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Comportamento

A política dos trenzinhos

Como a internet e a política mudaram o dia a dia dos trenzinhos do interior.

A poucos dias da votação parlamentar do processo de impeachment da presidente Dilma Roussef, o Movimento Brasil Livre (MBL) anunciou que levaria o trenzinho Carreta Furacão para uma manifestação neste domingo, 17 de abril, na avenida Paulista, em São Paulo. Em uma só cartada a organização pretende mobilizar mais apoiadores para sua causa sem deixar escapar o bom humor inerente aos jovens dançarinos com fantasias mal-ajambradas. Quem prefere o Capitão América rebolando aos discursos do grupo político teve, então, de se indagar: seguir em frente ou olhar para o lado?

Proprietária da Dominium, a empresa por trás do mais famoso dos trenzinhos, Fabiana Cardoni se limitou a dizer que o Carreta Furacão estará na avenida Paulista nesse domingo. “Já fechamos contrato”, disse ela, após cinco tentativas de contato. Ela não deu mais informações sobre o caso ao ser questionada a respeito dos contratantes para essa ocasião ou quanto a presença do Fofão — a participação de um dos personagens mais queridos dos trenzinhos teria sido vetada pelo seu criador.

Uma espécie de casamento entre fenômeno da internet e um estridente grupo político parece bizarro à primeira vista, mas isso é uma impressão superficial. O MBL é uma das organizações mais articuladas em prol do impeachment da presidente Dilma Roussef, realizando manifestações em todo o Brasil há pelo menos um ano. E os trenzinhos, como mostramos aqui no Risca Faca, compõem um fenômeno cultural do interior do Brasil de características e nuances próprias — especialmente em Ribeirão Preto. O mundo da política e o mundo dos trenzinhos estão mais próximos do que podemos imaginar.

[olho]”A gente faz muita festa universitária, comitiva. Impeachment da Dilma a gente também faz muito”[/olho]

“A gente já fez muito protesto, a gente sempre procura ajudar”, diz Danilo Gabriel. Ele e o irmão Daniel Cirilo são donos da Trenzinho dos Gêmeos, apenas uma dentre cerca de vinte empresas que fazem girar o mercado de diversão de Ribeirão Preto. Assim como a concorrência, os irmãos trabalham segundo a demanda. Fazem festas de aniversário, comitivas de rodeio, festas universitárias e, por que não, eventos políticos. “A gente trabalha muito com vereador”, diz ele. “Em época de eleição o pessoal pega bastante. Tem muita doação pra bairros carentes.”

Uma das participações do Trio Sensação em um protesto contra o governo. Crédito: Divulgação
Uma das participações do Trio Sensação em um protesto contra o governo. Crédito: Divulgação

Proprietário dos trenzinhos Sensação e Barulhão, Adriano Mancilha tem trabalhado mais devido aos recentes acontecimentos políticos. “A gente faz qualquer tipo de evento”, diz ele. “A gente faz muita festa universitária, comitiva. Impeachment da Dilma a gente também faz muito.” Por três ocasiões o show de cores e luzes dos seus trenzinhos deu lugar a faixas com dizeres contrários ao governo federal ou placas de grupos de oposição como o “Vem Pra Rua”. Os dançarinos compareceram em toda e qualquer ocasião. “Eles estão em todas, mas nas políticas eles vão sem se vestir”, afirma Adriano.

[olho]”Os dançarinos estão em todas, mas nas políticas eles vão sem se vestir”[/olho]

Assim como seus concorrentes gêmeos, ele não especifica os contratantes dos eventos políticos. Quando questionado, mastiga algumas palavras. “Partido, promotor, tem muita gente envolvida”, afirma ele. Advogados e empresários também entram nessa lista, mas os contratos são firmados por terceiros na véspera das manifestações. Por isso Adriano ainda tem esperança de que vá trabalhar durante o final de semana que marcará mais um episódio da história recente. “O pessoal contrata em cima da hora”, diz ele. “Se for ter [algum evento] a gente vai ficar sabendo entre hoje e amanhã.”

O poder público é uma saída viável para contratar trenzinhos, especialmente para a população carente. “Como não tem dinheiro, eles vão na câmara municipal e pedem ajuda para os vereadores”. Também não é raro que prefeituras contratem as equipes para animar eventos públicos. O Carreta Furacão, por exemplo, participa de eventos em outras cidades com certa frequência. Wellington Cardoni me contou, no ano passado, que certa vez o grupo se apresentou em Betim, Minas Gerais, a mais de 500 quilômetros de Ribeirão Preto. “A gente faz eventos bacanas com prefeituras, com estrutura.”

Naquele ano, a Associação dos Trenzinhos de Ribeirão Preto mostrava que política não é um assunto estranho dentro desse mercado. O grupo liderou os debates para uma lei para a categoria que regesse, entre outros itens, a circulação mediante cadastro oficial e a música dos veículos. Líder do poder público na discussão, a vereadora do Gláucia Berenice (PSDB) lembra que houve até uma carreata de trenzinhos até a sede legislativa da cidade.

[olho]”A internet mais ajudou que prejudicou: com ela veio o auge”[/olho]

A essa época o grupo já dava sinal de fraqueza devido a disputas internas. Sem saber dessa situação nem tampouco da sua oposição, a internet continuou seu serviço de manter a cultura circulando enquanto meme. O site da Associação não está mais no ar, mas não faltam vídeos e imagens de garotos fantasiados correndo pelo YouTube, Facebook e Whatsapp. “Com isso começou a ter mais trenzinhos em Ribeirão Preto e as músicas evoluíram também, porque antes era música de criança, mas agora tem que ter funk”, diz Danilo, do Trenzinho dos Gêmeos. “A internet mais ajudou que prejudicou: com ela veio o auge.”

Enquanto a popularidade não cai como o Popeye trombando em um ciclista, os trenzinhos aproveitam. Danilo quer aumentar a frota com pelo menos mais duas carretas para esse ano. Dono dos trenzinhos Sensação e Barulhão, Adriano Mancilha afirma que o sucesso na internet não trouxe mudança na sua rotina de trabalho. “A molecada comenta mais agora, né”, diz ele. O Carreta Furacão ainda está tateando a segunda onda de sucesso seis anos depois da primeira explosão na internet. Procurada diversas vezes, Fabiana Cardoni conversou com o Risca Faca delegando a maior parte das perguntas à assessoria de imprensa.

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