Logo de cara, na abertura, “Deadpool” mostra que, sim, você vai ver um filme de super-herói — apesar da insistência do protagonista em dizer que não é herói coisa nenhuma –, mas um filme que não se leva a sério e está ciente de todos os clichês por trás do gênero. “Deadpool” não tem músicas épicas, olhares dramáticos para o vazio, lágrimas ou a mensagem de que com grandes poderes vêm grandes responsabilidades. Nos créditos iniciais, o filme anuncia “uma garota gostosa”, “uma adolescente geniosa”, “um personagem feito digitalmente”, “um vilão britânico”, “uma participação especial gratuita”. Sim, está tudo lá, mas pelo menos o filme tira um sarro.
Do ponto de vista de alguém que nunca tinha ouvido falar em Deadpool até ver o trailer, é refrescante poder ver um filme da Marvel sem precisar estar em dia com uma penca de outros longas (é bom ver o primeiro “Capitão América” antes do primeiro “Vingadores” e ver o segundo “Vingadores” antes do terceiro “Capitão América” e por aí vai num grande loop). Os X-Men aparecem de leve, mas dá para entender a história toda sem saber quem é Mística ou Ciclope — apesar de que uma boa piada com as diferentes versões do Professor Xavier se perde se você não souber absolutamente nada sobre os mutantes no cinema.
Em tempos em que o Homem-Aranha ganha uma terceira cara em menos de 15 anos, qualquer novidade é bem-vinda. E “Deadpool” é cheio de pequenas novidades. Para começar, como em todo filme que apresenta um herói, há uma história de origem (a aranha radioativa, a chegada de Clark Kent à Terra… Wolverine ganhou um filme inteiro sobre seu passado), mas que só vem depois de já termos conhecido Deadpool e ligarmos minimamente para ele. Já sabemos que Deadpool, interpretado por Ryan Reynolds, é bocudo, convencido e vingativo quando conhecemos Wade Wilson, um mercernário que passa por um tratamento experimental para curar um câncer e ganha uma habilidade de cura rápida e uma aparência pouco atraente.
Wilson não tem intenções honradas nem a menor vontade de se juntar aos X-Men para combater o mal e salvar o mundo. Sua motivação é encontrar o homem que o deixou assim (o tal vilão britânico, papel meio canastrão de Ed Skrein) para que ele recupere sua cara normal e possa voltar para a namorada, a prostituta Vanessa (Morena Baccarin, que nos faz esquecer de que um dia já foi a chatíssima Jessica Brody de “Homeland”).
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Vanessa, aliás, é um capítulo à parte. Deadpool, que também narra o filme e conversa o tempo todo com o espectador, diz em certo ponto algo como “os homens no cinema devem ter convencido as namoradas a ver o filme falando que era uma história de amor”. Uma história de amor é completamente desnecessária para levar uma mulher ao cinema. Mulheres também gostam de quadrinhos, filmes de ação e super-heróis. O problema é a ausência de boas personagens femininas nos filmes do gênero (cadê o filme da Viúva Negra? É capaz de o Gavião Arqueiro ter um longa solo antes dela).
Ao lado de outras personagens femininas menores Vanessa cumpre esse papel em “Deadpool”. Mesmo quando é colocada na posição de vítima ela parte para a ação e não deixa Deadpool resgatá-la sozinha. Ela não é a mocinha perfeita e inatingível, não é a Mary Jane do “Homem Aranha”, nem a Rachel de “Batman Begins” (um Google foi necessário para lembrar o nome da personagem de Katie Holmes no filme, de tão pouco memorável), e sim alguém que poderia perfeitamente existir no mundo real, com seus defeitos e qualidades.
“Deadpool” não é perfeito porque é tão piadista que às vezes exagera na dose. Ryan Reynolds já tinha feito uma piada consigo mesmo, citando seu fracasso em “Lanterna Verde”, quando faz um comentário sobre o fato de que o ator é mais conhecido pelo rostinho bonito do que pela atuação. Ok, já entendemos que vocé capaz de rir da própria cara. Mas às vezes o filme parece querer ser engraçado demais, fazendo uma piada atrás da outra só para mostrar que consegue. “Deadpool” é tão pop e tão frenético que parece saído de um fórum na internet.
É uma referência atrás da outra, do começo ao fim — na última cena, depois dos créditos, “Deadpool” remete a “Curtindo a Vida Adoidado”, de 1986, um filme “muito, muito velho”, segundo um adolescente que saía da sala de cinema impressionando o amigo por ter captado uma referência tão cult (já eu, por outro lado, não reconheci Stan Lee — a participação especial gratuita anunciada no início. Tem citações para todos os gostos).
O filme era um projeto caro a Ryan Reynolds, que batalhou por anos para conseguir fazê-lo. Foi só quando uma cena teste vazou na internet e empolgou os fãs que o estúdio resolveu de fato fazer o filme, com um orçamento menor do que produções como “Os Vingadores”. E a aposta deu tão certo que o filme bateu o recorde de bilheteria nos Estados Unidos para a estreia de um filme em que menores de 17 anos devem entrar acompanhados, arrecadando 132,7 milhões de dólares de sexta a domingo. É uma prova de que dá para fazer filmes de heróis diferentes do molde tradicional. Dá para fazer humor, dá para inovar na trilha sonora (que tem de George Michael a Salt-N-Pepa), dá para ter bons personagens femininos, dá para ter um herói que não seja um machão, dá para fazer com menos dinheiro e mesmo assim ser um sucesso.