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Por que ‘O Alquimista’ é um fenômeno nos EUA?

Ninguém admite ter lido, mas o livro ainda é best seller nos EUA. Como pode?

“O Alquimista”, de Paulo Coelho, é um livro curioso. Quase todo o mundo diz que odeia, pouca gente diz que leu. Mas muita gente comprou e ainda compra o livro — pelo menos nos Estados Unidos. Entra semana, sai semana, o livro de Coelho aparece na lista de mais vendidos do jornal The New York Times. Em outubro, completou oito anos na lista, feito que nenhum outro escritor alcançou. Na versão mais recente, da primeira semana de novembro, “O Alquimista” ainda está lá, rondando o top 10 em exemplares vendidos, como na semana anterior, na anterior, na anterior… Paulo Coelho seria o Romero Britto das letras: criticado aqui, sucesso lá.

Mas “The Alchemist” é um livro realmente curioso: embora continue vendendo bem nos Estados Unidos, achar algum estudioso de literatura brasileira no país que se dispusesse a falar sobre ele foi tarefa dificílima, com zero porcento de aproveitamento. De um professor na Universidade da Flórida: “Ontem uma estudante do Equador disse que tinha o livro e o havia lido. Posso relatar uma história de quando conheci Paulo Coelho (um jantar na casa dele). Ele me perguntou: ‘Você não leu meus livros, né?’. E eu respondi: ‘Não’. Ele continuou: ‘Não importa’. Não estudo muito ficção, muito menos o Senhor Rabbit. E se você tiver algo a ver com a Rede Globo: não, obrigado”.

Uma professora do Novo México, indicada pelo professor da Flórida, também não podia falar. “Não sou especialista em Paulo Freire”, lamentou. Outro estudioso foi bem sincero: “Não tenho muito interesse nem experiência com a obra do Paulo Coelho. Boa sorte no seu projeto!”. Mais uma negativa na sequência, de uma professora também da Flórida, mais detalhada: “Não falo sobre Paulo Coelho porque considero que seus livros são de autoajuda, mal escritos e mal traduzidos. Sei que um professor de religião que trabalhava aqui e usava Paulo Coelho como um profeta da saúde e da riqueza individual na ascensão da crise econômica e da cultura neoliberal. Como Jonathan Livingston Seagull, acho que o trabalho de Coelho é popular porque oferece às pessoas respostas fáceis para as perguntas difíceis da vida. É isso pra mim”.

Em entrevista ao UOL, o próprio Paulo Coelho tampouco foi muito esclarecedor ao tentar explicar o sucesso do seu livro nos Estados Unidos. “Acho que a história do ‘Alquimista’ é a história de todos nós. Descontadas as diferenças culturais, somos muito parecidos em nossas emoções”, disse, sucinto. Para tentar entender o que é que esse livro tem, a única alternativa possível foi deixar de ser uma pessoa que fala mal de Paulo Coelho sem ter lido seus livros e virar uma pessoa que fala de Paulo Coelho com conhecimento de causa. É uma transformação rápida: “O Alquimista”, mesmo em inglês, é daqueles livros que se lê em poucas horas.

Como numa fábula, a trama é simples, os personagens — salvo pouquíssimas exceções — não têm nome próprio (são “o menino”, “o inglês”…) e o que mais importa é a mensagem. Santiago é um pastor que tem um sonho recorrente com as pirâmides do Egito. Um dia, encontra um velho que lhe conta sobre a missão pessoal de cada um, aquilo que sonhamos em fazer, mas que costumamos deixar pra lá pelas pressões da vida quando crescemos. A missão de Santiago seria encontrar um tesouro nas pirâmides. Ele tem, então, duas opções: continuar com seu rebanho e levar uma vida previsível, cansando-se de tudo em alguns anos, ou jogar tudo pro alto e ir para o Egito atrás de sua missão. Não parece uma tarefa fácil, mas se você for atrás de seus sonhos, diz o livro, o mundo te ajudará a chegar lá.

Para que o livro continue, Santiago, é claro, escolhe ir para o Egito. É nessa jornada que encontra o tal alquimista do título, que o ajudará a terminar sua jornada e o ensinará lições sobre o mundo e a vida — mas não sobre como fazer ouro, pois essa não é a missão de Santiago. Em síntese: vá atrás dos seus sonhos e tudo aquilo que você deseja pode se tornar realidade se você se empenhar e souber ouvir os sinais que o universo te dá. Paulo Coelho estica a fábula por páginas e páginas, mas a moral é bem conhecida: se você quiser muito que algo aconteça, o universo vai te ajudar. Com força de vontade, tudo é possível.

Não chega a ser um livro tão ruim, mas tanto a forma quanto o conteúdo são tão, tão simples, que “O Alquimista” faz mais sentido para crianças, como historinha para ser lida antes de dormir com uma lição de moral otimista. No prefácio do livro, numa edição comemorativa, Paulo Coelho diz que “O Alquimista” não vendeu muito no início. Lentamente, com o boca a boca, os números começaram a crescer. Nos Estados Unidos, a febre começou quando Bill Clinton foi fotografado segurando um exemplar. Depois, celebridades como Will Smith começaram a citá-lo como um de seus livros favoritos.

Escolher “O Alquimista” como livro preferido é uma resposta de miss, estilo “desejo a paz mundial”. Você passa uma imagem de quem tem um bom coração. “O Alquimista” é um incentivo ao sonho americano de “se você trabalhar você chega lá”, uma antecipação de fenômenos de autoajuda como “O Segredo”, mas em roupagem de literatura. Ao escrever uma fábula, Paulo Coelho fez um livro motivacional com menos estigma do que um “Quem Mexeu no Meu Queijo” e que não fica datado — fábulas não envelhecem. Não é um livro estudado por acadêmicos, ou o livro que você vai deixar em cima da mesa pra impressionar seus convidados, mas é fácil de ler e, se você estiver nesse espírito, reconfortante. Respostas fáceis para questões difíceis, como disse uma das professoras que não quis dar entrevista. Quem não quer isso? Por isso, semana que vem, pode apostar, “O Alquimista” ainda estará na lista dos mais vendidos.

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