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O mundo bizarro da TV brasileira nos anos 90

Os momentos mais bizarros da disputa pelo horário nobre na década do vale-tudo

Houve uma época em que as famílias se reuniam aos domingos e a televisão ligada mostrava, em plena tarde, mulheres dançando seminuas, crianças requebrando ao som de axé com letras de duplo sentido, homens famosos comendo sushi no corpo de mulheres ou se esfregando contra modelos numa banheira. Parece um pouco surreal hoje, mas não faz tanto tempo assim.

Nos anos 1990, a TV brasileira era outra. Na briga pela audiência, valia qualquer coisa: mostrar mortes ao vivo, ridicularizar pessoas com doenças, colocar crianças para trabalhara e fazer charme. Depois do fim da ditadura nos anos 80 e da expansão rápida da televisão aberta, o horário nobre virou vale-tudo. Os principais envolvidos eram Faustão e Gugu, o rei dos quadros com gente de pouca roupa participando de todos os tipos de prova.

Mas a baixaria rolava solta também em outros canais – Luciano Huck, que hoje reforma casas e carros em seu programa, apresentou ao mundo a Tiazinha e a Feiticeira, que faziam coisas como depilar rapazes no palco do seu “H”, na Bandeirantes. O cenário mudou um pouco no início dos anos 2000, por volta da época em que Gugu exibiu uma entrevista falsa com membros do PCC. Até então, a TV era “loucura, loucura, loucura” – pra citar o bordão de Huck. Depois, as coisas ficaram (um pouco) mais sérias.

O Risca Faca fez uma compilação, ano a ano, dos momentos marcantes mais bizarros da década, para fazer um retrato do que foram os loucos anos 90.


  • Gata molhada no Sabadão (SBT)
    Várias versões da premissa “garotas com pouca roupa são molhadas” já passaram pela TV brasileira. No “Domingo Legal” as garotas molhadas pelo menos tinham uma camiseta por cima. No “Sabadão Sertanejo” era outro nível. As “gatas molhadas” começavam sua participação como as do Gugu: parte de baixo do biquíni e camiseta. Mas, sob um chuveiro, sozinhas ou acompanhadas de um convidado do programa, como Luciano (da dupla com Zezé Di Camargo), elas dançavam e chegavam a tirar a parte de cima toda, mostrando os peitos para todo o mundo ver.

  • Chico Xavier no “Sabadão Sertanejo” (SBT)
    Mas nem tudo era baixaria no “Sabadão”. Depois das moças seminuas dançando, antes dos intervalos, o programa exibia mensagens edificantes de Chico Xavier.

  • Ratos de Porão no Milk Shake (Manchete)
    O programa, “Milk Shake”, era infantil. Mas a letra dos Ratos de Porão, nem tanto: “Sinto só gosto de sangue/ E vontade de fugir/ Violência pura agora é quase um prazer/ Não confio em mais ninguém”. Apesar da temática, as crianças da plateia aplaudiam e pulavam no cenário que lembra o filme “Branca de Neve”.


  • Prova dos batimentos cardíacos (SBT)
    Difícil precisar quando a prova dos batimentos cardíacos começou, mas ela era exibida no “Domingo Legal”, de Gugu, que estreou em 1993. Como em outras brincadeiras do programa, essa envolvia pouca roupa: um convidado se sentava numa cadeira ligado a uma máquina que monitorava sua frequência cardíaca. O desafio do convidado era manter a calma e o coração pouco acelerado enquanto alguém do sexo exposto fazia um strip tease em sua frente. O quadro tinha direito a pacote completo: música sensual, lingerie sexy e muita dança.

  • Prova da camiseta molhada (SBT)
    Gugu Liberato gostava de jogar água sobre mulheres em seu programa. Além da famosa banheira, o “Domingo Legal” apresentava a prova da camiseta molhada. Como no caso da banheira, as regras eram simples: modelos eram enfileiradas, vestindo parte de baixo de um biquíni e uma camiseta branca (sem nada por baixo). Quando elas eram molhadas, a camiseta transparente revelava um código, utilizado para abrir um cofre. E dá-lhe closes nos peitos expostos das modelos.


  • aqui-agora-netflix

    Suicídio no “Aqui Agora” (SBT)
    O SBT foi condenado a pagar uma indenização de R$ 1,05 milhão à família de Daniele Alves Lopes em 1994 por exibir seu suicídio no jornal “Aqui Agora”. Daniele ficou sentada por 15 minutos no beiral de um prédio até se atirar de uma altura de 25 metros, em imagens captadas pelo canal, que chegou à cena com os socorristas. A equipe do programa ainda levou os pais de Daniele, que não sabiam da morte da filha, à delegacia, exibindo suas imagens enquanto a reportagem afirmava que ela estava envolvida com drogas. A justiça considerou que o SBT teria usado indevidamente imagens da família e que havia causado danos morais a eles.


  • Prova da bexiga (SBT)
    Poderia ser uma prova de gincana em festa infantil, se não fosse um detalhe. Na prova da bexiga, no “Domingo Legal”, o objetivo era estourar o maior número de bexigas com o corpo. Mas em vez de sentar sobre a bexiga no chão, os participantes tinham que apertar a bexiga no corpo de uma modelo — de frente e de pé, sentando no colo dela de frente e de costas.

  • Short Dick Man na Xuxa (Globo)
    Não havia barreiras de língua quando se fala de letras inapropriadas em programas para criança nos anos 1990. Em 1995, Xuxa recebeu em seu programa o grupo 20 Fingers para cantar a música “Short Dick Man”. Como se intui pelo título, a mensagem da música é “não quero um homem de pau pequeno”. Mensagem enfática: “Que graça, um umbigo extra. Você precisa colocar as calças de novo, querido”. Pelo menos era em inglês.


  • Banheira do Gugu (SBT)
    Uma banheira, um homem, uma mulher, muitos sabonetes. Uma premissa das mais simples resultou no quadro de maior sucesso do “Domingo Legal”, do SBT. Exibido no horário mais família da televisão — a tarde de domingo — o quadro envolvia uma disputa entre homens e mulheres para ver quem pegava mais sabonetes numa banheira. Famosos como Rodrigo Faro, Daniel e Dinho dos Mamonas Assassinas entravam na água para tentar pegar os sabonetes enquanto mulheres de bíquini — como Luiza Ambiel e Nana Gouvêa — e homens de sunga tentavam impedir o convidado de alcançar seu objetivo, usando todos os recursos possíveis para dificultar a tarefa (rolava muita “mão boba”, resumiu Gugu, anos depois). Durante anos, a banheira do Gugu era o destino mais certeiro para quem queria ver closes em bundas e gente seminua ensaboada se esfregando.

  • Boquinha da garrafa (SBT)
    “A cinco é muito boa” ou “Capricha, Amanda, capricha!”, comentava Gugu Liberato enquanto um grupo de mulheres ralava na boquinha da garrafa no palco de seu domingo legal. Vestindo o uniforme clássico das dançarinas de axé (shortinho e top, tudo bem curto e bem colado), as mulheres sambavam sobre uma garrafa numa competição em várias etapas para ver quem dançava melhor.

  • Latininho no Faustão (Globo)
    Em 1996, Faustão recebeu em seu programa o garoto de 15 anos Rafael Pereira dos Santos, portador da síndrome de Seckel, distúrbio caracterizado por nanismo, microcefalia e retardo mental. Com 87 centímetros de altura, Rafael — vestido como o cantor Latino, que o acompanhou no palco, e apelidado de Latininho — foi comparado ao ET de Varginha. Durante o programa, Rafael dançou e chegou a se sentar no colo de Caçulinha. Anos mais tarde, a Globo foi condenada a lhe pagar 1 milhão de reais por ter humilhado o menino, expondo sua imagem “com nítida intenção de ridicularizá-lo, destacando suas restrições físicas e mentais através de lamentáveis e reprováveis comentários despidos do que se pode tolerar como admissíveis com um mínimo de bom senso”.


  • Ratinho descobre ET (SBT)
    Cláudio Chirinian ficou conhecido como ET, da dupla ET e Rodolfo, no programa do Ratinho. Durante minutos, o apresentador rodeou uma caixa, fazendo mistério antes de abri-la, dizendo que iria apresentar ao Brasil o extraterrestre de Olaria, depois de o repórter Rodolfo Carlos anunciar por dias que exibiria um ET ao vivo na TV. Pequeno e estrábico, Chirinian surgiu de dentro da caixa sem camisa, falando palavrões. O apelido de ET pegou e, com Rodolfo, foi contratado pelo SBT para participar do “Domingo Legal” e gravou um CD humorístico. Cláudio morreu em 2010.

  • Dani Boy (SBT)
    Ter crianças no palco não era empecilho para o “Sabadão Sertanejo” mostrar mulheres tomando banho. Enquanto Dani Boy — que ganhou o apelido por cantar músicas do Daniel — cantava rebolando a música “Cumade e Cumpade”, uma mulher dançava no chuveiro vestindo uma camiseta branca sem nada por baixo, com direito a closes em sua bunda. Do seu lado, uma moça de lingerie de oncinha fazia uma apresentação de pole dance. Mas foi no programa do Gugu, o “Domingo Legal”, que Dani Boy ficou famoso, trabalhando como assistente de palco depois de pedir emprego ao vivo.

  • Fantasia (SBT)
    Outra boa alternativa no SBT para ver modelos jogando jogos era o “Fantasia”, com quadros para crianças como o jogo da memória e palavras cruzadas — nos intervalos dos jogos, as modelos do programa cantavam karaokê. Era um programa com tanto apelo infantil, que a apresentadora Jackeline Petkovic, na época com 17 anos, foi apresentar o “Bom Dia & Cia” depois. Era também uma boa oportunidade de ver mulheres dançando de sainha e barriga de fora ou mesmo de bíquini. Em um dos momentos clássicos do programa, Carla Perez, de roupa de banho, pergunta a uma espectadora que joga uma espécie de forca se ela quis dizer “i de escola”. Não, “i de isqueiro”, responde ela. “E de esqueiro?”, pergunta Carla, inabalável.

  • Sushi Erótico (Globo)
    O nome é autoexplicativo. Em 1997, Faustão exibiu um quadro em que Oscar Magrini e Marcio Garcia comiam sushi (“o arroz é para conservar o peixe”, diziam ao explicar a diferença de sushi e sashimi) exposto no corpo de uma mulher nua em um restaurante. Discutindo o preço de um almoço desses, Caçulinha responde que pagaria 500 reais. Por mil dólares, diz Faustão, você pode ficar um ano com a mulher em casa servindo de bandeja. “É uma mesa especial”, define o apresentador. Entre as perguntas às mulheres com sushi no corpo: “Você não tem medo de uma mulher invejosa ir aí e te espetar com um garfo?”. O quadro, claro, terminou em axé.

  • Tiazinha no “H” (Bandeirantes)
    O programa “H”, apresentado por Luciano Huck, estreou na Bandeirantes em 1996 como uma alternativa para os jovens, como as séries “Anos Incríveis” e “Confissões de Adolescentes”. Em vez disso o “H” deu ao mundo a Tiazinha, uma dominatrix vestida com uma máscara, calcinha preta, corpete e meias sete oitavos que, munida de um chicote, depilava homens com cera quente no palco do programa. O “H” mudou depois pro horário da noite, mas dava ver pela plateia que seu público continuava adolescente (“quem aí comprou a Playboy da Tiazinha levanta a mão direita!”, gritou Luciano Huck enquanto ela rebolava em um dos programas).


  • Mulekada no SOS Nordeste (Record)
    Crianças também cantavam músicas de conteúdo pouco infantil sem causar estranhamento. Nos anos 1990, todo o mundo segurava o tchan e requebrava até o chão e isso incluía crianças. Criado em 1998, o grupo Mulekada, que se apresentava em vários programas de auditório, imitava o É o Tchan nos movimentos de dança e figurinos. “Na hora da dança requebra gostoso, rebola a bundinha, vai até o chão”, cantava um menino e duas meninas, devidamente vestidas em shortinhos, sacudindo cabelos e a pélvis sobre gritos de “requebra, loirinha!”.

  • “O Pinto” na Eliana (Record)
    No programa “Eliana no Parque”, em 1998, ficou provado que o axé era realmente um fenômeno infantil: a maioria das crianças sabia letra e coreografia de todo o tipo de axé com duplo sentido. “O pinto!”, grita Eliana, empolgada, antevendo o que vem por aí. “Esse pinto não é mole, esse pinto é safado”, canta o grupo enquanto duas dançarinas de biquíni mostram a dança à plateia de crianças, todas empolgadíssimas, num cenário hiper infantil, com direito a balões e roda gigante.

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