O que “Everybody”, dos Backstreet Boys, “…Baby One More Time”, de Britney Spears, “Roar”, de Katy Perry, e “Shake It Off”, de Taylor Swift, têm em comum? Todas têm na lista de autores um mesmo nome: Max Martin. O sueco, único compositor na lista dos 50 melhores da revista Rolling Stone a ter construído uma carreira a partir dos anos 90, é uma máquina de fazer hits. Tanto que, neste ano, Justin Bieber declarou não sentir que “ligar pro Max Martin e pedir pra ele te escrever um hit” é fazer música de verdade. Para muitos cantores pop hoje em dia é assim que funciona: em busca de um novo sucesso, procura-se Martin — que costuma entregar o que promete.
Max Martin é o mais bem-sucedido de um pequeno grupo de compositores e produtores da Escandinávia por trás de grande parte dos maiores hits das últimas décadas. Seu mentor, o também sueco Denniz PoP (1963-98), foi responsável por canções como “All That She Wants”, do Ace of Base, e “As Long As You Love Me”, dos Backstreet Boys. Já os noruegueses Tor Erik Hermansen e Mikkel Storleer Eriksen, conhecidos como Stargate, fizeram “Worth It”, do Fifth Harmony, “Don’t Stop the Music”, de Rihanna, e “Irreplaceable”, de Beyoncé.
No livro “The Song Machine” (Editora WW Norton, 288 págs., R$ 150 em papel e R$ 52 em versão digital), o jornalista da New Yorker John Seabrook mostra como a produção de hits é praticamente industrial. Criadas em pouco tempo por equipes munidas apenas de um computador, essas canções seguem quase uma receita, na qual a letra importa pouco e as batidas misturam, em suas palavras, vodca e MDMA ao pop chiclete de antigamente.
A imagem do cantor compositor, sentado na cama com um violão escrevendo suas canções num caderno, não tem lugar no mundo pop de hoje. Quem mais se aproxima disso é Taylor Swift, conhecida por falar de todas suas desventuras amorosas em suas músicas. Mas mesmo ela não costuma compor sozinha. Das 13 canções de seu último disco, “1989”, apenas uma tem só seu nome nos créditos. Max Martin aparece como compositor nos maiores sucessos: “Style”, “Blank Space”, “All You Had to Do Was Stay”, “Shake It Off”, “Bad Blood”, “Wildest Dreams” e “How You Get the Girl”. O mesmo vale para Adele. Em “25”, que lançou neste mês, todas as canções têm coautores — Martin entre eles.
Seabrook, que levou quase quatro anos nas pesquisas para o livro, não é exatamente um fã de pop. Seu gosto pessoal pende mais para o rock, mas descobriu anos atrás que o gênero era um ótimo tema para conversar com seu filho adolescente, que controlava o rádio a caminho da escola e escutava canções nas quais ele nunca tinha ouvido falar.
Nos últimos anos, fez alguns artigos sobre música pop para a New Yorker, meio que por acaso. “Nunca fui um escritor de música pop. Sempre me interessei por canções, nos momentos de inspiração e em como ideias podem virar dinheiro”, conta. “Mas meio que caí nesse tema. Começou com uma ideia que um editor da revista sugeriu.” Nas páginas da revista, escreveu sobre o pop coreano, sobre o produtor e compositor Dr. Luke, discípulo de Max Martin, e sobre o próprio Martin. Um texto seu de 2012, no qual traçava um perfil da equipe por trás do sucesso de Rihanna, foi inclusive publicado com o título “The Song Machine”, a máquina de canções.
UMBRELLA ELLA ELLA
Rihanna, aliás, é uma espécie de síntese do processo descrito por Seabrook. “Umbrella”, música que fez com que ela estourasse em 2007, não só não foi escrita por ela como nem foi escrita para ela. A história começa com o grupo de compositores de Atlanta formado por três homens. Um deles, Tricky Stewart, vinha de uma família de escritores de jingles que tinha no currículo canções para marcas como Coca-Cola e McDonald’s. Tricky cresceu em estúdios aprendendo a fazer músicas pegajosas e, por influência da mãe, estudou produção musical em vez de algum instrumento (assim ele teria mais futuro, pensou ela). Com outros membros de sua família, Tricky abriu a produtora RedZone Entertainment e durante anos trabalhou sem produzir um grande hit.
O jogo virou com “Umbrella”, uma criação conjunta. Kuk Harrell brincava com uma batida no computador quando Stewart entrou na sala e complementou o som com uns acordes no teclado. Terius Nash ouviu tudo, pegou um microfone, e começou a cantar algumas palavras aleatórias que vieram à cabeça. Assim nasceu o famoso refrão “under my umbrella ella ella ê ê”.
Sabendo que tinham algo bom em mãos, os três procuraram um artista para gravar a música. Tentaram Britney Spears, a cantora mais famosa que conheciam, mas ela recusou. Depois disso, tentaram o executivo L.A. Reid, que a mostrou para Rihanna, que, por sua vez, amou a canção e quis gravá-la. Os autores, porém, queriam alguém mais conhecido para “Umbrella” e, no início, negaram. Com a ajuda de Jay-Z, Rihanna acabou convencendo a equipe.
Mas o nascimento de um hit não é tão simples. É fundamental para que uma música toque bastante na rádio para estourar, e para que isso aconteça é necessária uma campanha pesada da gravadora. Segundo uma investigação da rádio pública americana NPR, citada pelo livro, uma gravadora desembolsa tranquilamente pelo menos 1 milhão de dólares para emplacar uma única música nas rádios, influenciando as datas e horários em que ela vai tocar e o número de vezes em que ela será repetida durante o dia. “As rádios precisam de música contagiante o suficiente para manter as pessoas ouvindo mesmo com os anúncios e as gravadoras precisam das rádios para vender suas músicas. Ambas precisam de hits”, escreve Seabrook.
POP ESCANDINAVO
“Umbrella” foi escrita por americanos, mas a origem dessa fábrica de canções está na Suécia nos anos 1990, com Denniz PoP, então um DJ de 28 anos parte do coletivo SweMix, que remixava sucessos dos Estados Unidos para o público europeu. O sonho de Denniz, conta Seabrook, era misturar as batidas dançantes dos clubes com o pop das rádios e seus refrões marcantes. Ele já havia trabalhado com algumas bandas quando recebeu uma fita com uma gravação de um quarteto chamado Ace of Base com uma mensagem: “Por favor, ouça essa fita e nos ligue”.
O DJ colocou a fita para tocar em seu carro e antes de terminar a canção já sabia que não queria trabalhar com eles. Mas seu rádio quebrou, a fita não saía e Denniz ficou ouvindo a música sem parar por duas semanas. Foi aí que teve o estalo. Mudou a melodia toda, colocou uma linha de baixo, deixou a música em acordes maiores, mas o refrão em menores, simplificou algumas coisas e batizou a composição de “All That She Wants”. A música foi um sucesso, inclusive nos Estados Unidos.
Denniz teve uma carreira curta, mas foi o responsável pelo Max Martin compositor. Martin era um cantor de glam-rock chamado Martin White quando assinou um contrato para trabalhar com Denniz, que o colocou sob sua asa. Denniz percebeu que Martin era melhor como compositor do que como cantor e o ensinou a usar o estúdio. Não há nenhuma gravação disponível na internet de Martin cantando, mas segundo Seabrook, que ouviu a versão do compositor de “…Baby One More Time”, sua voz é muito boa. Inclusive, ele envia suas versões das canções para o artista exatamente do jeito que ele quer que elas sejam cantadas.
Martin é bastante recluso e não quis falar com Seabrook, que contornou a questão usando entrevistas que ele havia dado a uma rádio sueca em 2008 que ainda não tinham sido traduzidas para o inglês. “Isso respondeu a maior parte das questões que eu teria perguntado”, afirma. O jornalista diz entender que Martin não goste muito de falar. “Ele é sueco! Eles não gostam muito de chamar a atenção. E como é melhor que todos achem que o artista escreve suas próprias músicas sua natureza reclusa encaixa muito bem com seu trabalho.”
E por que o pop deu tão certo na Escandinávia? Seabrook arrisca uma resposta. “ Nos Estados Unidos os compositores crescem com uma divisão entre pop e R&B que vem de categorias raciais de 60 anos atrás, mas que ainda são muito reais em termos de quem escreve cada música”, diz. “Pessoas brancas não escrevem R&B nos Estados Unidos. Mas na Suécia isso não é um problema. Pessoas como Max Martin se propuseram a escrever R&B para artistas negros, mas como são suecos, não saíram músicas exatamente desse gênero. Quando ele escreveu …Baby One More Time para o trio de R&B feminino TLC, elas ouviram a demo e disseram não.”
ME BATA MAIS UMA VEZ, BABY
Uma consequência curiosa desse arranjo é que as letras dessas músicas às vezes não fazem muito sentido. O refrão de “All That She Wants”, por exemplo, diz “all that she wants is another baby”, que seria algo como “tudo o que ela quer é outro bebê”. Frase estranha para uma música pop. O objetivo, conta o jornalista, era dizer “tudo o que ela quer é outro namorado”. A mesma coisa para “…Baby One More Time”. O nome original da música era igual ao refrão: “Hit Me Baby One More Time”, o que significa, ao pé da letra, “me bata mais uma vez, baby”. O que os autores queriam era dizer “me ligue de novo, baby”.
“As letras são menos importantes hoje fora do mundo do hip hop, em que ainda é importante que as frases signifiquem algo, sejam inteligentes ou chocantes. No pop as letras são só levemente melhores que na música disco”, afirma Seabook. “Em parte porque as músicas são construídas em torno da batida e da melodia e a letra é escrita em função delas. Na composição tradicional a letra nasce com a melodia. Agora ela vem no fim do processo.” E, é claro, porque como inglês não é a primeira língua dos compositores, às vezes as frases ficam truncadas.
Sem escrever suas próprias canções, os artistas perdem um pouco de seu controle criativo sobre a própria obra. “Mas eles ganharam poder com a ascensão das mídias sociais e controle sobre a própria imagem. Antes eles precisavam de repórteres musicais. Agora, não. Por isso as revistas de música estão desaparecendo”, afirma. Sobre as cantoras que fazem sucesso hoje, ele diz acreditar que são mais atrizes do que as divas de voz poderosa como Céline Dion e Whitney Houston. “Elas interpretam um papel e a música é como um roteiro. Se elas conseguem fazer diferentes papéis, como Rihanna e Nicki Minaj, melhor. Whitney Houston era sempre Whitney, não importava a música. Mas Rihanna muda a cada canção.”
Após passar anos em estúdio acompanhando processos de composição e produção, Seabrook diz que, embora existam segredos que não lhe contaram, não há uma fórmula secreta para escrever um hit. “Existe um processo industrializado que permite às pessoas que escrevam muitas músicas no mesmo tempo em que compositores levavam para escrever poucas. No livro, chamo isso de ‘track-and-hook’. Mas você ainda deve deixar a arte prevalecer em algum ponto do processo.”
O tal “track-and-hook” se refere à divisão entre a batida (track) e a melodia (hook), inventada por produtores de reggae na Jamaica. Lá, produtores faziam uma batida e convidavam vários cantores para gravar músicas a partir dela. “Hoje, o ‘track-and-hook’ virou o pilar da música popular. É comum que um produtor mande a mesma batida para várias pessoas — em casos extremos, até 50 — e escolha a melhor melodia entre elas.” Para Denniz PoP, conta Seabrook, compor era um esforço coletivo: como num programa de TV, em que vários roteiristas se reúnem numa sala e trocam ideias. Martin compartilha essa filosofia.
No site de John Seabrook há uma série de playlists para serem escutadas enquanto se lê o livro. Há uma divisão por capítulos, que engloba todas as canções citadas em ordem, e por produtor. “Ficou óbvio pela reação dos meus primeiros leitores que as pessoas largavam o livro para ouvir as músicas no YouTube. Idealmente você teria um livro em que você clicaria nas músicas quando elas aparecessem no texto. Mas esse tipo de livro não existe.”
Ouvir as canções dá uma boa dimensão do alcance de um grupo de produtores e compositores tão restrito que se pode contar nos dedos de uma mão. Pense em algum artista pop dos anos 1990 para cá: pelo menos uma música sua estará na playlist. Mas, segundo Seabrook, como todas as tendências na música, esse pop de hoje está fadado a acabar. Em breve? “Já passou da hora!”