que mostrariam “a realidade” do filme. “Agora estamos num momento em que montagens estão mais populares, com menos coisas escritas e narrações. Mas é provável que isso mude de novo, com trailers como os de ‘Magic Mike XXL’ e ‘Independence Day: Ressurgence’ mostrando que letreiros estão crescendo em popularidade novamente”, palpita Johnston.

ERA DA INTERNET

A internet representou outra grande mudança no universo dos trailers. “Ela definitivamente mudou a forma como consumimos trailers. Agora há múltiplos trailers lançados para construir interesse, teasers lançados muito antes do filme para garantir que ele estará na cabeça das pessoas desde já, e trailers que podem mostrar violência, sexo e palavrões que cinemas não podem, prometendo aos espectadores um reflexo mais preciso do filme”, diz Davis. Para ele, embora a internet não tenha mudado muito a cara dos trailers, agora são produzidos vídeos especificamente para o consumo na internet, perfeitos para serem pausados e analisados.

Quando os trailers só existiam na sala de cinema, eram um aviso de que o lançamento do filme estava próximo. Na internet, divulgar um trailer novo não tem necessariamente como objetivo principal tirar alguém de sua casa para comprar um ingresso. É o caso do sétimo episódio de “Star Wars”: muita gente já queria ver o filme quando ele foi anunciado. O primeiro trailer não convenceu as pessoas a ir ao cinema, só as deixou com mais vontade de ir.

“Muitos blockbusters lançam trailers um ano antes do filme. O trailer não faz com que ninguém fique pronto pra ir no cinema no ano seguinte, mas aumenta o reconhecimento e a antecipação e torna o filme uma parte da conversa cultural que as pessoas têm. Provavelmente os filmes menores, independentes, se beneficiam mais dos trailers [como estratégia para atrair público]”, diz Dana Polan. “Trailers são ferramentas inestimáveis para contar as pessoas que seu filme existe e merece ser visto, mas são de alguma forma supérfluos na era da internet, em que a expectativa é cultivada pela discussão online”, concorda Alexander S. Davis.

Já vemos na internet várias versões de um mesmo trailer — teaser, versão internacional, trailer 1, trailer 2 –, mas segundo o livro “Promotional Screen Industries”, de Paul Grainge e Cathy Johnson, o número é muito maior e mais de 200 versões são feitas para um blockbuster moderno. Os estúdios encomendam diversas opções e as versões que chegamos a ver compilam os trechos favoritos do estúdio. Como blockbusters dependem muito do fim de semana de estreia, a expectativa do público tem que ser a maior possível, e por isso diferentes versões de um trailer, com uma ou outra cena diferente, são lançadas. Cada vídeo novo contribui para os comentários na internet — gerando muita propaganda gratuita, segundo Keith Johnston.

De acordo com uma de suas pesquisas, mais de 60% das pessoas têm a internet como fonte primária de trailers. “O que é interessante é que essas pessoas estavam quase sempre procurando um trailer específico — não apenas vendo o que estava pra estrear — ou respondendo a recomendações que viram nas redes sociais. As pessoas veem os trailers como parte de suas interações sociais, compartilhando e discutindo, querendo estar atualizadas e também mostrando suas preferências”, conta.

SPOILER?

Com tanta quantidade de informações sobre um filme disponível na internet anos antes de seu lançamento, os trailers já não precisam apresentar personagens, atores e elementos básicos da trama como as prévias de antigamente. Uma reclamação comum hoje, aliás, é que os trailers revelam demais da história e estragam as surpresas do filme. Tanto que Zack Snyder, diretor de “Batman v. Superman” teve que garantir aos fãs que seu trailer não contou a trama toda. “É legal que eles achem que é demais e aprecio o fato de que as pessoas não querem saber, mas tem muita coisa que eles não sabem. Muito do filme não está ano trailer”, disse ele à MTV.

Segundo Polan, um produtor de trailers foi a uma aula de sua mulher, professora de publicidade, e disse para um estudante que é “óbvio que trailers revelam muito do enredo”. “Precisamos fazer com que você queira ir ver o filme. Damos muitas informações, mas sabemos que isso vai fazer com que você vá ao cinema. Se você comprar seu ingresso e sair achando que tudo estava no trailer a gente não liga. Nosso objetivo é levar você à sala de cinema, não o que acontece depois que você vê o filme”, disse ele.

Ele vai além e diz que vivemos uma cultura de repetições e que estamos dispostos a ver tudo mais de uma vez. Assim, tanto faz se já sabemos a história toda do filme ou não. Esse seria o “efeito spoiler”, segundo Davis. Segundo uma teoria psicológica, as pessoas tendem a gostar mais de um filme ou de uma série de TV se sabem o que vai acontecer. “Fazendo com que você saiba demais sobre um filme antes de vê-lo, um estúdio pode fazer com que você goste mais dele, o que vai te levar a recomendá-lo para seus amigos. Mas é incrivelmente especulativo, apesar de ser uma teoria que eu adoro”, afirma ele.

[citacao credito=”Keith Johnston” ]O desafio é: o que é informação demais? Isso varia drasticamente de pessoa pra pessoa — então como você decide? Provavelmente você opta por algo no meio do caminho[/citacao]

Além disso, ressalta Johnston, não dá para saber se um trailer revelou demais antes de ver o filme pronto. “O clipe dos velociraptors correndo ao lado do Chris Pratt em ‘Jurassic World’ — eu vi aquilo no trailer e em outros vídeos sobre o filme. Estragou a experiência pra mim? Não, porque é legal visualmente, mas o filme não é sobre isso”, opina. “O desafio é: o que é informação demais? Isso varia drasticamente de pessoa pra pessoa — então como você decide? Provavelmente você opta por algo no meio do caminho, o que significa que você vai irritar algumas pessoas por mostrar demais e outras por não contar o suficiente.”

Embora exista uma fundação que guarda 60 mil trailers — disponíveis para consulta presencial em Los Angeles, na coleção do Packard Humanities Institute –, Johnston ressalta que eles não estão na maior parte dos arquivos de filme, e que quando estão não são prioridade para restauração. “É uma perda real para a história do cinema. Há lacunas que nunca serão preenchidas, o que reduz a possibilidade de mostrar o verdadeiro escopo dos trailers que existiram nos últimos cem anos”, diz ele. “Há mais pesquisa para se fazer sobre trailers? Com certeza. Só alcançamos a superfície.”