Leonardo DiCaprio sofre menos em “Titanic”, em que morre de frio num mar gelado após um naufrágio, que em “O Regresso”. Sofre menos em “O Homem da Máscara de Ferro”, em que passa anos preso com uma máscara na cara a mando de seu próprio irmão, que em “O Regresso”. Sofre menos em “Romeu + Julieta”, em que se mata ao achar que sua mulher morreu, que em “O Regresso”. DiCaprio quase sempre sofre nos filmes, mas nada se compara a “O Regresso”, que estreia nesta quinta (4). Em mais de duas horas e meia, seu personagem, Hugh Glass é atacado por um urso, abandonado pelos companheiros, quase morre sufocado, afogado, esfaqueado, alvejado por flechas e a lista só cresce.
Fica difícil saber o quanto do que se vê é atuação e o quanto é sofrimento real — o ator disse em entrevistas que realmente comeu fígado cru de bisão, dormiu em carcaças de animal, entrou em rios congelados e quase teve hipotermia mais de uma vez. Com meia dúzia de falas no filme todo, DiCaprio não demonstra tantas nuances quanto em outros trabalhos. Hugh Glass não tem o charme de Jack, de “Titanic”, ou o humor de Jordan Belfort, de “O Lobo de Wall Street”. É só dor e sofrimento, dor e sofrimento. Como o Oscar tende a recompensar os atores por esforço e comprometimento, DiCaprio finalmente deve levar o prêmio e acabar com as piadas, apesar de ter tido outras performances mais, digamos, interessantes no passado.
Mas, como história, “O Regresso” não é nada demais. Tanto que tem o maior número de indicações ao Oscar, disputando 12 categorias, mas roteiro não é uma delas. Hugh Glass faz parte de um grupo de americanos caçadores e vendedores de peles, até ser atacado por um urso que o vê como ameaça a seus filhotes. Todo machucado e sem poder falar, Glass é abandonado pelos companheiros, que deixam um pequeno grupo encabeçado por Fitzgerald (Tom Hardy) com ele para que seja enterrado quando finalmente morrer. Só que Fitzgerald não está a fim de esperar: ele enterra o companheiro vivo e parte sem olhar para trás.
Durante o resto do filme, Leonardo DiCaprio grunhe, cambaleia e se arrasta pela neve para se vingar de Fitzgerald. No caminho, enfrenta tempestades, pesca com as próprias mãos e come o peixe cru (parece até bom comparado ao fígado que vem depois), cauteriza as próprias feridas e foge de diferentes inimigos — de índios a outros grupos de caçadores. Sozinho em outro planeta, Matt Damon tem a vida mais fácil que DiCaprio em seu “Perdido em Marte”, também uma história de sobrevivência, mas bem mais otimista.
“O Regresso” é bruto: em um momento, a lente da câmera fica manchada de sangue. Hugh Glass não chega a ser estuprado por um urso, como dizia um boato bizarro que circulou meses atrás, mas o ataque é violentíssimo. Quando você acha que acabou e respira aliviado, o urso volta para um repeteco e joga DiCaprio pra lá e pra cá.
O filme impressiona pelo aspecto técnico. Foi feito para ser visto no cinema, como “Gravidade”, que tem o mesmo diretor de fotografia, atual bicampeão do Oscar, Emmanuel Lubezki. As imagens são maravilhosas e foi tudo filmado com luz natural, em condições climáticas bem difíceis. Valeu a pena, dá vontade de viver num mundo em que ele seja diretor de fotografia. Em alguns momentos, o filme lembra “A Árvore da Vida”, de Terrence Malik, e não é gratuito: Lubezki também foi responsável pela fotografia. É um filme lindíssimo, mas como história bate numa tecla só e são horas de pura tortura. Quem diria que algum personagem de DiCaprio conseguiria ter uma experiência mais infeliz com gelo que o Jack, de “Titanic”.