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Olímpicos: David Burnett, o fotógrafo analógico

“Eu nunca posei para tantas selfies com outros fotógrafos.” É o que conta o fotógrafo americano David Burnett, que viralizou, durante as últimas semanas, involuntariamente nas redes sociais. Ele, que já cobriu revoluções e guerras, presidentes e anônimos, esteve em 11 olimpíadas. Mas em nenhuma trocou o papel de observador para observado como na Rio 2016.

Ele aparece em uma foto que rodou a internet nas semanas dos Jogos. É um registro de bastidores, da zona dos fotógrafos em uma das competições. Não é possível saber qual a modalidade, mas uma coisa logo se destaca: um fotógrafo de cabelos brancos aparece no centro da imagem, compenetrado no seu trabalho e munido apenas de uma câmera antiga, destoando totalmente de seus colegas que carregam câmeras ultramodernas.

Não é de hoje que David aposta em máquinas fotográficas analógicas para registrar as Olimpíadas. Ele tem utilizado uma sexagenária câmera Speed Graphic desde os jogos de Atenas, em 2004. E também para registrar outro emblemático evento que acontece de quatro em quatro anos: as eleições presidenciais dos Estados Unidos.

Disputa do salto com vara em 1996 registrada por David Burnett
Disputa do salto com vara em 1996 registrada por David Burnett

“Há uma sensação especial que se passa com as imagens que você tira com essa câmera. É bem diferente da sensação passada pelas câmeras digitais menores, e é o que eu gosto, pois remete a uma época mais antiga e também a uma interpretação pessoal minha”, conta, em entrevista ao Risca Faca.

É visivelmente pessoal a abordagem das fotografias de David em sua cobertura esportiva. São registros de etapas quase diametralmente opostas: os momentos de extrema ação e os de calmaria antes dos eventos. Ambos compõem um de seus livros – “Man Without Gravity” – e podem ser vistos nas fotos dos jogos do Rio 2016 em seu Instagram.

David diz apreciar os instantes de alta tensão, mas que também acha que os de silenciosa reflexão são talvez tão importantes quanto. Para ele, nenhum atleta passa 100% do tempo correndo. Eles pensam em um plano de como vão atuar e são nesses pontos em que surgem as possibilidades de fotos que estão além dos simples registros de ação.

“Eu não sei se isso é aplicável para todos, mas eu procuro por fotos que vão trazer uma reação humana. Algo com personalidade, moção, drama ou até mesmo uma bela composição. São coisas que podem trazer ao espectador a um novo nível de apreciação.”

Nas horas entre seus cliques, David tem observado os jogos no Rio. Ele, que já esteve no Brasil antes, conta que sua maior decepção com a organização foi com a comida das arenas e centros de competição. “Sei o quão gostosa e vibrante é a culinária brasileira, até com pratos simples. Então só ver pão e queijos é um pouco desapontador. A boa notícia é que ainda existem centenas de ótimos restaurantes na cidade.”

No último dia das Olimpíadas no Rio de Janeiro, a repercussão dos jogos começa ser evidente. As obras bilionárias foram entregues e a organização foi posta à prova. A cidade viveu momentos de glórias e tensão. Mais do que isso, foram escritas histórias: as consagrações e decepções dos atletas. De Isaquias, Rafaela, Thiago, Phelps e Bolt. Mas também de Lochte e Lavillenie. David e sua Speed Graphic estiveram lá para registrá-las.

As Olimpíadas do Rio de Janeiro seguiram a mesma tendência que David observou nos últimos trinta anos. Para ele, é normal que questões organizacionais comecem um pouco complicadas e acabem por se resolver no decorrer das semanas.

Prova de mergulho nas Olimpíadas de 1996 registrada por David Burnett
Prova de mergulho nas Olimpíadas de 1996 registrada por David Burnett

E apesar da cobertura alarmante da imprensa internacional e de casos de roubo de equipamentos de outros fotógrafos – que basicamente os impossibilita de cobrir os jogos – David disse ter aproveitado ao máximo sua estadia. “Eu certamente não me senti em perigo ou preocupado e só tive experiências positivas, uma atrás da outra. Fossem elas nas cafeterias ou ônibus da imprensa. No Brasil você pode ir bem longe com um jóia e bom dia, e eu acho que isso ficou evidente nas últimas semanas”, opina.

As décadas de fotorreportagens olímpicas também permitiram que David presenciasse as transformações ocorridas nas cidades-sede. O fotógrafo explica que é difícil saber qual será o impacto em longo prazo. Mas algo que quase sempre acontece é “que há um senso de autoria e propriedade [sobre a realização dos jogos na população local] que acaba sendo positivo, mesmo que apenas em um nível psicológico. E isso é o mais importante.”

Pedimos uma foto recente para David. Ele mandou essa selfie olímpica
Pedimos uma foto recente para David. Ele mandou essa selfie olímpica

Levando em conta a situação política da cidade – que, para além da crise nacional, encara um estado que decretou falência – isso se torna ainda mais essencial. “No fim das contas, eu vi muita positividade entre os cariocas e os visitantes, e em um tempo politicamente tão difícil, eu espero que isso traga um pouco de esperança no futuro para os brasileiros”, diz.

Agora, quase se despedindo do Rio de Janeiro, David continua sendo alvo de muita atenção dos colegas. Um dos poucos fotógrafos a usar câmeras antigas, ele recebe cumprimentos e tapinhas no ombro de outros profissionais da imprensa. “Acho que isso indica que apesar de obrigados a usar câmeras digitais, eles [os colegas] acham ótimo alguém tentar conseguir um visual fotográfico old school. Isso foi muito gratificante.”

Imagem do topo: foto de David Burnett da prova de mergulho em Barcelona, 1992.

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Olímpicos: O garçom, o grafiteiro e os desenvolvedores

No primeiro dia das Olimpíadas, centenas de policiais ocupavam a Praça Afonso Pena. Vestidos em armaduras, com armamento pesado e montados em cavalos, eles cumpriam parte do extenso plano de segurança elaborado para o evento. O destacamento fazia a escolta de um pequeno protesto que partia do local, e que contava com não mais que 300 pessoas. Gritavam, em sua maioria, contra a realização do evento e as remoções de moradores feitas para a construção das arenas. Bandeiras sindicais, comunistas e até uma da Palestina voavam enquanto uma modesta bateria puxava as canções. O clima, apesar de tudo, era tranquilo.

Para além dessa concentração de policiais e manifestantes, a rua estava atipicamente vazia para o fim de tarde de uma sexta-feira. A praça Afonso Pena é um dos principais centros comerciais e residenciais da Tijuca. Não no dia da Abertura dos Jogos Olímpicos. Afinal, lá começava o bloqueio de ruas para que apenas pessoas com ingressos se dirigissem ao Maracanã, a seis quadras dali.

Apesar da data simbólica, os jogos não começavam naquele local, naquele momento. Eles têm sido assunto quase incontornável na vida do Rio de Janeiro e dos cariocas há quase dois anos. A cidade inegavelmente se mobilizou. São histórias e participações que vão do gigantesco ao pequeno, do épico ao prosaico. Essas são algumas dessas histórias.

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Agnaldo Rodrigues se tornou celebridade do dia para a noite. Se já era querido pelos frequentadores de um tradicional reduto de Copacabana, o Galeto Sat’s, onde trabalha como churrasqueiro há seis anos, agora também se tornou figura notória por onde anda.

“Estava com a minha mãe no telefone hoje, lá no Ceará, e até por lá fiquei conhecido”, conta. O cearense, que mora no Rio há 27 anos, não foi entrevistado apenas por jornais de Fortaleza, mas também por emissoras de televisão de todo o mundo. Se tornou uma sensação olímpica.

O motivo da fama é a sua participação no revezamento da tocha olímpica. No dia anterior à abertura dos Jogos, ele a conduziu pela disputadíssima rua Nossa Senhora de Copacabana, coração do bairro mais famoso do país. Foi recebido como celebridade por centenas de pessoas que acompanhavam o evento apenas para ver o seu percurso. “Foi emocionante. Quando cheguei no meu ponto tinha tanta gente para cima de mim que a organização teve de me levar para outro local, me botar num carro.”

Em meio a celebridades e figuras da elite carioca, Agnaldo se destacava pela comoção causada. Tanto que foi questionado por um membro da organização: “Você é o quê aqui?” Rebateu, categoricamente: “Trabalho de churrasqueiro logo ali!”

Agnaldo é medalha de ouro no quesito churrasco. Crédito: Francisco Costa
Agnaldo é medalha de ouro no quesito churrasco. Crédito: Francisco Costa

Sua participação no trajeto da tocha foi uma surpresa. “Fiquei muito feliz. Nunca passou pela minha cabeça e agora se tornou realidade.” Pudera, o encontro entre o símbolo olímpico e o churrasqueiro havia sido confirmado diais antes, tudo graças a um movimento espontâneo que mexeu com o bairro da Zona Sul.

Iniciado por uma brincadeira de frequentadores do Sat’s, o movimento #AgnaldoOlimpico tomou de assalto a vida boêmia local. Nas semanas que antecederam os jogos, a campanha reivindicava que o churrasqueiro fosse a pessoa a acender a pira olímpica. Experiência com as labaredas ele tem: “Acho que foi porque já teve um problema com fogo aqui [no Sat’s] e eu apaguei antes de os bombeiros chegarem”.

Com a aproximação da data e o silêncio do Comitê Olímpico Internacional, surgiu então a ideia do Tour Etílico, que percorreu bares da região com a ajuda de ilustres personagens. Depois de taxista, guardador de carros e jornalista, finalmente chegou a vez de Agnaldo. Sem nenhuma cerimônia, ele tomou posse do objeto e adentrou o Galeto para acender a sua pira: a churrasqueira. Tudo isso ao som do cântico “Agnaldo! Guerreiro! Do povo cachaceiro!”.

O evento, acompanhado por centenas de pessoas, repercutiu pela cidade e atraiu as atenções da comissão organizadora do revezamento. Dias depois, Agnaldo percorreria Copacabana seguido por centenas de pessoas, mas, dessa vez, com a Tocha Olímpica.

O final do percurso guardou o momento mais marcante de toda a jornada. “Todo mundo estava me esperando. Não imaginava tanta gente!”

Agora, em plena Olimpíada, a rotina já não é mais a mesma. No Galeto Sat’s, cada vez mais turistas se juntam aos clientes habituais da casa para beber e conversar noite adentro. Agnaldo virou celebridade.

Morador do Caju, conta, que ficou conhecido onde mora. “No ônibus que peguei para vir pro trabalho hoje até me disseram ‘olha lá o cara que carregou a tocha!”

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Meton Joffily grafitou por toda cidade do Rio de Janeiro. Por isso, Ratones, um dos personagens que mais figura em suas obras, já esteve em muitos lugares. Mas nunca em um como o Boulevard Olímpico, onde o rato aparece no topo de um tubarão feito de lixo.

Ele faz parte do painel pintado por Meton, que ocupa um dos armazéns da região e foi cedido pela prefeitura. De grandes proporções, o graffiti mostra um ciclo de vida e de poluição. Peixes, em ordem de tamanho, vão sendo comidos até chegar no topo da cadeia alimentar, o tubarão de lixo. Toda a cena observada por Ratones e um urubu também feito de sucata.

A mensagem é clara: o maior predador é a poluição. É um ponto delicado, especialmente considerando o impacto ambiental e o tema de sustentabilidade dos jogos. Mas ele garante: “Não teve rabo preso”.

@meton.joffily fotografado na área portuária do Rio de Janeiro RJ em ago2016

A photo posted by Fernando Eliziario (@fernando_eliziario) on

Contatado para fazer duas obras nos jogos – tanto no Boulevard Olímpico, quanto como na escultura ‘Cidade Olimpíca’, na Praça Mauá – Meton não é novato em grafitar na região.

“Eu tive experiência de fazer um grafite na Perimetral, pintei no lado de fora, em um esquema parecido, onde só deram a tinta”, conta. Mas a paisagem, hoje, é outra. Sem o viaduto e revitalizada, a área agora é um importante centro turístico.

Por isso a escolha do tema. “Aproveitei o espaço dado para uma crítica, também. A poluição, que é um problema mundial, vai além da Baia de Guanabara.” Os olhos do mundo passam pelo Boulevard.

Com o convite, vieram sentimentos conflitantes. “Quando surge uma proposta dessas, a gente fica meio assim, com uma pulga atrás da orelha, de fazer parte de uma coisa que critica.”

Mas a oportunidade de dialogar com o público e ocupar um espaço tão visado foi mais importante. “Para você viver de arte, fazer o que gosta e acrescentar para as pessoas, é preciso também fazer esse tipo de trabalho. Dá para fazer disso uma coisa maneira”, conta.

Para Meton, a experiência foi positiva: “O público está se amarrando e todo mundo consegue pegar a mensagem”. E agora Ratones vê o Rio de Janeiro por mais um ângulo.

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“Nessa competição emocionante, os melhores atletas de todo o planeta terão o privilégio de correr atrás de sua merdalha imersa em esgoto puro, de baixo dos braços da sétima maravilha do mundo moderno, desafiando os limites do corpo humano.”

Diferentemente do clássico California Games, na Coliformia Games só existe uma modalidade. A natação em águas cariocas infestadas por pedaços radioativos de cocô, mosquitos mutantes e televisões que despejam excremento. O jogador deve desviar desses e outros obstáculos. Uma doença horrível é o resultado caso o objetivo não seja alcançado.

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Descendo a tela no site do jogo, mais informações aparecem. Um punhado de notícias de agências e portais de todo o mundo expondo a situação precária da poluição em diversos locais olímpicos.

É para denunciar esse panorama que cinco jovens criaram a Coliformia Games. Em sua maioria designers de formação, Diego, Carolina, Gustavo, Harrison e Mario juntaram suas habilidades individuais e lançaram o site nos dias que antecederam os jogos.

O projeto surgiu nas horas vagas em novembro passado. “A gente via todas as promessas que faziam em relação a despoluição e era tudo bem absurdo. Sabíamos que as chances de elas serem cumpridas eram próximas de zero”, conta Diego.

O formato em game veio por conta das habilidades de cada um. Mario é desenvolvedor de jogos e Harrison também é programador. Os cinco amigos já pensavam em fazer um jogo por diversão, e o tema calhou.

O desenvolvimento, que foi mais intenso nos últimos dois meses, aconteceu ao mesmo tempo em que a cidade entrava no clima olímpico. As promessas de despoluição não se concretizavam. Mais do que isso, os problemas de verdade não eram discutidos.

Para Carolina, a questão da Baia de Guanabara é um sintoma de algo maior. “Todo mundo fala em como limpar a Baia, por cima, botando filtragem, mas ninguém fala do saneamento básico. Isso acontece [a poluição] por causa de milhões que vivem sem saneamento básico regularizado. Ninguém fala disso.”

Para Harrison, o sentimento é próximo à história do filme “O Banheiro do Papa”. “Se passa em um país latino, em que o Papa vai fazer uma passagem. Existe toda uma preparação, e uma pessoa que era muito pobre consegue alugar um banheiro químico usando toda a sua poupança. Tudo em antecipação da passagem, onde milhares usariam o banheiro e o dinheiro seria multiplicado. E aí o Papa passa em um minuto. Tudo perde o sentido. Sinto que é o que está acontecendo por aqui.”