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Deus e o sexo na terra de Prince

Touré jogou basquete com Prince, o que transforma imediatamente todas aquelas coisas cool que você achou que tinha feito na vida em banalidades. Touré, assim mesmo, sem sobrenome, é pai de Hendrix, que aos oito anos é uma figura excepcional, sempre pronto a abraçar você. É jornalista, trabalhou com cultura um tempo na revista Rolling Stone, MTV, mas hoje é mais conhecido por falar de política.

Touré também é apaixonado por Prince. Escreveu um livro sobre ele, “I Would Die 4 U: Why Prince Became an Icon”, lançado em 2013. Quando recebeu a notícia da morte de Prince ficou um tempo “sem conseguir pensar direito”. E depois, passou mais um longo tempo sem conseguir dar uma entrevista sobre qualquer outro assunto.

Na última segunda, falei com ele por telefone. Expliquei para ele que queria tentar dar uma dimensão da importância de Prince para os americanos.

“Nos anos 80 nos EUA, a conversa era: você gosta de Michael Jackson ou Prince. Você tinha que escolher um, e essa escolha dizia muito sobre quem você era”, ele explica.

“Muitas pessoas estavam do lado do Michael Jackson, e ele representava uma doçura, uma bondade, enquanto Prince era o perigoso, o selvagem, o sexo, a loucura. Prince era religioso e espiritual, mas o que aparece mais em sua música era o sexo. Se você escolhia ele, era isso que estava em sua cabeça.”

Pergunto qual foi a influência de Prince na vida de Touré. “Um exemplo de como ser um homem, de como ser um homem negro, de como falar com as mulheres e se relacionar com elas, de como ser uma pessoa sexual. Para muitas pessoas, Prince é importante porque ele deu a elas a permissão, a liberdade para ser tão sexual quanto elas quisessem. Isso é muito importante pra mim e pra muitas pessoas.”

A dualidade entre sexualidade e espiritualidade é um dos pontos centrais do livro, ao lado da história da infância de Prince, na qual, depois do divórcio de seus pais, o artista fica sem ter onde morar, e acaba indo viver com uma amiga da família. “Veja só: não tinha ninguém em sua família que pudesse recebê-lo, tinha que ser alguém de fora da família? De qualquer forma, é o que sabemos sobre esse período. Essa amiga que o recebe tinha seis outros filhos e fazia faculdade. Quer dizer: quanto tempo ela podia ter disponível para ele? Provavelmente bem pouco, e isso permitia a ele ter todo o tempo para fazer o que quisesse, e o que ele queria era fazer música o tempo todo. Ele tocava em bares de strip, bar mitzvahs, estudando o tempo todo e vivendo a música.”

Com isso, aos 18 anos, Prince já tinha um contrato com a Warner para gravar três discos. “Ele se desenvolveu como músico na adolescência e, mesmo sendo tão jovem, várias gravadoras fizeram propostas. Prince tocava muitos instrumentos, cantava, dançava, era de fato impressionante, ele era visto como ‘o próximo Stevie Wonder’, um artista que escrevia, tocava, cantava, então havia muita excitação na indústria, e ele acabou escolhendo quem ofereceu mais controle sobre a obra,” diz Touré.

Em 1993, Prince brigou com a Warner justamente por causa do controle sobre sua obra. O artista então mudou seu nome para um símbolo impronunciável. Se você curtia Prince à época, talvez se lembre. Se você nasceu entre 1960 e 1975, não pode ter ignorado Purple Rain, e o que veio depois. “O problema é que ele queria lançar tanta música quanto conseguisse. Ele pensava: faço um monte de música, eu sei que ela é ótima, então quero lançar tudo, enquanto a gravadora queria um pouco mais de cuidado, quer dizer, às vezes menos é mais, acho que eles talvez tivessem um ponto aí.”
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“Prince podia lançar um disco de dez faixas em que todas as músicas eram extraordinárias – Purple Rain tinha nove faixas. Mas ele queria lançar um álbum triplo, e algo se perdia aí: havia tanta música que assustava as pessoas e elas não necessariamente queriam passar por tudo aquilo, não havia o mesmo foco, não acontecia aquela conexão que acontecia antes”, analisa Touré. “A fase final de sua carreira foi marcada por uma queda de vendas e atenção por conta de tanta coisa sendo produzida. Muitas pessoas realmente consideravam que ele precisava mesmo era de um editor que pudesse ajudá-lo a decidir que parte daquilo lançar ou não. Mas isso, claro, é uma fantasia, ele não aceitaria isso.”

PERÍODO EXTRAORDINÁRIO

Digo a ele que, embora tenha sido muito fã em algum momento, tinha deixado de prestar tanta atenção em Prince desde a polêmica do “nome/não nome”, e que achava que no Brasil a maioria das pessoas tinha feito o mesmo. Ele não ficou surpreso, mas considera isso pouco importante.

“Para mim o mais importante é esse período inacreditável no começo da carreira em que ele fez tanto sucesso. Ele mudou a música dos EUA, a maneira como as pessoas pensavam sobre música e até sobre como elas pensavam nelas mesmas com essa sequência fantástica de álbuns”, ele conta, antes de começar a listar os melhores momentos. “Dirty Mind, de 1980, estabelece uma base de fãs. Depois vem Controversy, Purple Rain in 1984, no ano seguinte Around The World in A Day, seu tributo aos Beatles, Parade em 1986, um album duplo, Sign O’The Times em 1987 e, em 1988, Lovesexy, uma espécie de distilação, de explicação de sua filosofia musical e religiosa, da relação entre sexualidade e espiritualidade e como ambas estão completamente relacionadas e interligadas para ele.”

“São oito anos, oito álbuns, um deles duplo, e todos são álbuns extraordinários, uma das maiores sequências de lançamentos da história. Ninguém teve isso. Michael Jackson não teve uma sequência como essa.”

No meio desse período porém, Prince grava, mas não lança, o Black Album aquele que, em tese, seria a resposta negra aos Beatles, sua grande obra, seu melhor trabalho.

“O que aconteceu foi o seguinte: na noite anterior ao lançamento do album, na noite anterior ao dia em que ele seria enviado pela gravadora, o último momento em que dá pra parar algo, Prince estava com uma de suas jovens beldades e a história diz que eles tomaram cogumelo, ou algo assim, e Prince teve uma visão de que se esse fosse seu último álbum, o que isso significaria para o mundo, e isso seria algo ruim, a negatividade vencendo a positividade, então ele resolve não lançar o álbum. Ele então recontextualiza o que tinha e faz Lovesexy, que é um álbum positivo, vibrante, do qual ele poderia se orgulhar se fosse a última coisa que ele fizesse antes de nascer.”

E o Lovesexy é um disco incrível, não?, pergunto sobre o que é de longe meu disco preferido de Prince.

“Sim”, ele concorda, “embora não tenha ido muito bem comercialmente”, o que provavelmente se explica pelo menos parcialmente pelo fato de que o disco trazia uma faixa só, contínua, com as nove músicas.

Pergunto se ele acha que nessa dualidade, alguém prestava atenção na parte da espiritualidade, ou se a parte da sexualidade sempre foi muito mais forte. “Acho que as pessoas pegaram mais a parte do sexo, mas é por isso que eu insisti no ponto do amor, da espiritualidade, da divindade, da cristandade, que eram muito importantes para ele”, diz Touré.

ESCOLHIDO

Questiono se Prince e Michael Jackson têm mais uma coisa em comum: o fato de se sentirem “escolhidos por Deus”.

“Definitivamente. Michael e Prince eram tão talentosos mas também extraordinariamente trabalhadores, mas ambos de alguma forma sentiam que tinham recebido algo de Deus, e essa é uma das razões pela qual Prince põe tanto Deus em sua música: ele sente que a música tem que ter um propósito porque a música flui para ele constantemente, ele estava constantemente escrevendo, criando, gravando, e ele sentia que era algo maior do que ele. Ele não tinha controle sobre esse fluxo, então como explicar essa torrente? É um presente divino, então ele tinha que mencionar Deus.”

No final da vida, Prince era Testemunha de Jeová. Há relatos de pessoas que estavam em casa num final de semana quando batia alguém à porta. Era Prince, querendo converter os moradores a sua nova religião.

O lado “hard working” de Prince também é citado por quase todo mundo que fala dele: o cara era capaz de acordar as 3 da manhã e ligar para o engenheiro de som porque queria gravar algo. Quando tinha uma idéia, queria gravar na hora, não podia esperar o dia seguinte. Vê semelhanças com Kobe Bryant, pergunto, influenciado pela aposentadoria recente do craque dos Lakers. Mas Touré dá risada.

“Eu compararia com Michael Jordan, o cara que ensinou o Kobe a fazer isso! E Michael Jordan é muito mais o vencedor contumaz. Entrevistei o Prince mais para o final da carreira do Jordan, e ele, como metade do país naquela época, era torcedor dos Bulls, e tinha uma reverência especial a Jordan.”

Além da fatídica partida de basquete que Touré jogou com Prince, o autor relembra outros momentos marcantes em sua vida. “Depois dos shows sempre tinham umas festas, você precisava conhecer alguém que soubesse onde ia ser, e eu consegui ir a algumas delas. Em uma delas me lembro que estava a Claire Danes, muito antes de ‘Homeland’. Eram Prince, Lovequest e D’Angelo, e era numa época em que Prince simplesmente não tocava as músicas velhas. Então Lovequest resolve testar os limites, e leva D’Angelo a começar uma musica daquela fase, e Prince simplesmente diz ‘não’, e some, de repente.”

Sobre seus últimos dias, o que há são fofocas. A narrativa que parece mais frequente é a de que o cantor não usava drogas nem álcool. Poucos dias antes de morrer, ele tinha sido visto andando de bicicleta por Minneapolis – onde nasceu e de onde nunca saiu.

Touré começa seu livro explicando a importância de Prince para a chamada Geração X. Talvez essa influência seja muito mais sentida nos EUA, de fato, do que no resto do planeta. A história do compositor, do instrumentista que muitos dizem ter sido um dos maiores guitarristas de seu tempo e do cantor cuja voz era várias em uma, porém, é rica, assim como sua obra.

Assim como Bowie, Prince deixa uma obra completa e complexa, daquelas que dá pra descobrir e redescobrir por um outro enfoque algum tempo depois. Completa e complexa como sua personalidade. E como a influência que deixou sobre toda uma geração de americanos – e, por que não, de não-americanos também.

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Crítica

O novo “Star Wars”: a crítica com spoilers

Aviso importante: esse texto tem spoilers. Não muitos, porque o filme não se presta a isso, a verdade é essa, não acontece nada que se voce souber vai estragar sua experiência. Bem, acontece uma coisa, e eu vou ter que contar no final. Afinal, Luke Skywalker está vivo? Se bandeou para o Lado Negro? Vai ser encontrado? Essa é a única questão que você precisa chegar no cinema sem saber. E sim, esse texto tem essa informação.

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“O Despertar da Força” começa de maneira quase idêntica a “Uma Nova Esperança”. Sabe-se lá por que, os rebeldes, que tinham ganho a briga no fim de o “Retorno de Jedi”, parece que não ganharam, e são, de novo, rebeldes. O Império agora se chama Primeira Ordem, e briga com a República. Sim, começa complicado. Os caras que tinham ganho não ganharam, ninguém explica direito como isso se deu, e o Império, que na verdade era a República, já que apareceu quando fecharam o Senado (que era a República), aquela coisa toda, agora briga com a República que… tinha deixado de existir quando o Senado Imperial apoiou o Palpatine.

Aceitemos, então, que a segunda trilogia nunca aconteceu, já que esta parece ser a grande mensagem de J. J. Abrams ao mundo, e que portanto República e Império podem co-existir — e brigar.

O Império, de novo, tem um único objetivo: acabar com os Jedi. Os rebeldes, de novo, têm um objetivo: achar os Jedi porque eles podem salvar o universo. Repare: o uso do “de novo” aqui não é acidental, porque a sensação de “de novo” é constante, é ela que domina 99% do filme.

Se não vejamos: o filme começa, de novo, com alguém colocando uma mensagem secreta dentro de um dróide. Que, de novo, se perdeu de seu dono, e precisa ser levado de volta aos rebeldes. BB-8 é um dróide pra lá de bacana, mais bacana até do que R2-D2, mas, mesmo assim, é um dróide com uma mensagem secreta que precisa ser levado de volta para os rebeldes. De novo, esse dróide cai, num passe de mágica, nas mãos de uma pessoa que “tem a Força”, embora você, de novo, não saiba disso até um pouco mais na frente no filme.

[olho]Aceitemos, então, que a segunda trilogia nunca aconteceu, já que esta parece ser a grande mensagem de J. J. Abrams ao mundo[/olho]

Beleza, vou parar com o “de novo” agora, porque aqui começam algumas diferenças entre o primeiro filme e o novo. Primeira coisa: tudo acontece rápido demais. Se no “Guerra nas Estrelas” original demora um tempo até Luke encontrar Obi Wan, decidir segui-lo, perceber que tem um poder etc., neste tudo acontece rápido demais, como se o filme devesse ter quatro horas mas só pudesse ter duas.

Enfim, o dróide está com um piloto, o melhor piloto da frota rebelde, ele é capturado, deixa o dróide pra trás, e depois é resgatado por um Stormtrooper arrependido. Esses caras fogem, e caem no planeta Jakku, de espetacular nome — o mesmo onde o piloto havia deixado o dróide. Ali, os espera Rey, que era, até então, uma catadora de lixo. Ou melhor: Rey só encontra o Stormtrooper, Finn, já que o piloto desaparece. Rey estava com o dróide, diga-se, ele apareceu um dia na esquina da casa dela.

Aqui temos que começar com o “de novo” de novo, porque , quando vão escapar de Jakku — porque sabiam que a Primeira Ordem queria pegar BB-8 –, eles encontram uma nave abandonada. Que é, simplesmente, a Millenium Falcon.

Não é que eu não esteja disposto a deixar espaço para a fantasia, certo? Se você não aceita que existe naquele universo algo que se chama “A Força”, e que isso não só é normal como é legal, nem deveria ir ao cinema. A questão é que os elementos fantásticos da primeira trilogia — robôs rodando na areia — se apóiam em uma narrativa coerente e consistente. Algumas coisas acontecem “por acaso”, e isso é OK — na vida coisas acontecem por acaso. Mas o dróide ser encontrado por alguém que tem a Força já é um acaso. Essa mesma pessoa achar uma nave espacial abandonada e ela ser a Millenium Falcon já começa a ser acaso demais. Vamos deixar pra lá o fato de que Jakku é quase uma cópia de Tattooine.

Tudo é rápido demais quando Rey e Finn são interceptados por Han Solo e Chewbacca. De repente, estão todos em um planeta “fora do sistema”, e Rey é “atraída” pelo sabre de luz de Luke, que estava escondido por lá — sério. E, ao tocá-lo, começa a ter visões.

Neste momento, já conhecemos o vilão, ou melhor, os vilões. O novo malvadão master é um Golum gigante, e eu juro pra você que quando anotei isso no cinema eu não sabia que era o mesmo ator que fez o Golum. O novo Darth Vader é filho de Han Solo com a princesa Leia, e presta homenagens ao capacete queimado de Darth Vader — também sabe-se lá por quê. Sua passagem para o lado negro não é clara, mas quero acreditar que isso vai ficar claro nos próximos filmes. Assim como não é claro porque Luke Skywalker se isolou, e se escondeu, e aí temos o argumento central da história, que se desenrola como uma busca por ele: o Império, para eliminá-lo, e com isso acabar com “o último Jedi”, e os rebeldes, para trazê-lo de volta, para que ele possa treinar “a próxima geração Jedi”.

Porque Luke se esconde é o ponto fraco do enredo. Em tese, porque estava treinando o filho de Leia — e outros Jedi –, cujo nome, aliás, é Kylo Ren, e Ren se revoltou e quebrou tudo. E virou malvado, por algum motivo. Sério? O cara está treinando a próxima geração de bonzinhos, aí um vira mau, e o que ele faz é falar “aí, fodam-se, fui!”? Não cola.

Mas voltemos à história: o Império então invade esse planeta para pegar BB-8, não pega, mas captura Rey. Finn, que estava vazando da batalha, então volta e vai junto com Han Solo procurar por ela. Eles fazem uma parada na base dos rebeldes, que é quando aparece a Princesa Leia (que agora se chama General alguma coisa, não vou procurar o nome, é a Princesa Leia). Os rebeldes, então, são descobertos pelo Império, que vai usar contra eles sua nova grande arma. Isso, de novo, eu esqueci do “de novo”, porque a arma é nada mais do que uma Estrela da Morte muito maior, e eu posso dizer pra você, do alto de quem montou uma Estrela da Morte de Lego, que essa daí eu não vou montar nem fodendo, amigo, é dez vezes maior. Mas não passa de uma Estrela da Morte, inclusive por dentro, inclusive, de novo, vai ter a cena em que a Rey tem que passar de um lado para outro mas não tem ponte. Sério!

E aí qual é a história de novo? Os rebeldes têm que entrar lá, desarmar o escudo protetor e depois atirar no oscilador para destruir a arma de novo! E de novo os caras conseguem! De novo não tem ninguém protegendo o escudo, basta render uma pessoa, que estava desacompanhada andando tranquila pela estrela, pra desarmar tudo. É absolutamente fácil demais.

Nesse momento do ataque, de novo, no planeta também estão rolando uns fights. Finn, que era só um Stormtrooper fugitivo, enfrenta Kylo Ren, que tem a Força e é do Lado Negro, com o sabre de luz, e dá briga! E Rey, que tinha a força mas tinha acabado de ficar sabendo, usa ela como um velho Jedi, escapa dos vilões e no final derrota Kylo Ren numa briga rápida e chinfrim.

E então aparece um mapa para Luke! Assim, de repente. Um mapa! Não há uma jornada para achar o cara, uma aventura. A aventura é outra, é para salvar “o mapa”, que na verdade era só metade do mapa. Quando essa metade é salva, a outra aparece miraculosamente — estava dentro de R2-D2 — e em cinco minutos acharam o Luke. Mas… se o cara queria se esconder, por que deixou o mapa dentro do robô?

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A primeira grande briga que tive com o meu melhor amigo foi quando ele tentou estabelecer algum tipo de semelhança entre a filosofia de “Matrix” e a série “Guerra nas Estrelas”. Faz tempo, fumava-se muita maconha na época e eu já perdoei ele, mas não foi fácil. Matrix é apenas uma boa idéia, talvez até uma excelente idéia, transformada em um filme de ação mais ou menos. Não há qualquer tipo de “filosofia” ali pelo simples fato de que é tudo explícito, explicado, raso. Não é, evidentemente, o caso da primeira trilogia de Star Wars. E é, evidentemente também, o caso da segunda trilogia. O primeiro filme da primeira trilogia era um filme de ficção científica doidão, feito para adultos e que podia ser entendido, e apreciado, por adolescentes e crianças. A segunda trilogia era um caça-níqueis feito para inspirar produtos e videogames em que tudo tinha que ser explicado. É por isso que ela é uma bosta, e a primeira é sensacional.

Deste ponto de vista, faz sentido “matar” a segunda trilogia e fazer um esforço para afirmar a nova fase como uma continuação da primeira, O problema é que “continuação” não é a mesma coisa que “repetição”. Ao não querer se desprender do original, J. J. Abrams não se afasta o suficiente dele. Faz o mesmo filme, com detalhes diferentes. O que é frustrante, e só pode ser entendido se considerarmos que estamos falando apenas de uma base para uma nova trilogia. E que o segundo e o terceiro filme vão trazer a história nova, que ainda não apareceu.

Da maneira como termina esse Episódio VII, podemos até supor que o Episódio VIII será tão somente o próximo Episódio IV, mas com Luke treinando Rey no lugar de Yoda treinando Luke.

Não vou tentar convencer você de que eu vi Star Wars em 1977 porque deve haver em algum lugar uma menção ao fato de que eu nasci em 1973, e o filme não faria muito sentido para um moleque de 4 anos. Em 1983, porém, quando foi lançado “O Retorno de Jedi”, eu vi no cinema — e já tinha assistido os dois anteriores. É claro que minha primeira relação com o filme, aos dez anos, foi diferente da que tive depois, aos 12, aos 16, mas há uma diferença significativa para quem viu o filme pela primeira vez muitos anos depois: a primeira vez que vi Yoda, eu não podia ter idéia de que aquele era um mestre Jedi. Eu não sabia que Darth Vader era o pai de Luke Skywalker até o final de O Império Contra Ataca, e mesmo assim, certeza mesmo só no terceiro filme. Star Wars, para mim, não é uma experiência cinematográfica, sou pretensioso, tenho ambições intelectuais, cinema é cinema, eu curto, Star Wars é uma outra parada, é um universo. Você não compra uma camiseta, um chaveiro do Yoda, uma mochila do R2D2 porque Star Wars é seu filme preferido, mas porque aquele universo fez sentido pra você, te capturou.

Nesse sentido, a segunda trilogia é decepcionante para o público adulto também bastante por isso: não há nada de cativante ali, tirando talvez o visual do planeta Naboo – embaixo e em cima d’água.

A nova trilogia de Star Wars está no universo certo, tem a temperatura, o clima certo. Mas precisa acrescentar algo, criar algo. Não pode ser só um “Star Wars para chamar de meu” dessa geração. Este primeiro filme absolutamente não faz isso. Que ele seja, portanto, só uma caracterização, uma maneira de (re) estabelecer o clima, o ambiente. Porque se for só isso que foi até aqui, terá sido bastante decepcionante.