Tem ares de contos de fadas, mas é assim que a Escola de Caligrafia De Franco, em São Paulo, nasceu, cem anos atrás, conta o professor Antônio De Franco. Sua trisavó, Ida, nasceu numa família nobre na Itália. Apaixonou-se por um plebeu e, sem poder se casar com ele lá, veio para o Brasil na década de 1880 para poder ficar com ele em paz.
Aqui, ensinou a cada um de seus filhos uma arte. A Antônio coube a caligrafia. Sozinho, fundou em 1915 uma pequena escola no centro de São Paulo, na rua General Osório, para passar o conhecimento adiante.
Nos anos 1980, a escola mudou de lugar, passando a funcionar em uma casa ao lado do shopping Eldorado, em Pinheiros, zona oeste da cidade. De resto, tudo continua praticamente igual, como se o tempo tivesse parado por ali. As aulas são ministradas pelos herdeiros de Antônio — Flávio, seu neto, e Antônio, bisneto –, o método continua o mesmo e reina na casa um clima familiar. Não há, por exemplo, recepcionistas. Quem atende o telefone são os próprios professores, que se sentam à porta da casa e se dividem entre dar aulas, corrigir lições e atender aos interessados que tocam a campainha para perguntar se é ali mesmo que se ensina caligrafia.
Diante do espanto com o fato de ainda existir procura pelas aulas numa época em que as pessoas escrevem tão pouco à mão, Antônio — altíssimo, vestindo roupa social — sorri e afirma que o movimento continua firme e forte.
“A escrita é uma forma de apresentação pessoal. Do mesmo jeito que alguém se destaca por falar bem, é preciso saber se comunicar pela escrita”, diz. “Um tablet ou um computador são ótimos. Mas para nos auxiliar, nunca nos substituir. A tecnologia vai acabar com a escrita? Acho que seria um retrocesso. Deixaríamos de ter uma capacidade para que uma máquina fizesse algo pela gente. Não acredito que isso vá mudar.”
Entre os alunos há pessoas prestes a prestar vestibular ou concursos públicos, querendo aprimorar a letra para as redações, crianças ou mesmo interessados em trabalhar como calígrafos. “A letra das pessoas hoje é ilegível. Elas precisam aprender desde os traços básicos”, diz Antônio.
O método De Franco é prático. Os alunos recebem uma folha com algumas frases e pautas para letras maiúsculas e minúsculas, copiam e devolvem para o professor, que faz as devidas correções. Depois repetem, repetem e repetem — até acertar. Treinam também sem as pautas, para conseguir manter a proporção das letras — do tipo comercial inglesa, inclinadinha — em qualquer contexto. O resultado sai em dois meses, com cinco lições por semana. Para comprovar a eficácia, Antônio abre uma pasta ao acaso e tira duas amostras de um mesmo aluno: a da aula inicial e uma de dois meses depois. A mudança é radical.
Se o aluno não conseguir comparecer à escola, aberta de segunda a sexta das 10h às 20h e aos sábados das 14h às 15h, cinco vezes por semana, não tem problema. Pode levar as lições restantes para casa e entregá-las depois. Há a opção ainda de estudar por correspondência. Nesse caso, porém, o curso termina em quatro ou cinco meses.
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Não há caso perdido, afirma Antônio, pois a letra cheia de vícios com a qual o aluno chega à De Franco é deixada completamente de lado. “Ensino uma letra nova, do início. Ele vai reaprender a escrever, desde os traços básicos”, diz. “Hoje em dia, nas escolas, os professores não têm orientação de caligrafia. Está um caos gráfico.”
Os problemas começam na postura corporal. Sentar errado, de lado, dobrando a perna e abaixando a cabeça podem ser causa de uma caligrafia ruim. “Aqui trabalhamos de tudo. Como segurar a caneta, como a folha deve ficar, que braço deve segurar o papel, onde o peso deve ser colocado”, conta. Quando as aulas são por carta, essas mesmas instruções são enviadas com as lições.
A conversa é interrompida por uma mãe, que toca a campainha e pergunta: “É aqui que se ensina caligrafia?”. Ela diz que o filho vai bem na escola, mas tem uma letra horrível. Antônio explica todo o método, dá o preço (R$ 290 ao mês, sem taxa de matrícula) e os horários de funcionamento. Mas pergunta: “Quantos anos ele tem?”. Diante da resposta, diz que a idade mínima é de 11 anos. Ele esclarece: o ensino da caligrafia é pedagógico e eles não querem interferir com a educação das crianças aprendendo a escrever.
Os De Franco dão também cursos de caligrafia artística, que inclui letras como as góticas inglesa e alemã — feitas com pena molhada no nanquim, bem rebuscadas e utilizadas em convites de casamento e diplomas. Trabalhos que os professores também fazem e são expostos pelas paredes da casa. Antônio conta que saiu dali o convite de casamento da filha do governador Geraldo Alckmin, Sophia, em 2007.
“Há também um trabalho nosso no Vaticano”, gaba-se. Quando o papa Bento 16 veio ao Brasil em 2007, o calígrafo do mosteiro de São Bento — ex-aluno da família — pediu que eles fizessem uma placa com o nome do pontífice na letra gótica alemã. O papa gostou tanto que pediu para ficar com o trabalho, conta Antônio. Trabalhos desse tipo demandam tempo e podem custar até R$ 2.000.
Como os outros professores De Franco que vieram antes dele, Antônio é formado em direito, e continua exercendo a profissão. Ainda assim, vai todas as terças e quintas à escola, pelo prazer de ensinar. Filho único, sobrou para ele o legado. Já receberam pedidos para criação de franquias da De Franco — a primeira e única escola exclusivamente de caligrafia no Brasil, segundo eles –, mas não toparam.
Tampouco pensam em contratar professores que não sejam da família. “Foi meu pai quem me ensinou a escrever. Brinco que desde pequeno tomava sopa de letrinhas. Ele deixava todas as penas à mostra e não deixava eu encostar, para estimular a minha vontade. A gente faz caligrafia com muito carinho.”