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‘True Detective’ encontra ‘Making a Murderer’

Reality show ‘Killing Fields’ acompanha investigação de crime em tempo real

Dois anos atrás, a primeira temporada da série “True Detective”, da HBO, figurou em quase todas as listas de melhores programas do ano de críticos de televisão. No ano seguinte, foi a vez de “Making a Murderer”, do Netflix, mostrar que histórias de crime estavam mesmo em alta e provocar discussões intermináveis nas redes sociais. “Killing Fields”, que estreou no Discovery nos Estados Unidos no começo do ano e chegou na segunda (2) ao Brasil, é uma mistura desses dois programas. Como “Making a Murderer”, trata-se da investigação de um crime real. Como “True Detective”, acompanha dois detetives parceiros, com personalidades diferentes, que tentam resolver um caso de 1997.

Diferente de outras produções centradas em crimes reais, como o próprio “Making a Murderer” ou a primeira temporada do podcast Serial, que recuperam casos já encerrados, “Killing Fields” se passa em tempo real, mostrando as investigações à medida em que elas acontecem. Tipo um “Big Brother” policial, em que o espectador não sabe nem se haverá um desfecho no fim das contas — as filmagens, que começaram em agosto do ano passado, continuaram depois da estreia. A temporada se centra no caso da estudante Eugenie Boisfontaine, cujo corpo foi encontrado em decomposição em Iberville Parish, cidade com menos de 35 mil habitantes na Louisiana, nos Estados Unidos. Na época, o detetive Rodie Sanchez não conseguiu resolver o caso. Quase 20 anos depois, ele deixa sua aposentadoria para retomar a investigação, dessa vez acompanhado pelo jovem detetive Aubrey St. Angelo — resultando num conflito de personalidades, como bom programa policial, e de gerações.

O programa poderia muito bem ser uma ficção. Primeiro, pelos personagens. A premissa “detetive aposentado retoma caso antigo que nunca deixou de assombrá-lo ao lado de colega jovem e de personalidade agressiva”, por exemplo, tem toda cara de uma série qualquer. Depois, pelo cenário. A paisagem do sul da Louisiana — cenário da primeira temporada de “True Detective” — também contribui para a atmosfera de mistério. Pela geografia do local, na zona rural do Estado, é possível esconder corpos com facilidade. E pelo clima, esses corpos entram em decomposição com rapidez. Some isso à grande presença de vermes, urubus e jacarés que comem os cadáveres e se chega ao que se chama de “killings fields”, campos de assassinato, ideais para esconder pessoas mortas.

Mas “Killing Fields”, o programa, não é serie, e sim reality show — com pessoas pouco acostumadas com televisão e bem desinteressadas em virar celebridade (um tipo raríssimo de reality show, aliás). Como no caso de “Making a Murderer”, que transformou em celebridades momentâneas os advogados Dean Strang e Jerry Buting, que viraram símbolo do vestuário “normcore” anos 2000 e hoje fazem turnê nos Estados Unidos, “Killing Fields” é protagonizado por pessoas normais, do tipo que, ao comentar o resultado final do programa, dizem que a pior parte foi ouvir sua voz gravada (quem nunca). Os detetives responsáveis pelo caso sequer queriam aparecer na televisão.

“Eu não tinha ideia de que iria investigar esse crime. Quando me chamaram para dizer que iriam reabrir o caso eu soube que teria filmagem envolvida. Não queria fazer parte disso, não acho que essa profissão seja entretenimento. É serviço e dedicação”, diz St. Angelo, o mais novo, por telefone a um grupo de jornalistas de vários cantos do mundo, com respostas curtas de quem não está tão à vontade dando entrevistas. Mas se lhe dão uma tarefa, ele cumpre, e por isso só seguiu em frente. “Se vai envolver câmeras ao meu redor, vai envolver câmeras ao meu redor. Como um investigador e funcionário público, sei que há coisas que você deve deixar pra lá para continuar seu caminho. Eu só deixei as câmeras ficarem lá e continuei a investigar”, diz. Quando as câmeras eram ligadas, eles começavam a trabalhar como fariam em qualquer outro caso: examinando as evidências, seguindo as direções que elas apontam para tentar chegar a uma conclusão. Não mudou em nada ter alguém filmando ali, só o fato de que de vez em quando eles tinham de falar para os operadores de câmera andarem mais rápido porque iria começar a chover e o equipamento ia molhar, diz St. Angelo, pragmático.

“Os produtores falaram pra gente fazer o que geralmente fazia. Mas eu aprendi o que era mais conveniente para a câmera, sabe. Ficava: ok, nós vamos para esse bairro, você pode colocar o equipamento aqui para capturar a imagem que precisa. Aprendi o bastante sobre a indústria da mídia para conseguir trabalhar lado a lado com eles. Não foi difícil, só tínhamos mais gente de fora da investigação olhando pra gente.” A experiência, aliás, lhe deu um “novo apreço” pela televisão. “Nunca achei que a mídia poderia produzir algo tão bonito. Sempre pensei que, ok, a câmera filma e conta uma história, mas eles fizeram um produto lindo sobre essa mulher que foi assassinada”, afirma.

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O detetive Aubrey St. Angelo durante investigação
O detetive Aubrey St. Angelo durante investigação

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Nesse caso, a ideia de fazer um programa sobre uma investigação de um crime veio antes do interesse por um caso particular. Se não fosse Eugenie Boisfontaine, seria outro — não há, portanto, dificuldades em se fazer novas temporadas, diferente de “Making a Murderer” ou “The Jinx”, da HBO, por exemplo, centrados em um personagem com uma história marcante. Quando soube que o Discovery iria fazer um programa sobre a investigação de um caso antigo, conta St. Angelo, o colega, Sanchez, pediu para que fosse reaberto o caso de Boisfontaine, que ele não havia conseguido solucionar no passado. Na época, o departamento tinha muitas investigações em andamento e quando as pistas se esgotaram o caso foi colocado de lado. Mas Sanchez nunca se esqueceu dele e a esperança era de que, com novas tecnologias, hoje ele pudesse ser resolvido.

Fazer televisão sobre crimes reais é uma tarefa delicada. Há o risco de cair no sensacionalismo, o risco de deixar de lado informações na edição e ficar unilateral ou parcial, e a dificuldade de expôr as famílias de vítimas. No caso, os parentes de Boisfontaine viram com bons olhos a abertura do caso e a atenção que os detetives deram ao caso, mesmo com uma equipe de TV acompanhando tudo. “Eles ajudaram muito, responderam todas as perguntas que precisávamos, sobre a vítima e pessoas envolvidas na vida da Eugenie Boisfontaine”, diz St. Angelo. Embora exista perigo da produção do programa atrapalhar os policiais, também há vantagens. Entre os aspectos positivos de levar um caso desses a público e de exibir a investigação na televisão enquanto ela ocorre está a possibilidade de conseguir dicas de espectadores, testemunhas que não se manifestaram na época. “Tivemos várias dicas e pessoas que vieram atrás pra dar informações. Algumas parecem meio esquisitas, mas mesmo quando você recebe esse tipo de informação tem que confirmar ou negar. Tivemos o benefício de ter umas duas pessoas que quiseram permanecer anônimas que deram informações que nos levaram a uma direção particular.”

St. Angelo, que já recebe pedidos de fotos nos Estados Unidos, é tão alheio ao mundo dos programas de televisão voltados ao crime que nem sabe dizer se os retratos que eles traçam se aproximam do dia a dia real de seu trabalho. Não viu, por exemplo, “Making a Murderer”, mas “ouviu que gerou bastante burburinho”. De vez em quando, assiste à série documental “Forensic Files”, que reconstitui investigações. E é só. “Mas não se compara a ‘Killing Fields’, que segue uma investigação ativa.” Ao arriscar uma explicação para o porquê de as pessoas se interessarem tanto pelo mundo da polícia, ele é curto e grosso: “É intrigante e vai além do trabalho normal das 9h às 17h”.

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