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‘Guerra Civil’: perto do incrível

O filme que faz jus ao esforço de criar o universo cinematográfico da Marvel.

Sem meias palavras: “Capitão América: Guerra Civil” é um filme ótimo – e não só um “filme de herói” ótimo. Lançado pouco tempo depois de “Batman vs Superman”, fica ainda melhor (desculpe, Ben Affleck, você fez o que pôde). No papel, há bastante coisa em comum entre os dois filmes: uma discussão sobre a destruição nas cidades causadas pelas épicas batalhas entre heróis e vilões, o valor de vidas individuais em comparação com o bem maior, que é conter os tais vilões, super-heróis cujas visões divergem e, por isso, brigam em longas sequências de ação. O ponto de partida é mais ou menos parecido, mas os caminhos tomados por cada filme são muito diferentes.

Enquanto por décadas estudiosos debaterão as motivações de Batman, Superman e, principalmente, Lex Luthor, em “Capitão América” é possível entender o lado de cada personagem, sentir as dúvidas que cada um deles tem sobre suas posições e a dificuldade que é ficar contra um amigo. Mas não coloquemos o carro na frente dos bois e vamos à premissa: uma batalha dos Vingadores em Lagos, na Nigéria, resulta na destruição de um prédio e na morte de inocentes. Não é a primeira vez que isso acontece, como o filme lembra a seguir, retomando lutas como as de “Vingadores: Era de Ultron”, na fictícia Sokovia, e de “Os Vingadores”, em Nova York. Cada vitória contra um vilão vem com um preço. Até então, os Vingadores agiam por conta própria, e o governo americano quer colocar o fim nessa situação, fazendo um acordo para controlá-los, num esforço entre outros países do mundo. Com grandes poderes vêm grandes responsabilidades e a nova regra é: super-heróis também devem se sujeitar à regulação.

Logo dois lados se formam. Tony Stark, o Homem de Ferro (Robert Downey Jr.), movido pela culpa, é a favor do acordo. Do seu lado ficam Visão (Paul Bettany), Máquina de Combate (Don Cheadle) e a Viúva Negra (Scarlett Johansson) — e os novos recrutas Homem-Aranha (Tom Holland) e Pantera Negra (Chadwick Boseman). Cada um ali tem uma razão, que não cabe aqui explicar. Capitão América, porém, acha que é fundamental que eles mantenham a liberdade. E se houver uma ameaça e eles não puderem agir? Para ele, o mundo estará mais seguro se os heróis puderem resolver os problemas do jeito que acharem melhor — é um mundo estranho em que o bilionário quer mais regulação do Estado e o ex-militar patriota vai contra o governo – algo que só faz sentido por causa de todos os outros filmes da série, que nos prepararam para esse momento.

Com o Capitão América ficam a Feiticeira Escarlate (Elizabeth Olsen), Gavião Arqueiro (Jeremy Renner), Falcão (Anthony Mackie) e o Homem-Formiga (Paul Rudd). O clima ali já não era dos melhores e fica ainda pior quando Bucky Barnes (Sebastian Stan), melhor amigo do Capitão América, entra no meio da história: um lado quer capturá-lo, outro quer salvá-lo.

[olho]Ajuda o fato de que os filmes da Marvel hoje quase funcionam como uma série de televisão, uma narrativa longa formada por vários episódios separados[/olho]

É uma boa discussão e o roteiro, redondinho, faz com que todos os lados da questão sejam razoáveis, coerentes. Ajuda o fato de que os filmes da Marvel hoje quase funcionam como uma série de televisão, uma narrativa longa formada por vários episódios separados. Sabemos quem é o Capitão América, já o vimos em vários filmes diferentes. Também sabemos quem é o Homem de Ferro, sabemos o quanto está em jogo para cada um deles. Quando, na cena do trailer, Capitão América diz para o Homem de Ferro que Bucky é seu amigo e ele responde “eu também era”, há um peso ali. Com tantos personagens em cena (realmente, são muitos), é difícil dar a cada um seu próprio arco, construir pessoas complexas, com motivações compreensíveis e diferenças difíceis de serem resolvidas.

Os novos personagens, aliás, são quase todos introduzidos com perfeição. O Pantera Negra de Chadwick Boseman, que tem um papel importante na trama, anima para seu primeiro filme solo, que estreia em 2018. Como alguém que não tinha embarcado completamente na ideia de um terceiro Homem-Aranha em tão pouco tempo, devo dar o braço a torcer e reconhecer que a participação de Tom Holland é excelente. Seu herói tem personalidade, empolga e é engraçado. Outro ponto a favor de “Capitão América”: o filme não é só (ótimas) lutas e grandes discussões. Ele é divertido — e as melhores piadas não foram reveladas no trailer. O ponto fraco é o vilão, Zemo (Daniel Brühl). Ele não compromete, mas é apenas ok. Em um filme com tantos heróis, era de se esperar um vilão mediano.

Que Robert Downey Jr. seja todo o ano o ator mais bem pago do mundo, à frente de, por exemplo, Jennifer Lawrence com seu conjunto “Jogos Vorazes + X-Men + várias indicações ao Oscar”, não cansa de me surpreender. Mas foi com seu Homem de Ferro que a Marvel inaugurou esse universo, com tantas histórias entrelaçadas. Foi uma estratégia e tanto, do ponto de vista deles (quem acompanha o universo provavelmente vai continuar vendo os filmes) e do espectador, que sabe que em algum ponto do ano vai ter um filme que pode ser incrível, mas no mínimo será reconfortante como uma macarronada de domingo. No caso de “Capitão América: Guerra Civil”, felizmente, o nível está mais próximo do “incrível”.

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