Saindo da sessão de “O Bebê de Bridget Jones”, sala cheia em um sábado no shopping, um sentimento estranho, meio nostálgico pairava no ar. Uma lembrança de 2003, 2004, quando assistir a uma comédia romântica no domingo à tarde era um programa comum. Explica-se o estranhamento: as comédias românticas estão em extinção. Pare uns minutos para aceitar esse fato — nem todo o mundo aceita essa afirmação de primeira. “Ah, mas eu vi uma comédia romântica outro dia”, você pode dizer. Repare na data desse filme. É recente mesmo? E depois: tem certeza de que é uma comédia romântica e não só uma comédia ou um drama romântico? Caso a resposta para as duas perguntas seja “sim”, ok, você achou uma exceção. Afinal, as comédias românticas estão em extinção, não completamente extintas.
Dos anos 1980 aos 2000, as comédias românticas viveram uma era de ouro — não só em quantidade, mas em qualidade. “Harry & Sally: Feitos um para o Outro”, de 1989, concorreu ao Oscar de roteiro original; Renée Zellweger disputou a estatueta de melhor atriz em 2002; atores como Tom Hanks e Sandra Bullock, ambos vencedores do Oscar, eram figurinhas fáceis em filmes do gênero. Você sempre podia contar com Meg Ryan ou Hugh Grant, o rei da comédia romântica, para protagonizar outra história em que garoto conhece garota, garoto e garota enfrentam algum empecilho (um deles está num relacionamento, o outro não quer compromisso, os dois não querem arruinar uma amizade), até que garoto e garota descobrem que foram feitos um para o outro e vivem felizes para sempre. Comédias românticas, com algumas exceções, costumam seguir um roteiro básico. Mas seu atrativo não é a previsibilidade, e sim uma sensação confortante de que tudo vai ficar bem.
Tom Hanks e Meg Ryan — que fizeram juntos “Joe Contra o Vulcão” (1990), “Sintonia de Amor” (1993) e “Mensagem pra Você” (1998) — passaram o bastão para Hugh Grant — de “O Diário de Bridget Jones” (2001), “Amor à Segunda Vista” (2002), “Simplesmente Amor” (2003), “Letra e Música” (2007) — e Drew Barrymore , que fez (segura que a lista é longa): “Afinado no Amor” (1998), “Nunca Fui Beijada” (1999), “Como se Fosse a Primeira Vez” (2004), “Amor em Jogo” (2005), “Letra e Música”, “Ele Não Está Tão a Fim de Você” (2009) e “Amor à Distância” (2010). A comédia romântica deu um último suspiro com Ashton Kutcher, que tem um currículo cheio de filmes do gênero e Katherine Heigl, cuja última comédia romântica no currículo é a mesma de Kutcher: “Noite de Ano Novo”, no distante ano de 2011.
Desde o início da década, caiu muito o número de estreias de comédias românticas. Sim, são lançadas comédias em que há um quê de romance (“Como Ser Solteira”, deste ano, por exemplo) e são lançados filmes românticos que tenham alguns momentos engraçados. Mas um verdadeiro filme do gênero é uma comédia em que a principal trama seja romântica — “Legalmente Loira”, por exemplo, não entra na lista, já que o romance de Reese Witherspoon e Luke Wilson é secundário. São esses os filmes em extinção. Mesmo quando uma comédia romântica é feita, ou ela chega sem estardalhaço (“Será Que?”, com Daniel Radcliffe, que estreou no Brasil dois anos atrás) ou nem estreia por aqui, caso de “Sleeping with Other People”, bom filme com Alison Brie e Jason Sudeikis.
Há vários fatores jogando contra a comédia romântica, que talvez possam explicar porque ela foi deixada de lado. Hoje o foco dos grandes estúdios é fazer filmes que possam virar franquias, se desdobrar em outros muitos filmes. Além dos filmes de super-heróis, da Marvel e da DC, há a franquia de Star Wars, a nova série de filmes do universo de Harry Potter (serão cinco filmes sobre criaturas mágicas), Jason Bourne, 007, Jurassic Park, Jack Reacher… Até “Truque de Mestre” ganhou uma continuação neste ano. Com comédias românticas, isso não é tão fácil: o “felizes para sempre” não é tão legal de ver quanto o caminho até ele. Tem exceções, como Bridget Jones, que chegou ao terceiro filme. Mas são raras.
Além disso, comédias românticas — como comédias, de modo geral — são mais difíceis de traduzir, de serem entendidas por outras culturas, que têm outro humor. E o mercado internacional, principalmente a China, é responsável por grande parte dos lucros de um filme. É mais fácil que um “Mad Max”, com pouquíssimo diálogo e muita ação, seja um sucesso internacional do que uma história sobre os percalços enfrentados por um casal jovem e branco em Nova York. Tem também o mito de que só mulheres gostam de comédias românticas. Para atrair também o público masculino, coloca-se às vezes um elemento de ação na trama — caso de “Par Perfeito”, com… Ashton Kutcher e Katherine Heigl. Também pesa a favor dos filmes com mais efeitos especiais e cenas de ação que é maior o atrativo para que as pessoas os vejam na sala de cinema. Um romance pode ser visto tranquilamente em casa, sem que se perca muita coisa, diferente de um “Gravidade” ou “Avatar”.
Mas talvez tudo isso fosse diferente se a geração de Hugh Grant e Sandra Bullock tivesse passado o bastão para atores melhores. Uma comédia romântica depende 100% de química entre os atores e roteiro. Não há efeitos especiais e grandes cenas de batalha para distrair o espectador, como em “Batman v. Superman”. Se os atores não tiverem sintonia, o filme não dá certo. Tom Hanks é puro carisma, Hugh Grant é o charmoso canastrão, Sandra Bullock era a desengonçada mais preocupada com a carreira do que com o amor, Drew Barrymore era a fofa. Ashton Kutcher não tinha essa magia — assista “Sexo sem Compromisso” pra ver. Katherine Heigl tampouco — e ainda foi prejudicada pela fama de antipática. Uma boa comédia romântica tem alguém tão famoso quanto simpático, por quem você torça, com quem você sofra junto. Não era o caso dessa última geração, e depois deles ninguém mais assumiu o trono. Quem poderia fazer isso? Emma Stone, por exemplo, tem carisma pra tanto. Mas quem poderia ser seu par? Zac Efron não é nenhum Hugh Grant.
A última safra de comédias românticas foi tão fraca, que não é bem surpresa que as pessoas tenham um pé atrás com o gênero — atores, estúdios, diretores, público. As boas comédias românticas ficaram nos anos 1990 e 2000. Mas “O Bebê de Bridget Jones” — por mais surpreendente que isso pareça — está aí para provar que com bons atores e um roteiro redondo, o gênero ainda dá um caldo. Nada como uma boa comédia romântica num fim de domingo.