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Olímpicos: O garçom, o grafiteiro e os desenvolvedores

Os personagens paralelos das Olimpíadas do Rio de Janeiro

No primeiro dia das Olimpíadas, centenas de policiais ocupavam a Praça Afonso Pena. Vestidos em armaduras, com armamento pesado e montados em cavalos, eles cumpriam parte do extenso plano de segurança elaborado para o evento. O destacamento fazia a escolta de um pequeno protesto que partia do local, e que contava com não mais que 300 pessoas. Gritavam, em sua maioria, contra a realização do evento e as remoções de moradores feitas para a construção das arenas. Bandeiras sindicais, comunistas e até uma da Palestina voavam enquanto uma modesta bateria puxava as canções. O clima, apesar de tudo, era tranquilo.

Para além dessa concentração de policiais e manifestantes, a rua estava atipicamente vazia para o fim de tarde de uma sexta-feira. A praça Afonso Pena é um dos principais centros comerciais e residenciais da Tijuca. Não no dia da Abertura dos Jogos Olímpicos. Afinal, lá começava o bloqueio de ruas para que apenas pessoas com ingressos se dirigissem ao Maracanã, a seis quadras dali.

Apesar da data simbólica, os jogos não começavam naquele local, naquele momento. Eles têm sido assunto quase incontornável na vida do Rio de Janeiro e dos cariocas há quase dois anos. A cidade inegavelmente se mobilizou. São histórias e participações que vão do gigantesco ao pequeno, do épico ao prosaico. Essas são algumas dessas histórias.

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Agnaldo Rodrigues se tornou celebridade do dia para a noite. Se já era querido pelos frequentadores de um tradicional reduto de Copacabana, o Galeto Sat’s, onde trabalha como churrasqueiro há seis anos, agora também se tornou figura notória por onde anda.

“Estava com a minha mãe no telefone hoje, lá no Ceará, e até por lá fiquei conhecido”, conta. O cearense, que mora no Rio há 27 anos, não foi entrevistado apenas por jornais de Fortaleza, mas também por emissoras de televisão de todo o mundo. Se tornou uma sensação olímpica.

O motivo da fama é a sua participação no revezamento da tocha olímpica. No dia anterior à abertura dos Jogos, ele a conduziu pela disputadíssima rua Nossa Senhora de Copacabana, coração do bairro mais famoso do país. Foi recebido como celebridade por centenas de pessoas que acompanhavam o evento apenas para ver o seu percurso. “Foi emocionante. Quando cheguei no meu ponto tinha tanta gente para cima de mim que a organização teve de me levar para outro local, me botar num carro.”

Em meio a celebridades e figuras da elite carioca, Agnaldo se destacava pela comoção causada. Tanto que foi questionado por um membro da organização: “Você é o quê aqui?” Rebateu, categoricamente: “Trabalho de churrasqueiro logo ali!”

Agnaldo é medalha de ouro no quesito churrasco. Crédito: Francisco Costa
Agnaldo é medalha de ouro no quesito churrasco. Crédito: Francisco Costa

Sua participação no trajeto da tocha foi uma surpresa. “Fiquei muito feliz. Nunca passou pela minha cabeça e agora se tornou realidade.” Pudera, o encontro entre o símbolo olímpico e o churrasqueiro havia sido confirmado diais antes, tudo graças a um movimento espontâneo que mexeu com o bairro da Zona Sul.

Iniciado por uma brincadeira de frequentadores do Sat’s, o movimento #AgnaldoOlimpico tomou de assalto a vida boêmia local. Nas semanas que antecederam os jogos, a campanha reivindicava que o churrasqueiro fosse a pessoa a acender a pira olímpica. Experiência com as labaredas ele tem: “Acho que foi porque já teve um problema com fogo aqui [no Sat’s] e eu apaguei antes de os bombeiros chegarem”.

Com a aproximação da data e o silêncio do Comitê Olímpico Internacional, surgiu então a ideia do Tour Etílico, que percorreu bares da região com a ajuda de ilustres personagens. Depois de taxista, guardador de carros e jornalista, finalmente chegou a vez de Agnaldo. Sem nenhuma cerimônia, ele tomou posse do objeto e adentrou o Galeto para acender a sua pira: a churrasqueira. Tudo isso ao som do cântico “Agnaldo! Guerreiro! Do povo cachaceiro!”.

O evento, acompanhado por centenas de pessoas, repercutiu pela cidade e atraiu as atenções da comissão organizadora do revezamento. Dias depois, Agnaldo percorreria Copacabana seguido por centenas de pessoas, mas, dessa vez, com a Tocha Olímpica.

O final do percurso guardou o momento mais marcante de toda a jornada. “Todo mundo estava me esperando. Não imaginava tanta gente!”

Agora, em plena Olimpíada, a rotina já não é mais a mesma. No Galeto Sat’s, cada vez mais turistas se juntam aos clientes habituais da casa para beber e conversar noite adentro. Agnaldo virou celebridade.

Morador do Caju, conta, que ficou conhecido onde mora. “No ônibus que peguei para vir pro trabalho hoje até me disseram ‘olha lá o cara que carregou a tocha!”

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Meton Joffily grafitou por toda cidade do Rio de Janeiro. Por isso, Ratones, um dos personagens que mais figura em suas obras, já esteve em muitos lugares. Mas nunca em um como o Boulevard Olímpico, onde o rato aparece no topo de um tubarão feito de lixo.

Ele faz parte do painel pintado por Meton, que ocupa um dos armazéns da região e foi cedido pela prefeitura. De grandes proporções, o graffiti mostra um ciclo de vida e de poluição. Peixes, em ordem de tamanho, vão sendo comidos até chegar no topo da cadeia alimentar, o tubarão de lixo. Toda a cena observada por Ratones e um urubu também feito de sucata.

A mensagem é clara: o maior predador é a poluição. É um ponto delicado, especialmente considerando o impacto ambiental e o tema de sustentabilidade dos jogos. Mas ele garante: “Não teve rabo preso”.

@meton.joffily fotografado na área portuária do Rio de Janeiro RJ em ago2016

A photo posted by Fernando Eliziario (@fernando_eliziario) on

Contatado para fazer duas obras nos jogos – tanto no Boulevard Olímpico, quanto como na escultura ‘Cidade Olimpíca’, na Praça Mauá – Meton não é novato em grafitar na região.

“Eu tive experiência de fazer um grafite na Perimetral, pintei no lado de fora, em um esquema parecido, onde só deram a tinta”, conta. Mas a paisagem, hoje, é outra. Sem o viaduto e revitalizada, a área agora é um importante centro turístico.

Por isso a escolha do tema. “Aproveitei o espaço dado para uma crítica, também. A poluição, que é um problema mundial, vai além da Baia de Guanabara.” Os olhos do mundo passam pelo Boulevard.

Com o convite, vieram sentimentos conflitantes. “Quando surge uma proposta dessas, a gente fica meio assim, com uma pulga atrás da orelha, de fazer parte de uma coisa que critica.”

Mas a oportunidade de dialogar com o público e ocupar um espaço tão visado foi mais importante. “Para você viver de arte, fazer o que gosta e acrescentar para as pessoas, é preciso também fazer esse tipo de trabalho. Dá para fazer disso uma coisa maneira”, conta.

Para Meton, a experiência foi positiva: “O público está se amarrando e todo mundo consegue pegar a mensagem”. E agora Ratones vê o Rio de Janeiro por mais um ângulo.

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“Nessa competição emocionante, os melhores atletas de todo o planeta terão o privilégio de correr atrás de sua merdalha imersa em esgoto puro, de baixo dos braços da sétima maravilha do mundo moderno, desafiando os limites do corpo humano.”

Diferentemente do clássico California Games, na Coliformia Games só existe uma modalidade. A natação em águas cariocas infestadas por pedaços radioativos de cocô, mosquitos mutantes e televisões que despejam excremento. O jogador deve desviar desses e outros obstáculos. Uma doença horrível é o resultado caso o objetivo não seja alcançado.

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Descendo a tela no site do jogo, mais informações aparecem. Um punhado de notícias de agências e portais de todo o mundo expondo a situação precária da poluição em diversos locais olímpicos.

É para denunciar esse panorama que cinco jovens criaram a Coliformia Games. Em sua maioria designers de formação, Diego, Carolina, Gustavo, Harrison e Mario juntaram suas habilidades individuais e lançaram o site nos dias que antecederam os jogos.

O projeto surgiu nas horas vagas em novembro passado. “A gente via todas as promessas que faziam em relação a despoluição e era tudo bem absurdo. Sabíamos que as chances de elas serem cumpridas eram próximas de zero”, conta Diego.

O formato em game veio por conta das habilidades de cada um. Mario é desenvolvedor de jogos e Harrison também é programador. Os cinco amigos já pensavam em fazer um jogo por diversão, e o tema calhou.

O desenvolvimento, que foi mais intenso nos últimos dois meses, aconteceu ao mesmo tempo em que a cidade entrava no clima olímpico. As promessas de despoluição não se concretizavam. Mais do que isso, os problemas de verdade não eram discutidos.

Para Carolina, a questão da Baia de Guanabara é um sintoma de algo maior. “Todo mundo fala em como limpar a Baia, por cima, botando filtragem, mas ninguém fala do saneamento básico. Isso acontece [a poluição] por causa de milhões que vivem sem saneamento básico regularizado. Ninguém fala disso.”

Para Harrison, o sentimento é próximo à história do filme “O Banheiro do Papa”. “Se passa em um país latino, em que o Papa vai fazer uma passagem. Existe toda uma preparação, e uma pessoa que era muito pobre consegue alugar um banheiro químico usando toda a sua poupança. Tudo em antecipação da passagem, onde milhares usariam o banheiro e o dinheiro seria multiplicado. E aí o Papa passa em um minuto. Tudo perde o sentido. Sinto que é o que está acontecendo por aqui.”

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