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“O silêncio também
faz parte da música” 

Antes do show na Concha, uma conversa com a artista Larissa Baq

Os longuíssimos dreadlocks esbranquiçados que se enrolam por sobre a cabeça de Larissa Baq tem um tom parecido com o de seus olhos claros. Suas frases são embaladas por uma voz mansa de leve sotaque do interior paulista, mas é difícil distinguir se ele foi adquirido em Franca, onde nasceu, ou quando morou em Limeira, Sertãozinho, Campinas, Pedreira e Ribeirão Preto. Mais plural que sua lista de endereços passados são seus talentos para a música. Larissa é cantora, compositora e instrumentista chegada em violão, guitarra, percussão e trompete. Enquanto passa o som para o Festival Concha, ela reserva um tempo para conversar sobre timidez, silêncio e seu álbum VOA, projeto totalmente autoral lançado em abril deste ano.

Larissa Baq se apresenta neste sábado no festa Concha, em São Paulo. Clique aqui para mais detalhes.

Risca Faca: A música começou cedo na sua vida. Você diz que aprendeu violão por influência da sua mãe e que, em casa, ouvia muito rock: Queen, Pink Floyd, Beatles… Você vem de um lar musical?

Larissa Baq: Não muito. Minha mãe toca violão e meu pai toca bateria. Eles tocavam de brincadeira na adolescência, mas ninguém acabou levando muito a sério. Quando eu nasci, e meu irmão depois, não existiam instrumentos em casa. Tinha um violão sem corda em cima do armário há muitos anos. O contato com a música se dava a partir do que eles ouviam, mas era tudo no automático. Não teve catequização da parte deles no sentido de nos fazer ouvir essa ou aquela banda.

Sua primeira composição foi aos 15 anos. Mas você só foi tomar a frente do palco mais tarde, saindo de um lugar mais discreto de compositora e instrumentista. Como foi esse processo?

Foi bem sofrido. Eu sentia a necessidade de ter uma independência porque, como instrumentista, eu só acompanhava outras pessoas. E eu também estava em um local de trás. De repente, eu estava indo para frente do palco e, ainda por cima, para cantar coisas minhas. Foram duas barreironas ao mesmo tempo. Eu queria muito fazer isso, então a vontade me impulsionou.

Você chegou a cursar Audiovisual em Ribeirão Preto. Mas a música sempre foi seu objetivo?

Eu tinha aquelas vontade clássicas. Queria ser veterinária até descobrir como tiravam a temperatura dos cachorros. Eu não tinha o sonho de crescer e ser musicista. A coisa foi tomando conta. Já existia uma predisposição desde muito cedo. Fui amadurecendo essa situação de estar tocando até que senti que existia uma linguagem para eu viver só daquilo. Eu já tinha saído da faculdade, mas mesmo enquanto estudava Audiovisual, eu me dedicava a tocar. Foi tudo paralelo. Mas desde que eu assumi só a música, eu amadureci mil por cento.

Qual foi a cronologia dos instrumentos?

Primeiro o violão, depois guitarra elétrica, aí várias percussões e depois o trompete. Levei a percussão mais a sério, estudando e tocando com outra pessoas, mas acabei largando por causa daquilo que disse: era muito sobre acompanhar outras pessoas e eu queria o meu trabalho. Então, peguei o violão e a guitarra para tocar minhas músicas. Hoje em dia é mais a guitarra que me acompanha nos shows, mas ainda vejo os outros instrumentos com muito carinho. Tenho um trompete tatuado no braço e tudo. Ainda tenho em casa todos os instrumentos que toco e, sempre que tenho um tempinho, pego um deles.

O VOA é seu primeiro álbum, mas você lançou o EP iR antes dele.

Ele está no meu canal do YouTube, no SoundCloud, mas ele fica mais escondido mesmo porque é muito diferente do que eu tenho feito nos últimos três anos. Ele é muito genérico. Eu era muito guiada por várias pessoas com que estava produzindo. Os trabalhos que vieram depois são muito mais eu. E o VOA é mais ainda.

Como você compõe?

Bem desordenadamente. Às vezes vem um início de letra que pode ter um potencial na guitarra, aí eu pego o instrumento e dou vazão ao resto da letra. Às vezes é algo na guitarra que puxa alguma lírica interessante. A letra puxa a melodia automático e vice-versa. Tudo serve de inspiração, mas basicamente relações com pessoas. Não só de amor, mas relações universais minhas e de pessoas que conheço. Tem sentimentos no disco que não necessariamente eram meus. Não gosto muito de escrever só sobre amor, mas não tem como fugir porque ele está em todas as relações. Sobre referências, acabei de passar por uma fase bem Chet Faker. Hoje ouço muito Far From Alaska, PJ Harvey, Thom Yorke, Juana Molina, o pop elétrico de Jack Garratt. Eu tenho uma boa relação com o pop, ouço Coldplay, Radiohead. De brasileiros, Guinga, Gal Costa, Lenine e mais uma porrada de gente.

O VOA veio depois de viagens que você fez se apresentando na Europa, Argentina e Uruguai. A viagem teve influência?

Algumas músicas eu compus viajando. Eu gosto muito de fazer isso porque amadureço muito meu som sozinha. E cheguei em uma identidade muito interessante, principalmente na guitarra.

O VOA foi possível por um projeto de crowdfunding no site Partio. Você disponibilizar o álbum livremente foi reflexo disso?

Enquanto filosofia artística, eu gosto muito que as músicas sejam acessíveis porque não é todo mundo que tem cartão de crédito para pagar dez dólares em um disco no iTunes. Enquanto uma pessoa que se liga no mercado da música, acho que não faz mais sentido a gente deixar as pessoas só ouvirem se elas pagarem. Principalmente aqui no Brasil. Na Alemanha, isso dá certo. As pessoas baixam o disco depois que compram. Aqui não tem como ou porque as pessoas não têm grana, ou porque não têm costume.

Como aconteceram as parcerias com a rapper britânica LyricL e com o músico Pedro Altério?

Fui para Londres em 2011 e conheci a LyricL. Voltei para lá nos dois anos seguintes, depois de lançar o iR, e mantivemos contato. Eu pirei porque ela tem uma voz muito interessante no sentido de se posicionar enquanto mulher e negra dentro da cultura hip hop londrina. Fiz o convite e ela foi uma querida. O Pedro Altério é meu irmão, a gente se conheceu há uns quatro anos, inclusive o estúdio em que gravei VOA é do pai dele. Era muito óbvia a participação dele com o álbum.

Sua música parece ter uma relação boa com o silêncio. É curioso que a primeira faixa se chame Pausa, que justamente é uma ausência de música.

Com certeza. Eu acho que muito disso vem da minha personalidade. Não sou uma pessoa que, uau, chegou e fala alto. Nunca fui muito comunicativa. Eu era aquela criança que se escondia quando chegava visitas em casa. Muito disso também é por causa da frente do palco ter me exposto enquanto compositora. Sofri muito por cantar minhas próprias músicas. Hoje em dia, eu consigo me comunicar, mas tenho bastante vergonha. Cantar na frente das pessoas não é mais um problema. Hoje tenho segurança porque é meu trabalho e sei o que estou fazendo. Eu tinha essa apreensão quanto às coisas darem certo e ao que as pessoas iriam achar. Eu amadureci e liguei o foda-se. Mas a relação com o silêncio vem da minha introspecção. Eu adoro os tempos que não existem. A definição de “música” em alguns dicionários é “sequência de sons e silêncios”. O silêncio também faz parte da música.

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