O Netflix divulgou recentemente dados de uma pesquisa sobre os hábitos de consumo de seriados e dividiu os programas em dois tipos: as séries para devorar — aquelas que as pessoas veem rápido, gastando mais de duas horas por sessão à frente da TV — e as séries para saborear — as que o público assiste com calma. Segundo esse estudo, os três gêneros mais favoráveis a maratonas televisivas são, respectivamente, suspense, terror e ficção científica. “Stranger Things”, série que estreia no Netflix na próxima sexta, dia 15, foi feita sob medida para ser consumida rapidamente: é uma mistura desses três gêneros com um tiquinho de aventura.
Nos primeiros minutos da série um garoto chamado Will chega em sua casa vazia tarde da noite e vê um vulto. Tenta ligar para alguém para pedir ajuda, mas o telefone não funciona. Ele corre desesperado enquanto o cachorro late, a porta abre sozinha e uma figura que não vemos — e, assim, é mais ameaçadora — o alcança. São cinco minutos saídos diretamente de um filme de terror. A primeira temporada da série gira em torno desse desaparecimento e das formas encontradas por cada um de lidar com isso — seus amigos, sua mãe, o irmão, o pai distante, os colegas de escola.
É um drama familiar com uma boa dose de sobrenatural, digna de um “Arquivo X”. Enquanto a mãe (Winona Ryder), desesperada, espera que Will volte, coisas estranhas começam a acontecer na casa — luzes que piscam, telefonemas misteriosos, descargas elétricas, figuras sem rosto que dão as caras. Assim como ela, não sabemos o que aconteceu com Will, só que não é nada bom — e a série é habilidosa ao manter essa tensão no ar. Há alguns outros núcleos na história, com conexões que a princípio não entendemos muito bem: os amigos do garoto encontram no meio do mato uma menina traumatizada e misteriosa, que tem pistas a respeito do paradeiro de Will; o policial que investiga o sumiço a fundo; a irmã mais velha de um dos amigos de Will que começa a andar com a galera popular da escola; os funcionários de um departamento do governo americano. Na primeira metade da temporada, de oito episódios, há tanto mistério que chega a ser difícil dar algum spoiler — eu mesma não sei direito o que está acontecendo.
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Nesse sentido, “Stranger Things” não poderia ter encontrado casa melhor que o Netflix, com seu modelo de soltar todos os episódios de uma vez só. Ao fim de um capítulo — cada um tem em torno de 50 minutos — você se vê com tantas dúvidas que é natural optar por ver o próximo, para ver se as coisas ficam mais claras. Mas, pelo menos no início, não é isso que acontece e você entra e sai do episódio com as mesmas questões. O fato de que o capítulo seguinte está a um clique de distância faz com que a série fique mais preguiçosa ao avançar a história e tudo fique bastante lento — você não precisa de um grande acontecimento para garantir que o público continue assistindo, diferente de uma série que libera novos episódios semanalmente.
Ter tempo para construir os capítulos da forma que quiser, sem ter que respeitar os horários da grade de televisão e os intervalos comerciais, é uma vantagem de produzir séries para serviços de vídeo on demand. Mas não é porque você pode fazer um episódio longo que seja necessário fazê-lo — séries como “Love” e “Flaked”, do Netflix, parecem sofrer do mesmo mal, com histórias que avançam lentamente demais. “Stranger Things” vai agradar quem gosta de séries como “Orphan Black” e “Wayward Pines”, mas seria melhor se tivesse um pouco mais de ritmo e se revelasse um pouco mais a cada episódio. Às vezes é um pouco frustrante passar praticamente uma hora à frente da TV para perceber que você praticamente não saiu do lugar.
Na metade da temporada as pontas soltas são tantas que é difícil cravar se a série é boa ou ruim — se as soluções forem complicadas demais corre o risco de ficar inacessível como “Orphan Black” e se forem simples demais pode virar uma decepção anticlimática. Mas o começo é promissor, com destaque para as boas atuações do numeroso elenco infantil, cuja dinâmica remete um pouco a um filme da “Sessão da Tarde”, como “E.T.” — das bicicletas que guiam pela cidadezinha, passando pelos segredos escondidos dos adultos e pelo companheirismo na hora de colocar a amizade à frente de tudo. Com um pouco de paciência, “Stranger Things” é um bom programa para o fim de semana, para quando o tempo e a disposição em ficar deitado no sofá são grandes e a pressa em chegar direto ao ponto é pequena. É, no fim das contas, uma série perfeita para o Netflix — para o bem e para o mal.