Marcada por superações, a história do lutador José Aldo da Silva Júnior é daquelas que daria um filme. O campeão das artes marciais mistas, o MMA, venceu sua origem pobre e seu núcleo familiar violento para virar estrela do UFC, evento mundial mais importante da modalidade, em 2010. Seis anos depois, veja só, sua trajetória deu em filme mesmo: “Mais Forte que o Mundo”, de Afonso Poyart (diretor de “Presságios de um Crime”, com Anthony Hopkins), que estreia nesta quinta (16).
É bem verdade que o cinema brasileiro carecia de filmes “de lutador”, levando em conta que somos um “celeiro de craques” do UFC. Em conversa com jornalistas após a pré-estreia, Claudia Ohana até se confundiu: “É o primeiro filme de lutador brasileiro, não é? Para mim, ao menos, é”. Não é, embora seja a produção sobre esse universo mais relevante desde o documentário “Anderson Silva: Como Água”, de 2011. Com o bônus de abordar causas sociais pertinentes: o rincão amazonense nem sempre retratado no cinema, a violência doméstica, a pobreza.
A história começa com um jovem José Aldo, interpretado por José Loreto, frequentando aulas de jiu-jitsu de dia e se divertindo com amigos à noite. A Manaus em que vive é retratada de maneira sombria, e isso nada tem a ver com as chuvas equatoriais diárias — mesmo porque a locação real é a cidade de Santos, berço do diretor. É lá que habitam os demônios de José Aldo: o pai alcoólatra, que espanca a mãe, o inimigo da juventude que humilha sua família.
O tempo abre com sua chegada ao Rio de Janeiro, marcada por uma fotografia mais iluminada. Lá um antigo amigo, interpretado por Rafinha Bastos (uma “escolha polêmica”, como reconhece o diretor), lhe arranja estadia na academia de Dedé Pederneiras, papel de Milhem Cortaz. Para retribuir a hospedagem, o rapaz trabalha na limpeza e espera pelo dia em que o treinador lhe aceitará como pupilo. A semelhança com “Karatê Kid” vira até piada em cena.
O garoto finalmente chama a atenção de seu professor ao se meter em uma briga na lanchonete onde faz bicos por tentar proteger Vivianne Oliveira, par romântico de José Aldo, vivido por Cleo Pires. O casal se apaixona durante as aulas de muay thai da moça, o que ilustra bem a relação vindoura de intensidade e atritos. A partir daí, a jornada do herói foca mais em sua construção e conflitos que em seus feitos.
A certa altura, a personagem de Thaila Ayala, namorada do esportista e amigo Tony Mendigo (interpretado por Felipe Titto), diz: “Bom lutador é aquele que sabe brigar consigo mesmo”. A metáfora que dá forma ao conflito psicológico do protagonista surge logo no início do filme, com uma história de seu pai, que adora contar parábolas. Uma delas discorre sobre o abate de um boi por uma sucuri: o mamífero não percebe a serpente se esgueirando enquanto bebe água. A cobra sorrateiramente envolve sua presa, que, quando se dá conta, já é tarde demais.
José tem de lidar constantemente com a figura paterna em sua vida. A atuação de Jackson Antunes como o pai, inclusive, é brilhantemente delicada: não é vilão, mas também não é um herói. O nome não é o único atributo que José Aldo herda do progenitor, um dos principais responsáveis pela raiva destemperada do filho, ao mesmo tempo em que é apontado pelo atleta como seu “maior incentivador”. O ódio é um sentimento dicotômico, a gasolina que pode ser combustível para o sucesso ou explosivo para o fracasso. Essa é preocupação de seu treinador: “Você gosta de brigar, eu quero te ensinar a lutar”. Será José Aldo o boi ou a sucuri?
O diretor calcula que “cerca de 30%” da trama foi inventada. A personagem de Paloma Bernardi, por exemplo, é um dos recursos fictícios usados. A garota é meio amiga, meio caso adolescente do protagonista e serve como ponte entre ele e seu passado. Do lado da realidade, fica a boa ideia de usar o cinturão real na cena de seu triunfo no UFC, artigo emprestado do próprio lutador.
O elenco reúne nomes conhecidos, inclusive em papéis menores, como o humorista Robson Nunes e os atores Thaila Ayala, Jonathan Haagensen e Felipe Titto. As personagens femininas têm importância na trama e são fortes, não tolerando os abusos que sofrem.
O filme tem a intenção de ser um “divisor de águas na carreira de José Loreto”, como profetiza o colega Jackson Antunes. Primeiramente oferecido a Malvino Salvador, a expectativa é de que o papel principal transforme o ator — apesar de pálido demais para viver o manauara— em mais que um rostinho bonito. A direção de Poyart traz a característica violência já conhecida em “2 Coelhos”, com cenas de brigas bem coreografadas, perseguições em automóveis e embates no octógono. O filme funciona em várias camadas: a ação, o romance, o drama. Quem vai ao cinema para assistir a um filme “de lutador” sairá da sala mais que satisfeito.