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Cinema

‘O Filho de Saul’ torna horror palpável

Quando “O Filho de Saul” começa, as imagens que se vê são bem desfocadas. O espectador desavisado logo percebe que não é um problema do projetor, e sim uma escolha do diretor estreante László Nemes. Só vemos com clareza o rosto do protagonista, Saul (Géza Röhrig), e aquilo que ele enxerga próximo a ele. Os horrores do campo de concentração em que ele vive ficam nublados, não vemos rostos dos mortos, só um grande borrão de corpos misturados. Houve quem dissesse que, assim, só a dor do protagonista importasse. Houve quem achasse a falta de identidade dos mortos ainda mais incômoda do que conhecê-los. Mas mesmo que não se veja muito, dá para ouvir tudo que se passa, sentir o desespero de Saul e o horror da situação.

No filme que estreia hoje (4), Saul faz parte de um grupo de judeus que ganha alguns meses de vida a mais ao trabalhar para os nazistas nos campos de concentração. Em Auschwitz ele é responsável por tarefas como limpar câmaras de gás, recolher os pertences das roupas dos mortos, cremá-los e jogar suas cinzas no rio. Ver os corpos como uma massa anônima e borrar o cenário que o rodeia parecem ser formas que Saul encontra para desempenhar seu trabalho.

Sua rotina muda, porém, quando um menino sobrevive ao gás e, asfixiado por um médico, é encaminhado para uma autópsia para que se descubra como ele não morreu na câmara. Saul reconhece naquele menino seu filho e ele resolve roubar o corpo para enterrá-lo de acordo com os preceitos da religião. Pegar o corpo não é fácil, achar um rabino é menos ainda e encontrar um rabino disposto a ajudá-lo é quase impossível. Mas Saul não desiste da missão e no curto período de tempo em que o filme se passa ele atravessa o campo inteiro — mostrando seu funcionamento como uma fábrica, pouco visto em outros filmes — em busca de uma saída.

Enquanto Saul procura um rabino, seus colegas preparam uma fuga, com a ajuda de um grupo de mulheres que trabalham nos campos e lhes fornecem pólvora — evento que aconteceu na vida real em 1944. O problema é que Saul está mais preocupado com o corpo do filho, já morto, do que com a possibilidade de um grande grupo de homens escapar com vida dali. Nenhum deles é tratado como herói, nenhuma missão é apresentada como superior.

Favorito ao Oscar de filme estrangeiro, “O Filho de Saul” pode se juntar a tantos outros vencedores de prêmios da Academia que falam sobre a Segunda Guerra (“O Pianista”, “O Leitor”, etc. etc.). Porém, como “Phoenix”, um dos melhores filmes do ano passado, seu olhar sobre a época é mais original do que se espera de um filme sobre o Holocausto. Não só a câmera fica próxima do protagonista o tempo todo como a proporção da imagem é pouco usual, praticamente quadrada, o que deixa tudo mais claustrofóbico e incômodo de ver. O filme se concentra no drama de uma pessoa só, mas ganha força em vez de perder. O espectador se sente na pele de Saul e, apesar de o horror ser menos gráfico que em outros filmes, poucas vezes ele foi tão palpável.