Sequências, remakes e afins não são novidade em Hollywood. Aliás, neste ano o que não faltou foram filmes desse tipo, de “Procurando Dory” a “Truque de Mestre 2” — sim, até “Truque de Mestre” ganhou uma continuação em 2016. Nenhum desses filmes, porém, foi recebido com tantas pedras na mão quanto “Caça-Fantasmas”, que estreia na próxima quinta, dia 14. Além de ter o trailer com maior número de avaliações negativas no YouTube (mais de 928 mil), o filme tem uma avaliação de 3,7 numa escala que vai até dez no IMDb, antes mesmo de estrear — portanto, antes de as pessoas que deram a menor nota possível terem visto mais que um punhado de cenas.
Entre os argumentos contra o novo “Caça-Fantasmas” alguns se destacam: 1) está na hora de Hollywood começar a investir em produções originais e deixar de lado as franquias estabelecidas, 2) refazer um filme de sucesso é uma estratégia caça-níquel e 3) mexer num clássico desses vai estragar de alguma forma a infância das pessoas. O primeiro ponto faz sentido, e provavelmente pouca gente discorda de que é bom ver coisas novas no cinema. Também é verdade que o número de remakes e continuações da vida é bem alto (quando “Branca de Neve e o Caçador” ganha uma sequência é realmente a hora de Hollywood parar pra pensar no rumo que está tomando). Mas onde estavam essas pessoas quando saiu um novo “Jurassic Park”, pra ficar em só um exemplo? Se partimos do princípio de que reboots vão ser feitos quer a gente queira, quer não, por que não com mulheres no elenco? Então quer dizer que mulheres não podem caçar fantasmas?
Em relação ao segundo argumento, o diretor de “Caça-Fantasmas”, Paul Feig, respondeu que todo filme lançado tem como objetivo ganhar dinheiro. Filmes não são feitos sem perspectiva de lucros, não há executivos bonzinhos querendo financiar produções porque o mundo merece ver aquela história nas telas. Se você pensar muito, também é um argumento defensável, seria muito bom se lucro não fosse a primeira coisa na cabeça das pessoas. Mas, para Hollywood, isso é inviável.
Sobre o terceiro: se a infância de alguém vai ser arruinada com um novo “Caça-Fantasmas”, sinto muito mesmo. Não deve ter sido fácil.
Ajuda a entender o ódio em relação a “Caça-Fantasmas” descobrir quem são seus maiores detratores. Para a surpresa de ninguém, eles são, em maior parte, homens. O site Screen Crush analisou o perfil de quem havia avaliado o filme no IMDb e constatou que 1.865 homens haviam se manifestado, contra 169 mulheres, uma diferença e tanto. Entre todas as pessoas que votaram, 57,7% deram a menor nota possível — novamente: sem ter visto o filme, que ainda não estreou –, mostrando a profundidade do ódio. Mas, comparativamente, as notas dadas por mulheres foram mais altas que as dos homens. Entre a crítica o filme vai bem melhor, com 75% de avaliações positivas no Rotten Tomatoes. Mas a Slate revela outro dado interessante: 88% das críticas escritas por mulheres são positivas, contra 71% entre os homens.
Não dá para falar do novo “Caça-Fantasmas” sem falar da questão de gênero no cinema. Dando uma olhada bem rápida nos comentários do YouTube você encontra várias opiniões estilo “lixo feminista polui Hollywood de novo!” ou “[mulheres] nem conseguem criar seus próprios esportes ou personagens” (argumento baseado no fato de que mulheres praticam boxe, “copiando” os homens. Tão absurdo que nem vale a pena rebater). Para esse tipo de comentarista, que sempre se viu no cinema nos inúmeros protagonistas homens, fazer com que mulheres se sintam representadas não só não importa como é um defeito, um fator que torna inviável a possibilidade de o filme ser bom.
“Caça-Fantasmas” chega ao cinema com uma responsabilidade grande. Se fosse ruim, poderia ser usado como prova de que não vale a pena investir em filmes protagonizados por mulheres — enquanto Melissa McCarthy é criticada cada vez que um filme seu não corresponde às expectativas, Johnny Depp faz há anos projetos fracassados sem maiores consequências. A boa notícia é que não é o caso. “Caça-Fantasmas” fica o tempo todo num terreno bem seguro e é menos original que “Missão Madrinha de Casamento”, pra ficar em outra comédia encabeçada por Kristen Wiig e Melissa McCarthy, mas é um bom passatempo e não ofende ninguém que entrar na sala de cinema com um espírito minimamente receptivo. Tiremos logo esse elefante da sala: não, “Caça-Fantasmas” não vai estragar sua infância.
No filme, Wiig é Erin, professora do departamento de física da Universidade de Columbia assombrada por um livro sobre fantasmas que escreveu anos antes com Abby (McCarthy). Prestes a receber uma promoção, ela descobre que a ex-amiga colocou o livro à venda e a reencontra depois de anos para pedir que ela tire o volume de circulação. Não é difícil prever que ela acabará convencida a abraçar novamente o entusiasmo pelo sobrenatural, formando um grupo de caça-fantasmas com Jillian Holtzmann (Kate McKinnon), colega de Abby responsável pelas invenções malucas, e Patty (Leslie Jones), funcionária do metrô e especialista na história de Nova York. A história é um pouco previsível: elas serão vistas como malucas até que uma grande crise que só elas podem resolver aparece. O que não chega a ser um problema — o sétimo episódio de “Star Wars”, que em muito lembra “Uma Nova Esperança”, está aí para provar.
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O problema é que “Caça-Fantasmas” está mais para divertidinho que hilário — o que tinha potencial para ser. Seu elenco é muito bom: Kristen Wiig é uma das melhores atrizes que saíram do “Saturday Night Live” nos últimos tempos, Melissa McCarthy é uma das comediantes mais famosas da atualidade (foi inclusive indicada ao Oscar, coisa rara na comédia hoje em dia) e Kate McKinnon e Leslie Jones são boas revelações, talvez o que o filme tenha de melhor. Até Chris Hemsworth, o Thor, mostra que sabe fazer comédia como Kevin, o secretário hipster hiper burro contratado por ser bonito. Com esse elenco “Caça-Fantasmas” poderia ser engraçadíssimo, mas é somente legal, uma comédia na média. Os fantasmas são muito bonitos, os efeitos são bons, você leva alguns sustos e, sim, dá algumas risadas (algumas piadas, infelizmente, são prejudicadas pela tradução). Também há um apelo aos saudosistas, com participações de quase todo elenco de “Os Caça-Fantasmas” de 1984, aparições do homem de marshmallow, do logo original do grupo e da famosa música-tema.
É um filme que tenta afagar os fãs do original, mas sem deixar de alfinetar quem o gongou na internet. Piadas com a repercussão negativa do filme aparecem aqui e ali: quando elas colocam no YouTube o vídeo de um encontro com um fantasma alguém escreve algo como “mulheres não caçam fantasmas” e Abby diz que não se deve ler comentários na internet. Outra referência é quando o vilão do filme diz que cansou de ser motivo de chacota e que agora vai se vingar fazendo bullying com os outros — o elenco disse em entrevistas que seus críticos eram nerds amargurados que viviam no porão da casa dos pais. Mas a melhor forma de responder a quem criticou sem ver teria sido fazer um filme excelente.
Numa visão “copo meio cheio”: “Caça-Fantasmas” não é o desastre que vai prejudicar outras comédias encabeçadas por mulheres e já é original pelo fato de que tem quatro (quatro!) protagonistas femininas. Para quem cresceu se vendo na tela na pele de secretárias, irmãs chatas, namorada do mocinho sem nenhuma profundidade, isso já é uma vitória. Mas é uma pena que Paul Feig não tenha usado as críticas precoces para jogar tudo pra cima e fazer algo mais fora da caixinha, tão bom que convertesse os céticos e acabasse de uma vez com essas críticas machistas.